Eleições
Elio Gaspari: Uma festa séria para 2022
O Brasil era atrasado, mas não se orgulhava disso
Tomando notas para sua obra “Efemérides brasileiras”, o Barão do Rio Branco registrou que amanhã, há 200 anos, realizou-se a “eleição primária de eleitores de paróquia no Rio de Janeiro. Foram as primeiras eleições desse gênero a que se procedeu no Brasil”.
O barão foi um obsessivo pesquisador da linda História do Brasil, e a Fundação Alexandre de Gusmão botou na rede as suas “Efemérides”, tornando-as acessíveis para pesquisadores.
Essa migalha aponta para a importância de outra data: no dia 7 de setembro de 2022, comemoram-se os 200 anos da Independência do Brasil. Afora a provável reinauguração do Museu do Ipiranga, não se tem notícia de iniciativa séria para que ela seja lembrada. Nem há muito que se possa esperar.
Em 1922, quando o Brasil fez 100 anos, viveu-se um ano de festas. O país tinha um pé no atraso, mas encantava-se com o progresso. O Rio mudou de cara, realizou-se uma exposição internacional, e várias nações ergueram pavilhões para mostrar seus produtos. O da França hospeda hoje a Academia Brasileira de Letras.
Cinquenta anos depois, no governo do general Emílio Médici, produziu-se uma patriotada circulando pelo país os ossos de D. Pedro I, até que os puseram numa cripta no Museu do Ipiranga. (Anos depois, descuidada, virou mictório.) Enquanto o mito banal ia de um lugar para outro, a verdadeira figura do primeiro imperador era escondida. Foi proibida a transcrição do decreto pelo qual aboliu a censura à imprensa. Com a economia crescendo a taxas de milagre, a ditadura podia dizer que, com censura, o Brasil era um país que ia “pra frente”.
Até 2022, o Estado continuará empurrando o Brasil para trás. Como diria Lula, “nunca na história deste país” foi tão forte o culto ao atraso, um atraso sinistro. Em 1922, já havia sido instituída a vacina obrigatória contra a varíola. Anos antes, quando a epidemia da Gripe Espanhola bateu em Pindorama, a taxa de estupidez que a acompanhou foi desprezível numa comparação com o espetáculo da pandemia de hoje. O Brasil era atrasado, mas não se orgulhava disso. Pelo contrário, encantava-se com os bondes, o rádio e os aviões.
O bicentenário cairá no meio da campanha eleitoral, e a capacidade do governo para produzir novas patriotadas será infinita. Daqui até lá, de algum lugar poderá sair uma discussão para entender que Brasil é este. A geração que fez a Independência tinha nível, e D. Pedro I foi um grande personagem. Deu-se atenção demais ao que fazia deitado quando, além de ter proclamado a Independência do Brasil, liderou uma revolta liberal em Portugal para colocar sua filha no trono.
Nos anos 1970, o criminoso Lúcio Flávio Vilar Lírio celebrizou-se com a frase “bandido é bandido e polícia é polícia”.
Lúcio Flávio queria apenas que cada um ficasse no seu quadrado. As coisas pioraram.
O delegado Alexandre Saraiva, superintendente da Polícia Federal no estado do Amazonas desde 2017, foi criticado pelo ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, depois de ter realizado a maior apreensão de madeira de todos os tempos. Ele disse à repórter Camila Mattoso:
— Ou a gente faz um país baseado na lei ou faz baseado no crime.
Pedro Fernando Nery: Após a queda de Trump, quem será o 'Biden brasileiro'?
Caberá ao Biden nacional combater a desigualdade de renda e abrir um futuro de maior produtividade para a economia
Pela ocasião da alta votação de Joe Biden em 2020, que reuniu um amplo espectro de apoio para derrotar Trump, muito se especulou sobre quem seria “o Biden brasileiro”. Perto da marca dos 100 primeiros dias do novo presidente americano, já é possível vislumbrar quais temas quer transformar. Um que destoa é o da infância, com uma espécie de renda universal infantil. Quem será o Biden brasileiro?
Biden já conseguiu sancionar uma de suas propostas de campanha: o pagamento de US$ 250 mensais para a maior parte das crianças e adolescentes americanos, com valor ampliado para US$ 300 no caso das crianças de até seis anos (1.ª infância). Não se exige que pais não tenham emprego.
Os valores passam a ser decrescentes para famílias com maior renda. Para outro limite de renda, não há direito ao pagamento (uma renda equivalente à do décimo mais rico dos americanos). Como poucas crianças estão em famílias no topo da distribuição de renda, o benefício é semiuniversal.
É uma grande mudança: os EUA estão entre poucos países desenvolvidos a não possuir esse benefício. Uma renda universal para crianças, ou semiuniversal, é praticada em boa parte da OCDE e é parte integrante do modelo de Estado de bem-estar social europeu – só parcialmente importado por essas bandas. Mesmo países de tradição anglo-saxônica pagam o benefício, como Austrália e Canadá.
Como seria se o Brasil replicasse a iniciativa americana? Evidentemente os valores de US$ 300 mensais estão distantes de nossa realidade. Mas comparando com a renda per capita dos dois países, o plano de Biden equivaleria no Brasil a dobrar o benefício variável do Bolsa Família – hoje de R$ 41 por criança.
Significaria também estendê-lo para milhões que não recebem benefício algum, por não serem de famílias pobres o suficiente para receber o Bolsa nem ricas o suficiente para declarar imposto de renda (que gera um benefício indireto: a dedução por dependente).
Sempre cabe ressaltar que 4 a cada 10 crianças brasileiras viviam na pobreza mesmo antes da pandemia, com número piores para as que vivem somente com a mãe, as negras, as na 1.ª infância. Entre estas, no cálculo de Naercio Menezes, metade continua abaixo da linha da pobreza mesmo recebendo o Bolsa Família – tamanha a insuficiência de renda. Nos EUA, estima-se que a taxa de pobreza infantil caia agora à metade.
Da Universidade de Columbia em Nova York, o Centro de Pobreza e Política Social estima que o retorno da nova política de proteção social americana será de oito vezes o seu custo para o contribuinte, pelos seus efeitos poderosos sobre o desenvolvimento infantil. O retorno vem no futuro de mais impostos arrecadados (porque o benefício amplia as possibilidades de o adulto de amanhã conseguir emprego, e emprego com melhores salários) e menos gastos (inclusive com saúde e até segurança pública e justiça, dada a triste vulnerabilidade do público beneficiado).
Propostas responsáveis de uma renda universal infantil foram feitas no Brasil em anos recentes por pesquisadores associados ao Ipea. Versões tramitam no Congresso. Em 2019, especulou-se que o governo Bolsonaro apresentaria uma proposta. Nicholas Kristof, articulista do The New York Times, resumiu a dificuldade que esse tipo de proposta tem em angariar apoio da sociedade: crianças não escrevem colunas, não votam e não contratam lobistas.
Rosa DeLauro, deputada americana que autorou o projeto da Lei da Família Americana – base do programa de Biden, acredita que a pandemia expôs a vulnerabilidade desse grupo da população e permitiu a aprovação da proposta. Ela advogou pelo benefício por 18 anos. DeLauro, como Biden e Nancy Pelosi (presidente da Câmara), integram o grupo de democratas católicos – influenciados pela doutrina social.
Mas lá, ao contrário daqui, conservadores também aderiram à pauta. Mitt Romney, o republicano vencido por Obama nas eleições presidenciais de 2012, apresentou proposta de renda universal infantil permanente, ainda mais ousada que a de Biden (que é por ora apenas temporária). Justificou o projeto da Lei de Segurança das Famílias tanto pela redução da pobreza como pela promoção dos casamentos.
Outros conservadores americanos interessados nesse tipo de benefício argumentam pela diminuição de divórcios, aumento da natalidade, redução de abortos e maior estabilidade nos lares. Pauta que deveria ser abraçada pelos defensores da família.
Com a solução apenas temporária para o auxílio emergencial de 2021, o debate sobre proteção social segue aberto no Brasil. Caberá ao Biden brasileiro liderar uma transformação do Orçamento, combatendo desigualdade de renda geracional e abrindo um futuro de maior produtividade para a economia.
*Doutor em economia
Ricardo Noblat: Ciro Gomes passa recibo do seu incômodo com Lula candidato
A democracia só tem a ganhar
No dia em que Lula apareceu numericamente à frente de Jair Bolsonaro na mais recente pesquisa XP/Ipespe, Ciro Gomes (PDT), ex-governador do Ceará, aspirante a candidato a presidente da República pela quarta vez, pediu-lhe a “generosidade” de não disputar as eleições presidenciais do ano que vem. Que tal?
A fazê-lo, Ciro defendeu que Lula se inspirasse no “passo para trás” da ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner que concordou em ser vice de Alberto Fernández, ajudando assim a elegê-lo. Segundo Ciro, se Lula for candidato, Bolsonaro se aproveitará do antipetismo para tentar emplacar um segundo mandato.
“Imagine uma campanha: Bolsonaro, querendo se recuperar da impopularidade, lembrar a esculhambação do Palocci, a esculhambação do José Dirceu, a esculhambação de não sei de quem”, argumentou. “E do outro lado, o cabra dizendo que os filhos do Bolsonaro são ladrões. É isto?” Se o eleitor quiser, será.
Lula não respondeu ao pedido de Ciro. E o que Ciro disse inspirou memes que viralizaram na internet. E se países da América Latina pedissem ao Brasil que não disputasse a fase de classificação para a Copa do Mundo no Catar? E se no carnaval pós-pandemia as demais escolas pedissem à Mangueira para não desfilar?
A proposta de Ciro trai seu desconforto com a situação criada pelo Supremo Tribunal Federal ao suspender as condenações de Lula nos processos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. Com isso, o ex-presidente recuperou os direitos políticos e tornou-se elegível. Ciro contava em enfrentar Fernando Haddad.
Para aumentar as dificuldades de Ciro, Lula tem dito que pretende primeiro reunificar a esquerda até onde for possível, para depois sair à caça do apoio de partidos do centro e até mesmo da direita. Esse seria um espaço que Ciro imaginava ocupar, e ainda imagina. Só que as coisas ficaram piores para ele, mas não só para ele.
Ultimamente, Ciro chegou a falar que Bolsonaro, desgastado pelo péssimo governo que faz, arrisca-se a não disputar o segundo turno da eleição de 2022. É possível, mas não é provável. E que ele, Ciro, então iria para o segundo turno como alternativa a Lula. Nada mais corriqueiro na política do que o autoengano.
O efeito Lula está produzindo uma limpeza no terreno dos que planejavam disputar a sucessão de Bolsonaro. Isso não é necessariamente ruim, muito pelo contrário, se resultar em candidaturas mais densas e representativas das principais correntes de pensamento político do país. A democracia agradece.
Chapecó, a cidade modelo de Bolsonaro no combate à Covid
UTIs lotadas, a economia bombando
O presidente Jair Bolsonaro aproveitou, ontem, a entrega de casas populares no Distrito Federal para anunciar que desembarca, amanhã, em Chapecó, município de 225 mil habitantes em Santa Catarina, distante 550 quilômetros de Florianópolis.
Motivo da visita: o “trabalho excepcional” feito pela prefeitura de Chapecó no combate à pandemia. Um trabalho, segundo ele, que deu liberdade aos médicos para prescreverem o tratamento precoce da doença. O ministro da Saúde irá com ele.
Chapecó está com 100% das UTIs lotadas. Acumula mais mortes por 100 mil habitantes do que o país e o Estado. Dos 537 mortos pelo vírus, mais de 410 foram registrados somente este ano. Em fevereiro último, o sistema de saúde entrou em colapso.
Apesar disso, o prefeito João Rodrigues (PSD) garante que a doença “está 100% controlada”. O que tem, segundo ele, “são as UTIs lotadas”. Mesmo assim, em Chapecó, cidade onde “a economia bomba”, é “proibido falar em lockdown”.
Bolsonaro vai sentir-se em casa.
Ricardo Noblat: Gilmar Mendes faz história e abre passagem a Lula
Aumenta o risco de Bolsonaro morrer na praia em 2022
Data vênia aos demais ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, e por extensão aos demais, Gilmar Mendes fez história ao comandar o pelotão de fuzilamento da reputação do ex-juiz Sergio Moro, considerado suspeito de ter sido parcial nos processos de condenação de Lula pela justiça de Curitiba.
Tiraram Gilmar para dançar e deu nisso. Não foi por falta de aviso. No final de 2018, quando Lula entrou no Supremo com o pedido de habeas-corpus para declarar Moro suspeito, Gilmar propôs levá-lo direto ao exame do plenário do tribunal. Por 4 votos contra o dele, a Segunda Turma achou que caberia a ela julgar o pedido.
Então Gilmar, como presidente da Segunda Turma, propôs a concessão de uma liminar para libertar Lula. Foi derrotado por 3 votos contra dois – o dele e o do ministro Ricardo Lewandowski. Inconformado, pediu vista e o julgamento acabou suspenso. Lula só seria solto em novembro de 2019. Foram 580 dias preso.
Para salvar Moro da suspeição e preservar o que fosse possível da Operação Lava Jato, o ministro Edson Fachin decretou a anulação das condenações de Lula, alegando que o foro de Curitiba não era o mais adequado para julgá-lo. Calculou que a sua inviabilizaria qualquer posterior decisão da Segunda Turma contra Moro.
Deu ruim para ele, Moro, os procuradores da República de Curitiba e quem mais torcia por um desfecho contrário a Lula. Fachin mandou que os processos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia fossem devolvidos à primeira instância em Brasília, sem anular, porém, as provas que eles continham. Perdeu.
As provas foram anuladas pela Segunda Turma. Os processos terão que recomeçar. Ou serão arquivados. Lula, agora, está duas vezes livre – da cadeia e das condenações que lhe pesavam. Três vezes livre, porque faltará tempo hábil para que possa voltar a ser ficha suja antes das próximas eleições.
Agradeça a Gilmar, em primeiro lugar, a Lewandowski, em segundo, e ao voto de desempate da ministra Cármen Lúcia. Agradeça também a Fachin que lhe abriu as portas da recuperação. E, se quiser, pode tripudiar sobre o ministro Nunes Marques, que deve o emprego ao presidente Jair Bolsonaro, e foi voto vencido.
No Supremo, já se viu muita coisa, até troca de desaforos de ministros aos berros e golpes aplicados abaixo da cintura. Mas nunca se viu um ministro, no caso Gilmar, reduzir a pó o voto do outro, no caso Nunes Marques, que saiu dali humilhado do ponto de vista de conhecimentos jurídicos e com a pecha de covarde.
O governo passou recibo de pronto. Auxiliares do presidente da República confidenciaram que ele não esperava o que aconteceu, e que isso fortalecerá a pretensão de Lula de enfrentá-lo na eleição do ano que vem. A leitura da situação está correta. É a mesma feita por articuladores de uma candidatura de centro.
Cuide-se, Bolsonaro. Aumentou o risco de sua reeleição ir pelo ralo já na disputa do primeiro turno.
Vá para casa, capitão Bolsonaro!
A posse clandestina do ministro da Saúde
Na época da Revolução dos Cravos, Portugal teve um 1º ministro com fama de doidinho da silva – o Almirante Vasco Gonçalves. Um dia, a parede branca que cercava o maior sanatório de Lisboa amanheceu pichada com a frase: “Volte para casa, Almirante”. O Palácio do Planalto carece de paredes externas.
Nem por isso deixa de abrigar a insensatez em alto grau . Nunca antes na história dos governos, pelo menos desde a redemocratização do país, viu-se posse clandestina de ministro de Estado. Ou melhor: não se viu. Aconteceu, ontem, quando o médico Marcelo Queiroga tomou posse como ministro da Saúde.
O distinto público não foi avisado com antecedência. A nomeação de Queiroga sequer havia sido publicada no Diário Oficial. Na agenda do presidente Jair Bolsonaro, distribuída todas as manhãs, não constava o ato de posse. Até o início da madrugada de hoje não foi divulgada nenhuma fotografia da solenidade excepcional.
O que deu no presidente? Foi grande o desgaste que ele sofreu por ter mantido o país sem ministro da Saúde por 8 dias em meio à pandemia. Há 8 dias, demitiu o general Eduardo Pazuello da boca para fora, uma vez que ele continuou ministro. E da boca para fora admitiu Queiroga, que continuou sem ser ministro.
Não bastasse tal comportamento inédito e, convenhamos, esquisito, o fez ao longo de uma pandemia que só bate recordes. Bateu mais um. Foi a primeira vez que em 24 horas, o número de mortes pela Covid-19 ultrapassou a casa dos 3 mil. Hoje, o total de mortos vai atingir a marca inacreditável de 300 mil.
O vírus já é a principal causa de óbitos no país, segundo o jornal O GLOBO. Doenças cardiovasculares levam em média 3 dias para matar 3 mil pessoas; o câncer, cinco dias; a violência, 19; e acidentes viários, 28. A dar-se crédito a Bolsonaro, não passaria de uma “gripezinha” que, em dezembro, estava “no finalzinho”.
Ignora-se, por enquanto, o destino de Pazuello. Se não voltar a ser ministro, se não for indicado para um cargo que lhe garanta o direito de só ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, responderá a processos na primeira instância da justiça. E qualquer juiz, de repente, poderá mandar prendê-lo.
Pense na encrenca que seria um general, e ainda por cima da ativa, preso, mesmo que solto depois. Bolsonaro carregará mais essa na sua folha corrida? Seu aniversário de 66 anos foi comemorado no último domingo. Mas o inferno astral cavado por ele não passou. Ao falar ao país, foi recepcionado com um panelaço.
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, rejeitou a ação impetrada por Bolsonaro contra medidas de isolamento mais rígidas baixadas pelos governadores da Bahia, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Bolsonaro disse outra vez que não deseja para ninguém o cargo que ocupa. Simples: vá pra casa, capitão!
Vera Magalhães: Bolsonaro fora do segundo turno?
Cresce nos meios políticos e entre os analistas a crença de que o segundo turno de 2022 pode se dar sem a presença de Jair Bolsonaro. Não é por outra razão que dia sim, outro também, o presidente aumenta a estridência de suas declarações e as ameaças a adversários com supertrunfos como o estado de sítio.
Mas como se daria esse cenário do presidente fora da reta final da disputa? Como o impeachment ainda parece uma possibilidade pouco provável, não pela falta de crimes de responsabilidade a granel, mas de apetite do Congresso, coragem das forças econômicas e perda mais significativa de respaldo popular (que pode vir e puxar as outras duas variáveis), a construção tem de ser pela política.
A volta de Lula ao tabuleiro eleitoral, anabolizada na tarde desta terça-feira pelo julgamento do habeas corpus de sua defesa pela Segunda Turma do STF, que reconheceu a suspeição de Sergio Moro para julgá-lo, foi o primeiro fator a ameaçar a presença garantida de Bolsonaro na “final” no ano que vem.
Embora as pesquisas ainda sejam muito equilibradas e mostrem resultados numericamente divergentes quanto a quem levaria a melhor entre os antagonistas Bolsonaro e Lula, a se manter o caos na pandemia e, consequentemente, na economia, a balança tende a pender para o lado do petista mais e mais.
Outro fator a ameaçar a reeleição do capitão é o desejo manifestado nessas mesmas pesquisas por boa parte do eleitorado de votar em alguém que não seja nem Bolsonaro nem um petista (lembrando sempre que Lula está elegível hoje, mas seus processos serão reiniciados, não se sabe de que ponto, pela Justiça Federal no DF).
Até aqui a dúvida dominante era a respeito de quem enfrentaria Bolsonaro no returno: Lula ou um candidato alternativo? Agora não é absurdo pensar na possibilidade de o confronto decisivo ocorrer entre o petista e essa terceira via.
Não, isso ainda não está dado. Bolsonaro tem pelo menos 22% de apoio ainda declarado, de acordo com o mais pessimista dos levantamentos de opinião. Mas é algo possível de construir pela política, caso os partidos acordem do sono letárgico em que parecem hibernar, em meio à situação mais caótica em todas as frentes que o Brasil já enfrentou.
Também é um movimento que já está em marcha em amplos setores da sociedade, como mostram indicadores tão distintos como o manifesto com mais de mil assinaturas dos economistas em prol da racionalidade no trato da pandemia, os panelaços de “Fora Bolsonaro”, as reações ao estado policialesco contra adversários do presidente e o crescente desconforto até no apalermado Congresso Nacional com o desgoverno reinante e o galope descontrolado de mortes em todo o território nacional.
Aconteceu o mesmo com Donald Trump. Por lá, a pandemia foi um fator a galvanizar esses descontentamentos, que estavam difusos, e a forçar a oposição do Partido Democrata a se unir em torno de Joe Biden.
Aqui começam timidamente ensaios de arranjos de chapas que pudessem limpar o meio de campo de muitos candidatos perna de pau nas pesquisas e fazer surgir uma dupla competitiva. Nos últimos dias, fui procurada por articuladores de partidos com composições as mais diversas. Alckmin-Mandetta? Alexandre Kalil-Luiza Trajano? A mais manjada Luciano Huck-Moro? Em cada uma há senões, guerras de egos, vetos dentro desse e daquele partido e hesitação dos envolvidos. Mas o que há mesmo é a falta, até aqui, de consciência por parte do establishment político não petista de que é possível construir essa alternativa, desde que o diálogo comece agora, seja sistemático, envolva setores amplos da sociedade civil para além dos partidos e contemple uma alternativa concreta de projeto de país para reconstruir o que foi destruído por Bolsonaro.
Murillo Camarotto: Eleições, polarização e desertos de notícias
Colapso do jornalismo regional vai corroendo pilares da democracia
Tip O’Neill, antigo presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, ficou famoso por ter dito que “toda a política é local”. O argumento central era de que as grandes questões globais movem paixões e manchetes, mas importam menos na vida do cidadão comum do que as decisões tomadas na comunidade na qual ele está inserido.
Desde que a frase ganhou notoriedade - já há algumas décadas -, observadores da política americana vêm percebendo algumas transformações nesse conceito. Na esteira da polarização explosiva experimentada naquele país, as eleições locais passaram a refletir muito mais as questões ideológicas do que aquelas voltadas às realidades e necessidades comunitárias.
Esse fenômeno é intensificado pela aguda crise pela qual passa o jornalismo local nos Estados Unidos. O fechamento de redações dedicadas à cobertura de questões regionais - muitas delas centenárias - cresce a um ritmo assustador e suscita debates sobre os riscos desse processo para a democracia.
Na semana passada, em uma carta de 11 páginas encaminhada ao Congresso americano, o presidente mundial da Microsoft, Brad Smith, chamou atenção para o problema - em parte causado pelas gigantes da tecnologia. Smith relembrou a frase de O’Neill com o complemento de que “a democracia floresce ou murcha em nível local”.
Por aqui, caminhamos para o que pode ser a eleição mais polarizada desde o fim da ditadura militar. Nesse ambiente contaminado, as necessidades locais tendem a ter um peso cada vez menor na escolha dos eleitores.
Em condições naturais, candidatos a governador, senador, deputado estadual e deputado federal deveriam ser avaliados com base em suas realizações nos respectivos domicílios eleitorais, e não apenas no lado em que estarão na polarizada disputa federal.
Está ficando mais difícil, entretanto, conhecer a fundo o desempenho (ou ficha corrida) desses candidatos. Assim como na América, o jornalismo local agoniza por aqui, deixando no escuro vastas regiões do país, já batizadas no meio acadêmico de “desertos de notícias”.
Tecnicamente, os desertos de notícias são municípios nos quais não há nenhum tipo de veículo jornalístico. Os dados mais atualizados do “Atlas da Notícia”, organizado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), mostram que 62% das cidades brasileiras não têm hoje nenhuma imprensa local, o que representa 18% da população.
O problema, no entanto, é bem mais grave. Mesmo em regiões que ainda dispõem de órgãos de imprensa, a cobertura local é muito pobre. Por todo o país, diários tradicionais enfrentam diversas dificuldades operacionais e financeiras e rumam a passos largos para a irrelevância.
Em cidades importantes, como João Pessoa (PB), o jornalismo impresso acabou bem antes de ser concluído o processo de inclusão digital da população. Em outras capitais onde os periódicos de papel ainda circulam, as páginas de política priorizam a reprodução de notícias nacionais, a despeito dos temas mais caros à comunidade.
Nesse cenário, prefeituras, câmaras de vereadores, assembleias legislativas e tribunais de Justiça vão se acostumando à confortável ausência dos repórteres. As descobertas de escândalos locais rareiam, enquanto prosperam os blogs e timelines politicamente comprometidos.
É o terreno fértil para a proliferação do que os americanos chamam “folk teories”, histórias distorcidas que se espalham pelas redes sem qualquer base empírica, que acabam ganhando respaldo em uma parcela da sociedade e, fatalmente, influenciando as urnas.
Sem fontes confiáveis de informação, os cidadãos ficam expostos ao buraco negro das redes sociais. A utilização massiva de bancos de dados com bilhões de informações pessoais fez estragos pelo mundo afora nos últimos anos, com maior destaque para as eleições americanas e o referendo do Brexit.
No caso americano, a Cambridge Analytica mapeou os polos de indecisos e, com base em informações pessoais surrupiadas, bombardeou toda essa gente com memes e mentiras contra os adversários de seus clientes. Deu certo.
No Brasil, teremos as primeiras eleições gerais sob a vigência de Lei Geral de Proteção de Dados, mas os efeitos da regulação sobre o uso das informações pessoais pelas candidaturas ainda é incerto. Certo é que não devemos subestimar a nossa vulnerabilidade à manipulação.
A influência das redes no pleito será, mais uma vez, gigantesca. Estudiosos projetam uma prevalência dos vídeos curtos, atualmente em moda em plataformas como o Instagram e o novato TikTok. Nesse oceano, o jornalismo profissional terá que gritar ainda mais alto para ser ouvido.
“Reconheço que a tecnologia tem criado tantos problemas quanto benefícios. E esses problemas pedem novas e urgentes soluções”, reconheceu o executivo da Microsoft em sua manifestação.
Na Europa e na Austrália, o acerto de contas entre o jornalismo e as gigantes tecnológicas está mais avançado. A imprensa australiana conseguiu garantir mais dinheiro para o conteúdo que coloca na internet.
Ainda assim, o quinhão dedicado aos jornais locais é miserável, insuficiente para dar alguma sobrevida. Na França, Canadá e Reino Unido, já se discutem formas de socorro estatal, por meio de um novo enquadramento tributário. Nesses países, já amadureceu a percepção de que a debacle do jornalismo regional pode vitimar também a democracia.
É bem provável que eu venha a ser criticado por considerar a possibilidade de uma política pública de respaldo ao jornalismo profissional - sobretudo em nível regional. Mais provável ainda é que boa parte dos críticos tenham o hábito de consumir algum tipo de noticiário sem pagar nada.
Outros caminhos podem ser sugeridos, o importante é que o problema seja reconhecido, afinal, de negacionismo já estamos bem servidos. Para esse e outros dramas nacionais, jornalismo sério é a vacina.
Marcus Pestana: Nada é tão ruim que não possa piorar
A democracia moderna nasceu nos escombros do feudalismo para dar vazão ao nascente capitalismo. A monarquia absolutista, as barreiras comerciais, a fragmentação territorial eram obstáculos à expansão da livre iniciativa que demandava liberdade para que empresários, trabalhadores e consumidores se movimentassem livres e descentralizadamente no mercado. Na Inglaterra, na França e nos EUA moldou-se a democracia, com o Estado laico e liberal, eleições livres, separação dos poderes e partidos políticos como instrumentos de disputa política. Ao sistema político caberia arbitrar os conflitos e apontar os rumos.
No Brasil, temos uma democracia consolidada, mas jovem. Períodos democráticos são raros: apenas o interregno de 1945 a 1964 e a Nova República, de 1985 a 2021, podem ser caracterizados como ciclos democráticos. O Estado sempre foi forte e a sociedade frágil. O populismo, o caudilhismo, o autoritarismo, o personalismo tiveram presença central na história política brasileira.
Agora, em plena crise que se abateu sobre nós – sanitária, econômica, política e social, bastou o Ministro Edson Fachin devolver a elegibilidade ao ex-presidente Lula, para fervilhar no mundo político uma absurda antecipação da sucessão presidencial, dentro da camisa de força maniqueísta da polarização dos extremos. À sociedade não interessa, neste momento, a candidatura de ninguém. As pessoas estão preocupadas com vacina, emprego, sobrevivência e auxílio emergencial.
Descobri cedo a distância entre modelos ideais e a política real. Se dependesse de mim e das minhas convicções, já teríamos um sistema parlamentarista baseado no voto distrital misto proporcional e um quadro partidário consistente e racional. Nada mais distante de nossa realidade.
O presidencialismo americano se organiza em torno de dois grandes partidos – democratas e republicanos. Na Assembleia Nacional Francesa, há a presença de 15 partidos políticos, mas o “A República em Marcha”, do Presidente Emmanuel Macron, ocupa 303 das 577 cadeiras, garantindo estabilidade e governabilidade. O Congresso espanhol tem 16 partidos, mas a dinâmica política gira em torno de 4 grandes partidos (PSOE, PP, Vox, Podemos). Na Itália, a mesma coisa, as colunas vertebrais são o Movimento 5 Estrelas, Liga Norte, PD e Força Itália. Não é diferente em Portugal, com o PS e o PSD dominando a cena.
Aqui no Brasil, a situação é sui generis. São 24 partidos representados no Congresso, sendo que o próprio Presidente da República está sem partido e a fragmentação é total. Os dois maiores partidos na Câmara dos Deputados, PSL e PT, têm pouco mais de 50 cadeiras num total de 513. Qualquer governo terá imensa dificuldade de formar maioria sólida e estável.
Mas, nada é tão ruim que não possa piorar. O parlamentarismo já levou duas lavadas nos plebiscitos de 1962 e 1993. Fui o autor da PEC do voto distrital misto na reforma de 2015, que precisava de 307 votos e só teve 99. Salvamos dois avanços: a cláusula de desempenho e o fim das coligações proporcionais, o que a longo prazo, esperamos racionalizar o quadro partidário brasileiro e sua representação.
Não é que o “Centrão” começou a se movimentar para acabar com esses dois pequenos avanços já em 2022 e retrocedermos à situação anterior. Como disse Tom Jobim, definitivamente “O Brasil não é para principiantes”.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Adriana Fernandes: É o fim da linha daqui para frente da agenda econômica
PEC foi última chance para Guedes aprovar cortes permanentes de gastos
A PEC do auxílio emergencial aprovada esta semana pelo Congresso foi a última chance real do ministro Paulo Guedes de aprovar medidas de corte de despesas permanentes até o término do governo Jair Bolsonaro.
É fim de linha daqui para frente nesse campo da agenda econômica. A equipe de Guedes optou e brigou até o último momento para amarrar a concessão do auxílio a um conjunto de medidas que desse um norte para a trajetória das contas públicas nos próximos anos.
Não ganhou tudo. Nem perdeu todo o pacote, como disse o próprio presidente Jair Bolsonaro a Guedes para justificar a sua atuação na linha de frente para desidratar os gatilhos, que são as medidas fiscais a serem acionadas no futuro para o controle de despesas. Acabou sendo liberada a progressão automática nas carreiras, permitindo aumento nos salários.
Bolsonaro subiu no muro se equilibrando entre a base eleitoral e a (falsa) narrativa de responsabilidade fiscal que ele abraça toda vez que o mercado financeiro entra em turbulência com alta do dólar, dos juros e queda da Bolsa. O saldo final poderia ter sido o auxílio sem as tais contrapartidas fiscais, que o ministro colocou na mesa de negociação num jogo de tudo ou nada. Não foi 8 nem 80.
Como o cenário pior (de fatiamento da PEC) não se concretizou, o Ministério da Economia comemora e monta agora uma força-tarefa para mostrar que foi aprovada uma “boa PEC”, com a derrubada de vários destaques retirando todos os gatilhos.
Num ambiente de traições dentro do próprio governo, os integrantes da equipe econômica partiram para a negociação direta no Congresso nos dias da votação, entre eles, Roberto Campos Neto. O presidente do Banco Central foi vítima até mesmo de fake news de que estaria de acordo com a blindagem aos servidores das Forças militares. Teve de ir a campo para desmentir e apoiar a PEC com os gatilhos.
Agora, eles trabalham para dar luz aos ganhos da PEC, mostrar o que “ninguém está vendo”: o resto da PEC. A narrativa é que o texto aprovado muda toda a trajetória de despesas, como aconteceu com a reforma da Previdência, aprovada no primeiro ano do governo. Assim como a Previdência, a PEC fiscal não promove a queda das despesas, mas desacelera.
Como muitos economistas mostraram, porém, não há redução de despesas obrigatórias para já, uma vez que as contrapartidas se transformaram em expectativa de melhoria da despesa futura. O teto de gastos também continuará pressionando o Orçamento, uma vez que não houve abertura de espaço nas despesas obrigatórias, como se esperava no início da discussão da PEC.
As condições aprovadas no texto só garantem o acionamento dos gatilhos entre 2024 e 2025, preservando 2022 (ano de eleições) de medidas mais duras. O reforço do programa Bolsa Família, outro problema para os políticos, tudo indica estará resolvido no segundo semestre com a “economia” que será feita durante o pagamento das parcelas do novo auxílio emergencial.
Após a votação da PEC, a equipe econômica quer partir com tudo para a reforma administrativa como prioridade da agenda. Mas a proposta não afeta os servidores atuais e tampouco terá foco de corte de gastos. Restará ampliar a linha de defesa para evitar aumento de gastos e perda de arrecadação num ambiente contaminado pela disputa eleitoral. No jogo, vai ter de trabalhar na retranca para os gastos não explodirem nem ter perda de arrecadação com mais benesses.
Para as lideranças, o Congresso fez a sua parte aprovando a PEC. Está todo mundo exausto desse debate e querendo virar a página. A antecipação das eleições de 2022 é a principal razão para a pauta de ajuste fiscal minguar entre os governistas, que querem reforçar o “cheque” ao presidente para ganhar a eleição.
Guedes e o seu discurso de ajuste em nada ajudam nesse caminho. A articulação do presidente durante a votação ampliou ainda mais o divórcio do Palácio do Planalto com as medidas da política econômica do início do governo.
Daí que, à boca pequena, no mundo político de Brasília, o que se fala, desde as eleições para as presidências da Câmara e do Senado, é que o Centrão “daria” a Guedes a aprovação de mais “uma ou duas reformas” antes da sua saída do governo, que estaria contratada pelo próprio presidente. É provável que essa espada no pescoço do ministro fique pairando no ar para ele ceder e ceder cada vez mais.
João Gabriel de Lima: Só os ingênuos acham que a campanha será em 2022
Se postulantes não colocarem logo os blocos na rua, Lula e Bolsonaro brincarão sozinhos o carnaval das eleições
A ideia de que é cedo para iniciar uma campanha presidencial, dado que temos uma pandemia para combater, é politicamente ingênua. Em democracias, os eleitores estão sempre julgando potenciais candidatos. Para os governantes, fazer a coisa certa em situações de crise é parte da campanha. Se os resultados aparecem, aumentam as chances de reeleição.
O raciocínio vale para os opositores. Nas situações de crise, eles têm a oportunidade – e a obrigação – de fiscalizar e criticar. Devem também apresentar alternativas, para que o eleitor acredite que farão melhor caso conquistem o poder.
Tal regra básica das democracias merece ser lembrada nesta semana, em que o ex-presidente Lula, para usar uma expressão dele próprio, colocou seu bloco na rua. Fez um discurso clássico de candidato dois dias depois da decisão do juiz Edson Fachin – tão clássico que não assumiu ser candidato. Em sua fala, colocou-se na posição de antagonista preferencial do atual presidente, Jair Bolsonaro – que está em campanha desde o primeiro dia de governo.
O editor Daniel Bramatti, da área de jornalismo de dados do Estadão, analisou no domingo, dia 7, uma pesquisa em que Lula lidera o potencial de voto para 2022. Em segundo lugar aparece Bolsonaro. No levantamento feito pelo instituto Ipec, os dois têm uma certa folga sobre o segundo pelotão – composto por Sérgio Moro, Luciano Huck, Fernando Haddad e Ciro Gomes. Teríamos um segundo turno já desenhado para 2022?
A resposta é não se considerarmos outra pesquisa – esta qualitativa, realizada nas classes A e B e patrocinada pela fundação alemã Friedrich Ebert. Ela mostra falta de convicção entre os potenciais eleitores de Lula e Bolsonaro. No levantamento, feito no fim do ano passado, o eleitor à direita já criticava Bolsonaro pelo desastre no combate à pandemia.
Do outro lado, segundo a pesquisa, há desconforto com o projeto hegemônico do PT e a falta de renovação nas esquerdas. “Políticos jovens como Guilherme Boulos aparecem como opções até entre eleitores de centro”, diz a cientista política Camila Rocha, coordenadora do levantamento ao lado da socióloga Esther Solano. Ela é a personagem do minipodcast da semana.
Camila Rocha transita por várias correntes ideológicas, com interlocutores à esquerda e à direita. Ela é autora de “Menos Marx, Mais Mises”, uma tese de doutorado sobre os liberais brasileiros da nova geração (um livro baseado na tese sairá no segundo semestre pela Editora Todavia). O sentimento que captou entre integrantes dos dois campos foi de “orfandade”. “Há ainda muitos eleitores em busca de candidatos que os representem”, diz Camila Rocha.
O cruzamento das duas pesquisas, a quantitativa e a qualitativa, sugere que o presidente e o ex-presidente lideram porque foram os primeiros a “colocar o bloco na rua”. Os levantamentos mostram que muitos brasileiros votarão em Lula ou Bolsonaro. Há, no entanto, um enorme contingente em busca de alternativas. Cabe aos demais partidos suprir a demanda dos “órfãos”. No Brasil os pleitos são livres e quem não se apresenta ao escrutínio do eleitor não tem o direito de reclamar. Assumir a candidatura é o primeiro passo, mas não basta. É preciso apresentar ideias.
Em plena pandemia, a campanha está a todo vapor. Se os postulantes não colocarem logo seus blocos na rua – e se não perceberem a urgência dessa tarefa –, Lula e Bolsonaro brincarão sozinhos o carnaval das eleições.
Ascânio Seleme: Lula em 13 pontos
O discurso do ex-presidente foi o fato da semana, não custa destrinchar o seu teor para tentar melhor entendê-lo
O fato da semana foi o discurso de candidato proferido pelo ex-presidente Lula dois dias depois de o STF ter anulado as penas a que foi condenado. Não custa destrinchar o seu teor para tentar melhor entendê-lo.
1 - Arrebentado (de tantas chibatadas); razão para ter mágoas - Lula se queixou por ter apanhado muito ao longo dos anos. É verdade, mas ele não disse que havia motivos para apanhar. Seu governo produziu o mensalão e iniciou a partilha da Petrobras entre o PT e os demais partidos da sua base. O ex-presidente também foi julgado, condenado e preso por se beneficiar de vantagens indevidas de empreiteiras. Isso dói e magoa. Contudo, ele disse que não tem mais espaço nem tempo para guardar rancor. Só mais adiante vai se saber se o Lulinha Paz e Amor voltou mesmo.
2 - Reconhecida sua inocência - Lula inventou que foi inocentado nos casos do tríplex, do sítio e do instituto que leva o seu nome. Suas condenações foram anuladas e ele deve ser julgado por outro juiz. Pode tanto ser inocentado quanto ter sua pena prescrita ou ser condenado outra vez. Além disso, os processos do mensalão e do petrolão geraram cassações de mandatos e prisões em escala industrial na base de seu governo e no da sua sucessora Dilma Rousseff.
3 - Marisa morreu por pressão (da Lava-Jato) - Chute do ex-presidente. Mas não se pode negar que a ex-primeira-dama estava muito angustiada e pressionada em razão dos escândalos em que o marido e os filhos estavam metidos.
4 - Prato de feijão e farinha; picanha e cerveja - Lula retomou o discurso contra a fome que ajudou a elegê-lo em 2002, aproveitando o empobrecimento generalizado dos brasileiros. Falou no idioma que mais se entende no Brasil. Tem um legado importante na questão da inclusão social no Brasil para explorar no futuro.
5 - Armas para PM e Forças Armadas - O candidato afagou as instituições oficiais de segurança para corretamente descer o pau na política armamentista de Bolsonaro.
6 - O planeta é redondo - Mesmo ao ridicularizar o terraplanismo e o olavismo de Bolsonaro, Lula usou um tom sério porque não era hora de fazer graça.
7 - Citações e agradeci mentos - Foi honesto ao não esconder seu apreço à esquerda global, que sempre esteve ao seu lado. Até o famoso Foro de São Paulo ele citou. Lula não é extremista, mas claro que é de esquerda.
8 - Não ao liberalismo econômico - O ataque de Lula a Guedes (“Esse governo não tem ministro da Economia”) mostrou que seu caminho será outro. Neste discurso, e no que fez no Congresso do PT de novembro do ano passado, o ex-presidente não deixou dúvida sobre seu apetite intervencionista. Usou ainda o desgastado discurso antiamericanista (“Quando é que eu vou acordar de manhã sem ter que pedir licença para respirar ao governo americano") que ainda agrada a uma grande parcela da população.
9 - Preço da gasolina - No mesmo tom intervencionista, Lula atacou o preço dos combustíveis (“Por que cobrar em dólar se o Brasil não importa gasolina?”) e ainda se apropriou do discurso bolsonarista a favor de caminhoneiros.
10 - Imprensa - Atacou jornais e jornalistas, mas elogiou a edição do Jornal Nacional do dia em que o ministro Edson Fachin anulou suas condenações. Deixou claro que gosta mesmo é de imprensa a favor, chapa branca. Já se viu isso antes, nenhuma novidade.
11 - Vacina e máscaras - Sua posição no quesito pandemia lhe deu tantos pontos que até Bolsonaro correu para usar máscara e falar em favor da vacinação. Um dos maiores líderes da história política do país deu um exemplo a ser seguido. Falou o que o Brasil precisa ouvir. Deixou Bolsonaro pequeno, insignificante.
12 - Conversar com políticos e empresários - Lula disse que vai usar a sua maior habilidade, falar com todo mundo. Das muitas diferenças que o separam de Bolsonaro, esta é a mais visível. Lula sabe conversar, e bem. Sabe negociar e, mesmo contrariado, sabe ceder.
13 - Convite para mudar o país - O tom de candidato esteve presente em todo o discurso, mas no final ele foi emblemático. No convite para mudar o país usou a conhecida fórmula de quem diz conhecer o caminho e pede apoio do povo para conduzir o país nessa direção.
Não acabou
Ninguém mais tem dúvida de que Sergio Moro extrapolou do seu papel de juiz na operação Lava Jato. Os diálogos com os procuradores da força tarefa deixam evidente a promiscuidade do relacionamento do juiz com os acusadores que formularam as denúncias. Até aqui, contudo, o argumento dos que apoiam a tese de que Moro deve ser considerado suspeito faz menção apenas ao julgamento e às condenações do ex-presidente Lula, em razão do teor das conversas reveladas na Vaza Jato. Mas há também quem queira ir mais longe. Aceitando-se a tese de que a operação foi feita para tirar Lula da eleição de 2018, todas as sentenças proferidas por Moro estariam contaminadas por esta premissa, alegam. Prender donos e executivos de empreiteiras, tesoureiros de partidos políticos, deputados, senadores, diretores e funcionários da Petrobras serviria para robustecer a denúncia contra Lula. Essa polêmica não vai acabar na segunda turma do STF, vai para o plenário.
Som de avalanche
Os números de Sergio Moro durante os anos em que julgou os casos da Lava Jato são impressionantes. Segundo o G1, o juiz proferiu 46 sentenças e condenou 123 réus, entre eles Lula, a 1.861 anos de cadeia antes de deixar a função para ser ministro de Bolsonaro. Advogados preveem que, quando Moro for considerado suspeito nos julgamentos de Lula pela segunda turma, uma avalanche de ações vai desabar sobre o STF para reverter penas em andamento e para tentar desbloquear bens congelados ou reaver somas subtraídas de contas privadas pelas sentenças do ex-juiz.
Outro lado
Chato para a defesa de Lula é ter que dividir seus argumentos com gente ilibada como Arthur Lira e Renan Calheiros, além, é claro, de Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Sergio Cabral e outros tantos da mesma cepa. Mas, fazer o quê? É assim que se joga este jogo.
Supremo respeito
Você pode discordar do STF, você pode criticar o STF, mas você terá que respeitar e cumprir sempre as decisões do STF, que são terminativas. Os ministros não são santos, nem deuses, mas vestidos com a toga, depois de apontados pelo chefe do poder executivo e aprovados pelo poder legislativo, passam a ser os legítimos intérpretes da lei e da Constituição. Juízes passam, a instituição permanece.
Ódio por ódio
Se o ódio a Lula elegeu Bolsonaro em 2018, nada impede que o ódio a Bolsonaro eleja Lula em 2022. Mas o Brasil será feliz mesmo quando o seu presidente voltar a ser eleito por amor.
Nosso Rio 1
Menos de uma semana depois de impor algumas restrições no Rio como forma de preservar o funcionamento em condições próximas do normal da rede pública de saúde, Eduardo Paes flexibilizou as medidas. Fez um make up, aumentando por uma semana o decreto, mas errou majestosamente ao estender o horário de funcionamento de bares e restaurantes até as 21h. Acertaria se fosse mais rigoroso. Foi menos. Alegou que assim retira a pressão sobre o horário de rush e viabiliza economicamente os estabelecimentos comerciais. Em junho do ano passado, quando o Rio contabilizava menos de duas mil mortes por Covid, todo o comércio foi fechado. Hoje, a cidade registra o maior número de mortes do país, 19,2 mil, ou 70 a cada dia, e tudo bem. Paes diz que pode rever o plano “se houver alguma mudança brusca”. Precisa?
Nosso Rio 2
Anote. Havendo sol, as praias da cidade vão bombar neste último fim de semana de verão. Pistas fechadas, quiosques, barracas e ambulantes liberados. Vai ser uma festa. Ah, não, festas estão proibidas. Vai ser uma farra.
Nosso Rio 3
Bolsonaro, que atacou os governadores do Distrito Federal e de São Paulo por terem decretado toque de recolher e fechado lojas, bares, restaurantes e shoppings, deveria elogiar o prefeito do Rio. Ele merece.
Nosso Rio 4
Na Nova Zelândia, a primeira-ministra Jacinda Ardern voltou a decretar bloqueio total em Auckland porque três (eu disse três) novos casos de infecção foram registrados em fevereiro. Mas não se pode exigir tanto por aqui. Afinal, Rio é Rio e Auckland é Auckland.
Liberou geral
Nem parecia a mesma Anvisa que no ano passado suspendeu o andamento dos testes do Instituto Butatan com a Coronavac por causa do suicídio de uma das pessoas que estavam sendo testadas; ou a que negou o registro da Sputnik se antes não fossem feitos testes no Brasil. Na coletiva de ontem, a agência liberou geral. Convidou até mesmo uma vacina que não solicitou o registro a se apresentar para ganhar o seu aval. Inclusive o remédio do Trump foi liberado. Esse vai-e-vem, igual ao do capitão, mostra como a Anvisa se identifica com Bolsonaro.
Marco Antonio Villa: Impeachment antes que seja tarde
Bolsonaro é um convicto defensor da ditadura, da censura aos meios de comunicação, do fechamento do STF e do Congresso Nacional
Jair Bolsonaro é a maior ameaça ao Brasil. E não é de hoje. Atacou as instituições e propagou o ódio durante três décadas. Não foi levado a sério.
A leniência do Estado democrático de Direito cobrou um alto preço. Assim como os nazistas que usaram da Constituição de Weimar para chegar ao poder e, a posteriori, destruir seus postulados, Bolsonaro seguiu pelo mesmo caminho. Se tivesse sido processado pelas falas inconstitucionais poderia – a probabilidade era alta – terminar na cadeia e sem direitos políticos. Contudo foi tratado como um falastrão quando era, na verdade, um inimigo visceral das liberdades democráticas.
Hoje continua o mesmo. A diferença — e que diferença! — é que está comandando o Executivo federal com todos os poderes concedidos pela Constituição. E o presidencialismo brasileiro acaba amarrando as mãos dos cidadãos mesmo quando há um governo que comete sucessivos crimes de responsabilidade. Enquanto no parlamentarismo quando o gabinete perde sustentação parlamentar é substituído por outro governo, no presidencialismo resta a processo de impeachment que é relativamente lento, tanto no caso de crime de responsabilidade (como com Fernando Collor e Dilma Rousseff) ou infração penal comum (o que nunca ocorreu até hoje).
Disse recentemente o senador Tasso Jereissati que “é preciso parar esse cara.” Poucos discordam. Mas como parar se o próprio senador é contra o processo de impeachment? É descartada possibilidade de que Bolsonaro se converta à democracia. Para ele — e sua história demonstra isso de forma inequívoca – não há nenhum caminho de Damasco. Bolsonaro é um convicto defensor da ditadura, da censura aos meios de comunicação, do fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Nesse sentido ele é absolutamente transparente. Volto à questão: parar como, senador? Estimular que ele renuncie? É improvável que vá aceitar. Só pensaria nesta possibilidade se visse ameaçado seus direitos políticos em um processo de impeachment.
Esta crise é a mais complexa da história republicana. Em 1992 e 2016 tivemos a conjunção de crise econômica com crise política. Aí veio o impeachment. Agora temos um fator complicador e ausente nas crises anteriores: o isolamento diplomático. Mas o pior é a segunda diferença: a pandemia que completou um ano e nada indica que deva estar encerrada nos próximos meses. Continuar assistindo a derrocada do governo sem nada fazer é um crime de lesa-pátria. Sem ação política Bolsonaro vai caminhar para a ditadura.
Ricardo Noblat: Bolsonaro está nas mãos do Supremo
No meio do caminho tem duas pedras – Lula e Moro
O ministro Edson Fachin diz que sua decisão de anular as condenações do ex-presidente Lula pela Justiça Federal de Curitiba segue o entendimento adotado pela maioria do Supremo Tribunal Federal há muito tempo. A estar certo, o plenário do tribunal, possivelmente ainda este mês, deverá confirmá-la.
Lula então deixará de ser ficha suja e poderá disputar a eleição presidencial do ano que vem. Um juiz federal de Brasília herdará os processos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia e poderá recomeçá-los aceitando as provas ali reunidas, pedir novas investigações ou simplesmente arquivá-los.
Por outro lado, se os resultados das pesquisas de intenção de voto divulgadas nos últimos dias coincidirem com os resultados das pesquisas que o presidente Jair Bolsonaro encomenda para consumo pessoal, são grandes as chances de o ex-juiz Sérgio Moro ter sua suspeição aprovada pela Segunda Turma do tribunal.
A defesa de Lula pediu que Moro seja considerado suspeito porque teria sido parcial no julgamento do ex-presidente. Por enquanto, o placar na Segunda Turma está em 2 votos contra 2. Falta votar o ministro Kássio Nunes, indicado por Bolsonaro para o Supremo. Seu voto levará em conta o que Bolsonaro deseja para Moro.
O ex-juiz e o presidente romperam relações quando Moro acusou Bolsonaro de interferir na Polícia Federal para blindar sua família contra rolos judiciais. É por causa disso que Bolsonaro responde a inquérito. Desde que saiu do governo, Moro evitou comentar se poderá ou não ser candidato à vaga do seu ex-patrão.
Na primeira pesquisa XP/Ipespe aplicada depois que Lula se tornou elegível, ele e Bolsonaro estão empatados na simulação do primeiro turno e Moro aparece em terceiro lugar. Lula e Bolsonaro voltam a empatar na simulação do segundo turno. Mas quando o cenário é Bolsonaro x Moro, o ex-juiz vence. E aí? Vai encarar?
Mas esqueça as intenções de voto a 20 meses das urnas. A eleição de 2022 será um plebiscito sobre o presidente, segundo o sociólogo Antonio Lavareda, que comanda o Ipespe. E os indicadores, hoje, são muito ruins para Bolsonaro, e só têm feito piorar desde janeiro com o agravamento da pandemia da Covid. Falta vacina.
63% dos brasileiros veem a economia no rumo errado, contra 27% que dizem que ela está no rumo certo. O saldo negativo passou de 27% em fevereiro para 36% agora. 61% avaliam como ruim ou péssima a atuação de Bolsonaro na pandemia, só 18% como ótima ou boa. O saldo negativo saltou de 30% para 43%.
45% avaliam como ruim ou péssimo o governo em geral – o maior percentual da série de pesquisas de junho para cá. Ótimo e bom, 30%. O saldo recuou neste mês de – 11% para – 15%. Por fim, 52% querem que o futuro presidente mude totalmente a forma como o Brasil está sendo administrado, e 15% que dê continuidade.
Enfrentar Lula já não será moleza para Bolsonaro. Enfrentar Lula pela esquerda e Moro pela centro-direita será desastre quase certo.