Eleições
Fim da fila da vacina para quem tentar escolher o fabricante
O sommelier de vacina é um egoísta, um baita ignorante
Mariliz Pereira Jorge / Folha de S. Paulo
A Prefeitura de São Paulo, a exemplo do que já tinha feito a de Belo Horizonte, decidiu que vai para o fim da fila quem tentar escolher o fabricante do imunizante contra Covid-19. Aos críticos dos sommeliers a medida parece justa. Quem muito escolhe fica sem nada.
Com mais de 550 mil mortes, parece suicídio recusar qualquer que seja a oferta. Então, que se lasquem. Eu mesma pensei assim, num primeiro momento. Mas não é uma questão de revanche contra quem brinca com a própria sorte numa pandemia.
A medida não parece tão simples de ser cumprida. Aos profissionais de saúde, que já têm a enorme responsabilidade do corpo a corpo com a população, caberia fiscalizar e punir os dribladores. Num país onde a frase favorita é "você sabe com quem está falando?", dá para imaginar de que lado a corda roeria.
Parece também muito fácil chegar a um posto de saúde qualquer e, antes de entrar na fila, obter a informação sobre qual imunizante está sendo aplicado e dar marcha à ré, sem ser enquadrado nem receber uma advertência por escrito. Fazer de conta que o sommelier vai ficar de castigo faz barulho nas redes sociais, ganha espaço na impressa, mas resolve pouco o que de fato importa: ter vacinas, várias, para todos.
Importante dizer que o sommelier de vacina é um egoísta. E um baita ignorante. Sabemos que os imunizantes disponíveis têm performances distintas, mas os aprovados funcionam dentro de um plano nacional que inclui diferentes laboratórios.
Mais vale a maior parte da população vacinada com um imunizante que tem 50% de eficácia do que nem metade imunizada com um mais eficaz, como acontece nos Estados Unidos. O país já enfrenta uma nova pandemia, a dos não vacinados, e vê o número de casos e de internações disparar entre os negacionistas, que representam mais de 95% das mortes pela Covid-19 em alguns estados. Então, pior do que tomar qualquer uma, é não tomar nenhuma.
A batalha das variantes da pandemia da Covid-19
Resta-nos torcer pela gama, mas nos preparar para a delta
Hélio Schwaetsman / Folha de S. Paulo
A variante delta vai provocar uma terceira onda de Covid-19 no Brasil? Não sabemos, mas essa é uma possibilidade para a qual precisamos estar muito atentos.
Lidamos aqui com um experimento biológico inédito, que consiste em lançar a nova variante num ambiente em que a cepa dominante é a gama. É Darwin quem dá as cartas. Se a delta apresentar uma vantagem competitiva sobre a gama, então a variante que fez sua primeira aparição na Índia deverá se espalhar com rapidez entre nós, com grandes chances de provocar um novo round de contaminações. A delta já mostrou que é capaz de vencer a alfa e a beta.
Há, é claro, outros fatores a considerar. O mais importante é a quantidade de pessoas que ainda são suscetíveis à infecção por Covid-19. Mesmo que a delta seja muito mais contagiosa do que a gama, a devastação que ela pode causar ficará limitada se a grande maioria da população já estiver imunizada, por vacinas, por ter se recuperado da doença ou por uma combinação dos dois.
E aqui, de novo, a delta preocupa. O Brasil já vacinou 62% da população adulta com a primeira dose, mas apenas 24% estão com o esquema completo. Estudos sugerem que a imunização parcial, que já assegura uma proteção razoável contra as variantes tradicionais, não funciona tão bem contra a delta. Mesmo países que estavam bem mais adiantados na imunização (e com um gap menor entre primeira e segunda doses), como Israel, Reino Unido e EUA, experimentaram repiques quando a nova variante se espalhou.
Nesse contexto, resta-nos torcer pela gama, mas nos preparar para a delta. Não é obviamente o caso de promover lockdowns preventivos, mas prefeitos e governadores deveriam redobrar a cautela antes de relaxar restrições que ainda estão em vigor. É politicamente muito mais custoso ter de recuar em alguma liberação do que prosseguir com cuidado na reabertura. As próximas semanas nos trarão as respostas.
PP escancara a porta para Bolsonaro, mas sob certas condições
Tudo é uma questão de confiança
Blog do Noblat / Metrópoles
Entende o novo chefe da Casa Civil da presidência da República, o senador Ciro Nogueira (PI), que se filiar ou não ao Progressista (PP) é uma decisão que cabe unicamente a Jair Bolsonaro. A porta do partido está escancarada para que ele entre. Será bem recebido.
É só uma questão de Bolsonaro confiar menos ou mais nas chances de se reeleger por um partido de médio porte. O PP ganharia com isso porque certamente aumentaria suas bancadas nas Assembleias Legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado.
O PSL era um partido nanico até que Bolsonaro o escolhesse para ser candidato a presidente da República. Hoje, mesmo tendo sido abandonado por ele, é dono da segunda maior bancada de deputados na Câmara. Deverá reeleger parte dela.
Mas que Bolsonaro não conte com as facilidades que o PSL lhe ofereceu à época, as mesmas que o PTB e outras siglas lhe oferecem hoje. O PP tem muitos donos e interesses diversos nas regiões do país. Nada disso poderá ser desconsiderado.
O que o Centrão prepara para servir ao general Augusto Heleno
Nada como um dia depois do outro
A sabedoria política ensina que a vingança é um prato que se come frio. Os líderes do Centrão nunca engoliram a ofensa que lhes fez o general Augusto Heleno, atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República.
Quando Bolsonaro lançou-se candidato em 2018, criticou o Centrão chamando-o de nata do pior que existia no Brasil, e disse que jamais se juntaria a ele. Foi no Centrão que Bolsonaro nasceu para a política. Sua reconversão ao Centrão basta para perdoá-lo.
Mas, o general, não. Segue em dívida desde que aproveitou um evento da campanha de Bolsonaro e cantou: “Se gritar pega Centrão não fica um, meu irmão”. A vingança está programada e será servida se Bolsonaro se filiar a um dos partidos do Centrão.
Nesse caso, o general será convidado a filiar-se também. E, se quiser, poderá até disputar um mandato de deputado federal pelo Rio de Janeiro. Ou pelo Estado que preferir.
Está uma farra danada
A conquista da chefia da Casa Civil, coração do governo, é o caminho mais seguro para as ambições do Centrão
Zeina Latif, O Globo
É amplamente reconhecido que a excessiva fragmentação partidária constrange a governabilidade do presidente, pois dificulta a conquista de apoio majoritário no Legislativo. Como aponta Carlos Pereira, a saída encontrada pelos constituintes para conciliar multipartidarismo e presidencialismo foi delegar mais poderes ao Executivo.
Permitiu-se assim coalizões pós-eleitorais, ao que Sérgio Abranches denominou “presidencialismo de coalizão”. Trata-se de dividir recursos políticos com aliados, como cargos e recursos, em troca de apoio. Não é uma exclusividade brasileira, mas talvez aqui a dependência seja maior.
As reformas eleitorais dos últimos anos começam a surtir efeito, mas há um longo caminho adiante. As cláusulas de desempenho e a proibição de coligações eleitorais para cargos legislativos têm levado à redução do número de partidos. Em 2018, atingiu-se o pico de 30 partidos no Congresso; atualmente são 24 — cifra muito distante dos 12 em 1986.
Os cientistas políticos ensinam que o presidencialismo de coalizão é inevitável; não é uma escolha do presidente. O que varia é sua qualidade: se está associado a um projeto de governo estruturado; o quanto um presidente cede a pressões, a depender de sua força e habilidade política; e seu desenho — por exemplo, ao ceder mais cargos, respeitando o peso legislativo de cada partido aliado, despende-se menos recursos.
Sendo inevitável, era uma questão de tempo Bolsonaro abandonar o discurso da “nova política”. No primeiro ano de governo, com capital político elevado, foi possível driblar a realidade, contando ainda com um Congresso reformista.
Em 2020, porém, assistimos à sua aproximação com o centrão; não por compreender a essência do presidencialismo de coalizão, mas porque precisou ceder, frente à desidratação precoce de sua popularidade.
Do outro lado do balcão, Bolsonaro encontra agora aliados com, aparentemente, menor apetite por ministérios (setoriais e sociais) de um governo mal articulado e com chances limitadas de reeleição. A principal moeda de troca é outra: dinheiro na mão, para beneficiar currais eleitorais e elevar as chances nas urnas em 2022. É o caso das emendas parlamentares.
A novela começou no governo Dilma, que tinha a fama de não honrar acordos políticos. Em 2015, uma Emenda Constitucional (EC) fixou valor para emendas individuais (1,2% da receita corrente líquida prevista no Projeto de Lei Orçamentária). Com Bolsonaro, mais desconfianças.
Em 2019, uma EC definiu que os recursos devem ser transferidos diretamente aos estados e municípios, sem controle da União, e outra tornou obrigatórias as emendas de bancada (equivalem a 1% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior).
A baixa confiança nos presidentes levou, provavelmente, os congressistas a blindarem seus recursos. O resultado foi o aumento da rigidez orçamentária e a redução dos instrumentos de negociação do presidencialismo de coalizão, já que essas emendas estão garantidas.
Assim, foram necessárias novas concessões. Foi criada a emenda do relator para o orçamento de 2020 — mantida para 2021. Não é impositiva, mas consome valor expressivo (R$20 bilhões em 2020).
No total, as emendas parlamentares alcançaram R$35 bilhões em 2020. Seria importante reduzi-las, mas não se resolveria o problema. Os parlamentares buscariam outros caminhos para obter recursos políticos. Se aperta aqui, escapa ali. Exemplos recentes disso são a proposta de fundo eleitoral inflado, a reforma tributária populista que o Congresso quer chamar de sua e o novo Bolsa Família mal desenhado.
Isso sem falar do que já foi aprovado, como os jabutis no projeto de capitalização da Eletrobras. O Orçamento de 2022 promete dor de cabeça.
A conquista da chefia da Casa Civil, coração do governo, é o caminho mais seguro para as ambições do Centrão. Não se trata de prover governabilidade em benefício de uma agenda de governo estruturada, mas sim de um casamento de conveniência em que o presidente-refém sobrevive e o grupo maximiza seus ganhos.
A fraqueza de Bolsonaro aumenta o poder de barganha do Centrão, mas o impeachment não o interessa, pois demandaria a repactuação de acordos com alguém desconhecido.
Bolsonaro fere o espírito de um bom presidencialismo de coalizão. Em um cenário de renovação política, caberá ao próximo presidente acabar com essa farra.
Brigar com vice é mau negócio. O Brasil não precisa de mais esse rolo
Elio Gaspari /O Globo
Em apenas dois meses, Bolsonaro ameaçou não realizar eleições, insultou senadores da CPI, disse que faltou maconha nos protestos contra seu governo e queixou-se da Receita Federal por ter ido “com muita sede ao pote” num projeto que não é dela, mas do ministro da Economia do seu governo. É compreensível que uma pessoa capaz de acreditar que a cloroquina remedeia a Covid-19 e que as vacinas são experimentais acredite em bizarrices. Ex-aluno da Academia Militar das Agulhas Negras, somou -4 com +5, obteve um +9 e viu no desempenho econômico do seu governo “um milagre”: “É inacreditável”.
Atitudes inacreditáveis, porém pontuais, são uma coisa, mas presidente atacando seu vice publicamente é coisa perigosa, que, além de tudo, traz falta de sorte. Bolsonaro disse que seu vice, Hamilton Mourão, “por vezes atrapalha”. Comparou-o a um cunhado: “Você casa e tem de aturar (...), não pode mandar o cunhado embora”. Ao contrário do que acontece com seus cunhados, quem escolheu Mourão para vice foi ele. Aturá-lo faz parte da ordem constitucional.
Fernando Henrique Cardoso e Lula tiveram nos vices Marco Maciel e José Alencar colaboradores exemplares. Nos últimos 50 anos, dois presidentes encrencaram com seus vices: Dilma Rousseff e João Baptista Figueiredo. Ambos se deram mal. Ela foi retirada do cargo, e Michel Temer tomou-lhe o lugar. Figueiredo saiu do palácio por uma porta lateral, enquanto o vice Aureliano Chaves tomava posse no ministério escolhido por Tancredo Neves. Indo mais longe, Jânio Quadros não se dava com João Goulart e renunciou achando que ele não seria empossado. No mínimo, brigar com vice não dá sorte.
Mourão foi escolhido às pressas (o preferido era o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança ) e acreditou que teria uma função relevante no governo, talvez cuidando da infraestrutura. Esqueceu-se da lição de Stanislaw Ponte Preta, o inesquecível personagem do jornalista Sérgio Porto: “Vice acorda mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada”.
Mourão está acima da média da equipe de Bolsonaro e poderia ter ajudado em tarefas mais meritórias do que embarcar para Angola numa missão municipal. Ademais, ele só foi colocado na chapa porque traria consigo um apoio militar. Fosse qual fosse o tamanho desse apoio, também não dá sorte perdê-lo. Sobretudo numa fase durante a qual, para um militar, a associação com Bolsonaro pode trazer vantagens, mas cobra prestígio.
O pior que pode acontecer a um país com mais de 550 mil mortos numa pandemia e 14,7 milhões de vivos desempregados é ter um capitão na Presidência desentendido com um general na Vice. Mourão e Bolsonaro não conseguiram criar uma relação parecida com as dos dois presidentes da ditadura que tiveram vices militares. O almirante Rademaker (vice de Emílio Médici) e o general Adalberto Pereira dos Santos (vice de Ernesto Geisel) dormiam até tarde e foram felizes para sempre.
É sabido que o presidente e seu vice afastaram-se. Contudo uma separação pública de Bolsonaro e Mourão conduzirá inevitavelmente a um reflexo no meio militar. Quando esse veneno entra nos quartéis, a desintoxicação custa caro e demora anos para cicatrizar.
'Posto Ipiranga' de Bolsonaro, Paulo Guedes virou apêndice
Vera Magalhães, O Globo
Pouco importa que Paulo Guedes encontre justificativas para qualquer disparate que saia da cabeça de Jair Bolsonaro. Ou que regateie quanto aceita perder de aparato de seu ministério não para gerar empregos no país, mas para empregar Onyx Lorenzoni.
Esses sinais externos de esvaziamento são apenas isso, sintomas. O cerne do momento vivido pelo ministro da Economia — não de hoje, mas há tempos — é que a sua política, aquela reformista, liberal, privatizante, vendida na campanha e até hoje enunciada em entrevistas cada vez mais desprovidas de capacidade de convencer mesmo os dispostos a acreditar, morreu na bacia das almas do pragmatismo político.
Bolsonaro nem tenta mais disfarçar: disse que a Casa Civil é o ministério mais importante do governo. E ele está sendo dado numa bandeja de prata ao partido que é o expoente mais poderoso do antes excomungado Centrão.
Para isso, Bolsonaro não hesitou em despachar o general Ramos e em arrancar mais um naco do poder e da imagem pública do seu antes “Posto Ipiranga”.
Guedes deve saber, em algum recôndito de sua consciência ainda não capturado pelo bolsonarismo que a tudo corrompe, que seu papel hoje no arranjo para manter o presidente vivo é acessório, quando não francamente indesejável.
Bolsonaro precisará dar um cavalo de pau na política fiscal para pagar um Bolsa Família que pretende rebatizar e com que espera recuperar a corrosão de intenções de voto que sofre em praticamente todo o Brasil, mas sobretudo nas camadas mais pobres e na Região Nordeste, a mais dependente dos programas de transferência de renda, perenes ou emergenciais.
Nessa hora, o papel de Guedes será o do Grilo Falante no desenho do Pinóquio: o chato que fica advertindo que não vale a pena se desviar do caminho da escola, que o boneco de madeira deve ser bonzinho e não mentir nem matar aulas.
Bolsonaro já está totalmente entregue à tutela de Nogueira e companhia, a quem já deu tanto poder que, quando e se resolver se impor, não terá como fazê-lo.
Com o ministro da Economia, o presidente aprendeu que pode sempre apertar o torniquete, porque ele aceita. Percebem? Enquanto Ciro, Arthur Lira e outros do antes rechaçado establishment político dão as cartas e jogam de mão, a Guedes e até mesmo aos militares sobra o bagaço da laranja.
E fazer cara de paisagem e fingir que acreditam que cada redução de suas prerrogativas e de sua margem de atuação interna se deve a novas diretrizes administrativas, como se algum dia a era bolsonarista tivesse sido um governo — com metas, planejamento, norte —, e não, desde sempre, um projeto de acomodação familiar, empulhação ideológica e aparelhamento do Estado até não sobrar praticamente nada intocado.
As tarefas de um Guedes subalternizado em relação ao Centrão serão pagar a conta do Bolsa Família, se possível encontrar uma mágica para conter a inflação de itens básicos, como combustíveis, gás e conta de luz, e fazer vista grossa a um possível jogo de cena no “veta, não veta” ao fundão eleitoral de R$ 5,7 bilhões.
Tudo isso dentro de um Orçamento já capturado pelo mesmo Centrão, que administra uma gorda fatia por meio das emendas do relator — outra excrescência que Guedes topou metabolizar porque o chefe assim decidiu.
É claro que o ministro usará qualquer soluço positivo da economia, ou o avanço de agendas pontuais de sua pasta no Congresso, para construir para si e para o público a história de que vai tudo bem, conforme o previsto, e de que há liberalismo depois do arco-íris ou de uma cada vez mais cara e custosa reeleição do capitão.
Mas episódios como a reacomodação ministerial deste julho conturbado mostram que o ministro que seria o coração e o cérebro do governo agora foi reduzido a um apêndice. E que aceita o papel, ainda com um sorriso amarelo no rosto.
O pacto com o Centrão
Bolsonaro não vai matar a fome de elefantes com alface. O PP é o antigo PDS, originário da Arena, partido do regime militar, mas o Centrão tem outras legendas
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro confirmou, na manhã de ontem, depois de duas horas e meia de conversa, a indicação do senador Ciro Nogueira (PI), presidente doPP, para o estratégico cargo de ministro-chefe da Casa Civil do Palácio do Planalto. Entre suas tarefas, estão a coordenação dos principais programas do governo, a participação nas decisões sobre remanejamento de verbas do Orçamento, a construção de alianças regionais e a articulação com o Congresso Nacional, na qual terá dois objetivos prioritárias: domar a CPI da Covid no Senado, em que os governistas estão em minoria, e articular a aprovação do voto impresso na Câmara. São duas missões quase impossíveis, a esta altura do campeonato.
O repertório de mudanças bem-sucedidas no Palácio do Planalto, em momentos de apuros, não é pequeno. Entretanto, também houve fracassos. Um deles ocorreu no governo Collor, quando o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, assumiu a recém-criada Secretaria de Governo. Collor tentara manter seu governo afastado do jogo político-partidário e, por meio de medidas provisórias, viabilizar seu programa. Entretanto, no início de 1992, o recrudescimento da inflação, o crescimento do desemprego e as denúncias envolvendo membros do governo levaram-no a buscar uma base parlamentar que lhe assegurasse apoio.
Havia duas hipóteses: ceder alguns postos ao PSDB, que fracassou; ou trazer para o governo o PDS (atual PP), o PTB e o PL, a solução adotada. Entretanto, Pedro Collor, irmão do presidente, denunciou a existência de vasto esquema de corrupção no interior do governo, que teria sido montado por Paulo César Farias, o PC, ex-tesoureiro de sua campanha presidencial. Em consequência, uma CPI no Congresso começou a investigar o governo. Na ocasião, Bornhausen afirmou: “As CPIs nunca deram em nada”. No final de agosto, porém, aconselhou Collor a renunciar ao mandato. O resto da história todos já sabem.
Outro fracasso foi a indicação de Michel Temer, vice-presidente da República, como articulador político do governo, após a vitória do deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) na disputa pela Presidência da Câmara, contra o petista Arlindo Chinaglia (SP), candidato da presidente Dilma Rousseff, que interferiu na eleição e foi derrotada. Temer assumiu em 7 de abril de 2017, após as manifestações ocorridas no mês anterior, quando milhares de pessoas foram às ruas pedir o impeachment de Dilma. As funções da Secretaria de Relações Institucionais passaram à alçada da Vice-Presidência. Temer procurou acalmar os ânimos, porém, quatro meses depois, deixou a articulação, alegando ter sofrido boicote em seu trabalho. Ainda se reuniu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e lideranças do PMDB, na tentativa de aproximar o partido do governo.
Sede de poder
Dilma fizera uma reforma ministerial em 5 de outubro, cortando oito da 39 pastas e ampliando o espaço do PMDB, que passou de seis para sete ministérios, incluindo a pasta da Saúde; Ciência, Tecnologia e Inovação; dos Portos; Agricultura; Minas e Energia; Turismo e Secretaria de Aviação Civil já eram controlados pelo PMDB. Entretanto, em 2 de dezembro, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) acatou um dos pedidos de abertura do processo de impeachment de Dilma. Dias depois, Eliseu Padilha deixou o governo e, em seguida, Michael Temer enviou carta à presidente da República na qual afirmou: “Passei os quatro anos de governo como vice decorativo… Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”. O desfecho da crise todos também conhecem.
O presidente Bolsonaro não vai matar a fome de elefantes com alface. Tudo bem que o PP seja o antigo PDS, originário da Arena, o partido do regime militar, mas o Centrão tem outras legendas gulosas. A repactuação do “sistema de poder” entre os militares, as oligarquias nordestinas, as igrejas evangélicas e setores empresariais que apoiam o governo, sobretudo do agronegócio, depende de três variáveis: uma redistribuição de cargos na Esplanada, principalmente nos ministérios “capilarizados”; a retomada do crescimento econômico e um horizonte eleitoral nos estados no qual Bolsonaro consiga resgatar sua expectativa de poder nas eleições de 2022.
Quem tem medo do impeachment?
Engrossa a adesão de centro-esquerda e centro-direita à tese do afastamento de Bolsonaro, mas, em contrapartida, cresce a resistência da esquerda tradicional
Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Existe uma explicação para a surpreendente troca de ministros na Casa Civil, com a entrada do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, no lugar do general Luiz Ramos, transferido para a Secretaria-Geral da Presidência: Bolsonaro está com medo do impeachment, já não confia na liderança e na capacidade política do grupo de generais que o cerca e teme a deriva das Forças Armadas em apoio ao vice, Hamilton Mourão, um general de quatro estrelas escanteado pelo presidente da República. Entregar o coração do governo ao Partido Progressista — herdeiro da antiga Arena e do PDS, partidos que apoiaram o regime militar — foi a maneira que encontrou para evitar que a legenda governista embarque no impeachment, diante do desgaste de Bolsonaro e da pressão das ruas a favor do afastamento.
Os generais palacianos que mandavam e desmandavam no Palácio do Planalto levaram um baile dos políticos do Centrão, que se aproveitam do enfraquecimento do governo para abocanhar fatias maiores de poder e do Orçamento da União. O último lance dessa disputa de bastidor foi o vazamento da suposta ameaça feita pelo ministro da Defesa, Braga Netto, de que não haveria eleição sem voto impresso. O novo ministro da Casa Civil teria sido o portador do recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que vazaria a informação para as jornalistas Vera Rosa e Andreza Matais, do jornal O Estado de S. Paulo.
A dúvida é se o vazamento foi combinado entre os dois políticos ou não. Resultado: o general acabou na berlinda, mesmo tendo desmentido a informação, porque insistiu em defender a tese de que as urnas eletrônicas não são seguras, o que é uma forma de tumultuar o processo eleitoral, além de uma atitude inadequada para quem ocupa o cargo de ministro da Defesa. Nos bastidores da política de Brasília, todos sabem que Braga Netto põe pilha na radicalização de Bolsonaro e, para agradá-lo, constrange os comandantes militares, com exceção do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, bolsonarista convicto. A disputa entre os militares e os políticos do Centrão pelo controle político dos ministérios será a grande contradição interna do governo até as eleições.
A mudança coincide com o crescimento das manifestações de protesto contra o governo em todo o país, em parte, porque o avanço da vacinação permite que as pessoas se sintam mais seguras nas ruas, mas principalmente por causa dos quase 550 mil mortos por covid- 19 e do desmonte das políticas públicas. Esses protestos passaram por três estágios: no primeiro momento, foram manifestações convocadas pela esquerda mais radical e alguns sindicatos; depois, entraram em cena os partidos de esquerda tradicional e as centrais sindicais; agora, está se ampliando, com maior participação dos partidos de centro-esquerda, como PSDB e Cidadania, e os movimentos cívicos Vem Pra Rua, MBL, Agora,Acontece, Livres etc. Mas há contradições também na oposição.
Polarização eleitoral
O que une os protestos de rua é o “Fora Bolsonaro”, ou seja, a oposição ao governo; o impeachment de Bolsonaro empolga o senso comum oposicionista, mas não é unanimidade. Há setores que não concordam com a tese, porque afastar Bolsonaro significa entregar o governo ao general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, e abrir espaço para a consolidação da hegemonia militar, além de facilitar o surgimento de uma candidatura conservadora competitiva, que pode ser a dele próprio e/ou de outro candidato. Esse posicionamento parte sobretudo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião sobre as eleições de 2022.
Esse favoritismo do petista engrossa a adesão de setores de centro-esquerda e centro-direita à tese do impeachment, mas, em contrapartida, aumenta a resistência da esquerda tradicional ao afastamento, pois prefere um embate eleitoral com Bolsonaro. Há uma espécie de “me engana que eu gosto”. Uns fingem que querem o impeachment e só jogam para a arquibancada; outros dizem que são contra, mas, se houver necessidade de se livrar de Bolsonaro para permanecer no poder, não hesitarão em entrar na conspiração no Congresso, como já aconteceu antes com os presidentes Collor de Mello e Dilma Rousseff.
No terceiro ano de mandato, o governo Bolsonaro fracassa em três frentes: a econômica, a social e a sanitária. Até agora, não tem volume de entregas administrativas para garantir a própria reeleição. Bolsonaro confia o governo aos aliados do Centrão para sobreviver e chegar às eleições como alternativa de poder, na polarização com Lula. Para isso, precisa evitar o surgimento de um candidato competitivo de centro. Isso coincide com os interesses eleitorais de Lula, que também não quer uma “terceira via” que possa ameaçá-lo no segundo turno. Na velha dialética, essa é a lei da “unidade dos contrários”.
Luiz Carlos Azedo: O general linha-dura
Braga Netto assumiu a Defesa para pressionar os demais Poderes e resgatar a tutela militar sobre as instituições. O que consegue, porém, é desgastar as Forças Armadas
Desde que assumiu o Ministério da Defesa, o general Braga Netto tem atuado para alinhar as Forças Armadas aos objetivos políticos do presidente Jair Bolsonaro. Extrapola, porém, as atribuições do cargo, ao se pronunciar sobre temas políticos que não dizem respeito nem demandam o posicionamento do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Como na desequilibrada nota contra a CPI da Covid, que foi emitida em nome dos comandantes militares, sem que saio menos um deles, com certeza, tenha sido consultado. Mesmo quando nega ter pressionado o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a aprovar a proposta de voto impresso, sob risco de as eleições não serem realizadas, Braga Netto se manifesta sobre o assunto de forma inapropriada, pois é prerrogativa do Congresso decidir a questão sem se submeter a chantagens. Na prática, a nota reverbera de forma ambígua as suspeitas e ameaças do presidente Jair Bolsonaro ao pleito.
Pode ser que Braga Netto esteja confundindo os papéis de antigo ministro da Casa Civil, no qual desempenhava importantes missões políticas, e de ministro da Defesa, que não deve se imiscuir nas relações entre os Poderes. Em vez de se espelhar no figurino dos ex-ministros da Defesa Joaquim Silva e Luna, o primeiro militar a ocupar um cargo criado para ser exercido por civis, e de seu antecessor Fernando Azevedo e Silva, que se recusou a desempenhar esse papel, Braga Netto vestiu a fantasia dos generais linha-dura que pontificaram durante o regime militar — até o presidente Ernesto Geisel demitir o general Sílvio Frota, seu ministro do Exército.
Apesar dos desmentidos à matéria publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, de autoria das jornalistas Vera Rosa e Andreza Matais, houve a conversa do interlocutor de Braga Netto com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que não desmentiu a informação, tergiversou. Nos bastidores do Congresso, comenta-se que o portador do recado fora ninguém menos do que o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que assumirá a Casa Civil no lugar do general Luiz Ramos. Mente-se muito na política, embora a mentira acabe quase sempre desnudada. Mente-se muito mais nos jogos de guerra. Os militares chamam isso de contrainformação, cujo objetivo é impedir ou dificultar o acesso à informação verdadeira, mediante, principalmente, a divulgação de informações diversionistas. O Palácio do Planalto trabalha nessa linha, não preza a transparência nem a informação de interesse público.
Por exemplo, o YouTube acaba de retirar do ar 15 lives do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia da covid-19, por conterem informações falsas. O general Braga Netto, como chefe da Casa Civil e coordenador do governo no combate à pandemia, foi um dos construtores da narrativa negacionista e das desastradas ações do Executivo que defendiam o uso maciço da cloroquina e outros medicamentos ineficazes no combate ao coronavírus. Essa narrativa, até hoje, está presente nas redes sociais e somente fracassou porque o Brasil já registra 546 mil mortes pela doença. Mais cedo ou mais tarde, Braga Netto será chamado a depor na CPI do Senado, que investiga a atuação do Ministério da Saúde na pandemia, por sua atuação na Casa Civil.
Melar as eleições
A polêmica sobre o voto impresso é um case de contrainformação. A narrativa de Bolsonaro falseia a realidade com objetivo de melar as eleições de 2022, caso seja derrotado, como tentou o ex- presidente dos Estados Unidos Donald Trump, em quem se espelhou, ano ser derrotado pelo presidente Joe Biden. Quanto maior o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas de opinião e a desaprovação do governo, mais recrudescem os ataques de Bolsonaro à urna eletrônica, em que pese nunca ter apresentado provas de fraude na apuração das eleições de 2018, que afirma, fantasiosamente, ter ganhado no primeiro turno.
Braga Netto substituiu o general Fernando Azevedo para pressionar os demais Poderes e resgatar a tutela militar sobre as instituições republicanas. O que vem conseguindo, porém, é desgastar as Forças Armadas, como no episódio da não-punição do exministro da Saúde Eduardo Pazuello por ter participado e se manifestando no desfile de motociclistas bolsonaristas no Rio de Janeiro, mesmo estando na ativa. A politização das Forças Armadas e seu envolvimento na política em si é uma ameaça à democracia. O presidente Bolsonaro tenta cooptar militares da ativa para seu projeto autoritário ao requisitá-los para exercer funções civis no governo; de igual maneira, ao estimular pronunciamentos como o do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista.
Entretanto, não existe um ambiente favorável a um golpe de Estado no país, muito pelo contrário, cresce a campanha pelo impeachment. Por isso, a retórica do presidente da República contra a segurança da urna eletrônica e as pressões de Braga Netto para aprovação do voto impresso soam como uma espécie de déjà-vu político. Esse morde-assopra é uma tática conhecida de contrainformação, que os militares utilizam em tempos de guerra, para testar suas cadeias de comando e a capacidade de resistência do inimigo. Por essa razão, tanto o Judiciário quanto Congresso precisam exercer com firmeza suas prerrogativas constitucionais, entre as quais, decidir sobre o sistema de votação e limitar a presença de militares da ativa em cargos civis.
DW Brasil: Esquerda e independentes dominam Constituinte do Chile
Direita, que governa o país e concorreu com chapa única, sai como a grande perdedora da eleição para representantes que redigirão a nova Constituição e deve ter pouca influência no processo
A esquerda e chapas independentes, formadas por cidadãos que não são ligados a partidos políticos, devem garantir a maioria dos 155 assentos na Assembleia Constituinte, que irá redigir uma nova Carta Magna para substituir a atual, em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet.
Com mais de 96,2% dos votos apurados até a madrugada desta segunda-feira (17/05), os atuais resultados mostram que as duas listas que aglutinam os candidatos da esquerda devem ficar com 52 assentos, seguida pelos candidatos independentes, que alcançaram, juntos, 48 cadeiras. Já a lista unificada da direita obteve 38. Há ainda 17 assentos reservados a representantes de povos indígenas.
Analistas disseram que os partidos políticos tradicionais foram os grandes derrotados da eleição. Ao contrário do que as pesquisas previam e com um sistema de contagem proporcional que privilegia as grandes siglas políticas, os independentes alcançaram um resultado inédito.
Os independentes são sobretudo pessoas ligadas a diversas áreas sociais, como educação, justiça social, meio ambiente e feminismo. São figuras de fora da política que buscam canalizar as exigências dos cidadãos na crise social de 2019, e seu surgimento é visto por muitos especialistas como o início de um novo modelo de política cidadã e a certidão de óbito dos desacreditados partidos tradicionais. Muitos deles deverão se unir à esquerda para aprovar as leis da nova Constituição.
Essa foi a primeira vez que candidatos independentes puderam concorrer em eleições no Chile ao lado de partidos tradicionais. A votação da Constituinte também foi alvo inédito no país: em 200 anos de independência, o Chile teve três Cartas Magnas (1833, 1925 e 1980), mas nenhuma foi redigida por uma convenção de pessoas eleitas pelo voto popular.
“O desempenho das chapas independentes em termos de votos e cadeiras é uma grande surpresa, embora a maior surpresa seja o colapso absoluto da direita que, apesar de passar por uma chapa única, não chegaria nem a um terço das cadeiras”
Julieta Suárez-Cao, cientista política da Pontifícia Universidade Católica do Chile
Derrota da direita
A direita, que se apresentava na chapa única “Chile Vamos” formada pelos partidos governistas, foi a grande perdedora nesta eleição ao conquistar menos de um terço das cadeiras, percentual necessário para influenciar o conteúdo da nova Carta Magna e vetar artigos.
“Nestas eleições, os cidadãos enviaram uma mensagem clara e forte ao governo e também a todas as forças políticas tradicionais: não estamos sintonizados adequadamente com as demandas e desejos dos cidadãos e estamos sendo desafiados por novas expressões e lideranças”, afirmou o presidente do Chile, Sebastián Piñera, na reta final da contagem dos votos.
Apesar de possivelmente ditarem o tom da nova Carta Magna, os independentes precisarão fazer acordos para passar suas propostas, que necessitam de dois terços dos votos para serem aprovadas. Como a maioria delas está alinhada a posições progressistas, especialistas acreditam que haverá uma união entre o bloco e a esquerda, o que poderá promover mudanças profundas no país.
A assembleia constituinte será ainda composta por igual número de homens e mulheres. Isso é algo inédito no mundo e, em poucos meses, fará do Chile o primeiro país a ter um texto fundamental escrito com paridade de gênero.
A participação eleitoral no pleito que decidiu a composição da constituinte, no entanto, ficou bem abaixo dos quase 80% alcançados no plesbicito em outubro de 2020, que decidiu a substituição da atual Constituição. Apenas cerca de 37% dos 14,9 milhões de eleitores chilenos foram às urnas no final de semana.
A nova Constituição
A constituinte foi convocada pelo Congresso chileno para esfriar os protestos que tomaram as ruas do Chile por quase um ano no final de 2019.
A assembleia constituinte, a primeira paritária do mundo e composta exclusivamente por membros eleitos, terá nove meses para redigir a nova Carta Magna, a primeira a nascer de um processo plenamente democrático e participativo em toda a história do país.
O prazo para a conclusão da nova Constituição é prorrogável apenas uma vez por mais três meses, e em 2022 deve ser aprovada ou rejeitada em referendo com voto obrigatório.
A Constituinte será o processo político mais importante em 31 anos da democracia chilena e abre um novo capítulo na história do país, que terá a oportunidade de estabelecer também as bases de um novo modelo socioeconômico.
O processo de elaboração da nova Constituição será concluído com um plebiscito para aprovar o texto que substituirá a atual Constituição, herdada do regime Pinochet (1973-1990) e criticada por parte da sociedade chilena por sua origem ditatorial e por privatizar alguns serviços básicos como água e aposentadorias.
Fonte:
DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/esquerda-e-independentes-dominam-constituinte-do-chile/a-57553680
DW Brasil: Esquerda e independentes dominam Constituinte do Chile
Direita, que governa o país e concorreu com chapa única, sai como a grande perdedora da eleição para representantes que redigirão a nova Constituição e deve ter pouca influência no processo
A esquerda e chapas independentes, formadas por cidadãos que não são ligados a partidos políticos, devem garantir a maioria dos 155 assentos na Assembleia Constituinte, que irá redigir uma nova Carta Magna para substituir a atual, em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet.
Com mais de 96,2% dos votos apurados até a madrugada desta segunda-feira (17/05), os atuais resultados mostram que as duas listas que aglutinam os candidatos da esquerda devem ficar com 52 assentos, seguida pelos candidatos independentes, que alcançaram, juntos, 48 cadeiras. Já a lista unificada da direita obteve 38. Há ainda 17 assentos reservados a representantes de povos indígenas.
Analistas disseram que os partidos políticos tradicionais foram os grandes derrotados da eleição. Ao contrário do que as pesquisas previam e com um sistema de contagem proporcional que privilegia as grandes siglas políticas, os independentes alcançaram um resultado inédito.
Os independentes são sobretudo pessoas ligadas a diversas áreas sociais, como educação, justiça social, meio ambiente e feminismo. São figuras de fora da política que buscam canalizar as exigências dos cidadãos na crise social de 2019, e seu surgimento é visto por muitos especialistas como o início de um novo modelo de política cidadã e a certidão de óbito dos desacreditados partidos tradicionais. Muitos deles deverão se unir à esquerda para aprovar as leis da nova Constituição.
Essa foi a primeira vez que candidatos independentes puderam concorrer em eleições no Chile ao lado de partidos tradicionais. A votação da Constituinte também foi alvo inédito no país: em 200 anos de independência, o Chile teve três Cartas Magnas (1833, 1925 e 1980), mas nenhuma foi redigida por uma convenção de pessoas eleitas pelo voto popular.
“O desempenho das chapas independentes em termos de votos e cadeiras é uma grande surpresa, embora a maior surpresa seja o colapso absoluto da direita que, apesar de passar por uma chapa única, não chegaria nem a um terço das cadeiras”, disse à agência de notícias Efe Julieta Suárez-Cao, cientista política da Pontifícia Universidade Católica do Chile.
Derrota da direita
A direita, que se apresentava na chapa única “Chile Vamos” formada pelos partidos governistas, foi a grande perdedora nesta eleição ao conquistar menos de um terço das cadeiras, percentual necessário para influenciar o conteúdo da nova Carta Magna e vetar artigos.
“Nestas eleições, os cidadãos enviaram uma mensagem clara e forte ao governo e também a todas as forças políticas tradicionais: não estamos sintonizados adequadamente com as demandas e desejos dos cidadãos e estamos sendo desafiados por novas expressões e lideranças”, afirmou o presidente do Chile, Sebastián Piñera, na reta final da contagem dos votos.
Apesar de possivelmente ditarem o tom da nova Carta Magna, os independentes precisarão fazer acordos para passar suas propostas, que necessitam de dois terços dos votos para serem aprovadas. Como a maioria delas está alinhada a posições progressistas, especialistas acreditam que haverá uma união entre o bloco e a esquerda, o que poderá promover mudanças profundas no país.
A assembleia constituinte será ainda composta por igual número de homens e mulheres. Isso é algo inédito no mundo e, em poucos meses, fará do Chile o primeiro país a ter um texto fundamental escrito com paridade de gênero.
A participação eleitoral no pleito que decidiu a composição da constituinte, no entanto, ficou bem abaixo dos quase 80% alcançados no plesbicito em outubro de 2020, que decidiu a substituição da atual Constituição. Apenas cerca de 37% dos 14,9 milhões de eleitores chilenos foram às urnas no final de semana.
A nova Constituição
A constituinte foi convocada pelo Congresso chileno para esfriar os protestos que tomaram as ruas do Chile por quase um ano no final de 2019.
A assembleia constituinte, a primeira paritária do mundo e composta exclusivamente por membros eleitos, terá nove meses para redigir a nova Carta Magna, a primeira a nascer de um processo plenamente democrático e participativo em toda a história do país.
O prazo para a conclusão da nova Constituição é prorrogável apenas uma vez por mais três meses, e em 2022 deve ser aprovada ou rejeitada em referendo com voto obrigatório.
A Constituinte será o processo político mais importante em 31 anos da democracia chilena e abre um novo capítulo na história do país, que terá a oportunidade de estabelecer também as bases de um novo modelo socioeconômico.
O processo de elaboração da nova Constituição será concluído com um plebiscito para aprovar o texto que substituirá a atual Constituição, herdada do regime Pinochet (1973-1990) e criticada por parte da sociedade chilena por sua origem ditatorial e por privatizar alguns serviços básicos como água e aposentadorias.
Fonte:
DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/esquerda-e-independentes-dominam-constituinte-do-chile/a-57553680
Luiz Carlos Azedo: A CPI da necropolítica
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado começa suas oitivas hoje, com os depoimentos dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. O primeiro foi defenestrado pelo presidente Jair Bolsonaro, que ficou enciumado da popularidade do médico ao liderar o Sistema Único de Saúde (SUS) na pandemia. O segundo pediu demissão rapidinho e se recusou a endossar as teses negacionistas do presidente da República. O cenário de atuação da pandemia é emoldurado por 400 mil cruzes, que podem chegar a 500 mil, antes de a comissão concluir seu trabalho, no prazo de 90 dias.
Mais de 300 requerimentos de informações já foram aprovados na CPI, mas esses dois depoimentos têm o poder de dar o rumo de suas investigações. Os dois ex-ministros são médicos e têm plena dimensão das razões que nos levaram à tragédia sanitária atual. Os passos seguintes serão ouvir o general Eduardo Pazuello, amanhã, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na quinta-feira. Ambos terão que dar respostas convincentes aos integrantes da CPI.
Pazuello é um caso perdido, coleciona decisões e atitudes equivocadas. Se mantiver a costumeira soberba, estará no sal. Queiroga é médico, porém, ainda está enrolando o paraquedas. Manteve a maioria dos militares que assessoravam Pazuello. Sem confrontar o negacionismo do general, está se atrapalhando com a campanha de vacinação, sobretudo devido aos erros do antecessor. Pode complicar a vida de Pazuello ou se complicar, se fizer o contrário.
Ontem, Queiroga anabolizou o número de vacinados no Brasil, durante encontro na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp): “Hoje já temos imunizados com as duas doses cerca de 18% da população brasileira. Isso é um dado importante, e vamos avançar mais”. Mais fake news, impossível: a segunda dose foi aplicada em 15.869.985 pessoas, ou seja, 7,49% da população do país. Com a primeira dose, são 31.875.681 de imunizados, o que equivale a 15% da população.
Criar falsas expectativas é uma especialidade do Ministério da Saúde, que corre atrás dos atrasos na vacinação desde o início do ano. Nesta semana, oito capitais interromperam a imunização por falta de vacinas: Aracaju, Belo Horizonte, Belém, Campo Grande, Porto Alegre, Porto Velho e Recife. Entretanto, apesar do ritmo lento, a vacinação vem reduzindo o número de mortos na população de risco. As medidas de distanciamento social nos estados e municípios contribuíram para reduzir a taxa de transmissão do vírus para menos de 1, o que está se refletindo na queda do número de casos e de mortos.
Tragédia social
O problema é que o patamar ainda está muito alto: o país registrou 1.210 mortes pela doença nas últimas 24 horas e totalizou 407.775 óbitos desde o início da pandemia. Com isso, a média móvel de mortes nos últimos sete dias chegou a 2.407. Em comparação à média de 14 dias atrás, a variação foi de -16%, confirmando a tendência de queda. Se Bolsonaro tivesse bom senso, estimularia a adoção de duas ou três semanas de lockdown nos municípios mais importantes do país e jogaria o índice de contaminação no chão.
O que acontece é o contrário, o presidente Bolsonaro estimula aglomerações, como as que ocorreram no domingo, e se recusa a tomar a vacina, bem como a usar máscaras. Sabota sistematicamente os esforços das autoridades de saúde para conter a pandemia. Do ponto de vista estratégico, essa atitude foi um erro que pode lhe ser fatal nas eleições de 2022. Num país continental como o Brasil, uma crise sanitária dessa envergadura desorganiza a economia e destrói atividades produtivas, deixando ao relento e com fome milhões de pessoas. São os frutos envenenados da “necropolítica”. Esse conceito do filósofo negro e historiador camaronense Achille Mbembe define a política de governo que escolhe quem deve viver e quem deve morrer. Infelizmente, traduz a situação em que vivemos.
Até breve. Em férias, deixarei de assinar a coluna por quatro semanas.
Blog do Azedo / Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/a-cpi-da-necropolitica/