Eleições
Bolsonaro tem mais chance que Trump de pôr eleição em xeque
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) parece seguir a cartilha de Donald Trump ao mobilizar esforços para desacreditar o sistema eleitoral, mas, na visão do professor de Relações Internacionais Benjamin Teitelbaum, o brasileiro tem mais chances de sucesso do que o ex-presidente americano
Nathalia Passarinho / BBC News Brasil
Professor da Universidade de Colorado, nos Estados Unidos, Teitelbaum é autor do livro Guerra pela Eternidade (Unicamp, 2020), sobre a corrente de pensamento que inspirou Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump, e Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo radicado no Estado americano da Virgínia.
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Em entrevista à BBC News Brasil, Teitelbaum disse considerar Bolsonaro uma ameaça mais concreta à democracia que Trump. Para ele, o presidente brasileiro parece ter uma estratégia mais elaborada, semeando um ano antes da eleição a ideia de que as urnas eletrônicas poderiam ser fraudadas.
Quando Trump se viu diante da iminente derrota na eleição de 2019, ele começou a fazer, sem provas, acusações de fraudes e erros na contagem dos votos. O sistema de votação americano é em papel. Em 2018, Bolsonaro já lançava dúvidas sobre a segurança do sistema brasileiro, que é eletrônico. Mas, neste ano, reforçou os ataques às urnas eletrônicas, incentivando protestos e sugerindo que, se o sistema não for mudado, pode não haver eleição no ano que vem.
"Acho que os dois (Bolsonaro e Trump) tinham o objetivo de criar oportunidades de manobra diante de um eventual resultado eleitoral desfavorável. Mas, no caso de Trump, sinto que ele estava improvisando, não tinha um plano claro", disse. "No caso de Bolsonaro, há uma tentativa mais séria e sincera de gerar um clima de desconfiança na população. O que ele está fazendo não é tentar encontrar uma abertura legal para rejeitar um resultado eleitoral, mas sim criar um ambiente político, uma abertura política.
Especialista na extrema-direita e estudioso de movimentos populistas e nacionalistas contemporâneos, Teitelbaum avalia que a ideia de Bolsonaro é preparar terreno e fomentar apoio popular para, em 2022, colocar em xeque o resultado da eleição se for derrotado.
"Acho que ninguém gosta de dizer que está dando um golpe, ainda mais alguém que já está no poder. Mas sim. Trata-se de uma forma de criar oportunidades políticas para rejeitar o resultado de uma votação", disse à BBC News Brasil.
Segundo o professor americano, três características tornam o Brasil mais suscetível que os Estados Unidos à estratégia usada por Trump e por Bolsonaro de espalhar, sem provas, a ideia de fraudes nas eleições: o fato de ser uma democracia mais recente; a postura ambígua das Forças Armadas; e a existência de "ambiente" para que autoridades e apoiadores do presidente defendam abertamente regimes e ideias antidemocráticas, como o fechamento do Supremo.
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"Os Estados Unidos não têm essa história recente de mobilização dos militares na política doméstica. Esse passado recente de ditadura militar pode produzir mais tensão no caso brasileiro. A resposta pode ser maior vigilância por parte dos brasileiros ou, pelo contrário, maior receptividade a uma intervenção militar", disse Teitelbaum.
A BBC News Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto para comentar as declarações de Teitelbaum, que não respondeu até a publicação desta reportagem.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Que semelhanças ou diferenças existem entre a contestação de Trump ao resultado da eleição presidencial dos Estados Unidos e os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral do Brasil?
Benjamin Teitelbaum - À primeira vista, parece ser uma situação análoga, em que você tem um líder estruturando o palco, plantando a semente da dúvida sobre uma eleição que parece cada vez mais desfavorável para ele, se levarmos em consideração as pesquisas de opinião. Trump certamente estava na mesma situação. No entanto, o que mais me chama a atenção são as diferenças entre as duas situações. No caso do Brasil, estamos lidando com uma democracia mais jovem e, ao mesmo tempo, com um processo eleitoral que é melhor que o dos Estados Unidos. Você tem mais pessoas votando e você conta os votos muito mais rapidamente. Então, há marcadores democráticos que apontam o Brasil como um caso menos problemático quanto ao risco de fraude eleitoral.
Então, temos uma democracia mais jovem, um robusto padrão de participação democrática e temos um líder que tem falado sobre golpes e tomada de poder por militares há muito tempo e que transformou em hábito celebrar a ditadura militar e lançar dúvidas ao processo eleitoral. Donald Trump, quando ele começou a semear dúvidas sobre o processo democrático, não era como se isso fosse uma parte da sua persona por décadas, como foi para Bolsonaro. Então, há uma diferença na aura de seriedade e intencionalidade no caso de Bolsonaro, que não se tinha com Trump.
BBC News Brasil - O objetivo final de Trump e Bolsonaro era o mesmo em lançar dúvidas sobre o processo eleitoral?
Teitelbaum - Acho que os dois tinham o objetivo de criar oportunidades de manobra diante de um eventual resultado eleitoral desfavorável. Essa é uma forma gentil de dizer que eles estavam criando espaço para rejeitar o resultado eleitoral. Mas eu sinto que, no caso de Trump, ele estava improvisando. Não me parece que ele tivesse um plano ou visão claros de como as coisas ficariam se ele tivesse conseguido ampla desconfiança no resultado eleitoral. Ele conseguiu em parte isso na invasão do Capitólio, em 6 de janeiro. Mas, por mais dramático que tenha sido esse episódio, ele foi um caminho sem volta para Trump. Ele não tinha plano, ele não tinha uma estratégia legal para fazer isso (se manter no poder).
No caso de Bolsonaro, os anos de elogios dele ao golpe militar e o fato de a democracia brasileira ser relativamente jovem dão um significado diferente para a estratégia de semear dúvidas sobre o processo eleitoral. Há uma seriedade maior nisso. Me parece que é algo mais pensado da parte de Bolsonaro. E é mais plausível pensar que um líder brasileiro encontre uma maneira de, numa democracia relativamente jovem, rejeitar o resultado eleitoral.
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BBC News Brasil - Então, na sua avaliação, seria plausível pensar que Bolsonaro está preparando terreno para se opor ao resultado eleitoral ano que vem, promovendo algum tipo de golpe? Ou esse seria um termo forte demais?
Teitelbaum - Ele está tornando isso mais provável. Acho que ninguém gosta de dizer que está cometendo um golpe, ainda mais alguém que já está no poder. Por isso que o termo parece estranho. Mas sim. Trata-se de uma forma de criar oportunidades políticas para rejeitar o resultado de uma votação.
BBC News Brasil - Falta mais de um ano para a eleição presidencial no Brasil. Quais os possíveis motivos para iniciar com antecedência essa mobilização contra o processo eleitoral eletrônico?
Teitelbaum - Isso mostra que, no caso de Bolsonaro, há uma tentativa mais séria e sincera de gerar um clima de desconfiança na população. O que ele está fazendo não é tentar encontrar uma abertura legal para rejeitar um resultado eleitoral negativo, mas sim criar um ambiente político, uma abertura política.
Se você tem uma porção grande da população que não ratifica a legitimidade de um processo democrático, isso é um problema. Você pode alcançar um ponto em que não importa que eles estejam errados. Democracia exige confiança por parte da população. Se 40% da população rejeitar a legitimidade de um governo ou de uma eleição, isso cria oportunidades para o perdedor da eleição manobrar e recobrar o poder. Não sei exatamente como ele faria isso, mas trata-se de uma forma de criar oportunidades políticas.
BBC News Brasil - Com relação aos eleitores americanos e brasileiros, há diferenças no clima ou no discurso dos apoiadores de Bolsonaro que tornariam mais provável um desfecho favorável ao presidente brasileiro que o obtido por Trump?
Teitelbaum - Uma coisa interessante nos Estados Unidos é que, mesmo quando a eleição estava sendo contestada, os próprios adeptos dessa ideia diziam que estavam fazendo isso para garantir a democracia, o voto justo. Não queriam dispensar a democracia. No caso de Bolsonaro, ele não defende o valor democracia ao criticar o modelo atual de democracia moderna. Ele diz, 'queremos uma votação híbrida, com voto em papel e eletrônico'. Esse não é o problema em si.
Mas temos outras declarações dele defendendo outras formas de governo ou o regime militar. E isso mostra que, além de não estar comprometido com a democracia liberal, ele não se sente pressionado a se apresentar como a verdadeira versão da democracia liberal, mas como uma alternativa à democracia liberal.
BBC News Brasil - Mas nos Estados Unidos, não havia por parte de adeptos de Trump e do próprio presidente rejeição a valores democráticos?
Teitelbaum - Com certeza havia algum tolo que dizia que houve fraude na eleição e que os militares deveriam atuar para corrigir isso. E Trump pode até ter flertado com a ideia, mas essa não era, de maneira alguma, parte representativa da conversa. O discurso prevalente era: 'Achamos que essa votação foi incorreta e queremos uma nova votação'. Eles se vendiam como pessoas lutando pela integridade e legitimidade da democracia. Se queremos dar a eles o benefício da dúvida, pelo menos, eles se sentiam pressionados a se afirmar como defensores da democracia.
BBC News Brasil - Isso quer dizer que a democracia brasileira está mais sob ameaça com as atitudes do presidente Bolsonaro que a democracia americana esteve sob Trump, quando houve contestação das eleições?
Teitelbaum - Sim. Isso tem a ver com consenso. Olavo de Carvalho mesmo escreveu que democracia é sobre administrar discordâncias, é sobre ter uma série de consentimentos de base. Quando essa fundação começa a ruir, o fato de não vermos isso acontecer nos Estados Unidos… O fato de não vermos ruir um comprometimento ideológico com a democracia ou uma democracia republicana cair, isso era tranquilizador. Mas esse não é o caso no Brasil.
O legado e comprometimento com a democracia é mais recente no Brasil e menos sedimentado. Falamos de hegemonia quando uma ideia é entendida como senso comum, como estando para além de preferências políticas. Em muitas democracias modernas, a democracia goza dessa hegemonia, não questionamos a validade dela, mesmo se odiamos o governo atual. Se isso começa a se tornar condicional, se dizemos que gostamos da democracia apenas nessa ou naquela circunstância, entramos em terreno diferente.
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BBC News Brasil - De que maneiras Trump pode ter influenciado ou inspirado Bolsonaro, mesmo não tendo sido bem-sucedido em contestar a eleição americana?
Teitelbaum - Uma conclusão pode ser a de que Trump não pressionou o suficiente, não se preparou o suficiente ou não preparou terreno a tempo para que a contestação da eleição fosse bem-sucedida. Portanto, eu preciso começar agora (a semear dúvidas sobre o sistema eleitoral) e pressionar mais fortemente.
BBC News Brasil - Que diferenças há na resposta das Forças Armadas americanas e do Brasil às ambições de Trump e de Bolsonaro?
Teitelbaum - Os Estados Unidos não têm essa história recente de intervenção e participação dos militares na política doméstica. A conclusão não é que os Estados Unidos sejam imunes a isso. Talvez sejamos menos vigilantes. Mas, pelo menos, isso não está em pauta, não há conversas sobre possibilidades de intervenção militar na política. Pelo menos, não num nível nacional. Portanto, essa história recente de ditadura militar pode produzir mais tensão no caso brasileiro. A resposta pode ser maior vigilância por parte dos brasileiros e instituições ou, pelo contrário, maior receptividade a uma intervenção militar.
BBC News Brasil - Quais os possíveis resultados dessa estratégia de Bolsonaro?
Teitelbaum - Vamos supor que Lula vença. Se uma fatia considerável da população não aceitar o resultado, não acreditar que ele foi legítimo, eu não sei o que isso significa hoje. Podemos olhar para o passado. Em outras democracias jovens, isso gerou conflito militar, insurgência civil, movimentos separatistas… Mas pode também gerar um cenário completamente novo. Não é possível prever o que acontecerá se uma fatia considerável da população decidir que democracia não funciona para eles, e acho que esse vai ser o resultado (no Brasil).
BBC News Brasil - A candidatura de Lula e a polarização entre o petista e Bolsonaro alimentam essa estratégia do presidente?
Teitelbaum - Sim, essa é minha opinião. De certa maneira, com relação a esse aspecto especificamente, você pode comparar Lula a Hillary Clinton. Você tem uma reação negativa de parte da sociedade. Há a pessoa perfeita para simbolizar tudo o que essa parcela da população odeia num governo. Lula cumpre bem esse papel. Há atualmente um movimento anti-establishment (antissistema). E Trump e Bolsonaro tiveram sorte de concorrerem contra pessoas que personificavam o establishment, o sistema. Não tenho certeza se Trump teria ganhado de Bernie Sanders quando se elegeu em 2016, porque Sanders não servia tão bem ao papel de personificar o sistema, um sistema visto como corrupto. Lula é muito popular e parece capaz de vencer Bolsonaro. Mas os ingredientes estão lá para que Bolsonaro use Lula como essa figura.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58079438
Cristovam Buarque: O Brasil avisa
Bolsonaro está avisando e as oposições não levam a sério: no lugar de unidade e resistência, continuam divididas
Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles
Bolsonaro tem avisado. A história vai dizer que ele foi o pior dos presidentes eleitos ao longo dos primeiros duzentos anos do Brasil como país independente. Mas vai ter de reconhecer que ele não surpreendeu, porque avisou. Avisou que vinha para destruir ou reduzir o que havia sido feito até sua posse: na cultura, na educação, na construção da democracia, os avanços nos direitos das minorias. Também avisou que não acreditava nas constatações da ciência quanto ao aquecimento global e medidas sanitárias, inclusive vacinas. Avisou que seu governo ia reduzir as leis de proteção ambiental e ocupar as florestas do Brasil, incentivando incêndios e desflorestamento. Avisou que retiraria o Brasil do cenário internacional e manteria aliança exclusiva com seu mentor norte americano. Deixou claro que buscava fazer do Brasil um pária internacional, isolado na resistência ao fantasma do comunismo morto há décadas. Quando a epidemia chegou, ele avisou que ela seria tratada como uma gripezinha, repetidas vezes disse que todos morrem e por isto não havia razão para sofrer diante de centenas de milhares de pessoas mortas.
Ele não avisou que haveria esquema de corrupção na compra de vacinas, nem que se aliaria ao centrão que sempre tratou como corja de corruptos. Mas, em geral, entre os defeitos de Bolsonaro não está o fato de não ter avisado. Não haverá desculpa para aqueles que não souberam enfrentar as ameaças que ele fez.
Agora, Bolsonaro avisa que não respeitará os resultados das eleições se elas não forem feitas com as que ele quer. Age com franqueza diferente dos militares de 1964, que até 1° de Abril juravam lealdade à Constituição e ao presidente, mas o destituíram jogaram o Brasil em uma ditadura autoritária por 21 anos, com tortura, prisão, controle da imprensa, da Justiça e do Congresso.
Ele está avisando mais uma vez. E tomando publicamente as medidas necessárias para cumprir seu aviso quando chegar a hora em 2022: denunciando que se perder será por fraude, armando seus seguidores e seus milicianos, cooptando politicamente as Forças Armadas e as polícias estaduais, compondo apoio internacional entre neonazistas do mundo e silenciando os políticos do centrão.
Apesar disto, aparentemente as oposições democráticas não estão levando a sério as ameaças de Bolsonaro: Ele avisa que não respeitará o resultado da eleição, diz que o Exército é dele, os motoqueiros e as milícias armadas ou digitais são dele, os parlamentares do centrão são dele, os líderes neonazistas do mundo são dele, mas apesar disto as oposições não demonstram unidade para enfrentar suas ameaças..
Bolsonaro está avisando e as oposições não levam a sério: no lugar de unidade e resistência, continuam divididas como se não houvesse ameaça. Só pensam qual deles vai vencer aos outros. Tolhidos pela ambição pessoal ou partidária e por preconceitos mútuos, ignoram os avisos de Bolsonaro e disputam entre si. Caminham para repetir os mesmos erros que elegeram Bolsonaro em 2018, apesar dos avisos que ele deu. Desta vez, com o agravante de elegerem mais do que um fanfarrão, elegerem um estilo de fascismo tropical do século XXI que o eleitor votará conhecendo. Estão dormindo e talvez só acordem no exílio.
O Brasil também avisa: desta vez não serão perdoados aqueles que por omissão, vaidade, partidarismo disputarem as urnas divididos entre eles, nem aqueles que usarem as armas e participarem do golpe que Bolsonaro avisa que vai dar. Da outra vez se passaram 21 anos e os crimes da ditadura foram perdoados, o Brasil avisa que desta vez podem passar mais que este tempo, mas os crimes contra a democracia não serão perdoados. Não serão perdoados os que erraram usando as armas, nem os que erraram por se dividirem nas urnas.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/o-brasil-avisa-por-cristovam-buarque
‘Proibir pesquisa é cercear informação ao eleitor’, afirma diretora do Ipec
Para Márcia Cavallari, levantamentos não são ‘uma influência maligna como se quer passar’; Câmara discute restrição
Adriana Ferraz, O Estado de S.Paulo
Com a experiência de ter presidido por dez anos o Ibope Inteligência e agora à frente do Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), a estatística Márcia Cavallari vê com preocupação a possibilidade de a Câmara dos Deputados incluir no projeto que revisa a legislação eleitoral o veto à divulgação de levantamentos de intenção de voto na véspera das eleições e a exigência de uma espécie de “taxa de acerto” de empresas do setor. “Entendemos que proibir a publicação de uma pesquisa é cercear informação ao eleitor. Além disso, sem uma divulgação oficial pelos veículos abre-se espaço para circulação de boatos e fake news nas redes sociais e contas de WhatsApp. Se isso realmente acontecer, certamente circularão informações que ninguém saberá de onde saíram”, afirma. Leia os principais trechos da entrevista:
Qual o impacto de se vetar a publicação de pesquisas na véspera das eleições?
Em primeiro lugar, é preciso entender que nenhuma pesquisa tem a intenção de adivinhar o resultado da eleição. A intenção é a de se fazer um diagnóstico. Já sabemos que no Brasil os eleitores definem seu voto mais tarde. Quanto mais próximo se faz uma pesquisa da data da eleição melhor é para o eleitor, que pode ou não usar aquele resultado para sua tomada de decisão sem ser tutelado por ninguém. Entendemos que proibir a publicação de uma pesquisa é cercear informação ao eleitor. Além disso, sem uma divulgação oficial pelos veículos abre-se espaço para circulação de boatos e fake news nas redes sociais e contas de WhatsApp. Se isso realmente acontecer, certamente circularão informações que ninguém saberá de onde saíram.
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A proposta prevê o veto à divulgação de pesquisas com menos de 48 horas da eleição. Um dia de diferença altera de forma significativa o resultado?
Há sim uma diferença justamente porque o eleitor define seu voto na última hora. E, geralmente, os últimos debates entre os candidatos ocorrem na quinta ou sexta-feira antes da eleição. Divulgando a pesquisa no sábado (véspera) já não conseguimos pegar todas as últimas movimentações e discussões geradas pelos debates. Com um dia a menos essa chance é ainda mais reduzida.
Por que a mudança na lei pode ampliar o risco de pesquisas informais e fake news relacionadas a intenção de voto?
Porque não teremos as pesquisas oficiais, regulamentadas, na véspera. E, sem o teor da lei, sem metodologia, sem saber quem foi o contratante, quem pagou pelo levantamento não haverá transparência no processo. As pesquisas oficiais feitas pelos institutos ainda podem ser auditadas se for o caso. O eleitor tem o direito de ter informação oficial e decidir o que fazer com ela.
A resistência dos políticos a pesquisas eleitorais não é nova. Mas o que explica esse comportamento?
Discute-se há muito tempo proibir pesquisas. O Supremo já até considerou inconstitucional uma mudança legal feita em 1997. Naquela época, a intenção era vetar a publicação de levantamentos 15 dias antes das eleições. Acho que o que está por trás desse movimento é a crença equivocada de que as pessoas votam de acordo com as pesquisas. Mas quantas vezes vimos viradas na última hora? Candidatos que crescem na reta final? Se as pesquisas tivessem esse poder acertariam todas as vezes e não é isso que a gente vê. Elas não representam uma influência maligna como se quer passar. São só mais uma fonte de informação a ser usada pelo eleitor.
Há outro ponto polêmico em discussão na Câmara: a previsão de se exigir dos institutos uma espécie de “taxa de acerto”. É possível calcular isso?
Nem sei o que seria isso. Seria acertar quem ganhou nas últimas eleições, quem foi para o segundo turno? Ou mostrar o resultado exato? É uma proposta muito vaga, sem qualquer critério. Não faz nenhum sentido técnico. Por exemplo: teríamos de misturar acertos de eleições municipais, de alcance nacional? A questão é que não se deve falar em acerto. Não é esse o papel dos institutos. Uma pesquisa não tem o papel de acertar. Ela não é feita para isso, não visa prever o futuro, mas traçar um retrato de determinado período. A partir de sua sequência uma tendência pode ser ou não confirmada.
Os institutos pretendem questionar essas sugestões?
A Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas) já está contra-argumentando e preparando uma nota técnica para enviar aos parlamentares e ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A entidade considerou alguma mudança proposta positiva?
Sim, três mudanças pleiteadas pelos institutos: reduzir o prazo para registro de início das pesquisas de cinco para três dias, vetar que institutos façam pesquisas com recursos próprios e possibilitar a publicação dos resultados no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os demais temas nem foram colocados para o debate.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,proibir-pesquisa-e-cercear-informacao-afirma-diretora-do-ipec,70003800694
Coronel Blanco diz à CPI da Covid que visava negociar vacinas para mercado privado
Ex-assessor da Saúde é apontado como intermediador da reunião em que suposto pedido de propina
Andre de Souza e Melissa Duarte / O Globo
BRASÍLIA — Em depoimento à CPI da Covid no Senado, nesta quarta-feira, o coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde, afirmou que visava negociar vacinas para o mercado privado e não para o Ministério da Saúde. Ele é suspeito de ter intermediado um encontro onde houve o susposto pedido de propina para a compra de vacina.
Segundo o policial militar Luiz Paulo Dominguetti, que dizia representar a empresa Davati Medical Supply, Blanco estava no jantar em que o PM alega ter recebido a proposta de propina de Roberto Dias, ex-diretor de Logística da pasta, por uma suposta venda de imunizantes da AstraZeneca ao governo federal. O coronel é apontado como intermediador da reunião, que ocorreu em um shopping de Brasília. O ex-assessos da Saúde abriu uma empresa poucos dias antes da conversa, o que levantou suspeitas no colegiado.
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Blanco disse à CPI que foi procurado em fevereiro, quando já não tinha mais cargo comissionado no Ministério da Saúde por uma pessoa chamada Odilon relatando haver uma empresa, a Latin Air, com doses de vacina do laboratório AstraZeneca para entrega imediata. O representante seria Luiz Paulo Dominguetti. Trata-se do PM que, em junho, deu uma entrevista relatando haver cobrança de propina no Ministério da Saúde para negociar vacinas.
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Blanco mostrou mensagens de Whatsapp trocadas com Dominguetti. Segundo o coronel, eles estavam negociando vacinas para iniciativa privada, e não para o Ministério da Saúde, órgão do qual já estava desligado.
A compra de vacinas pela iniciativa privada chegou a ser defendida pelo governo e parte do Congresso, e foi aprovada, mas com uma série de condicionantes. Na prática, não chegou a haver compra de vacinas por empresas.
O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), destacou ainda que a ideia começou a ser debatida em 18 de fevereiro, depois do primeiro contato entre Blanco e Dominguetti. O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que o coronel Blanco poderia ter informação privilegiada na época, o que ele negou.
O coronel também prestou solidariedade às vítimas da Covid-19 e disse que ele próprio ficou internado por 12 dias em razão da doença.
O coronel confirmou a versão do ex-diretor de Logística do Ministério da saúde Roberto Ferreira Dias de que foi ele, Blanco, quem levou Dominguetti para um jantar num restaurante de Brasília. Roberto disse que estava tomando um chope com um amigo quando eles chegaram lá sem o seu conhecimento.
Ele disse ainda que, enquanto esteve no jantar com Dominguetti e Roberto Dias, não houve pedido de propina. Dominguetti afirmou que houve cobrança, enquanto Roberto nega. Blanco afirmou que tinha conversado antes com Roberto Dias e este lhe contou que estaria no restaurante. O militar negou que tenha informado Roberto previamente que levaria Dominguetti.
Ao Ministério da Saúde, foram oferecidas doses da AstraZeneca que seriam disponibilizadas por outra empresa, a Davati.
Contradição entre depoimentos
O coronel disse que a intenção era, com isso, conseguir que Dominguetti marcasse um encontro com Roberto Dias no Ministério da Saúde. Segundo Dominguetti, o ex-diretor de Logística cobrou propina nesse encontro. Roberto Dias nega.
Em depoimento prestado em 15 de julho na CPI, Cristiano Carvalho, representante da Davati no Brasil, disse que tratou de "comissionamento" com o coronel Blanco e outras pessoas. Nesta quarta-feira, o militar negou.
— Eu jamais fiz qualquer pedido de comissionamento ou de vantagem — disse o coronel.
Omar Aziz perguntou então que benefício ele teve com isso.
— Nenhum — respondeu o coronel Blanco.— Zero? — insistiu Omar.— Nenhum — repetiu o depoente.
— Meu Deus! O senhor é muito bondoso. O senhor está fazendo isso sem (receber) nada. O senhor deveria ter feito isso com a Pfizer, a CoronaVac... — ironizou o presidente da CPI.
— A CoronaVac, a Pfizer e a Janssen queriam ter tido toda essa facilidade — afirmou Randolfe Rodrigues em seguida.
Na terça-feira, ao ser perguntado por Randolfe sobre o preço das vacinas oferecidas ao Ministério da Saúde, o reverendo Amilton Gomes de Paula respondeu:
— A Latin Air era US$3,97; depois, veio a Davati, US$3,50, que, depois, passou para US$17,50, e, depois, abaixou para US$11.
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Há contradição entre os dois depoimentos. Enquanto o reverendo citou a negociação com o Ministério da Saúde, o coronel da reserva disse que trabalhava em prol do mercado privado.
Coronel nega intermediação
Marcelo Blanco disse que, depois de ter saído do Ministério da Saúde, ele manteve contato com algumas pessoas que ficaram na pasta. Mas negou que tenha mantido influência no ministério.
— Dos militares, são aqueles amigos pessoais meus, de anos. E com algumas pessoas, a gente mantém interlocução, porque tem uma relação amistosa. Graças a Deus, tive o privilégio de conhecer muita gente no Ministério da Saúde. E sempre fui muito recebido. Desde que cheguei lá foram elegantes comigo — afirmou o depoente.
O coronel Blanco também negou que o tempo que passou no Ministério da Saúde tenha conferido alguma vantagem para a atuação profissional dele depois de ter saído da pasta.
Coronel Blanco negou que tenha facilitado a intermediação da compra de vacinas da AstraZeneca.
— A pessoa me pediu uma agenda. Eu falei: “Peça direto ao diretor”.
Em seu depoimento, Cristiano Carvalho disse Dominguetti lhe contou que haveria um comissionamento para o "grupo do tenente-coronel Blanco". Nesta quarta-feira, o militar negou a existência do grupo.
O coronel Blanco afirmou que o cargo que ocupava no Ministério da Saúde não impunha nenhum tipo de quarentena ao deixar a pasta.
Líder da Bancada Feminina, Simone Tebet (MDB-MS) pediu acareação para ver “quem mente menos ou quem mente mais”. Também sugeriu o pedido de embargo de declaração ao ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), para verificar se o depoente pode ser preso em caso de falso testemunho, já que ele possui um habeas corpus concedido pela Corte.
Em junho de 2021, o Ministério da Saúde publicou portaria em que determinou que o general da reserva Ridauto Fernandes deveria ser substituto do então diretor Roberto Dias em caso de afastamento. Até aquele momento, quem ocuparia o cargo seria o coronel Blanco, exonerado cinco meses antes, em 18 de janeiro.
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— Isso é materialmente impossível, é claramente um erro — afirmou coronel Blanco.
Ele nega que tenha substituído Dias no período. Coronel Blanco foi nomeado em 4 de maio de 2020 e designado como substituto em outubro do mesmo ano.
Deputados tumultuam depoimento
Logo em seguida, as perguntas de Renan foram interrompidas por Randolfe, que questionou um deputado governista presente na sessão por fazer insultos à CPI. Além disso, pediu que Reinhold Stephanes Junior (PSD-PR) fosse retirado da sessão, por tumultuar o depoimento.
— Deputado, algum problema? Vossa Excelência aqui gravou um vídeo, se referindo a essa CPI.
— Qual é o problema? — rebateu, no fundo da sala.
— O problema é que Vossa Execlência praticou ainda há pouco um ato de desacato a essa comissão — respondeu o vice-presidente da comissão.PUBLICIDADEhttps://cee70a9ef8e0ae98884aeb2a29c0d6b6.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Randolfe pediu que o parlamentar se identificasse e indagou sua autoridade para estar presente ali.
— O senhor não pode desrespeitar essa Comissão Parlamentar de Inquérito, não pode atuar dessa forma e eu pedirei para os seguranças daqui do Senado tomarem as devidas providências sobre Vossa Excelência. (..) Eu quero pedir para a Polícia Legislativa autuar esse parlamentar.
— Continua o modus operandi do governo — comentou Renan.
A comissão vai notificar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e cogita acionar o Conselho de Ética.
O ex-assessor da Saúde chegou ao Senado por volta das 9h, mas a sessão começou com 1h20 de atraso. Após o início da sessão, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) mencionou o poder de a comissão analisar o abuso do direito de não autoincriminação, como ocorreu no caso da diretora da Precisa, Emanuela Medrades.
Logo no início do depoimento, o ex-assessor disse ter uma "trajetória ilibada" e currículo para assumir o cargo na Saúde. O coronel diz ter sido procurado por Dominguetti, e mostrou uma troca de mensagens feita em fevereiro. Segundo o GLOBO apurou, o principal argumento de Blanco à CPI será de que ele foi enganado pelo PM. O policial se anunciava como um representante comercial que poderia vender ao Brasil 400 milhões de doses da vacina Astrazeneca, mas não tinha nem sequer autorização do laboratório.
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O militar admite que, após ser procurado por Dominguetti, em fevereiro, viu a oportunidade de negociar os imunizantes para a iniciativa privada. Na época, ele já tinha deixado o cargo de assessor na Saúde. Blanco abriu uma consultoria três dias antes do jantar com o policial e, cerca de um mês depois, incluiu atividades ligadas à área da saúde no escopo das atividades da empresa.
Blanco tem um Habeas Corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que lhe permite ficar em silêncio durante seu depoimento à comissão. A decisão foi dada em meados de julho pelo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, para que o depoente fique isento de responder perguntas que possam lhe incriminar. No entanto, ao GLOBO, o tenente-coronel disse que responderá aos senadores.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/ao-vivo-coronel-blanco-diz-cpi-da-covid-que-visava-negociar-vacinas-para-mercado-privado-nao-com-ministerio-da-saude-25139940
A reforma vale-tudo de Lira
Vera Magalhães / O Globo
Política quase nunca é feita de boas intenções. Ela é praticada em bases bem mais pragmáticas que isso. A falta de apoio do Congresso à obsessão de Jair Bolsonaro pelo voto impresso, portanto, não se deve a nenhuma consciência por parte dos parlamentares de que é preciso zelar pela democracia, mas ao fato de eles considerarem essa cruzada uma bobagem e saberem que a urna eletrônica é segura — afinal, foram eleitos por ela.
Assim sendo, melhor gastar tempo, energia e conchavos com as próprias prioridades, em vez de se engajar na de Bolsonaro.
Eis que no minuto 1 da volta do recesso se materializa na Câmara, pronto para ser enfiado goela abaixo da sociedade, um calhamaço de mais de 900 artigos revogando toda a legislação eleitoral e, sob o pretexto de unificar tudo num Código Eleitoral, aproveitando para passar um tratoraço na fiscalização do uso de dinheiro público para campanhas e para o custeio dos partidos e para censurar as pesquisas, entre outras atrocidades.
O projeto patrocinado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e assinado por uma correligionária, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), é mais um exemplo de um expediente que vai se tornando corriqueiro na Câmara sob o comando do deputado alagoano: os projetos surgem do nada e são rapidamente votados, para que não dê tempo de a imprensa denunciar todos os seus aspectos e de a sociedade se articular.
É, também, uma mostra de por que Lira se mantém impávido segurando qualquer pedido de impeachment de Bolsonaro, não importa o que ele faça: ele já comanda uma fatia expressiva do Orçamento, colocou dois aliados no Planalto e vai aprovando medidas (fundão eleitoral, mudança na lei de improbidade administrativa e, agora, o Código Eleitoral do vale-tudo) de sua agenda pessoal sem ser importunado pelo Executivo. Manda na pauta da Câmara, a despeito do gasto sem precedentes feito pelo governo Bolsonaro (e o fim da mamata?) com agrados ao Centrão.
A reforma na legislação eleitoral proposta pela porta-voz de Lira usa do mesmo negacionismo propalado por Bolsonaro em relação às urnas eletrônicas para censurar a divulgação de pesquisas às vésperas do pleito. Quer que institutos divulguem uma tabela de acertos (!) em levantamentos anteriores, ignorando a obviedade estatística de que pesquisas são fluidas, mostram tendências e que, principalmente no Brasil, algumas eleições apresentam curvas que se modificam às vésperas das eleições.
Em relação aos gastos dos cada vez mais fornidos fundos públicos, o partidário e o eleitoral, a regra na reforma de Lira é o libera geral: até transporte de eleitor passará a ser passível apenas de multa.
Mecanismos para garantir equidade na distribuição desses mesmos recursos, como a determinação de que mulheres e negros sejam contemplados de forma proporcional, vão para as cucuias.
A Justiça Eleitoral perderá mecanismos para aprovar resoluções que disciplinem as eleições e terá menos tempo para analisar prestações de contas de campanha. E ainda cabe muita bizarrice em 372 páginas feitas sob medida para perpetuar os mesmos, graças a muito dinheiro público, e para impedir renovação de fato na política.
A presença de Arthur Lira no comando da Câmara é um desses legados deletérios do bolsonarismo para as instituições. Sob seu comando, ainda que haja soluços pragmáticos, como a reação às ameaças de Braga Netto ou o enterro da PEC do voto impresso, eles sempre se darão sob a lógica de que há outra agenda, igualmente contrária ao interesse público e ao aprimoramento do processo democrático, à espreita.
Pobre do país que tem de se fiar num Congresso comandado por interesses desse tipo para (quem sabe) frear os pendores golpistas de um presidente da República disposto a tudo para se manter no poder.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/reforma-vale-tudo-de-lira.html
Comandante da Aeronáutica procura Gilmar e nega apoio a golpismo
É a primeira sinalização direta dos militares ao Supremo em meio à crise com Bolsonaro
Igor Gielow / Folha de S. Paulo
Na primeira sinalização direta da cúpula militar ao Supremo Tribunal Federal em meio à crise entre Jair Bolsonaro e o Judiciário, o comandante da Aeronáutica convidou o decano da corte para um almoço nesta terça-feira (3).
No cardápio servido no Comando da Aeronáutica, a negação de apoio a qualquer aventura golpista no país e a reafirmação de alguns pontos pelos quais os militares têm sido criticados.
Não foi uma conversa qualquer. O brigadeiro Carlos Almeida Baptista Jr. é visto como o mais bolsonarista dos três novos chefes militares que assumiram após a crise militar que derrubou todos os comandantes e o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, em abril.
E Gilmar personifica o tribunal mais criticado reservadamente pelos comandantes Brasil afora, que consideram a corte excessivamente poderosa e dada a tolher o trabalho do Executivo.
A conversa foi cordial, segundo conhecidos dos dois comensais. Procurado, Gilmar não quis falar sobre o encontro. A assessoria de Baptista Jr. ainda não respondeu a um pedido de comentário.
O encontro foi combinado por um amigo em comum dos dois do Clube da Aeronáutica, em Brasília, onde Gilmar costuma jogar tênis.
O tom cordato e os temas gerais do almoço traziam subjacentes a tensão aguda entre Judiciário e Executivo.
Bolsonaro está em guerra com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que reagiu abrindo uma investigação sobre suas acusações de que as urnas eletrônicas são objeto de fraude e ameaça de empastelar a eleição do ano que vem se o voto impresso não for aprovado.
O tribunal também enviou cópia da infame live promovida pelo presidente na quinta passada (29) para defender seus pontos sem prova para o Supremo, sugerindo a investigação de Bolsonaro no inquérito das fake news tocado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Os militares estão no meio da confusão. O ministro Walter Braga Netto (Defesa), ao negar que tivesse feito em privado a mesma ameaça que Bolsonaro fizera publicamente contra as eleições, divulgou nota no dia 22 de julho chamando de legítimo o desejo pelo voto impresso.
Ele não está sozinho. A cúpula militar, no geral, concorda com isso. Mas vários de seus integrantes consideraram o teor da nota dispensável, ainda mais porque ele remetia a uma publicação anterior, tão ou mais explosiva.
Em 8 de julho, Braga Netto divulgou uma nota dura contra o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM).
O parlamentar havia citado, ao comentar o fato de que havia vários militares sendo investigados por suspeitas na gestão do Ministério da Saúde pela comissão, o "lado podre das Forças Armadas".
No dia seguinte, Baptista Jr. concedeu uma entrevista ao jornal O Globo reafirmando a nota, subscrita por ele e pelos dois outros chefes de Forças, e aumentando o tom de ameaça. "É um alerta. Exatamente o que está escrito na nota. Nós não enviaremos 50 notas para ele (Aziz). É apenas essa", disse.
O próprio Gilmar reagiu à ofensiva fardada. "Não é função das Forças Armadas fazer ameaças à CPI ou ao Parlamento. Pelo contrário, as Forças Armadas têm o poder e o dever de proteger as instituições", disse então à rádio CBN.
O teor da fala de um oficial da ativa alarmou o mundo político, identificando nela uma perigosa associação entre quem detém monopólio da força e as pregações golpistas quase diárias do presidente Bolsonaro.
Mesmo entre alguns chefes militares a entrevista foi considerada excessiva, mas não por seu teor, com o qual concordam. O uso do "lado podre" remete à "banda podre", termo aplicado às milícias integradas por policiais no Rio e em outros estados.1 6
Aquilo magoou as Forças, Baptista Jr. disse a Gilmar no encontro, segundo conhecidos de ambos. O fato de eventualmente haver fardados envolvidos em falcatruas não conspurcaria as Forças de forma orgânica, sustentou.
Na própria entrevista ao Globo, o brigadeiro havia repetido o que se ouve usualmente na cúpula fardada, que malfeitos são punidos e há severidade. Isso é por vezes contradito na atuação vista como corporativa da Justiça Militar, contudo, o que reflete uma tendência das Forças de resolver problemas intramuros, sem transparência.
O ministro do Supremo fez ponderações acerca da impropriedade do debate sobre o voto impresso como está sendo feito, implicando a urna eletrônica em fraudes inexistentes. Fez a defesa do sistema eleitoral brasileiro.
O almoço certamente não irá apaziguar de todo a relação entre militares e o Judiciário, que era mediada por Azevedo quando era ministro —ele havia servido como assessor da presidência do Supremo sob Dias Toffoli. Mas se insinua como um marco no ambiente cheio de crispação atual.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/comandante-da-aeronautica-procura-gilmar-e-nega-apoio-a-golpismo.shtml
Luiz Carlos Azedo: O quid pro quo do voto eletrônico
Bolsonaro não percebe que o grande beneficiário do seu confronto com o Poder Judiciário é o Congresso, que se fortalece e está com a faca e o queijo nas mãos
A expressão latina quid pro quo significa uma coisa pela outra. Por essas voltas que o mundo dá, foi traduzida do holandês (dit for dat, este por esse) para o inglês como tit for tat, ou seja, na mesma moeda ou taco a taco. Na teoria dos jogos, a estratégia tit for tat tem um lugar de honra, graças aos estudos do cientista social Robert Axelrod, da Universidade de Michigan, Estados Unidos, que promoveu um torneio no qual os participantes teriam de apresentar programas de computadores nos quais haveria apenas duas opções: trair ou cooperar. O detalhe é que cada dupla de participantes jogaria 200 partidas, nas quais, aparentemente, a melhor opção seria trair enquanto o outro coopera; a pior, cooperar enquanto o outro trai. Para sua surpresa, o melhor desempenho, ao final de todas as rodadas, foi para quem adotou uma estratégia simples: o tit for tat. Nesse cenário, o jogador sempre começava cooperando, depois respondia na mesma moeda: traia, se fosse traído; cooperava, se houvesse cooperação.
A estratégia é diplomática: começa sempre cooperando. Mas é muito vingativa, porque não perdoa a traição, ao retaliar imediatamente. Entretanto, é generosa, porque retribui com a cooperação se o outro se arrepender e cooperar. Além disso, desde o início, é muito transparente, porque permite que o oponente entenda rapidamente quais são as regras do jogo e se dê conta de que é melhor cooperar. O presidente Jair Bolsonaro não percebeu, ainda, que está levando um baile do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao abrir guerra contra a urna eletrônica, com pronunciamentos diários que levantam suspeitas em relação a fraudes nas eleições que só existem em sua fértil imaginação.
A teoria dos jogos, particularmente o “dilema do prisioneiro”, há muito tempo deixou de ser monopólio dos físicos e matemáticos. É estudada amplamente nas escolas de direito, principalmente no direito penal, tanto ou mais do que nas escolas de estado-maior das Forças Armadas, que Bolsonaro não frequentou. É nesse contexto que deve ser examinada a decisão unânime do TSE ao abrir inquérito para investigar os ataques de Bolsonaro à legitimidade das eleições. Isso pode resultar na impugnação de sua candidatura à reeleição por aquela Corte, se vier a ser condenado. O pedido encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para incluir as declarações de Bolsonaro contra a urna eletrônica no inquérito das fake news, também. São dois movimentos distintos, em pinça, como nas operações de cerco e aniquilamento. Ou seja, não foi Bolsonaro que dobrou a aposta, foi Barroso.
Segunda frente
No TSE, o inquérito administrativo será conduzido pelo corregedor do tribunal, ministro Luís Felipe Salomão, em caráter sigiloso. Serão investigados crimes de corrupção, fraude, condutas vedadas, propaganda extemporânea, abuso de poder político e econômico nas declarações de Bolsonaro. Salomão quer dar agilidade às investigações, mas não foi definido prazo para a conclusão. Primeiro, haverá a fase de produção de provas, com o interrogatório de pessoas que ainda não foram definidas. Depois, a juntada de documentos, realização de perícias e outras providências que se fizerem necessárias para a adequada elucidação de provas. Ainda existe a possibilidade de tudo ser anexado às Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJEs), que tramitam contra Bolsonaro no TSE e que pedem a cassação do mandato da chapa eleita em 2018. Em caso de condenação, portanto, o presidente pode ficar inelegível e, em um quadro mais grave, perder o mandato.
A notícia-crime enviada ao STF é ainda mais adversa para Bolsonaro. O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, deverá decidir se inclui a live de Bolsonaro de quinta-feira passada nas investigações. Moraes presidirá o TSE nas eleições de 2022. Caso inclua as declarações de Bolsonaro no inquérito do Supremo, o ministro determinará as diligências, entre as quais, o depoimento do presidente, a perícia de vídeos apresentados na live ou outras providências. No fim do percurso, o plenário do STF julgará Bolsonaro, daí a cautela do presidente da Corte, ministro Luiz Fux, ao tratar do assunto na reabertura dos trabalhos do Judiciário. O Supremo também vem sendo alvo de constantes ataques do chefe do Planalto.
Outro equívoco de Bolsonaro é não perceber que o grande beneficiário do seu confronto com o Poder Judiciário é o Congresso, que se fortalece nessa disputa e está com a faca e o queijo nas mãos. Seu destino está praticamente nas mãos do Centrão, que não quer briga com o Supremo. Além disso, a principal frente de erosão de seu prestígio popular é a CPI da Covid, no Senado, que sangra o governo. Um estrategista mais arguto no Palácio do Planalto diria que Bolsonaro errou ao escolher o seu inimigo principal.
Demitido por uso de avião da FAB, Santini ganha novo cargo no governo
Ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência foi nomeado secretário nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública em edição publicada no Diário Oficial da União (DOU), assinada pelo novo novo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira
Ingrid Soares / Correio Braziliense
Amigo da família Bolsonaro, José Vicente Santini ganhou um novo cargo no governo nesta quarta-feira (4/08). Ele foi nomeado secretário nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública em edição publicada no Diário Oficial da União (DOU), assinada pelo novo novo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.
A mudança ocorreu após o general Luiz Eduardo Ramos ter sido nomeado para comandar a Secretaria-Geral no lugar de Onyx Lorenzoni, que segue para o novo Ministério do Trabalho e Previdência.
Santini foi secretário-executivo da Casa Civil e exonerado após ter utilizado o avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para viajar à Suíça e à Índia. A saída dele foi decidida no mesmo dia em que Bolsonaro retornou da viagem a Nova Délhi. O chefe do Executivo se mostrou incomodado com o uso da aeronave e afirmou que Santini deveria ter viajado em voo comercial, a exemplo de outros ministros.
Após o episódio, Santini voltou ao governo federal em setembro, quando ganhou um cargo de assessor especial do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4941689-demitido-por-uso-de-aviao-da-fab-santini-ganha-novo-cargo-no-governo.html
Sob Bolsonaro, a corrosão do Estado e das liberdades individuais
Presidente repete líderes autoritários e atenta contra direitos civis operando o Direito, aponta levantamento
Bruno Ribeiro, Daniel Bramatti e Marcelo Godoy
Era 2 de julho de 2018 quando o então candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro, revelou em entrevista um desejo: se eleito, pretendia ampliar de 11 para 21 o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Seria, segundo sua justificativa, uma forma de pôr “juízes isentos lá dentro”. Durante a campanha, o tema adormeceu. Mas, pouco depois da posse, o presidente tentou uma manobra para mexer na composição da Corte. Incluiu-se na reforma da Previdência um artigo que retirava da Constituição a idade-limite de 75 anos para os ministros do Supremo, deixando que ela fosse definida em lei complementar.
A medida foi dissimulada em meio à Proposta de Emenda à Constituição patrocinada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Não haveria justificativa para estar ali, até porque o impacto de 11 aposentadorias é irrisório para o caixa da Previdência. Tratava-se, segundo os críticos, do primeiro ataque à democracia e à independência dos poderes feito pelo governo de Bolsonaro. A retirada da idade-limite da Constituição permitiria ao presidente fixar por lei nova idade-limite, menor do que a atual, aposentando uma leva de ministros da Corte.
“É o modelo posto em prática na Venezuela e na Polônia”, diz Luis Manuel Fonseca Pires, juiz e professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Ou aposentam ministros ou aumentam o número para garantir o controle da Corte Constitucional. O novo autoritarismo age por meio do Direito para obter legitimidade.” Em 2004, Hugo Chávez elevou o número de ministros da Corte Constitucional da Venezuela de 20 para 32. Na Polônia, o partido Direito e Justiça (PiS) usou a desculpa do combate à corrupção para tentar aposentar à força 27 dos 72 juízes da Corte Suprema.
Levantamento do Estadão sobre a atuação de Bolsonaro em 20 temas mostra que, desde sua posse, o presidente e seus ministros editaram 88 decretos, medidas provisórias, portarias, pareceres ou resoluções ou patrocinaram projetos de lei e alterações legais que incluíam medidas que corroíam o Estado ou atentavam contra as liberdades civis e direitos constitucionais. Ou seja, a cada 11 dias, ao menos uma medida desse tipo foi criada pelo governo. O levantamento leva em conta a avaliação de analistas. Trata-se de um processo de “cupinização” do governo das leis, na expressão do professor emérito da USP e ex-ministro das relações Exteriores Celso Lafer. “Você vai ‘cupinizando’ as regras do Direito”, disse. “No fundo, o que o governo Bolsonaro busca é, fugindo das instituições e das regras do Direito, sempre definir a exceção para obter a servidão voluntária e ‘cupinizar’ as instituições.”
Segundo Pires, o Direito é a forma usada por populistas autoritários para criar exceções com as quais modificam estruturas do Estado, atacam a democracia e negam direitos. Suas decisões são sempre tomadas levando em conta a oposição entre amigos e inimigos.
Lafer e Pires usam a mesma pista para compreender esses governos e suas relações com o Direito: as obras do pensador francês Étienne de La Boétie e do jurista alemão Carl Schmitt. “La Boétie trata da servidão voluntária e, evidentemente, o que os bolsonaristas acabam logrando é a servidão voluntária de seus sequazes”, afirma Lafer. O ex-ministro prossegue: “Para Schmitt não interessa a normalidade; interessa a exceção. O que caracteriza o pensamento dele é poder definir a exceção, a capacidade de poder defini-la. O soberano tem o poder de declarar a exceção. No fundo, o que Bolsonaro quer é ter o poder soberano de declarar a exceção.”
Protestos contra Jair Bolsonaro
É isso que explicaria ações do governo, como a Medida Provisória 979, de 2020, que autorizava Bolsonaro a nomear reitores provisórios para a universidades federais enquanto durasse a pandemia de covid-19. A intervenção na autonomia das universidades – identificadas pelo governo como centros dominados por inimigos esquerdistas – foi barrada pelo então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que devolveu a MP sem analisá-la. Era a segunda vez que Bolsonaro tentava, sem sucesso, modificar o processo de escolhas dos reitores.
O mesmo modo de agir – não para a adoção de políticas, mas para atacar inimigos escolhidos pelo governo – teria marcado a ação do governo em outra área: a do Meio Ambiente. Populações indígenas e a atuação de ecologistas e de ONGs ligadas à Amazônia foram escolhidas como alvo pelo governo, a ponto de o Supremo ter obrigado Bolsonaro a estabelecer um plano de combate à covid-19 nas aldeias e ter destituído o presidente do Ibama sob a acusação de ele ser conivente com a exploração ilegal de madeira. Quase metade das normas que corroem a base legal do Estado teve como alvo enfraquecer a defesa do Meio Ambiente.https://datawrapper.dwcdn.net/dU6Ci/10/
Para a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, governos autoritários têm projeto de destruição de direitos. No Brasil, muitas das medidas contestadas nesta gestão foram adotadas como portaria ou decreto, em razão da resistência do Congresso em mudar as leis, como no caso das legislações ambiental e de armas. Ela destaca ainda o perigo de mudanças na lei eleitoral servirem para restringir a democracia e a representação popular. “O Ministério Público é resiliente e seus integrantes vão cumprir seu dever. Assim como o STF, que entendeu muito bem que deve ser uma barreira à desconstrução da Constituição.”
Lafer também destaca a resistência no Brasil a medidas do atual governo. “A tradição política do Direito é conter o arbítrio. É o que dizia Rui Barbosa na Oração aos Moços. Ele sempre procurou assegurar o governo das leis e não o dos homens. Cabe ao advogado, nesse sentido, um tipo de magistratura. É isso que muitos juristas, preocupados com a res pública, procuram fazer: exercer essa magistratura.”
Juntamente com o Judiciário, as universidades e a área ambiental, a imprensa é um dos alvos prioritários da ofensiva antidemocrática de Bolsonaro. Levantamento da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), divulgado na semana passada, identificou 87 ataques do presidente à imprensa nos primeiros seis meses deste ano, o que representa um aumento de 74% em relação ao semestre anterior. Foram 49 ataques contra a imprensa em geral, 28 contra veículos específicos e dez contra jornalistas. Se considerado o “sistema Bolsonaro” – grupo que inclui a família e os ministros do presidente –, o número de ataques no semestre chega a 331. No ranking de agressores, Bolsonaro está em primeiro lugar, seguido por três filhos de seus filhos.
Também divulgado na semana passada, o Relatório Global de Expressão, da organização Artigo 19, qualificou o Brasil como uma “democracia em crise”. No relatório, que é relativo a 2020, o País registrou só 52 pontos na escala de liberdade de expressão, que vai de zero a cem, sendo zero a nota de um país sem liberdade de expressão e cem a de total liberdade. Foi a menor pontuação brasileira no indicador desde a primeira medição, em 2010.
O documento enumera 464 situações em que o presidente, ministros ou assessores próximos “atacaram ou deslegitimaram jornalistas e o seu trabalho, nível de agressão pública que não é visto desde o fim da ditadura militar”. A Artigo 19 é uma organização que promove o direito à liberdade de expressão e de acesso à informação no mundo. Seu nome tem origem no 19.º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.
O Estadão procurou o Palácio do Planalto e a assessoria da Casa Civil para que comentassem o papel do governo na erosão da democracia, mas não houve resposta aos questionamentos da reportagem.
Imagens de Jair Bolsonaro
Cargos públicos são utilizados para controle
Bolsonaro garante a execução de políticas controversas a partir da nomeação de aliados para funções estratégicas
Bruno Ribeiro, Daniel Bramatti e Marcelo Godoy, O Estado de S. Paulo
Em paralelo às tentativas de mudar a legislação para fortalecer seu controle sobre o Estado, Jair Bolsonaro nomeou para cargos-chave do funcionalismo aliados dispostos a executar suas políticas mais controversas. Ele responde a um inquérito por tentativa de interferência na Polícia Federal.
No Ministério da Saúde, por exemplo, sob o comando do general Eduardo Pazuello, o corpo técnico foi ocupado por nomes como a médica Mayra Pinheiro, a “capitã cloroquina”, e Hélio Angotti Neto, que preparou um “Dia D” para distribuir o remédio em meio à falta de oxigênio nos hospitais. No Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão com décadas de expertise no monitoramento do desmatamento, houve proibição de realização dessa função, transferida para o Ministério da Agricultura. Na Fundação Zumbi dos Palmares, cuja função é promover a cultura negra, após a indicação do jornalista Sérgio Camargo houve anúncio de redução de metade do acervo da instituição, tido como “marxista”.
Sua proposta de reforma administrativa é alvo de crítica de opositores por, segundo eles, dar chances de perseguição e demissão de servidores de carreira não alinhados aos objetivos do governo atual.
“Se aprovada, permitirá a perseguição política, ainda mais em um governo que não gosta de servidores que possam ter independência funcional”, diz o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). Ele considera a reforma necessária, mas ressalta: “Duas coisas têm de ser feitas para melhorar o serviço público brasileiro: regulamentar a avaliação de desempenho (dos servidores) e criar mais carreiras transversais. A reforma do Bolsonaro não faz nenhuma das duas coisas. Ela abre brechas para a demissão de servidores por perseguição e permite a indicação política para cargos de natureza técnica”.
Com 32 meses de mandato, Bolsonaro já pôde indicar seis diretores-gerais de agências reguladoras, órgãos com função de balancear interesses de governo, consumidores e setor privado. Os dirigentes têm mandato.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=zjwYdy&show_brand=false
Na Agência Nacional do Petróleo (ANP), com a indicação do contra-almirante Rodolfo Saboia, os militares passaram a ter controle do Ministério de Minas e Energia, da presidência e do Conselho de Administração da Petrobras e da ANP. Na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sob gestão do contra-almirante Antonio Barra Torres, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), fez críticas pela demora na liberação da vacina Coronavac – os técnicos do órgão também impuseram restrições à Covaxin, defendida pelo governo.
“No passado, as agências já foram alvo de interferência política, com prejuízo para toda a sociedade”, afirma o coordenador executivo do Centro de Gestão de Políticas Públicas do Insper, André Luiz Marques. Ele cita ações da ex-presidente Dilma Rousseff para controlar preços de energia. “Nas agências, você precisa de um corpo técnico forte, não pode ter loteamento de cargos. Senão, as relações ficam desiguais, e quem paga por isso geralmente é o consumidor.”
Não há a menor dúvida de que essa reforma, se aprovada, permitirá a perseguição política, ainda mais em um governo que não gosta de servidores que possam ter independência funcional”Alessandro Molon, deputado (PSB-RJ)
O caso da Polícia Federal é o que mais teve repercussão. Em abril de 2020, o ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro acusou o presidente de interferir no órgão. A PF no Rio investigava o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) após a Operação Furna da Onça apurar corrupção na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e chegar a Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio (e amigo de Jair), nome central nas apurações de suspeitas de “rachadinhas” em gabinetes da família presidencial. Com Anderson Torres na Justiça, o novo diretor-geral Paulo Maiurino propôs a criação de um setor na PF, vinculado a ele, para investigar políticos que possuem foro especial.
ENTREVISTA
LUIS MANUEL FONSECA PIRES, JUIZ E PROFESSOR DE DIREITO DA PUC-SP
‘Há o surgimento de uma nova modalidade de regime autoritário’
Estudioso afirma que governo opera sob premissa de ‘amigos e inimigos’ como elemento estruturante
Daniel Bramatti, O Estado de S. Paulo
Estudioso da forma como o Direito é usado pelos governos autoritários de nosso século – à esquerda e à direita – o professor de Direito Administrativo da PUC-SP e juiz Luis Manuel Fonseca Pires defende a tese de que os atos e as políticas do governo Jair Bolsonaro não podem ser reduzidos a uma questão de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade. “Não estamos mais operando no campo do legal ou ilegal. O que se está operando é uma produção de políticas públicas, atos políticos e administrativos que têm sempre a premissa da equação amigo e inimigo como elemento estruturante de suas ações.”
Autor do livro Estados de Exceção, a usurpação da soberania popular, Pires afirma ser necessário atualizar a concepção clássica de estado de exceção, pois, na atualidade, ela é acompanhada da ideia de “volatilidade do inimigo”. Ora ele é uma instituição, ora ele é um grupo.
● Há um denominador comum por trás das medidas legais do governo Bolsonaro?
É preciso entender que o autoritarismo contemporâneo é um processo em construção. Ele não se dá em um dia, em um momento específico. É um processo que se elabora permanentemente. É preciso ter consciência de que isso não é um sinal de fragilidade da ascensão do autoritarismo. É simplesmente que essa é a estratégia do terceiro milênio, ele se elabora dessa forma gradual. É uma construção que opera por fragmentação. O autoritarismo contemporâneo seleciona âmbitos da vida civil e instituições públicas que ele ataca sistematicamente, mas de um modo circular. Ora é preciso atacar o Judiciário, ameaçar o impeachment de algum ministro, depois, deixa-se isso de lado e se vai para um âmbito civil. Por exemplo: a liberdade de imprensa. E é preciso atacar e massacrar essa liberdade. O estado de exceção tradicionalmente se estrutura pela equação amigo e inimigo. No romance (1984) ninguém sabe direito se Emanuel Goldstein existe ou não, se é uma lenda. Mas há uma cultura de ódio contra ele porque o estado totalitário precisava ter um inimigo, porque sem um inimigo ele não sobrevivia. Já o estado de exceção contemporâneo tem a estratégia de mudar os campos de ataque. Ele não pretende ser totalitário. Ele pretende ir minando vários campos. O pressuposto ainda é o mesmo: ele precisa ter o inimigo como estruturante de suas ações. Os atos e as políticas públicas do governo Bolsonaro não podem ser reduzidos a uma questão de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade. Nós não estamos mais operando no campo do legal ou ilegal, porque todos os governos podem praticar medidas legais ou ilegais que devem ser corrigidas. O que se está operando é uma produção de políticas públicas, atos políticos e administrativos que têm sempre a premissa da equação amigo e inimigo como elemento estruturante. Mas com a estratégia da circularidade. Há algo que é preciso atualizar na concepção clássica de estado de exceção, que é mais um motivo para chamarmos de ‘estados de exceção’ na atualidade, que é a ideia da volatilidade dos inimigos.
● Por que o inimigo agora é difuso, ao contrário do que ocorria nos autoritarismo do século 20?
Houve uma larga produção de pensamento crítico à esquerda e à direita após a 2.ª Guerra Mundial sobre os absurdos produzidos pelo estado de exceção clássico, que se identificou com a ideia do totalitarismo, a ideia da produção de um homem novo, do domínio de todos os campos ao mesmo tempo. A partir dos anos 1970, na América Latina, você começa a contar com o uso do Direito de uma forma mais sofisticada, mascarando a produção da exceção. Tanto porque o pensamento crítico não tolerava mais isso quanto pela legitimidade que o Direito dá às situações arbitrárias. Seria muito melhor para a construção da legitimidade o uso da ação judicial. Esse é um modo diferente do novo autoritarismo. Ele tem o cuidado de dissimular suas práticas e precisa contar muito mais com o Direito como aliado. A cúpula nazista não estava preocupada com o Direito. Hoje é o contrário. Após a 2.ª Guerra há um processo de transformação em que há necessidade de se contar com a comunidade jurídica, com os legisladores, a produção de políticas, os atos do Executivo, com o Ministério Público, o Judiciário e as posições-chave nas universidades. Todos os lugares onde de algum modo se produzem atos, decisões e o ensino jurídico. As universidades têm dois motivos para serem atacadas: primeiro pela produção jurídica que podem oferecer e, segundo, por serem um local de pensamento crítico. Regimes autoritários contemporâneos têm os três pilares do pensamento crítico como inimigos: a Educação, a Cultura e a liberdade de imprensa. E operam com circularidade nos ataques aos inimigos. Precisam ter o inimigo do mês ou da semana. Numa semana ele é Leonardo Di Caprio. Na outra, o youtuber Felipe Neto ou o pensamento do Paulo Freire. A volatilidade é a marca da sociedade contemporânea. Mas sem o inimigo não se estrutura o estado de exceção. Nem no passado, nem no presente.
● A produção legal e infralegal do governo seria fundamental então para entender como o governo Bolsonaro opera?
É essencial ter produção jurídica para dar verniz de legitimidade. Essa é a ideia. Para que as medidas autoritárias não se apresentem como tais, elas precisam contar com o Direito para tentar dar uma racionalidade à produção da vontade política arbitrária. O elemento mediador do conflito entre a política e o Direito é a Constituição. Esta estabelece uma relação de valores fundamentais. Por exemplo: a ciência. Se a Constituição é a mediadora das vontades políticas, isso significa que as decisões possíveis dos governos devem estar no âmbito da ciência. Não se pode negar a ciência. Como então produzir políticas públicas negacionistas, acabar com distanciamento e o uso de máscaras na pandemia? Como tomar medidas contra o senso comum estabelecido pela ciência? Essa vontade política é arbitrária porque rompe com o horizonte de possibilidades que a Constituição deu. Em uma pandemia, não é uma alternativa legal você negar a pandemia. Quando a vontade política pretende impor o negacionismo, ela precisa atualmente do Direito, ao contrário do que ocorria no passado ou em regimes autoritários clássicos, como a Coreia do Norte.
● Nessa perspectiva, qual a importância do controle do STF?
É um objetivo que deve estar presente para a construção de um regime autoritário. Hoje, no Brasil, os pontos mais marcantes de resistência à ascensão do autoritarismo são a liberdade de imprensa, os movimentos sociais, o Poder Judiciário. E o Direito passa a ser utilizado como recurso de minar essa resistência. Ele é usado para escolher reitores de universidades que não foram os mais votados. Há ataques constantes à imprensa quando esta tenta identificar suspeitas de corrupção e o uso da Lei de Segurança Nacional para intimidar jornalistas e opositores pacíficos em protestos. O Direito é usado para minar os inimigos – e não a força bruta.
● Como esses governos mobilizam pessoas contra os inimigos?
As vontades políticas arbitrárias são mobilizadas por afetos políticos, por sentimentos. Aquilo que no passado se manifestava por meio de ordem administrativa, de detenção ou de execução, como na Noite dos Longos Punhais (a execução de líderes da S.A., a mando de Hitler, em 1934), hoje se manifesta no Direito. Ele é o repositório desses afetos. Ele tem o papel de converter os afetos políticos – como o ódio – em discursos pretensamente racionais. Como o ódio ao processo de conhecimento se materializa para calar professores e o desenvolvimento do pensamento crítico em sala de aula? Como fazer isso no terceiro milênio? É preciso do Direito para que ele se converta em discurso de pretensa racionalidade com o nome de escola sem partido.
● Mas não se trataria apenas de mera ‘passagem de boiada’?
Todas as vontades arbitrárias, que não se encontram na Constituição, para se manifestarem são estados de exceção. Os regimes autoritários contemporâneos não fecham o Parlamento ou o Judiciário. Eles funcionam com as instituições formalmente presentes. Essa nova estratégia mantém um grau de permanência na vida civil: não é preciso eliminar todos os órgãos de imprensa ou todas as políticas públicas ambientais. Vive-se com ataques, que os vão minando gradualmente, o que dificulta a produção do pensamento crítico. Pessoas que não se deram conta da gravidade da situação têm como horizonte as referências históricas. Elas dizem que este ou aquele não é um regime autoritário porque o Congresso está funcionando. O regime autoritário do passado tinha a meta de fincar a bandeira. Havia dia, mês e ano para celebrar sua instauração. Hoje o autoritarismo é fluido com a constante atualização dos inimigos a serem combatidos. Não vamos ter uma data para celebrar o fim da democracia, pois autoritarismo contemporâneo usa o símbolo da democracia como justificativa de suas medidas de exceção. O objetivo não é fechar universidades, mas capturá-las. O objetivo não é fechar o Supremo ou o Congresso, mas colocá-los ao lado de quem opera os estados de exceção. Bolsonaro não conseguiria fazer tudo isso sozinho. Ele precisa do apoio de outras forças. A volatilidade do inimigo é também traço da volatilidade do soberano nos estados de exceção. Ele não pode se estabelecer às claras; é uma fantasmagoria. O novo autoritarismo não tem uma meta. A meta é o presente. O que está acontecendo é o surgimento de uma nova modalidade de regime autoritário.
EXPEDIENTE
Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo, Carlos Marin e William Mariotto / Editor de Política Eduardo Kattah / Designer multimídia Vitor Fontes / Reportagem: Bruno Ribeiro, Daniel Bramatti e Marcelo Godoy / Edição de texto: Vitor Marques, Fernanda Yoneya e Valmar Hupsel Filho
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://www.estadao.com.br/infograficos/politica,sob-bolsonaro-a-corrosao-do-estado-e-das-liberdades-individuais,1185836
TSE já publicou 62 vídeos em 2021 para desmentir fake news sobre urnas
Em contrapartida, defensores do voto impresso promoveram uma enxurrada de "dislikes" no canal da Corte Eleitoral no YouTube
Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e aliados intensificam ataques contra as urnas eletrônicas, numa tentativa de colocar em descrédito o atual sistema de votação, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem direcionado boa parte de sua comunicação para desmentir notícias falsas e esclarecer aos eleitores sobre o funcionamento do voto eletrônico e as auditorias feitas para atestar a segurança do modelo.
O TSE tem divulgado produtos nas mais diversas redes sociais e, recentemente, aderiu até mesmo ao TikTok. No YouTube, segundo levantamento do Metrópoles, já foram publicados, neste ano, 62 vídeos sobre urnas eletrônicas, voto impresso, fraudes ou ciberataques.
As respostas do tribunal se acentuaram sobretudo após 14 de maio, quando o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, lançou uma campanha, segundo ele, para demonstrar a segurança, transparência e auditabilidade do processo eleitoral. Desde então, o canal da Corte no YouTube subiu 92 vídeos. Desses, 46 – ou seja, a metade – tratam do assunto.PUBLICIDADE
“Não é uma campanha de resposta a ninguém; não é uma campanha de polemização. É apenas uma campanha de transparência para que a sociedade tenha conhecimento pleno e informação fidedigna sobre a lisura do nosso sistema eleitoral”, ponderou Barroso, durante o lançamento.
Só neste ano são mais de 7 horas e 51 minutos de vídeos publicados sobre o assunto. Ao Metrópoles, o TSE informou que todo o material é produzido pela Secretaria de Comunicação do tribunal e que, portanto, não há custos extras.
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Em contrapartida, bolsonaristas têm promovido ataques contra as publicações que tratam de urnas eletrônicas e voto impresso no canal do TSE. Os 62 vídeos deste ano sobre esses temas receberam mais de 370,8 mil dislikes, o equivalente a 6 mil avaliações negativas por vídeo. O número é 11 vezes maior que a média de likes dos mesmos conteúdos: 540.
Fonte
Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/tse-ja-publicou-62-videos-em-2021-para-desmentir-fake-news-sobre-urnas
A saúde, o veto e as inovações tecnológicas para a incorporação de medicamentos
Questão da incorporação automática de medicamentos
Marcus Pestana / O Tempo
Na última terça-feira, saiu publicado no DOU o veto do presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei no. 6330/2019, de autoria do senador Reguffe (PODEMOS/DF), que pretendia estabelecer a incorporação automática dos medicamentos antineoplásicos de uso oral a partir do simples registro na ANVISA, sem a devida “Avaliação de Tecnologias em Saúde” (ATS) pela ANS, para todos os usuários de planos e seguros de saúde.
Sempre considerei que a aprovação de qualquer medida legislativa deveria se dar a partir da avaliação criteriosa de seu conteúdo e não de sua origem ou da postura governista ou oposicionista do parlamentar. Não há sentido em uma oposição sistemática do tipo “quanto pior, melhor”. Ouso dizer, na linha de Rodrigo Maia, que o veto presidencial está correto.
Assusta-me a postura de meus colegas, ex-gestores de saúde, hoje exercendo mandatos parlamentares, que não levantaram essa discussão e aprovaram o PL 6330/2019 acriticamente, quando a OMS diz que a ATS é “a avaliação sistemática das propriedades, efeitos e/ou impactos da tecnologia da saúde. Seu principal objetivo é gerar informação para a tomada de decisão, incentivando a adoção de tecnologias custo-efetivas e prevenindo a adoção de tecnologias de valor questionável aos sistemas de saúde”.
Hoje, em todo o mundo, é aceito que os custos dos sistemas de saúde, públicos ou privados, serão crescentes. Isto se deve à transição demográfica e ao frenético processo de inovação tecnológica no setor.
Ninguém, em sã consciência, se coloca contra a incorporação de inovações que melhorem a atenção à saúde dos brasileiros. Em abstrato, na incorporação de novas tecnologias, o céu é o limite. Mas aí, nós, os chatos economistas, erguemos conceitos como restrição orçamentária e relação custo-efetividade. Isto impõe o exercício da ATS. No Brasil é papel da CONITEC e da ANS. Em dois dos melhores sistemas de saúde do mundo é função da NICE, no Reino Unido, e da CADTH, no Canadá. Ninguém no mundo desenvolvido faz incorporação tecnológica automática.
A ANVISA analisa unicamente a segurança e a eficácia. Mas isto não se confunde com a necessária ATS. É preciso esclarecer que os novos medicamentos são caríssimos. E “não há almoço grátis”. Alguém irá pagar a conta. No caso do SUS, todos os contribuintes. No caso da Saúde Suplementar, todos os 48 milhões usuários de usuários, que verão suas mensalidades subir significativamente. No caso concreto, qualquer oncológico recém-lançado implicará em tratamentos que custam entre 500 mil a 1 milhão de reais por ano.
Os planos de saúde já cobrem o tratamento de câncer, inclusive 58 medicamentos orais. A partir da última incorporação ao rol feita pela ANS, em abril de 2021, existem apenas 11 medicamentos, que têm registro na ANVISA a serem avaliados, que custam de 3.000 a 113.000 reais a caixa. O Canadá ainda não aprovou nenhum deles e o Reino Unido apenas um. Se o Congresso Nacional derrubar o veto, o Brasil será pioneiro.
O processo de ATS na ANS tem levado de dois a três anos. É muito tempo. Porque não fixar 180 dias, com a possibilidade excepcional de mais 90 dias, como propôs, em substitutivo, o deputado Pedro Westplalen?
Uma última pergunta: e os 166 milhões de brasileiros que dependem exclusivamente do SUS? Serão excluídos mais uma vez, aumentando a iniquidade social na saúde?
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Fonte:
O Tempo
https://www.otempo.com.br/politica/marcus-pestana/subscription-required-7.5927739
Insanidade de Bolsonaro põe em risco os interesses do Centrão
Como ficarão os que se elegerem ano que vem se o presidente, uma vez derrotado, denunciar que houve fraude?
Blog do Noblat / Metrópoles
O sonho de consumo do Centrão é um presidente da República exangue, a mendigar apoio, disposto a ceder os anéis, os dedos e, se for o caso, um pouco mais para não ir ao chão antes da hora.
Não lhe interessa, porém, sustentar um presidente capaz de tocar fogo no pagode porque os pagodeiros, mesmo que o abandonem a tempo, correrão o risco de sair chamuscados.
Apoio político é um negócio como outro qualquer. Nada tem nada de pessoal. O acordo só é bom quando os dois lados ganham, embora um possa ganhar mais do que o outro.
O presidente Jair Bolsonaro sabe disso. Nasceu no Centrão e ali se criou. Prometeu a Ciro Nogueira (PP-PI), líder do Centrão e novo chefe da Casa Civil, que se comportaria bem doravante. Mas…
Mas faltou com a palavra antes mesmo de Nogueira tomar posse. Deu mais um passo em falso ao mentir durante duas horas e pouco sobre o voto eletrônico. Assim deixou mal seus avalistas.
Pode não parecer, mas o Centrão se preocupa com a própria imagem. Quer ser visto como um grupo de partidos responsável pela governabilidade do país, não só por explorar governos débeis.
Há gente demais dentro do Centrão que responde a processos. Essa gente só tem a perder quando o presidente da República hostiliza a Justiça da qual justamente depende sua sorte.
De resto, só Bolsonaro teria alguma coisa a ganhar, talvez a impunidade, com essa história de não reconhecer os resultados das eleições do ano que vem uma vez que as perca.
Denunciaria como fraudulento só o resultado da eleição presidencial, ou também os resultados para os governos de Estados, Câmara dos Deputados e Senado? E os demais eleitos?
A indagação faz sentido, sim. O voto eletrônico servirá para eleger a todos. Como dizer que houve fraude apenas no voto para presidente? Ou se anula tudo ou não se anula nada.
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, voltou a repetir que o projeto bolsonarista que restabelece o voto impresso não será aprovado. E por que então Bolsonaro insiste com isso?
Porque quer estancar a sangria de votos que o debilita. Tem de continuar falando todos os absurdos que lhe garantiram o apoio da linha dura dos seus devotos. É ela que ainda o mantém respirando.
Vem por aí o troco da Justiça no presidente que só faz hostilizá-la
Aqui se faz e aqui se paga. Bolsonaro não perde por esperar
Por que justamente agora, por que somente ontem o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, ordenou à Polícia Federal que retome a investigação sobre a interferência do presidente Jair Bolsonaro na corporação?
A interferência foi denunciada pelo ex-juiz Sérgio Moro ao demitir-se do cargo de ministro da Justiça. A Procuradoria-Geral da República abriu um inquérito a respeito, mas depois concluiu que nada aconteceu. Alexandre quer que o caso vá adiante.
Não ficará por isso mesmo os ataques semanais feitos por Bolsonaro ao Supremo, ao Tribunal Superior Eleitoral e a muitos dos seus ministros. Muito menos o seu empenho em desacreditar o sistema de votação eletrônica há 25 anos imune a fraudes.
Nesta segunda-feira, o Supremo reiniciará suas atividades suspensas durante as férias de julho. Ninguém, ali, põe muita fé na resposta que o ministro Luiz Fux dará ao que Bolsonaro tem dito. Fux ainda defende um pacto entre os três poderes da República.
Noves fora Fux, porém, tramitam ações em tribunais superiores capazes de afetar interesses pessoais de Bolsonaro. Elas poderão ganhar velocidade ou produzir decisões.
Fonte:
Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/insanidade-de-bolsonaro-poe-em-risco-os-interesses-do-centrao