Eleições
Vera Magalhães: CPI vive seu pior momento
A suspensão abrupta do depoimento de Ricardo Barros na CPI da Covid, nesta quinta-feira, foi a crônica de um desastre anunciado
Vera Magalhães / O Globo
Aqui neste espaço escrevi, ainda nos primórdios da investigação, em 5 de maio, quando os senadores estavam embevecidos com tanto holofote: “Para que não seja um placebo de açúcar, esta CPI precisa urgentemente entender que, sem um corpo técnico consistente, não irá a lugar algum”.
Na saída para o recesso, voltei a contrariar o coro dos empolgados: “A pausa de duas semanas (…) poderá ser salutar para que mergulhem nos documentos a fim de traçar a linha acusatória”.
Na última segunda-feira, perguntei a Renan Calheiros se eles estavam preparados para o depoimento de Barros, que seria difícil e poderia resultar na impressão de que ele venceu o confronto. O relator parecia seguro de que sim.
No entanto o que se viu nesta quinta foi um deputado que chegou disposto a ditar o próprio depoimento e a enquadrar os senadores.
A estratégia avançava bem, até que Barros foi tragado pela própria arrogância e teve as asas cortadas pela intervenção como sempre cirúrgica e bem fundamentada do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o mais técnico dos integrantes da CPI, um dos autores do requerimento de sua criação e, infelizmente, apenas suplente no colegiado.
Parar a bola pode ser a forma de evitar que a CPI se perca. A esta altura já está claro, até para eles, algo que eu também avisei em textos, comentários e em conversas com os próprios integrantes: prorrogar a CPI foi um erro.
Sou uma pitonisa que tudo prevê? Longe disso. Apenas tenho experiência de cobertura de “n” CPIs, e os dilemas que se apresentam agora estiveram presentes em todas. Incrível é que os senadores não tenham feito como times de futebol, que analisam partidas anteriores do adversário para se preparar.
É nitidamente insuficiente o apoio técnico de que dispõe a CPI da Covid. A ponto de senadores recorrerem a seus assessores próprios, ou por vezes aos “internautas”, para apontar contradições ou mentiras de depoimentos.
Um político ladino como Ricardo Barros não poderia jamais ter sido inquirido sem que, previamente, os senadores tivessem respostas para aquelas que claramente seriam suas linhas de defesa: que não tinha nada a ver com a nomeação de servidores no Ministério da Saúde nem com a intermediação de interesses de empresas na pasta.
Houve duas semanas de recesso justamente para que se esquadrinhassem os depoimentos e os documentos para desmontar a versão de Barros.
Mas foi pior: os senadores não esperavam que ele fosse ousar atribuir à própria CPI a dificuldade de o Brasil obter vacinas.
A simbiose entre o Centrão e Jair Bolsonaro resultou nesse corpo sinistro em que não há limites para o cinismo e a desfaçatez. De tão sórdida, a alegação claramente cairá nas graças da malta bolsonarista, que passará a repeti-la. É só conferir as redes sociais dos puxa-sacos e as lives putrefatas do próprio presidente para ver essa patifaria ser repetida. De novo, não é preciso ter bola de cristal: o golpismo bolsonarista é cristalino em suas táticas.
Outra que vingou foi Bolsonaro aproveitar o recesso, quando a CPI vivia seu momento mais auspicioso, após desnudar a corrupção do contrato da Covaxin, para mudar a pauta brasileira para um não assunto, o voto impresso.
Na volta, a CPI encontrou a arena ocupada, se perdeu nas várias frentes de investigação abertas, não se preparou para ouvir Barros e tem de tomar cuidado para que os governistas não emplaquem a tese de que não há prova de nada, só narrativa.
É o momento mais delicado para a comissão, cuja missão é também reparatória da maior tragédia brasileira em muitas gerações, o morticínio da Covid-19 promovido por Bolsonaro. Que os senadores entendam que estão derrapando e corrijam a rota.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/cpi-vive-seu-pior-momento.html
O Estado de S. Paulo: Entenda a Operação Formosa
Inédito, evento desta vez vai incluir militares das três Forças no dia em que Câmara vota PEC do voto impresso
Felipe Frazão, Marcelo Godoy e Roberto Godoy, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O presidente Jair Bolsonaro acompanha da rampa do Palácio do Planalto, na manhã desta terça-feira, 10, o desfile de um comboio de veículos militares blindados que vai passar pelos arredores do Congresso Nacionalno dia em que a Câmara dos Deputados incluiu na pauta de votação a PEC do voto impresso. O evento inédito faz parte da Operação Formosa, da Marinha, que acontece todos os anos, desde 1988, mas que desta vez vai incluir homens do Exército e da Aeronáutica. Será a primeira vez que os blindados vindos do Rio passarão por Brasília e serão recebido por um presidente da República.
O principal objetivo da operação Formosa é treinar militares da Força de Fuzileiros da Esquadra, sediada no Rio. Apesar da pandemia, a operação será maior do que nos anos anteriores. Em 2019, foram 1,9 mil militares, em 2018, 1,6 mil. Em 2020, porém, apenas 500 militares participaram.
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O custo total da operação não foi informado pela Defesa, tampouco pela Marinha. Há despesas diversas, como pagamento de diárias, alimentação, deslocamento de equipamentos e construção de estruturas de apoio ao treinamento. O adestramento ocorre no Campo de Instrução de Formosa, em Goiás. A área de cerrado pertence ao Exército e é cedida à Marinha por ser a única do País em que é possível realizar esse treinamento com uso de munição real.
O treinamento reunirá pela primeira vez militares das três forças. Serão 100 do Exército, que já participou antes da operação, e 30 da Aeronáutica. Os fuzileiros fazem simulações de guerra, com aviões, paraquedistas, helicópteros, blindados, anfíbios, bateria antiaérea, detonação de explosivos, descontaminação por agentes químicos, nucleares, biológicos e bacteriológicos. Também treinam salvamentos.
No passado, militares de Forças Armadas estrangeiras já participaram como dos Estados Unidos, Portugal, Paraguai, Equador, Chile, Namíbia e Uruguai.
Por causa do tamanho do efetivo empregado e da quantidade e variedade de equipamentos testados – serão cerca de 150 – os preparativos levam cerca de dois meses, com deslocamento do Rio, a 1,4 mil quilômetros.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
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Luiz Carlos Azedo: Tanqueata na Esplanada
A solenidade militar corrobora supostas ameaças feitas por Braga Netto, de não se realizarem as eleições caso o voto impresso não seja aprovado
A Câmara deve votar, hoje, o relatório do deputado Raul Henry (MDB-PE) que rejeita a proposta de emenda à Constituição (PEC) 135/2019, que propõe a adoção do voto impresso, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF). Estima-se que a proposta tenha mais de 320 votos contrários, contra menos de 100 a favor, quando precisaria de, no mínimo, 308 votos para ser aprovada. Caso se confirme o placar, será uma derrota acachapante do presidente Jair Bolsonaro, expondo seu isolamento político e a fragilidade da base parlamentar bolsonarista. Trocando em miúdos, o voto impresso só contaria com o apoio dos deputados de extrema-direita. A votação será a constatação de que o governo Bolsonaro não tem como sobreviver sem o apoio do Centrão, que ficará com a faca e o queijo na mão na Esplanada.
Esse será o resultado, também, de um gesto equivocado de Bolsonaro, com apoio do ministro da Defesa, general Braga Netto, empenhado em constranger os comandantes militares a fazerem demonstrações de alinhamento político com o presidente da República. Nesta manhã, está programada uma cerimônia militar na Praça dos Três Poderes, na qual o presidente da República será convidado a participar de exercícios militares da Marinha no campo de manobras da Operação Formosa (GO), a cerca de 50 quilômetros de Brasília. Tanques, carros anfíbios, lançadores de foguetes e obuseiros da Marinha, que estão sendo deslocados do Rio de janeiro para Goiás, desfilarão pela Esplanada dos Ministérios e estacionarão defronte ao Palácio do Planalto, ou seja, na Praças dos Três Poderes, ao lado do Congresso e em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Para gregos e baianos, soa como uma intimidação.
Entretanto, trata-se de um exercício realizado periodicamente, para adestramento dos fuzileiros navais da Esquadra, que simulam operações de combate com emprego de munição real e apoio do Exército e da Aeronáutica. Desta vez, porém, o deslocamento dos veículos e da tropas do Rio de Janeiro para Goiás foi. transformado numa espécie de “tanqueata”, para demonstração de apoio político aos propósitos golpistas do presidente da República, justo no dia em que a Câmara deve rejeitar a proposta de voto impresso. Bolsonaro não faz outra coisa que não seja pôr em suspeita a lisura das eleições com urna eletrônica. Tenta intimidar o Congresso, para restabelecer o voto impresso, com a ameaça de não permitir a realização das eleições. Consegue ofuscar até as propostas do próprio governo que visam criar uma agenda positiva.
A solenidade militar corrobora supostas ameaças feitas por Braga Netto, de não se realizarem as eleições caso o voto impresso não seja aprovado; na real, é mais um constrangimento para as Forças Armadas, indispondo-as com o Congresso, numa hora em que já se discute limitar a presença de militares da ativa na administração pública. A repercussão no Congresso é péssima; na sociedade, também, porque nos remete às quarteladas do século passado.
Ordem unida
Também nos lembra uma velha piada dos estertores do Estado Novo, logo após a volta da Força Expedicionária Brasileira (FEB) dos campos de batalha da Itália, onde lutaram contra o Exército alemão. O general Góes Monteiro, chefe militar da Revolução de 1930 e ministro da Guerra no Estado Novo, às vésperas de destituir Getúlio Vargas, era um dos alvos preferidos da oposição. Fora simpatizante do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), no período em que Vargas vacilava entre se aliar ao nazifascismo ou entrar na II Guerra Mundial ao lado dos Estados Unidos e do Reino Unido. Em visita à Alemanha, Monteiro ficou impressionado com a disciplina das Wehrmacht, ao ver um sargento alemão se atirar da janela do terceiro andar, após receber ordens expressas de seu comandante, estatelando-se no pátio do quartel. No Japão, se impressionou mais ainda, ao visitar um porta-aviões e assistir uma cerimônia de seppuku, suicídio ritual na qual um camicase dedicou a vida ao Imperador e à vitória do Japão.
Ao voltar para o Brasil, Góes Monteiro não teve dúvidas. Madrugou no Palácio do Catete, sede do governo, no antigo Distrito Federal (Rio de Janeiro), e mandou tocar a alvorada às 5h. A Guarda Presidencial saiu dos alojamentos assustada, sem entender o que estava acontecendo, com os dragões desalinhados, rabo de cavalo do capacete para a frente, coturnos desamarrados, túnicas fora da calça, remelas nos olhos… O general aproximou-se do sargento Tião, velho conhecido, que liderava o pelotão. Em alto e bom som, deu a voz de comando: “Dragões, sentido!” A tropa se endireitou. “Esquerda, volver!”. A tropa perfilou. “Apresentar armas!”. Tião ficou cara a cara com o general, com quem tinha até certa intimidade, e sentiu o bafo carregado de uísque. Não se conteve: “Senhor, bêbado a uma hora dessa?”.
Tanques na Esplanada: Forte representação política e histórica
No dia em que a Câmara votará em plenário a PEC do voto impresso, um comboio de blindados militares passará pelo Congresso e seguirá para a Praça dos Três Poderes. Iniciativa inédita é vista no Legislativo como uma tentativa de intimidação
Sarah Teófilo e Renato Souza / Correio Braziliense
No dia em que a Câmara votará a proposta de emenda à Constituição (PEC) do voto impresso — amplamente defendido pelo governo —, um comboio de blindados militares passará pelo Congresso a caminho do Palácio do Planalto. As tropas integram a Operação Formosa, realizada todos os anos pela Marinha, mas que nunca incluiu a Praça dos Três Poderes no trajeto até a cidade goiana.
Outro fato inédito é a participação do Exército e da Aeronáutica, além de a coordenação ficar sob a responsabilidade do Ministério da Defesa. A decisão é vista como uma tentativa de intimidação do Parlamento e provocou críticas de congressistas e ações na Justiça.
No anúncio sobre a passagem pela Esplanada dos Ministérios, a Marinha justificou que a intenção é entregar convite ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Defesa, Braga Netto, para participarem da cerimônia de abertura do evento no Entorno do DF, marcada para o próximo dia 16.
DESFILE MILITAR - OPERAÇÃO FORMOSA 2021
No Judiciário e no Congresso, a ação é vista como uma tentativa de pressionar os deputados, tendo em vista o cenário de forte rejeição à PEC. Prevendo derrota na Câmara, o governo estaria fazendo uma demonstração de suposta lealdade política das Forças Armadas à escalada autoritária de Bolsonaro.
Com 2.500 militares envolvidos na Operação Formosa, os blindados partiram do Rio de Janeiro, e a expectativa é de que o comboio chegue ao centro de Brasília por volta das 8h. A ação causou surpresa até mesmo a integrantes do alto escalão do Exército, que dizem não terem sido informados com antecedência do evento. Fontes militares consultadas pelo Correio, sob a condição de anonimato, afirmam que a ordem para seguir até o Planalto, passando em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso, partiu do Ministério da Defesa.
Ameaça
A presença de blindados no centro do poder é mais um capítulo em torno de polêmicas provocadas pelo alinhamento de militares com o governo. As imagens da Esplanada com tanques devem ter forte representação política e histórica. A cena é incomum e preocupa o Legislativo.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) chamou o desfile de intimidação e disse que se trata de ação inconstitucional. “Tanques na rua, exatamente no dia da votação da PEC do voto impresso, passou do simbolismo à intimidação real, clara, indevida, inconstitucional. Se acontecer, só cabe à Câmara dos Deputados rejeitar a PEC, em resposta clara e objetiva de que vivemos numa democracia e que assim permaneceremos”, declarou.
Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) vê ensaio de golpe. “Colocar tanques na rua não é demonstração de força e, sim, de covardia. Os tanques não são seus, pertencem à nação. Quer tentar golpe, senhor Jair Bolsonaro? É o crime que falta para lhe colocarmos na cadeia”, frisou.
Por sua vez, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) questionou os gastos de verba pública envolvidos no desfile, que foi avisado com um dia de antecedência. “Pedi à Justiça que impeça o gasto de recursos públicos em uma exibição vazia de poderio militar. As Forças Armadas, instituições de Estado, não precisam disso. Os brasileiros, sofrendo com as consequências da pandemia, também não. O Brasil não é um brinquedo na mão de lunáticos”, destacou pelas redes sociais.
BOLSONARO - OPERAÇÃO FORMOSA 2021
Vieira protocolou a ação popular na Justiça Federal da 1ª Região. A deputada Tabata Amaral (sem partido-SP) também é signatária do processo. “Está claro que Bolsonaro quer intimidar o Congresso na sessão que vai decidir sobre o voto impresso. É inadmissível esse comportamento do presidente”, escreveu a parlamentar nas redes sociais.
Opinião semelhante foi expressada pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC). “Há homens fracos e frouxos que usam da força para mostrar poder. Bolsonaro é desses. Em baixa nas pesquisas, traz veículos de artilharia e combate, usados em treinamentos militares, para a Esplanada.
Mais uma vez, usa as instituições militares para impulsionar seu projeto anarquista de poder”, escreveu nas redes sociais. “É um necessário exercício da Marinha, mas que Bolsonaro transforma num espetáculo político, quando o traz pra Esplanada, com a clara intenção de aumentar especulações. Bolsonaro vive de especulações e sobrevive de tensões políticas.”
Após a repercussão, a Marinha emitiu nota negando pressão pelo voto impresso. “Cabe destacar que essa entrega simbólica foi planejada antes da agenda para a votação da PEC 135/2019 no plenário da Câmara dos Deputados, não possuindo relação com a mesma, ou qualquer outro ato em curso nos Poderes da República”, diz um trecho do comunicado.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4942746--imagens-de-tanques-na-esplanada-devem-ter-forte-representacao-politica-e-historica.html
*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Desfile militar dura 10 minutos e termina sem discurso de Bolsonaro
Desfile dos veículos na Esplanada dos Militares provocou reação por ocorrer em um momento de tensão institucional entre os Poderes
Ricardo Della Coletta / Folha de S. Paulo
O desfile desta terça-feira (10) em frente ao Palácio do Planalto reuniu pela manhã dezenas de veículos militares, entre blindados, tanques, caminhões e jipes.
A parada militar, realizada no dia da votação do voto impresso na Câmara dos Deputados e criticada como mais uma tentativa de politização das Forças Armadas, começou por volta de 8h30.
Nesse horário, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já estava na rampa do Palácio do Planalto, acompanhado dos comandantes das três forças. Também estavam diversos ministros, entre eles Walter Braga Netto (Defesa), Ciro Nogueira (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Anderson Torres (Justiça).
No início do desfile, que durou aproximadamente 10 minutos, um militar em traje de combate desceu de um dos veículos, subiu a rampa e entregou a Bolsonaro um convite para comparecer a exercício militar da Marinha programado para agosto.
Durante a passagem dos veículos, um grupo de apoiadores de Bolsonaro se reuniu na Praça dos Três Poderes e entoou gritos em defesa da intervenção militar. Eles gritaram "Eu Autorizo" e "142", em referência a dispositivo constitucional que bolsonaristas dizem justificar uma eventual intervenção fardada.
Um dia antes, em meio à polêmica causada pelo desfile de blindados, Bolsonaro postou em suas redes sociais um convite para que autoridades de Brasília, como os presidentes das Casas Legislativas e do Judiciário, recebam também os veículos militares.
O desfile dos veículos provocou reação por ocorrer em um momento de tensão institucional, além de ser a data prevista para que a Câmara dos Deputados vote a PEC (proposta de emenda à Constituição) do voto impresso. O presidente já assume a possibilidade de derrota.
Mesmo aliados do presidente reagiram ao evento militar. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que se trata de uma "coincidência trágica" que o desfile dos blindados aconteça no mesmo dia previsto para a votação da PEC.
Após a passagem por Brasília, os veículos militares seguem para Formosa (GO), onde será realizado um grande exercício militar, com a presença de membros não apenas da Marinha como também do Exército e da Aeronáutica.
Embora seja um exercício de adestramento tradicional da Marinha, essa seria a primeira vez que os blindados entrariam em Brasília. Além disso, eles passaram pela Praça dos Três Poderes, em um momento de grande tensão entre os poderes, em particular entre o Executivo e o Judiciário.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/desfile-militar-em-dia-do-voto-impresso-dura-10-minutos-e-tem-bolsonaro-no-alto-da-rampa-do-planalto.shtml
*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Vale trocar o certo pelo duvidoso?
Os potenciais ganhos do semipresidencialismo apresentam custos não triviais
Carlos Pereira / O Estado de S. Paulo
Qualquer sistema político possui um arcabouço institucional multifacetado e complexo de várias dimensões tais como regras eleitorais, sistema de governo, estrutura federativa ou unitária, número de câmaras legislativas, poderes constitucionais do Executivo, nível de independência das organizações de controle etc., que devem estar em relativo equilíbrio para dar funcionalidade ao sistema.
Muitos têm argumentado que o sistema político brasileiro, por ser “hiperpresidencialista”, isto é, com concentração excessiva de poderes no Executivo, tem sido fonte incessante de crises. Reformas de toda sorte têm sido propostas de tempos em tempos como “soluções milagrosas” para gerar a tão sonhada eficiência que o presidencialismo multipartidário supostamente não teria condições de ofertar.
A “bola da vez” parece ser o semipresidencialismo, regime no qual um presidente, eleito pelo voto popular, exerceria funções de chefe Estado, e um primeiro-ministro, escolhido pela maioria do Parlamento, exerceria funções de chefe de governo.
A grande promessa do semipresidencialismo seria uma maior flexibilidade de substituir governos que perdem maioria parlamentar, sem abalar o mandato presidencial. Essas mudanças ocorreriam, supostamente, sem grandes traumas ou conflitos tão característicos da rigidez de presidencialismos puros, que requerem processos de impeachment muitas vezes traumáticos e polarizados para se livrar de presidentes durante seus mandatos.
Mas o semipresidencialismo também apresentaria desvantagens, especialmente quando implementado em um sistema político com características marcadamente consensualistas, como o brasileiro, pois a entrada de um primeiro-ministro representaria um ponto de veto adicional num sistema que já possui inúmeros, tais como representação proporcional, federalismo, bicameralismo, fragmentação partidária, Judiciário independente etc.
Portanto, a suposta eficiência de uma maior flexibilidade de mudanças de governos teria que ser confrontada com a potencial perda de eficiência governativa gerada pela entrada de mais um ponto de veto no jogo. Além do mais, regimes semipresidencialistas, que conferem substanciais poderes legislativos ao presidente, tendem a aumentar conflitos com o primeiro-ministro, o que pode acarretar maiores instabilidades ao governo, especialmente se esses atores pertencerem a partidos políticos ideologicamente opostos.
Em estudo que analisa 72 democracias no mundo, que acaba de ser aceito para publicação na revista Government & Opposition, os colegas André Borges e Pedro Ribeiro mostram que enquanto os poderes legislativos do presidente em regimes presidencialistas puros, como o brasileiro, estimulam a coordenação por meio do aumento da coesão e da disciplina partidária, em regimes semipresidencialistas teriam o efeito inverso. Ou seja, diminuiriam a coesão e disciplina enfraquecendo assim os partidos.
A almejada eficiência do semipresidencialismo é, portanto, condicionada à existência de presidentes fracos, sem poderes legislativos formais e sem condições de desafiar políticas consideradas indesejáveis que o primeiro-ministro queira implementar. Só nestas condições é que presidentes teriam incentivos para cooperar com o primeiro-ministro e, como consequência, níveis mais elevados de unidade e disciplina partidária poderiam ser observados.
Ainda que de forma não linear, tem sido por via do presidencialismo multipartidário que o Brasil tem vivido em relativa estabilidade macroeconômica, responsabilidade fiscal, inclusão social e racial, diminuição de pobreza e desigualdade, combate à corrupção etc.
Considerando que todo sistema político tem ganhos e perdas e que o modelo atual tem gerado estabilidade democrática de forma sustentável e a custos relativamente baixos quando bem gerido, a pergunta que fica é se vale a pena correr os riscos das incertezas do regime semipresidencialista.
*Cientista político e professor titular da escola brasileira de administração pública e de empresas (FGV EBAPE)
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,vale-trocar-o-certo-pelo-duvidoso,70003804621
Militares bolsonaristas aceitam sugestões sobre novo golpe
Como justificar uma intervenção militar no ano que vem caso o atual presidente da República não se reeleja?
Ricardo Noblat / Blog do Noblat / Metrópoles
O golpe militar que pôs fim em 1945 à ditadura comandada por Getúlio Vargas teve como justificativa restaurar o regime democrático interrompido com a chamada Revolução de 1930 – por sinal, apoiada por eles, que apoiaram também o golpe do Estado Novo de Vargas em 1937.
O suicídio de Getúlio em 1954, que retornara ao poder como presidente democraticamente eleito, adiou a ameaça de um novo golpe militar que só foi aplicado em 1964 sob o pretexto de livrar o país do comunismo e de defender a democracia. Pelos 21 anos seguintes, o país viveu sob uma ditadura militar.
Agora, militares da ativa e da reserva que apoiam Bolsonaro dão tratos à bola à procura de um discurso que sirva de desculpa ao golpe que gostariam de dar caso o atual presidente acabe derrotado nas eleições do ano que vem. A defesa da democracia é um mote gasto. E se Bolsonaro perder, mas não para Lula?
O comunismo? Por mais que Bolsonaro e seus comparsas digam que o comunismo segue vivo, ninguém parece temer seus efeitos, pelo contrário. O agronegócio depende da China, o maior parceiro comercial do Brasil no mundo. Não vai querer romper relações com ela. Comunista já não come criancinhas, come graus.
Sugestões que possam resolver o dilema enfrentado por militares golpistas deverão ser remetidas para os seguintes endereços:
Ministério da Defesa, aos cuidados do general Braga Neto; Térreo QGEx Bloco B, Brasília – DF, 71200-055;
Clube Militar, aos cuidados do general Eduardo José Barbosa; Av. Rio Branco, 251 – Centro, Rio de Janeiro – RJ, 20040-009
Fonte: Metrópoles / Blog do Noblat
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/militares-bolsonaristas-aceitam-sugestoes-sobre-novo-golpe
O Brasil está em guerra pela democracia. E o Congresso, cadê?
O País está no pior dos mundos, com mais de 560 mil mortos pela covid-19 e enfrentando uma crise institucional; e o Congresso, onde está?
Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo
Primeiro, o Congresso triplicou o fundo eleitoral para escandalosos R$ 5,7 bilhões em plena pandemia de covid-19 e de desemprego. Depois, tratou de reduzir os mecanismos de controle sobre essa dinheirama, propondo um código que tira a Justiça Eleitoral da frente e praticamente deixa a “fiscalização” do fundo e das campanhas por conta dos... partidos.
O País está no pior dos mundos, com mais de 560 mil mortos pela covid-19 e enfrentando uma crise institucional de um presidente da República que ameaça rasgar a Constituição contra o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e os próprios ministros, que resistem bravamente em nome da democracia. E o Congresso, onde está?
STF, TSE, milhares de empresários, intelectuais e líderes religiosos, sociedades de ciência e direitos humanos, entidades profissionais e religiosas, subprocuradores da República e grupos de parlamentares cerram fileiras contra os ataques de Bolsonaro à Constituição e às eleições. A resistência, porém, não encontra o devido eco na “casa do povo”, onde a maioria está mais preocupada com a própria reeleição e com o próprio bolso do que com a democracia.
O Congresso está nas nuvens, cuidando dos próprios interesses, ampliando seus privilégios. Na Câmara, com apoio explícito do presidente Arthur Lira (PP-AL). No Senado, com a atitude excessivamente, digamos, elegante do presidente Rodrigo Pacheco (quase exDEM-MG). É preciso mais. É preciso gritar e articular uma defesa enérgica das instituições, da democracia.
E é urgente, depois que o líder do Centrão Ciro Nogueira abocanhou a “alma do governo” e tem de pagar com a alma do Congresso. Nogueira é unha e carne com Arthur Lira, fiel guardião do cofre onde estão em torno de 130 pedidos de impeachment, e acaba de ignorar a derrota do voto impresso na Comissão Especial. Vai tentar ressuscitar a proposta – atual obsessão de Bolsonaro – no plenário. O regimento permite, mas nunca se viu.
Há, porém, focos de resistência democrática também no Parlamento, ativos e ruidosos. No Senado, a CPI da Covid confirma o quanto o governo, sob o descaso ou a inspiração de Bolsonaro, virou uma casa da mãe Joana aberta a picaretas e picaretagens na pandemia. Na Câmara, a união de 11 partidos pela urna eletrônica e de parlamentares de diferentes orientações ideológicas pró Supremo, democracia e eleições.
Num único dia, Bolsonaro sofreu tripla derrota: o presidente do Supremo, Luiz Fux, rompeu o diálogo com ele; o PIB e a inteligência brasileira finalmente deram as caras pela democracia e as eleições; e, por 23 votos a 11, a Comissão Especial da Câmara rejeitou a volta do famigerado voto impresso. Com 11 partidos contrários, a proposta deve sofrer nova derrota em plenário. Se passar, vai enfrentar uma muralha no Senado, como o presidente Pacheco anuncia.
Nada disso, porém, consegue disfarçar o esforço parlamentar para criar o “distritão” e um Código Eleitoral obscurantista. Pelo “distritão”, só terão chance de vitória para a Câmara as celebridades, os pastores de almas, os muito ricos, os que já têm mandato e... as milícias. E a proposta de Código Eleitoral reduz as cotas da diversidade e o poder de fiscalização e punição da Justiça Eleitoral, com as raposas tomando conta do galinheiro.
Logo, a poderosa resistência que ganha corpo no Brasil deve não apenas mirar nas ameaças contumazes do presidente da República à democracia, mas também nas “boiadas” no Congresso contra a moralidade pública, a lisura das campanhas eleitorais, o meio ambiente. Bolsonaro não dá bola para nada, mas deputados e senadores são suscetíveis à opinião pública e aos setores responsáveis da sociedade. O grito deve ser: sim à democracia, não às “boiadas”!
Fonte:
O Estado de S. Paulo
Urna eletrônica: 'Fraude é denunciar fraude inexistente', afirma analista
Para o argentino Daniel Zovatto, pressão por voto impresso é descabida e é ‘inoportuno e perigoso’ mudar regras a um ano das eleições
Daniel Bramatti, O Estado de S.Paulo
O argentino Daniel Zovatto nunca foi candidato a nada, mas de eleições ele entende, e muito. Diretor para a América Latina do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (Idea Internacional), ele conhece a fundo as instituições e autoridades que organizam votações em toda a região. Também monitora, com muita preocupação, o estado de saúde da democracia em todo o mundo.
Para Zovatto, a pressão pela implantação do voto impresso no Brasil é descabida. Ele considera que é “inconveniente, inoportuno e perigoso” mudar as regras das eleições quando falta pouco mais de um ano para os brasileiros irem às urnas.
Na entrevista abaixo, na qual manifesta opiniões pessoais, e não da instituição que representa, o doutor em Direito Internacional analisa, entre outros pontos, a estratégia dos políticos que buscam deslegitimar eleições em caso de risco de derrota.
Como analisa o conflito em relação ao sistema de votação no Brasil?
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) traçou uma linha vermelha oportuna e necessária ao abrir uma investigação sobre o presidente Jair Bolsonaro e ao emitir uma nota assinada por todos os ex-presidentes do TSE em defesa da urna eletrônica, que tem sido atacada quase diariamente pelo chefe do Executivo. Bolsonaro, por sua vez, reagiu dizendo que não aceitará intimidação e que continuará a exercer seu direito à liberdade de expressão, a criticar, a escutar e a atender, acima de tudo, à vontade do povo. E, fiel à sua palavra, ele continuou com seus ataques e denúncias. Como resposta, o ministro Luiz Fux, presidente do STF, cancelou uma reunião de chefes de Poderes. Diante do atual clima de tensão, seria desejável abrir um espaço para o diálogo respeitoso entre o Executivo, o STF e o TSE, visando desescalar o conflito, mas sem abandonar a abordagem básica em defesa da independência do TSE, da credibilidade da urna eletrônica e da defesa do sistema democrático.
O que está por trás da pressão pela adoção do voto impresso?
Na minha opinião, houve uma ameaça muito forte à democracia brasileira quando a realização das próximas eleições foi condicionada à adoção do voto impresso. Diante desta grave ameaça, o TSE agiu corretamente, mostrando que tem poder suficiente para defender o processo eleitoral. Isto representa uma mudança muito importante. Se até a semana passada Bolsonaro agia como se não tivesse nada a perder, após a ofensiva do TSE o presidente é alvo de um risco triplo: pode perder a cadeira presidencial se o TSE encontrar irregularidades na campanha de 2018; pode sofrer impeachment; e pode ser impedido de ser candidato nas eleições de 2022.
Considera que o TSE deu uma resposta institucional, em nome de todo o Judiciário?
O TSE tem uma composição única na América Latina, pois seu presidente e parte de seus ministros também são do Supremo Tribunal Federal, e por concentrar tanto funções administrativas quanto judiciais. Estas características fazem do TSE uma instituição muito poderosa. Existem outros órgãos eleitorais sendo atacados na América Latina pelo Executivo – o INE no México –, por deputados do partido no poder – o TSE na Bolívia – ou pela oposição que perdeu as eleições – a JNE no Peru –, mas nenhum dos três tem a capacidade de reagir como o TSE brasileiro. Conheço o TSE desde 1990. Desde então, tenho colaborado com vários programas de cooperação técnica e com a maioria de seus presidentes. Tenho grande respeito e admiração por esta instituição, suas autoridades e equipes por seu profissionalismo, independência e transparência; respeito e admiração que é compartilhado por todos os órgãos eleitorais da América Latina. Também tenho grande confiança e admiração pela urna eletrônica brasileira. Tive a honra de acompanhar sua implementação e melhoria graduais desde 1996 até hoje. É um instrumento seguro, transparente e auditável. Nesses 25 anos de existência, nenhuma fraude foi provada. Por todas estas razões, não vejo razão para justificar sua reforma, e muito menos neste momento em que as eleições de outubro de 2022 estão a apenas 14 meses de distância. Fazer a reforma proposta é inconveniente, inoportuno e perigoso.
Quando reformar os processos eleitorais a fim de aperfeiçoá-los?
O sistema presidencial é baseado na divisão de Poderes, que exige respeito pela independência de cada Poder, um sistema de freios e contrapesos, diálogo para resolver de forma respeitosa e responsável as tensões que surgem. Na concepção, implementação e melhoria do sistema eleitoral, em sentido amplo, é aconselhável que cada poder faça a contribuição estabelecida na Constituição e que exista um diálogo frutífero entre eles, baseado no reconhecimento da independência dos Poderes, no respeito recíproco e na responsabilidade que vem com o exercício do cargo.
Como autoridades responsáveis pela organização de eleições devem responder a ataques à urna eletrônica?
Primeiro: expor todos os falsos argumentos que denunciam supostas fraudes. Demonstrar, com provas claras, que a verdadeira fraude é a denúncia de uma fraude inexistente. Realizar investigações e auditorias que demonstrem a robustez do sistema eleitoral, a solidez da urna eletrônica e a independência e profissionalismo das autoridades eleitorais. E, como o TSE vem fazendo, exercer ao máximo as competências e poderes que lhe são conferidos pela Constituição e pelas leis. A recente nota do TSE assinada por todos os antigos e pelo atual presidente do TSE desde a Constituição de 1988 e os discursos dos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux são uma contribuição muito valiosa neste sentido. Segundo: buscar, no país, o apoio do maior número possível de partidos políticos, acadêmicos, especialistas eleitorais, ex-membros do TSE, associações profissionais, ONGs e jornalistas e, internacionalmente, convidar instituições e órgãos eleitorais de renome internacional para que visitem o Brasil, realizem investigações e, se as conclusões forem positivas, contribuam para proteger o TSE, a urna eletrônica e a condução do processo eleitoral. Terceiro: convidar missões de observação eleitoral de prestígio (ONU, OEA, UE, entre outras) a ir ao Brasil para acompanhar o processo ao longo de suas diferentes etapas e fazer observações e recomendações.
De um ponto de vista técnico, é possível melhorar a segurança do voto eletrônico. Como esta discussão deve ser conduzida?
Cada país é soberano ao decidir os mecanismos de votação que deseja utilizar. Globalmente, existem vários mecanismos. Os mais comuns são a cédula única em papel, em várias formas, e o voto eletrônico, em suas várias formas, incluindo o voto pela internet. Há também várias formas de votar: votar somente no dia da eleição; votar pessoalmente; votar antecipadamente pelo correio; levar a urna de votação para a casa do eleitor etc. Alguns países até combinam vários mecanismos e várias formas de votação.
Mas o mais importante é que os mecanismos de votação que cada país escolher devem gerar certeza, segurança, transparência, serem auditáveis e, sobretudo, gozar de muita credibilidade e legitimidade entre os cidadãos. Se o mecanismo de votação em vigor em um país goza de altos níveis de confiança, legitimidade e credibilidade, é aconselhável mantê-lo, sem prejuízo de fazer ajustes periódicos para melhorar seu desempenho e eficácia. Por outro lado, quando o mecanismo sofre de debilidades que poderiam comprometer a confiança e credibilidade do público, é aconselhável realizar um processo de reflexão e revisão, baseado em evidências concretas e demonstráveis, com o objetivo de identificar as possíveis causas do problema e as opções mais adequadas para solucioná-lo.
Como consequência, qualquer proposta de reforma eleitoral, especialmente no caso do mecanismo de votação, deve ser bem fundamentada, e as opções propostas para substituir o mecanismo atual devem demonstrar solidez técnica e viabilidade política. Outros fatores que devem ser cuidadosamente analisados são: demonstrar que o saldo líquido da reforma – benefícios menos efeitos negativos – é positivo; determinar seu custo econômico; basear-se num consenso político o mais amplo possível; e determinar, com o parecer técnico do corpo eleitoral, se há tempo suficiente para sua implementação sem assumir riscos sérios para a conclusão bem sucedida do processo eleitoral. A experiência comparativa sugere que, a fim de reduzir os riscos, mudanças no mecanismo de votação devem ser implementadas gradualmente, ou seja, em etapas sucessivas, como foi o caso com a implementação da urna eletrônica no Brasil.
BOLSONARO EM SANTA CATARINA
Donald Trump, como presidente, atacou a legitimidade das eleições nos Estados Unidos. Que influência isso tem sobre os países com tradições menos democráticas, especialmente na América Latina?
Muito forte, infelizmente. Acabamos de ver exemplo disso no Peru, na fase pós-eleitoral do segundo turno das eleições, com as múltiplas alegações de fraude, nunca provadas, feitas por Keiko Fujimori e seu partido Fuerza Popular, e os graves ataques realizados contra as autoridades. Também vimos isso nas recentes eleições no México, de junho e o referendo do último domingo, quando o presidente Lopez Obrador e seu partido Morena acusaram repetidamente o INE de ser o órgão eleitoral mais caro do mundo e de ser um obstáculo à democracia. E nesta semana, na Bolívia, um deputado do partido governista MAS apresentou uma queixa criminal contra quatro magistrados do Tribunal Supremo Eleitoral.
Uma tendência semelhante parece estar ocorrendo no Brasil com os ataques e denúncias de Bolsonaro contra a urna eletrônica e o presidente do TSE, a quem ele chamou de "idiota" e "imbecil" em julho. Deve-se lembrar que Bolsonaro, nas eleições de 2018, já havia ameaçado não reconhecer os resultados se ele não ganhasse.
Qual é o objetivo de quem busca o descrédito dos processos eleitorais?
A estratégia é semelhante na maioria dos países onde este fenômeno ocorre. Com bastante antecedência, com mentiras e falsas alegações, procuram gerar confusão, semear dúvidas sobre a credibilidade do processo eleitoral, a independência das autoridades eleitorais e a segurança do sistema de votação, criando uma realidade paralela que procura deslegitimar completamente o processo eleitoral no caso de uma derrota. Se eu perco, dizem eles, é porque houve fraude. Os danos que causam ao processo eleitoral, às autoridades eleitorais, às instituições e à democracia são enormes, e seus efeitos se estendem além do processo eleitoral.
Quando alguém analisa se um país está no caminho de se tornar menos democrático, em que se deve prestar mais atenção?
A experiência comparativa, global e regionalmente, identifica quatro luzes amarelas que indicam que estamos enfrentando um perigoso processo de deterioração democrática. Quando não se aceita as regras democráticas ou se joga permanentemente em seus limites. Quando não se reconhece a oposição como um ator legítimo – a oposição é desconsiderada, desqualificada e difamada. Quando se ataca constantemente a imprensa e se impõem restrições ao exercício da liberdade de expressão. E quando se promove o ódio e a violência, física ou verbal, de maneira expressa ou sutil, polarizando a sociedade o máximo possível. Há outros indicadores que normalmente acompanham estes quatro: 1) ataques frontais à divisão de poderes, especialmente às instituições que restringem propostas autoritárias, seja o Congresso, quando não se tem controle sobre ele, o Judiciário, os órgãos de controle, os tribunais eleitorais etc; 2) redução do espaço de ação da sociedade civil; e 3) aumento dos níveis de polarização ao extremo, com a divisão da sociedade em amigos e inimigos, e uso abusivo das redes sociais para atingir este objetivo.
De acordo com analistas e cientistas políticos, atualmente os autocratas atacam a democracia de forma lenta e gradual, e não tanto de maneira abrupta. Concorda com esse ponto de vista?
Concordo plenamente. Embora os golpes não tenham desaparecido completamente, como mostram Honduras em 2009 e Mianmar em 2021, a experiência comparativa indica que os principais e mais perigosos ataques à democracia hoje são realizados por atores que chegaram ao poder através de eleições e que, uma vez eleitos, enfraquecem gradual e permanentemente a democracia de dentro do poder. A maioria dos ataques à democracia em nosso tempo não ocorre por golpes de Estado, mas por quem está no poder e em câmera lenta, como é demonstrado em nossa região pelos regimes autoritários da Venezuela e da Nicarágua.
Como a democracia deve ser defendida quando seu processo de corrosão é gradual e muitas vezes não perceptível pela maioria da população?
Uma estratégia ampla tem de ser implementada, tanto a nível interno como a nível regional e global. A democracia está sitiada em muitos países. As tendências autoritárias estão ganhando terreno, como evidenciado por muitos relatórios de prestígio, incluindo a Economist Intelligence Unit, o projeto V-DEM, os relatórios da Freedom House e o relatório da International IDEA sobre o estado global da democracia. Precisamos estudar com mais profundidade este novo tipo de autoritarismo que está atualmente em construção, a fim de confrontá-lo de forma mais rápida e eficaz. Precisamos estar conscientes da fragilidade da democracia e dos riscos crescentes que ela enfrenta, bem como dos processos de retrocesso que estão ocorrendo em muitos países ao redor do mundo. Nenhum país é vacinado contra o vírus autoritário. Também é necessário rever e atualizar os mecanismos para a defesa regional da democracia, incluindo os estabelecidos pela Carta Democrática Interamericana, que completa 20 anos em 11 de setembro e se tornou ultrapassada diante do novo tipo de ameaças que a democracia enfrenta hoje. A Idea Internacional tem feito um duplo apelo: por um lado, para defender a democracia durante este período tão turbulento em nossa região, agravado pelo impacto da pandemia, e, por outro lado, para repensá-la a fim de avançar para uma nova geração de democracia, mais resistente e de melhor qualidade, com a capacidade de responder de forma oportuna e eficaz aos novos desafios do século 21.
Qual é o papel da desinformação, e sua ampliação nas redes sociais, na atual crise da democracia?
Novas tecnologias de informação e comunicação estão aqui para ficar e apresentar novos e difíceis desafios para a política, a integridade das eleições e a qualidade da democracia. As redes sociais e sua relação com as eleições, a política e a democracia têm, como o deus Jano, duas faces, Por um lado, essas ferramentas, quando utilizadas adequadamente, têm um efeito positivo no desenvolvimento de processos eleitorais legítimos, melhoram a qualidade da democracia, garantem o pleno exercício da liberdade de expressão, contribuem para um debate público informado e promovem a participação cidadã.
Mas, por outro lado, quando mal utilizadas, elas representam novas e sérias ameaças. As bolhas de filtragem ideológicas e as câmaras de eco geradas pelas redes sociais podem fomentar o ódio, aumentar perigosamente a polarização e facilitar a ação dos movimentos pós-verdade. Também podem contribuir para a viralização de notícias falsas e de campanhas de desinformação, afetando a condução normal das campanhas eleitorais, minando a confiança no processo e nas instituições eleitorais e manipulando o comportamento eleitoral dos cidadãos.
Como as plataformas e redes sociais devem responder aos ataques à democracia, sem restringir a liberdade de expressão?
Após o escândalo da Cambridge Analytica, as plataformas adotaram e continuam a adotar uma série de medidas destinadas a combater notícias falsas e desinformação durante os períodos eleitorais, incluindo códigos de conduta para reforçar a transparência e garantir informações confiáveis. Em um número significativo de países, dentro e fora de nossa região, os Legislativos também adotaram novas e melhores regulamentações sobre esta questão para preencher as lacunas legais existentes em muitos países da região.
Por sua vez, numerosos órgãos eleitorais, incluindo o TSE do Brasil, o INE do México e o TE do Panamá, tomaram uma postura proativa diante deste importante fenômeno e implementaram várias medidas e mecanismos, entre eles: desenvolver suas próprias capacidades institucionais e habilidades em assuntos digitais; promover debates on-line; assinar pactos éticos digitais com uma ampla coalizão de atores, como partidos políticos, organizações da sociedade civil e meios de comunicação tradicionais; chegar a acordos de colaboração – formais ou informais – com plataformas digitais; incentivar o uso responsável de redes; implementar mecanismos de verificação de fatos em colaboração com meios de comunicação tradicionais, universidades, grupos de reflexão e organizações da sociedade civil; implementar campanhas de educação digital para os cidadãos e sobre conteúdos educacionais sobre o processo eleitoral; e fomentar a cooperação horizontal entre os órgãos eleitorais e compartilhar boas práticas e lições aprendidas em relação a este fenômeno, tudo com o objetivo de mitigar os excessos e efeitos negativos das redes sociais durante as campanhas eleitorais e, ao mesmo tempo, maximizar seus efeitos positivos, sempre tomando cuidado para que estas medidas não afetem o pleno gozo da liberdade de expressão. Mas a liberdade de expressão não deve e não pode ser mal utilizada ou manipulada para propagar com impunidade notícias falsas ou campanhas de desinformação destinadas a deslegitimar um processo eleitoral ou atacar as instituições ou a própria democracia.
Qual deveria ser a posição de um presidente democrata em relação à oposição? Em que ponto se passa da crítica aceitável para os ataques que procuram deslegitimar a oposição?
Democracia é sinônimo de pluralismo, diálogo, respeito, tolerância. A oposição deve ser racional e jogar limpo. O Executivo também deve. Ambos devem reconhecer e respeitar um ao outro como jogadores legítimos no jogo democrático. Um presidente democrático deve defender seu programa e suas propostas com firmeza, mas sempre com respeito, reconhecendo a oposição como um jogador-chave no jogo democrático. Deve ser evitado um nível excessivo de polarização que leva a um jogo de soma zero, e a uma desqualificação e difamação da oposição que implica não reconhecê-la como um ator legítimo no jogo democrático. Em alguns casos, tais como Nicarágua e Venezuela, vemos como o Executivo desqualifica ou prende partidos e líderes da oposição. Em outros, como no caso de Bukele em El Salvador, adjetivos difamatórios são usados quando se refere à oposição. Sem uma oposição autêntica, não há democracia
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Fonte: O Estado de S. Paulo
Alon Feuerwerker: A raiz da instabilidade
Já havia sido bastante descrito e dissecado que o (primeiro?) mandato presidencial de Jair Bolsonaro seria uma disputa de bonapartismos. A fraqueza terminal dos governos Dilma Rousseff e, depois, Michel Temer trouxe pelo vácuo a anabolização de múltiplos polos de poder em Brasília. Especialmente no Ministério Público, Polícia Federal e Poder Judiciário. Mas também, por exemplo, no Tribunal de Contas da União. Sem falar do Congresso Nacional.
Daí que, para governar, o presidente eleito em 2018, qualquer que fosse, veria pela frente uma batalha morro acima pela retomada de poder. Inclusive o Moderador, que formalmente foi revogado com a República mas na prática permaneceu em vigor na mão do Executivo até bem pouco tempo atrás. A Constituição de 1988 deu mais músculos ao Legislativo, mas pelo menos até o primeiro mandato de Dilma os presidentes vinham submetendo deputados e senadores.
Bolsonaro estava manobrando com alguma eficiência nesse teatro de operações. Um exemplo? Livrou-se do até então dito superministro Sergio Moro sem maior custo político imediato. E emplacou com alguma facilidade os indicados ao Supremo Tribunal Federal, à Procuradoria Geral da República e ao TCU. E viu a vitória de um aliado para comandar a Câmara dos Deputados. Mas em Brasília não dá para deixar flanco desprotegido. E assim estava o Senado Federal, como se viu na hora complicada.
E vieram a pandemia, e os lapsos de avaliação e condução de Jair Bolsonaro. Algum dia talvez se explique como e por que o presidente conseguiu distanciar sua imagem o máximo possível, e simultaneamente, do isolamento e afastamento sociais, do uso de máscaras e da vacinação. Podia ter escolhido esta última, e teve a deixa quando o STF empoderou governadores e prefeitos. Não fez. E nesse ínterim Luiz Inácio Lula da Silva teve a elegibilidade devolvida pelo STF.
E explodiu o número de mortos pelo novo coronavírus. E instalou-se naquele flanco frágil, o Senado, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19.
E a maioria da Câmara que bloqueia o impeachment não é de incondicionais, tem um custo orçamentário inédito.
A correlação de forças resultante dos fatores objetivos e subjetivos acabou ilhando o presidente no núcleo mais fiel dos eleitores dele e nos políticos menos condicionais. A ideia de que a popularidade de Bolsonaro está derretendo é falsa, ele mantém cerca 30%, a maior parte disso dispostos a votar nele no primeiro turno e o restante no segundo. O problema (dele) é que os não incondicionais estão se agrupando contra. E isso parece cristalizar-se. E aumenta o custo político de manter uma base.
Mas o jogo não está jogado. O governo aposta na retomada da economia, nos novos benefícios sociais aos mais pobres e na contenção da Covid-19. A dúvida está em quanto a adesão a Bolsonaro será elástica em relação a cada uma dessas variáveis, e ao conjunto delas. Isso só o futuro dirá, mas por agora a eleição está configurada de modo amplamente desfavorável ao presidente.
Mais ou menos como no judô, quando você está imobilizado e precisa dar um jeito de sair da imobilização antes de o tempo regulamentar esgotar-se.
Na análise política, uma pergunta sempre útil é: “Se nada acontecer, acontece o quê?” Claro que é remota a possibilidade de na política brasileira faltando um ano e dois meses para a eleição nada se passar de relevante pró-governo até lá. Mas a raiz de toda a instabilidade política e, no limite, institucional, é o fato de, se nada acontecer de muito diferente, o presidente estar apontado para entrar na temporada eleitoral pressionado pelos números e precisando ele próprio alterar o cenário.
Pois, no momento, a inércia joga do outro lado.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/a-raiz-da-instabilidade.html
Luiz Carlos Azedo: O partido fardado
O confronto aberto de Bolsonaro com o Supremo e o TSE, a propósito da segurança das urnas eletrônicas, é uma armadilha que precisa ser desarmada
O ex-ministro da Defesa Raul Julgmann, em artigos, entrevistas e lives, vem reiterando a necessidade de o Congresso debater a questão militar no Brasil, para definir claramente a política de Defesa Nacional, o papel das Forças Armadas, suas relações com a sociedade e os limites da participação dos militares da ativa na administração pública. Esse debate está na ordem do dia, protagonizado por estudiosos e militares da reserva, em razão das atitudes e declarações golpistas do presidente Jair Bolsonaro e da presença de grande número de militares no seu governo, muitos dos quais da ativa.
As intervenções militares na vida política republicana foram frequentes: 1889 (Proclamação da República), 1893 (Revolta da Armada), 1922 (os 18 do Forte), 1924 (Revolução em São Paulo e início da Coluna Prestes), 1930 (a Revolução), 1935 (a Intentona), 1937 (o Estado Novo), 1945 (deposição de Vargas), 1954 (suicídio de Getúlio), 1954 (Memorial dos coronéis), 1955 (a “Novembrada”, deposição de Carlos Luz e Café Filho), 1956 (Jacareacanga), 1959 (Aragarças), 1961 (tentativa de impedimento de Goulart), 1963 (revolta dos sargentos), 1964 (deposição de Goulart), 1968 (AI-5).
Essas intervenções nunca tiveram um caráter moderador; a maioria atalhou ou afrontou a democracia, sendo derrotada. As que foram vitoriosas, quase sempre, arrastaram a cúpula militar para aventuras políticas e resultaram em regimes autoritários. Atos institucionais, fechamento do Congresso, cassação de mandatos e decretos-lei não têm esse caráter moderador. Foram obra do chamado “partido fardado”, que agora o presidente Jair Bolsonaro tenta ressuscitar, como um náufrago do passado.
O “partido fardado”, na definição de Oliveiros S. Ferreira, “é mais estado de espírito que organização”. Existiu até o governo do general Emílio Médici, como se fosse obra de quem buscasse, em diferentes momentos, “aglutinar os que se consideravam os reais defensores da ordem (um Estado bem-ordenado) e dos valores que as Armas haviam inscrito em suas almas, devendo agir contra qualquer governo que os ameaçasse.”
No contexto de sucessivas derrotas eleitorais do regime militar, o que matou o “partido fardado” foi a hierarquia. A lei de Castelo Branco sobre as promoções e o decreto-lei da “expulsória” consagraram o princípio do chefe. A demissão do general Sylvio Frota do Ministério do Exército pelo presidente Ernesto Geisel foi a sua morte. Alguns setores mais radicais ainda tentaram uma reação, no governo Figueiredo, inclusive por meio de atentados terroristas, como a bomba do Rio Centro, no Rio de Janeiro, mas fracassaram. A partir da eleição de Tancredo Neves, em 1985, os governos civis não mais precisaram se preocupar com os militares e sua visão da ordem, nem com a preservação dos valores castrenses. Até a formação do atual governo.
Armadilha
Após a vitória eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro formou seu Estado-Maior com os generais da reserva e da ativa que o apoiaram. Diante das consequências, alguns se afastaram e têm se manifestado publicamente contra as atitudes do presidente da República. Bolsonaro tenta empregar as Forças Armadas na disputa política, o que é ilegal, não apenas para a sua reeleição, mas para mudar a natureza do regime político consagrado pela Constituição de 1988, o que é uma aventura golpista. Esses objetivos estão cada vez mais claros, em suas atitudes e declarações.
Um pequeno grupo de generais, liderado pelo atual ministro da Defesa, general Braga Netto, compartilha desses propósitos e tensiona a alta hierarquia das Forças Armadas, principalmente do Exército. Entretanto, a recidiva do “partido fardado” esbarra, novamente, na existência de leis e regulamentos, além de uma cadeia de comando constituída por critérios profissionais de antiguidade e de meritocracia. Nem por isso, porém, a questão deve ser subestimada.
Bolsonaro já demitiu um ministro da Defesa e os comandantes das três Forças; Braga Netto endossa o radicalismo do presidente da República e constrange os chefes militares. Nesse aspecto , o confronto aberto de Bolsonaro com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a propósito da segurança das urnas eletrônicas, é uma armadilha, que pode ser desarmada pela Câmara, ao enterrar a polêmica sobre o voto impresso.
Bolsonaro volta a defender voto impresso em nova motociata
Após participar de 'motociata' em Florianópolis um dia após decisão de Lira de levar discussão ao plenário, presidente acena a parlamentares e critica STF
Fábio Bispo, Especial para o Estadão
FLORIANÓPOLIS - O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender o voto impresso, conclamou a população a “lutar com todas as armas” pelo voto "auditável" e fez aceno a parlamentares. “Eleição fora disso não é eleição”, disse Bolsonaro em Florianópolis (SC), no início da tarde deste sábado, 7, após participar de "motociata" pelas avenidas da cidade.
O presidente repetiu os ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ao discursar para apoiadores na Beira-Mar Continental de Florianópolis: ”Não são meia dúzia dentro de uma sala secreta que vai contar e decidir quem ganhou as eleições; não vai ser um ou dois ministros do Supremo. Quem tem legitimidade além do presidente (da República) é o Congresso Nacional”, declarou.
Na sexta-feira, 6, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), decidiu levar para o plenário a discussão sobre o voto impresso, após o projeto ter sido derrotado em comissão especial nesta quinta-feira, 5, por um placar de 23 a 11, em comissão especial da Casa. Lira optou pela estratégia arriscada para agradar ao Palácio do Planalto, mas avisou Bolsonaro que, se o texto for rejeitado, não aceitará ruptura institucional.
No ato com tom de campanha em Santa Catarina, Bolsonaro aproveitou para atacar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera pesquisas de intenção de voto para as eleições do próximo ano, e fez ilações em tom alarmista citando o regime político da Venezuela.
“A gente vê na pequena Pacaraima, cidade de Roraima, onde o Exército brasileiro acolhe centenas de pessoas por dia que fogem do paraíso socialista da Venezuela. Muitas são grávidas com crianças pequenas que chegam lá arrastando seus filhos com uma mala na mão e uma trouxa de roupas na cabeça. Muitas sendo obrigadas a se prostituírem para dar de comer aos seus filhos. Nós sabemos como aquele regime começou, quem apoiou. Não preciso dizer que o é o bandido de nove dedos”, declarou. “Não queremos isso para o Brasil. E mais do que não queremos, lutaremos com todas as armas disponíveis para que isso não aconteça em nossa pátria.”
E a ofensiva contra Lula se estendeu aos ministros: “O ladrão de nove dedos, que seus amigos é que vão contar os votos dentro de uma sala secreta”.
Por diversas vezes, Bolsonaro pregou a união de seus apoiadores para combater as supostas ameaças que tem levantado, sempre sem provas, contra a democracia brasileira. ao insistir em eleições com voto impresso. “Há 50 anos eu jurei dar minha vida pela pátria, mas juntamente com vocês, agora, nós juramos dar a nossa vida pela nossa liberdade.”
E mandou recado aos que defendem a legalidade e segurança do atual sistema eleitoral Brasileiro - sem voto impresso -, a quem nominou de não democratas: “Quem não é democrata não tem espaço no resto do Brasil. Eu tenho limites, alguns poucos acham que são o dono do mundo, vão quebrar a cara. Nós queremos e exigimos nada mais além disso. Não continuem nos provocando, não queiram nos ameaçar”, disse ao final do discurso.
Prisão
A Polícia Militar informou que 24 mil motocicletas participaram do evento em Florianópolis, que teve a participação de diversos grupos de motociclistas da Região Sul do País. No palanque, montado no último trecho da "motociata", Bolsonaro discursou ao lado da vice-governadora de Santa Catarina, Daniela Reinerh, do senador Jorginho Melo (PL-SC), da deputada federal Caroline De Toni (PSL-SC), do deputado federal Daniel Freitas (PSL-SC) e do empresário Luciano Hang, que esteve ao seu lado desde a recepção no aeroporto.
O comboio de motos percorreu mais de 60 quilômetros pelas avenidas de Florianópolis. Apesar de não ser evento oficial da Presidência, a "motociata" mobilizou forte aparato público, com reforço no policiamento, guarda municipal, utilização de helicópteros, ambulâncias, entre outros. Diversas vias da cidade foram bloqueadas para o evento.
Pela manhã, um homem foi detido, segundo a PM, por ter atirado objeto nos apoiadores do presidente. Segundo comandante do 4º Batalhão da PM, Tenente-Coronel Dhiogo Cidral, não houve representação registrada pelas supostas vítimas. O homem foi levado para delegacia, onde foi lavrado um Termo Circunstanciado, e acabou liberado.
Fonte: O Estado de S. Paulo
*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)