Eleições

Luiz Carlos Azedo: Dia de apaziguamento

As atitudes de Bolsonaro contra o STF estão fracassando, pois a radicalização provoca estranhamento dos aliados do Centrão

Dia do Soldado, 25 de agosto não foi bom para o presidente Jair Bolsonaro. Pela manhã, participou de solenidade militar na Avenida do Exército, no Setor Militar, em homenagem ao patrono da Força, Duque de Caxias. Ouviu um discurso moderado do comandante do Exército, general Paulo Sérgio, que reafirmou o compromisso da cúpula militar com a Constituição e o respeito aos Três Poderes da República. Bolsonaro decidiu não discursar, embora seu pronunciamento estivesse previsto pelo cerimonial. Não foi nada demais, pois não é mesmo de praxe o presidente da República falar como “comandante supremo” nessa solenidade.

O silêncio de Bolsonaro foi interpretado como um gesto cauteloso, tendo em conta que outras decisões importantes estavam para ocorrer no decorrer do dia. Não deu outra: no final da tarde, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou a ação de Bolsonaro que questionava a abertura de inquéritos na Corte sem aval do Ministério Público, com base no seu regimento interno. A mesma decisão foi aplicada a mais três processos, movidos pelo PTB, sobre o tema. Bolsonaro questionava o artigo no 43 do regimento interno do Supremo, que autoriza o presidente do STF a instaurar inquérito para investigar “infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”.

O pedido tentava barrar as investigações sobre a rede de fake news de extrema-direita utilizada para ameaçar o Supremo e integrantes da Corte, que estão sendo conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes. Essas investigações tiram o sono de Bolsonaro, porque, supostamente, aliados próximos e seus filhos Eduardo, deputado federal; e Carlos, vereador no Rio, estariam envolvidos. À noite, houve outra derrota de Bolsonaro: o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), decidiu rejeitar o pedido de impeachment apresentado pelo chefe do Executivo contra Moraes. O parecer da Advocacia-Geral do Senado considerou a representação improcedente, por não se amparar na legalidade. “Não há justa causa para o pedido”, fulminou o presidente do Senado, em entrevista coletiva. Pacheco havia recebido o pedido na sexta-feira. Apesar de fleumático por natureza, o senador mandou o pedido para o arquivo em decisão rápida e monocrática.

Os três episódios são um balde de água fria na agitação que está sendo feita pelos apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, clamando pelo impeachment de Moraes, pela aprovação do voto impresso e por uma intervenção militar. Com essas palavras de ordem, partidários de Bolsonaro estão sendo convocados para duas grandes manifestações, uma em São Paulo, para ocupar a Avenida Paulista, e outra em Brasília, na qual prometem cercar a capital e invadir o Supremo. O engajamento direto do presidente da República nessa mobilização, ao prometer comparecer aos dois eventos, havia criado um clima de instabilidade política em Brasília e insegurança no mercado financeiro. O movimento estava sendo considerado um balão de ensaio para um golpe de Estado.

Estranhamento
Tanto o questionamento do inquérito das fake news quanto o pedido de impeachment de seu titular, o ministro Alexandre de Moraes, serviam como plataforma de mobilização dos partidários de Bolsonaro, assim como servira, também, a proposta de voto impresso, que foi sepultada pela Câmara, em expressiva votação. A escalada de confrontação de Bolsonaro, porém, levou-o ao isolamento político.

As atitudes de Bolsonaro contra o Supremo estão fracassando, pois a radicalização provoca estranhamento dos aliados do Centrão e dos políticos moderados. É o caso do ex-presidente Michel Temer, que ontem e terça-feira circulou por Brasília, para conversas com a cúpula do seu partido e outras lideranças políticas. Interlocutor eventual de Bolsonaro, lançou o novo programa da legenda, uma espécie de atualização da Ponte do Futuro, no qual a MDB propõe o reposicionamento do centro político em torno de três eixos: defesa da democracia, desenvolvimento inclusivo e governo funcional.

Temer é uma espécie de oráculo das novas lideranças do MDB, às quais está recomendando não antecipar o processo eleitoral. “Precisamos aproveitar os próximos seis meses para sair da pandemia e retomar a atividade econômica, essa deve ser a prioridade”, argumenta.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-dia-de-apaziguamento

Pacto de governadores causa revés a Bolsonaro

Encontro em defesa da democracia contou com representantes de 25 dos 27 Estados e sugeriu reunião com presidente e chefes dos demais Poderes para abaixar temperatura da crise institucional

Cristian Klein / Valor Econômico

Diante do acirramento da crise entre Jair Bolsonaro (sem partido) e o Supremo Tribunal Federal (STF), e com as ameaças de golpe e politização da Polícias Militares feitas pelo presidente, 25 chefes de Executivos estaduais reuniram-se ontem, ou enviaram representantes, ao Fórum Nacional de Governadores, no qual foi sugerida a criação de um pacto pela democracia e de onde saiu um pedido de três reuniões, entre os governadores e os presidentes de Poderes.

A resolução do encontro refletiu uma estratégia cautelosa, diante da necessidade de conciliar diferentes interesses, mas representou simbolicamente um revés para Bolsonaro, uma vez que a iniciativa conseguiu a adesão de governadores alinhados ao Planalto, como Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, e Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás. Dos 27 chefes estaduais, apenas dois não compareceram nem se fizeram representar. Em 2018, Bolsonaro foi eleito com o apoio de 15 governadores.

Ao Valor, Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo, comemorou: “Conseguimos uma unidade de todos em torno da defesa da democracia. Isso foi importante. Não conseguiríamos em outros temas, mas neste conseguimos. Foi uma vitória”. O governador classificou a reunião como “equilibrada” e “ponderada”. “Porque nós não avançamos num processo de enfrentamento e, sim, reafirmamos um pacto em defesa da democracia, da necessidade do respeito à Constituição e às normas legais, da harmonia e da independência dos Poderes, mas também nos colocamos como instrumento do diálogo e da pacificação entre as instituições brasileiras”, disse.

O saldo do encontro foi a preferência por uma posição de consenso, que mantivesse a coesão do grupo, sem querer jogar mais combustível na crise, como tem demonstrado o Executivo federal. Em vez de uma única reunião com o ocupante do Planalto, os governadores decidiram pelo envio de pedidos de encontro com os chefes do Legislativo - os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) - e com o presidente do STF, Luiz Fux, diluindo a responsabilização de Bolsonaro pela crise.

A defesa da democracia, principal tema do Fórum de Governadores, foi pautada a partir de uma iniciativa dos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Piauí, Wellington Dias (PT), depois que Bolsonaro entrou, na sexta-feira, com um pedido de impeachment no Senado contra o ministro do STF Alexandre de Moraes e anunciou que fará o mesmo contra o ministro Luís Roberto Barroso, nos “próximos dias”.

Na mobilização para os atos marcados para o feriado de 7 de setembro, apoiadores do presidente têm imprimido um tom de confronto com as instituições acima do já praticado por bolsonaristas. Há promessas de baderna e vandalismo, inclusive com a participação de integrantes da Polícia Militar.

Durante a reunião, Doria alertou seus pares para o risco de manipulação das PMs por Bolsonaro (ver acima). O governador de São Paulo destacou, em seu discurso, o afastamento do comandante de batalhão que usou redes sociais para atacá-lo - assim como ao STF e a congressistas - e publicou postagens convidando seguidores para as manifestações do Dia da Independência, um posicionamento político proibido por lei para os militares. No fórum, segundo Wellington Dias, os governadores firmaram compromisso de atuarem contra a politização das polícias, as quais Bolsonaro busca cooptar.

No encontro híbrido, do qual a maioria participou virtualmente, Doria propôs a assinatura de uma carta em defesa da democracia e das instituições, com crítica mais assertiva a Bolsonaro, o que encontrou resistência entre os governadores próximos do presidente, como Carlos Moisés (ex-PSL, sem partido), de Santa Catarina. O tucano disse respeitar a opinião, mas insistiu e argumentou que combater os arroubos autoritários seria um “dever” de todos.

“Temos o dever de defender a democracia, Moisés, e não silenciar diante das ameaças que estamos sofrendo constantemente. O país sofre uma ameaça constante em relação à democracia. Basta ver as manifestações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro, que flerta com o autoritarismo permanentemente e muitos dos seus ministros endossam isso”, disse Doria.

Dois dos 27 governadores não compareceram nem enviaram representante: o do Amazonas, Wilson Lima (PSC); e o de Tocantins, Mauro Carlesse (PSL). O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), entrou virtualmente no início da reunião e depois saiu para participar de evento da Fecomercio. Deixou em seu lugar o secretário de Fazenda, Nelson Rocha.

Em fevereiro de 2020, sete governadores deixaram de assinar uma carta aberta com críticas a Bolsonaro, documento que também terminava fazendo um convite ao presidente para que participasse da reunião seguinte do fórum, que ocorreria em abril. Menos de um mês antes, em março, Bolsonaro participou de um encontro mais restrito, com governadores do Sudeste, no qual bateu boca com Doria, que é pré-candidato à sua sucessão.

Ao Valor, Casagrande disse que por mais que os governadores entendam que não há espaço para uma ruptura institucional, a instabilidade tem causado um prejuízo “sem fim” para a economia e para a sociedade brasileira, impedindo que investimentos sejam feitos no país. Questionado se haveria clima para encontro com Bolsonaro, o mandatário capixaba reconheceu que o presidente “tem essa característica” [do confronto]. “Não temos falsas expectativas. Não sei nem se ele vai querer se reunir. Mas os governadores estão dando um sinal de que não querem só guerra. Precisamos tentar. Porque a situação hoje é muito pior do que já tivemos. Quem sabe a equipe em torno dele considere uma pacificação nesse momento, para diminuir a temperatura. Nossa parte temos que fazer. Nós [governadores] não podemos alimentar esse tensionamento”, afirmou.

Para Casagrande, não há condescendência das instituições e dos partidos diante dos abusos de Bolsonaro, alvo de mais de uma centena de pedidos de impeachment. “Não tem ambiente para impeachment porque ele tem 30% de apoio da população, e com esse percentual ninguém consegue impedir um presidente. A Dilma tinha 9%. Ele ainda está num ambiente político que o protege”, lembra.

Casagrande diz que os “governadores poderiam partir para cima” e “teríamos entre 14 e 15” deles apoiando o impeachment. “Metade tem uma posição mais firme, a outra menos. Seria um movimento político de governadores dividido. A nossa unidade agora é nossa arma, para tentar ajudar o país”, disse.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/08/24/pacto-de-governadores-causa-reves-a-bolsonaro.ghtml


Decisão do presidente revela opção por briga com o Judiciário

Recuo do presidente nos vetos da LDO coincide com ofensiva redobrada do Judiciário

Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico

Como não dava para brigar com todos os Poderes ao mesmo tempo, o presidente Jair Bolsonaro escolheu um, o Judiciário. É isso que explica o recuo nos vetos às emendas de relator e de comissão. A notícia do veto, na sexta-feira, deixara o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), transtornado. Sem os meios de manter controle sobre a fatia orçamentária em que está baseada sua ação política, lhe sobrariam poucas razões para continuar barrando o impeachment.

O recuo não atingiu o fundo eleitoral, que continua vetado, mas o desfecho já estava combinado. Os parlamentares jogaram para R$ 5,7 bilhões o valor do fundo para que o veto presidencial, derrubado, lhes possibilitasse fixá-lo em R$ 4 bilhões. O valor, então, soaria como uma concessão do Congresso quando, na verdade, é o dobro do fundo vigente.

Com o flanco parlamentar contido e a divisão entre governadores, os torpedos de Bolsonaro se voltam não apenas para o Supremo mas para o Judiciário como um todo. A decisão do ministro Alexandre de Moraes de não aceitar a queixa-crime contra o procurador-geral da República, Augusto Aras, foi percebida, em Brasília, como uma tentativa de preservar alguma interlocução com o PGR em seu segundo mandato de maneira a romper a blindagem que hoje protege o presidente. Esta aposta, de uma inflexão de Aras com o objetivo de salvar os rodapés do seu currículo, não tem a aderência de procuradores federais.

A percepção, entre ministros do Supremo, é a de que o presidente, de fato, estica a corda em busca de uma prisão sua ou dos seus. No dia 12 de agosto o senador Flávio Bolsonaro chegou a procurar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para sondar sobre sua atitude caso uma ordem de prisão contra um integrante da Casa se efetivasse. O alvo, porém, não era o filho de Bolsonaro, mas o presidente do PTB, Roberto Jefferson, detido no dia seguinte.

O recado, porém, estava dado. A Corte mostrava-se cada vez mais próxima do chamado “gabinete do ódio”, grupo liderado pelo vereador Carlos Bolsonaro e financiado por empresários como Antonio Galvan, a Aprosoja. A reação não se restringe à Corte mas ao Judiciário como um todo. Flávio Bolsonaro tem sofrido sucessivos revezes no inquérito das “rachadinhas” no Rio.

Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça negou novo pedido do senador para o arquivamento do inquérito que, depois de ficar parado por seis meses, voltou a andar no Tribunal de Justiça do Rio. Também na semana passada o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou jurisprudência prejudicial a Flávio Bolsonaro ao julgar um recurso de uma vereadora paulista acusada de promover “rachadinha” em seu gabinete.

Por sete votos a zero, o tribunal considerou que o desvio em questão provoca “dano ao erário”, contrariando a tese da defesa de que o dinheiro é de quem o recebe e, portanto, poderia ser repassado com sua anuência.

O azedume atingiu o Judiciário de cima a baixo. Na semana anterior, o Tribunal Regional Eleitoral negara pedido da defesa do senador para que o juiz Flávio Itabaiana fosse declarado suspeito no inquérito que apura se Flávio Bolsonaro cometeu lavagem de dinheiro e falsidade ideológica ao declarar bens à Justiça Eleitoral. O pedido de suspeição baseava-se no fato de que Itabaiana também era, até o ano passado, o juiz do processo das “rachadinhas” no Tribunal de Justiça do Rio.

O Poder Judiciário unido contra Bolsonaro recebeu uma carta de desagravo de 14 governadores mas ontem, ao tentarem ampliar o quórum de signatários, houve dissidência e uma nova carta foi barrada. Os governadores ainda pediram uma reunião com Bolsonaro, aproximação que os ministros do Supremo já consideram infrutífera, visto que nem o presidente demonstra capacidade de assumir compromissos nem seus emissários, como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, mostram-se capazes de atuar como mediadores do conflito.

Pesou a favor da decisão dos governadores, porém, o receio de distúrbios nos seus Estados, em 7 de setembro e além, decorrentes da capacidade de o presidente arregimentar seguidores em forças paramilitares e nas próprias polícias. Ao mostrar interesse no diálogo, os governadores buscam, também demonstrar, para os comandos das Forças Armadas dos seus Estados terem ido ao limite. E, assim, terem seus pedidos de intervenção, em caso de baderna generalizada, respaldados pelos próprios militares. Se um encontro dos governadores com Bolsonaro, porém, for seguido de tumultos promovidos por seus seguidores, o esgarçamento da teia que sustenta o presidente da República tende a se acelerar.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/08/24/decisao-do-presidente-revela-opcao-por-briga-com-o-judiciario.ghtml


Cristina Serra: Que Forças Armadas queremos?

Trinta anos após fim da ditadura, fardados não acharam seu lugar na democracia

Cristina Serra/ Folha de S. Paulo

Além de golpistas e vocacionados para o ridículo —como foi demonstrado no desfile de tanques fumacentos e no treinamento em Formosa (GO)—, generais bolsonaristas são também rematados mentirosos. Braga Netto, ministro da Defesa, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria Geral da Presidência, confirmaram isso mais uma vez em depoimentos na Câmara dos Deputados.

Ambos mentiram ao negar a ditadura instaurada em 1964. O primeiro disse que houve um “regime forte”. “Se houvesse ditadura, talvez muitas pessoas não estariam aqui”. Braga Netto não consegue articular um raciocínio sem que esteja embutida uma ameaça. É um golpista raiz.

Ramos disse que houve um “regime militar de exceção, muito forte” e que tudo é uma questão “semântica”.

A ditadura matou, torturou, escondeu corpos, estuprou, perseguiu opositores, cassou mandatos, fechou o Congresso. Negar que houve ditadura ofende a honra e a memória de quem lutou pela democracia, os que sobreviveram e os que foram assassinados. Isso não é “semântica” nem “narrativa”. São fatos. É verdade histórica. Completa o trio de mitômanos o general Augusto Heleno, da Segurança Institucional, pregoeiro do “papel moderador” das Forças Armadas em situação de crise entre os Poderes, como disse em entrevista. Papel moderador é outra mentira que só existe nas mentes delirantes desses generais que exalam naftalina de seus ternos mal-ajambrados.

O general disse ainda outra frase, mais preocupante, ao comentar o ferro-velho apresentado na Esplanada: “Para atuar na Garantia da Lei e da Ordem, é um material perfeitamente compatível”. Ou seja, o equipamento é para ser usado internamente, nas controversas GLOs, pois o inimigo está aqui dentro. Declarações como essa reafirmam a origem, tradição e síndrome de capataz do Exército Brasileiro.

Mais de 30 anos depois do fim da ditadura, os fardados não encontraram seu lugar na democracia. Essa reflexão precisa ser feita pelo poder civil: que Forças Armadas queremos?

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/08/que-forcas-armadas-queremos.shtml


Ana Cristina Rosa: Racismo.br

O fator socioeconômico é relevante para a manutenção dessa prática odiosa que se instalou há séculos na sociedade

Ana Cristina Rosa / Folha de S. Paulo

Como o racismo criou o Brasil. A sentença instigante aguçou a curiosidade e me fez assistir a palestra em forma de aula que o professor, escritor, doutor em sociologia e pós-doutor em psicanálise e filosofia Jessé Souza ministrou para lançar seu novo livro.

Entre as muitas reflexões, o palestrante, um homem branco, observou que o racismo assume máscaras que dificultam sua identificação. Para compreender a prática, é preciso considerar que ela está ancorada em estímulos morais que determinam o comportamento social em várias dimensões. “O racismo destrói as pessoas e continua vivo, se fingindo de morto”, disse.

A constatação é impactante e capaz de denotar o grau de complexidade do problema. Só quem já foi vítima desse crime sabe o quanto ele é corrosivo, podendo até ser incapacitante. Daí a necessidade de se contrapor de modo racional —o que, além de difícil, é doloroso.

Há tempos venho me fazendo uma indagação que ouvi durante a palestra: Como é possível perpetuar por tanto tempo um sistema que possibilita que um país tão rico como o Brasil reduza a maioria de sua população à pobreza, relegando grande parte das pessoas a viver o presente sem dignidade e a olhar para o futuro sem perspectiva de melhora?

Temos hoje cerca de 14,8 milhões de pessoas desempregadas, número recorde registrado pelo IBGE desde 2012. Com aproximadamente 30 milhões de brasileiros na informalidade, a precarização das relações de trabalho é flagrante. Além disso, uma multidão estimada em 19 milhões de pessoas está passando fome.

É uma realidade perturbadora e injusta. Coisa que extrapola a fronteira da temática racial —visto que, embora a maioria dos pobres brasileiros seja composta por pessoas negras, nem todo brasileiro pobre é negro—, mas tem tudo a ver com ela. Afinal, sendo o racismo uma forma de dominação e de opressão, o fator socioeconômico é relevante para a manutenção dessa prática odiosa que se instalou há séculos na sociedade.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ana-cristina-rosa/2021/08/racimobr.shtml


Luiz Carlos Azedo: O naufrágio de Bolsonaro

Reacionários são obcecados pelo medo das mudanças e se comportam de maneira nostálgica, sonhando com um passado idealizado, que não é o que a História registra

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O analista político e ensaísta Mark Lilla, professor de História das Ideias na Universidade de Columbia, em Nova York, ganhou muita notoriedade após a eleição de Donald Trump, ao publicar um artigo no The New York Times no qual pedia que a esquerda norte-americana abandonasse a “era do liberalismo identitário” e buscasse a unidade diante da especificidade das minorias. É autor de O progressista de ontem e o do amanhã: desafios da democracia liberal no mundo pós-políticas identitárias (no original, The Once and Future Liberal: After Identity Politics) e A Mente Naufragada, publicados pela Editora Schwarcz e Cia. das Letras, respectivamente.

Voltou a gerar polêmicas em meados do ano passado, ao articular uma carta-manifesto assinada por 150 intelectuais, entre os quais Noam Chomsky, Gloria Steinem, Martin Amis e Margaret Atwood, no qual reivindicavam o direito de discordar, sem que isso colocasse em risco o emprego de ninguém, uma reação à patrulha ideológica dos setores progressistas dos Estados Unidos contra intelectuais conservadores. Esse posicionamento foi importante para a unidade dos democratas, fundamental para a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais do ano passado e o racha dos republicanos, ao isolar a extrema-direita na tentativa de golpe de Estado de Trump.

Lilla é um estudioso dos dramas ideológicos do século XX. No livro A Mente Naufragada, faz uma clara distinção entre o reacionarismo e o pensamento conservador. Segundo ele, “os reacionários da nossa época descobriram que a nostalgia pode ser uma forte motivação política, talvez mais poderosa até do que a esperança. As esperanças podem ser desiludidas. A nostalgia é irrefutável”. Isso tem tudo a ver com o presidente Jair Bolsonaro, o grupo de militares saudosistas do regime militar que o cerca e os grupos de extrema-direita que organizou por meio das redes sociais, que, agora, estão armados até os dentes.

Enquanto velhos revolucionários da geração 1968 ainda alimentam expectativas de uma nova ordem social redentora, os reacionários são obcecados pelo medo das mudanças em curso no mundo e se comportam de maneira nostálgica, sonhando com a volta a um passado idealizado, que não é o que a História registra. “A nostalgia baixou como uma nuvem sobre o pensamento europeu depois da Revolução Francesa e nunca mais se afastou totalmente”, lembra Lilla, propósito dos pensadores que, há um século, serviram de caldo de cultura para o nazismo e o fascismo.

Nostalgia da ditadura
Quando o ministro da defesa, o general Braga Netto, por exemplo, comparece à Câmara para prestar esclarecimentos e nega que houve uma ditadura no Brasil, revela uma mente naufragada no passado, quando Tancredo Neves foi eleito no colégio eleitoral e o regime militar caiu sem um tiro, em 1985. O regime militar foi, sim, uma ditadura, que durou 20 anos, suprimiu as liberdades, prendeu, sequestrou e matou oposicionistas. Essa era a narrativa dos generais que se revezaram na Presidência e impuseram um artificial sistema bipartidário, para disfarçar o regime autoritário, sob o argumento de que se tratava de uma “democracia relativa”.

A outra face dessa narrativa é a recorrente interpretação de Bolsonaro sobre o artigo 142 da Constituição, ao atribuir às Forças Armadas o papel de “poder moderador” nas relações entre o presidente da República, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Busca-se, como em 1937, no golpe do Estado Novo, e em 1964, na deposição de João Goulart, uma suposta ameaça comunista, no caso representada pelo favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais sobre o pleito de 2022.

Constrói-se uma tese de afronta à legalidade para justificar uma “intervenção militar”, com base em suposta insegurança da urna eletrônica e nas medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal contra a rede montada para disseminar mentiras e apregoar um golpe de Estado. “Onde os outros veem o rio do tempo fluindo como sempre fluiu, o reacionário enxerga os destroços do paraíso passando à deriva”, explica Lilla. É mais ou menos o que distingue o presidente Jair Bolsonaro dos setores conservadores que participam e ainda apoiam o seu governo, mas não sua loucura golpista.


'Eleições têm sido livres e justas', diz procurador Luiz Carlos Gonçalves

Procurador também comemora a retirada do distritão da PEC da Reforma Eleitoral. "Nós escapamos de um gravíssimo retrocesso"

Carlos Alexandre de Souza e João Vitor Tavarez* / Correio Braziliense

A pouco mais de um ano para as eleições, a reforma eleitoral, em tramitação no Congresso, prevê mudanças para o pleito, como a volta das coligações, aprovada em dois turnos na Câmara e que, agora, será avaliada pelo Senado. Para Luiz Carlos Gonçalves, procurador regional da República, o debate é normal na democracia. “Nós escapamos de um gravíssimo retrocesso, que era o distritão. Esse mecanismo acabaria com o sistema proporcional, como temos hoje, o que levaria ao fim do compartilhamento do poder”, comentou, em entrevista ao CB.Poder. Veja os principais trechos da entrevista.

Falta pouco mais de um ano para as eleições. No entanto, as regras do sistema vêm sendo questionadas reiteradamente. Isso não confunde os eleitores?
Sim, sobretudo as narrativas de que urnas eletrônicas são fraudulentas e que, por isso, as eleições correm risco. Esse tipo de comportamento é antidemocrático e contrário à Constituição. As eleições brasileiras têm sido livres e justas, e a urna eletrônica vem sendo desafiada e passando, com aprovação, por vários testes, inclusive diante de comissões internacionais. Os anos ímpares, normalmente, são usados para o aperfeiçoamento da legislação eleitoral e para celebrar mudanças.

Como avalia as discussões em torno da reforma eleitoral, nesta semana, no Congresso?
Nós escapamos de um gravíssimo retrocesso, que era o distritão. Esse mecanismo acabaria com o sistema proporcional, como temos hoje, o que levaria ao fim do compartilhamento do poder. Hoje, um partido faz mais deputados, assim como seus adversários. Isso colabora para que todos os segmentos sociais estejam representados no Parlamento. A volta das coligações (aprovada pela Câmara), eu entendo que seja muito ruim.

Um dos pontos da reforma diz respeito a crimes eleitorais, no sentido de limitar o poder de ação da Justiça, assim como abrandar ilícitos. Como analisa esse movimento?
Está em tramitação um projeto de novo Código Eleitoral, que atende a uma necessidade real, visto que o atual dispositivo é de 1965. Está muito defasado, pois há trechos que atritam com a Constituição. Depois, houve o surgimento de um conjunto de leis eleitorais esparsas e desarmoniosas. A vinda de um novo Código é benfazejo. O novo regulamento trata de processo penal eleitoral. Inclusive, reduz o número de crimes e redimensiona para penas mais severas.

Existe muita desconfiança dos eleitores em relação ao processo eleitoral. A reforma do Código Eleitoral e outras iniciativas resolverão isso?
Acabei de elogiar o projeto do novo código, mas também preciso criticá-lo: ele diminui a transparência dos gastos partidários. Isto é, o espaço que a Justiça Eleitoral tem para verificar como os partidos usaram o recurso público. Então, o projeto, nesse sentido, vai muito mal. Ele cria um prazo inexequível para que a Justiça Eleitoral examine as contas, afrouxa a sanção para o partido que uso mal o recurso, enfim, dificulta a transparência em relação a esse tema tão importante. Outro aspecto que abala a confiança do eleitorado é a reintrodução da propaganda partidária. Esse horário foi extinto justamente porque os recursos usados para financiá-lo seriam aqueles contidos no Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Na sua avaliação, o projeto do novo Código Eleitoral atende bem a questão das notícias falsas. Por quê?
O projeto criminaliza esse comportamento do discurso de ódio e mentiroso e, portanto, abre espaço para atuação criminal em relação a isso. Também prevê multa para candidatos, partidos, coligações e apoiadores que promoverem mentiras, discursos de ódio e manipulação, ou seja, prevê medidas criminais e cíveis.

Quando o crime eleitoral começa a ser tipificado?
Como estamos tratando de uma disciplina eleitoral, a abrangência refere-se mesmo às eleições. Entretanto, alguns comportamentos ilícitos no âmbito eleitoral podem ocorrer a qualquer tempo. Por exemplo, o abuso de poder e o uso indevido de recursos. Tudo isso não tem tempo certo para ocorrer.

Isso tem relação com a live em que Bolsonaro ataca ministros e a legitimidade das eleições?
Prefiro não fazer referência a nenhum caso concreto. Até porque, no Ministério Público, há uma regra muito importante: a independência funcional. Portanto, há colegas que têm a atribuição legal e constitucional de, eventualmente, levar ao Judiciário condutas de altas autoridades. Mas o que se pode dizer, como regra geral, é que o uso de recursos públicos em prol de campanhas eleitorais não se permite.

* Estagiário sob supervisão de Cida Barbosa

Assista a íntegra da entrevista:



Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4944348-eleicoes-tem-sido-livres-e-justas-diz-procurador-luiz-carlos-goncalves.html


Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro derrete e apela para o golpismo

A expectativa de poder que Bolsonaro mantém não se sustenta no projeto eleitoral, mas no governo como forma concentrada de poder e na narrativa do golpe de Estado

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A pesquisa XP-Ipespe divulgada ontem mostra que Jair Bolsonaro derreteu eleitoralmente — perde para qualquer concorrente no segundo turno, se as eleições fossem hoje. Mais ainda, pode até ser derrotado pelo ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva no primeiro turno, se mantiver a polarização com o petista e conseguir inviabilizar a chamada “terceira via”, como pretende. Segundo o cientista político Antônio Lavareda, mesmo com o recesso da CPI da Covid e o bom desempenho do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio, que reduziram o noticiário negativo, o mau humor dos brasileiros com o presidente da República aumentou.

Não faltam motivos para isso, apesar do avanço da vacinação em massa e da redução do número de óbitos diários pela covid-19, que o povo atribui aos governadores e aos prefeitos. Com justa razão, Bolsonaro é identificado com o vírus da pandemia e não com a vacina. Fez tudo o que podia e não deveria para isso. Ontem mesmo, andou falando que as pessoas que tomaram a CoronaVac, a vacina chinesa produzida pelo Instituto Butantan, estão morrendo. Sua avaliação positiva caiu de 22 para 21%, enquanto a de governadores subiu de 36% para 46% e a dos prefeitos, de 45% para 55% — mesmo com o presidente da República culpando-os pela crise sanitária.

O estrago feito pelo ex-ministro Eduardo Pazuello e sua equipe de militares na Saúde, desnudado pela CPI do Senado, é irreversível: 57% da população acreditam no envolvimento do governo e de alguns de seus membros na corrupção. O apoio à CPI é robusto e inversamente proporcional: 57%. Na pesquisa, 67% dos entrevistados disseram que acompanham a CPI e 74% dos brasileiros perderam um parente, amigo ou colega na pandemia. O pior dos mundos para Bolsonaro é a percepção da economia, negativa para 63% da população. Em julho, eram 57%.

Ou seja, mesmo com alguns indicadores positivos, como o crescimento do PIB, e medidas recentes para ajudar a população de mais baixa renda, como o Auxílio Brasil, o programa federal que substituirá o Bolsa Família, o povo se queixa da inflação, dos juros altos e do desemprego, que formam um círculo vicioso. Nas simulações eleitorais, Bolsonaro perderia para Lula, Ciro Gomes, Sergio Moro, Luís Henrique Mandetta, João Doria e Eduardo Leite. Se aparecer mais um candidato, talvez perca para ele também. A expectativa de poder que mantém não se sustenta no seu projeto eleitoral, mas no governo como forma mais concentrada de poder e na narrativa do golpe de Estado. Esse é o xis da questão.

O ministro da Defesa, Braga Neto, compareceu ontem à Câmara para dizer que a ameaça de não realização das eleições, caso não fosse aprovado o voto impresso, nunca houve e é um assunto encerrado. É mesmo, porque a Câmara enterrou a proposta. Mas a narrativa golpista de Bolsonaro continua. É construída sobre três pilares: a disseminação da suspeita de fraude eleitoral para beneficiar a candidatura de Lula, o falso papel moderador que atribui às Forças Armadas nas relações entre os Poderes e o questionamento da autoridade do Supremo Tribunal Federal (STF) na exegese da Constituição.

Vivandeiras|
Bolsonaro escala seu confronto com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, e Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para provocar uma grave crise institucional e arrastar as Forças Armadas para a aventura de um golpe de Estado, antecipando-se à derrota eleitoral que vislumbra no horizonte. Exuma o velho castilhismo castrense da Revolução de 1930, percorre quartéis e campos de manobras como “comandante supremo das Forças Armadas”. Parece uma daquelas “vivandeiras alvoroçadas” que percorriam os bivaques para “bulir com os granadeiros e pro- vocar extravagâncias do poder militar”, como disse, certa vez, o marechal Castello Branco, referindo-se aos políticos golpistas.

Os políticos do Centrão, entre os quais o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tiram proveito da situação para avançar sobre cargos do governo e verbas do Orçamento da União, mas, até agora, não embarcaram no projeto golpista. Um golpe de Estado, quando nada, anularia todo o poder de barganha que hoje desfrutam. Além disso, não têm a mesma ojeriza dos militares a Lula, pois foram seus aliados quando o PT estava no poder — alguns até foram ministros. Atuam como a turma do deixa disso, mas não estão tendo sucesso na tentativa de protagonizar e viabilizar o projeto de reeleição de Bolsonaro.

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PGR opinou contra prisão de Jefferson e respondeu fora do prazo

Ministro do STF escreveu que procurador-geral da República foi intimado em 5 de agosto sobre o pedido de prisão; resposta só foi finalizada na noite do dia 12

Aguirre Talento e Mariana Muniz / O Globo

BRASÍLIA — A prisão do ex-deputado Roberto Jefferson, aliado do presidente Jair Bolsonaro, gerou mais um foco de atrito entre o procurador-geral da República Augusto Aras e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Moraes pediu uma resposta da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o pedido de prisão formulado pela Polícia Federal em 24 horas, mas a PGR só elaborou a resposta sete dias depois, na noite de ontem, depois que o ministro já havia determinado a prisão, e se manifestou contra a prisão.

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Moraes escreveu em sua decisão: "Em 5/8/2021, a Procuradoria-Geral da República foi regularmente intimada para manifestação, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, deixando o prazo transcorrer in albis". A resposta só foi concluída na noite de ontem, 12 de agosto, mas até a manhã desta sexta-feira ainda não havia sido juntada aos autos.

Na manhã desta sexta, o gabinete do ministro divulgou uma nota afirmando que ainda não havia recebido a manifestação da PGR. "Informamos que no dia 5 de agosto de 2021, a Polícia Federal enviou para este gabinete uma representação, requerendo a prisão preventiva de Roberto Jefferson e a ralização de busca e apreensão na sua residência. Autuada esta representação como Pet, no mesmo dia 5 de agosto de 2021, ela foi entregue para a Procuradoria-Geral da República, assinando-se um prazo de 24 horas para que pudesse manifestar-se", diz a nota.

Prossegue o gabinete do ministro: "No entanto, até a decisão que decretou a prisão preventiva de Roberto Jefferson e determinou a realização de busca e apreensão, na data de ontem, 12 de agosto de 2021, não havia qualquer manifestação da Procuradoria-Geral da República a esse respeito, embora vencido o prazo".

O posicionamento da PGR foi feito pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, considerada uma das principais vozes bolsonaristas dentro do Ministério Público Federal, mas só foi finalizado após a decisão de Moraes. Ela se posicionou contra o pedido de prisão feito pela PF, argumentando que Jefferson não possui foro privilegiado perante o STF e que não era a instância correta para essa investigação contra o ex-deputado. 

Lindôra também discordou dos fundamentos de que Jefferson ameaçava as instituições democráticas e apontou que não havia justificativa legal para a prisão do ex-deputado. Disse que não estavam presentes os requisitos para a prisão preventiva.

Moraes e a PGR têm entrado em atritos por causa de diversas investigações contra bolsonaristas que são conduzidas sob a relatoria do ministro. Em maio, Moraes autorizou uma operação da PF contra o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles sem pedir manifestação da PGR, por entender que Aras poderia criar dificuldades ou até vazar informações, segundo interlocutores do ministro. Depois, a PGR solicitou o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos, o que irritou o ministro. Moraes acolheu o arquivamento mas determinou a abertura de um novo inquérito a ser conduzido pela Polícia Federal.

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A operação contra Jefferson também amplia o desgaste de Aras dentro da Corte. Ontem, o ministro Dias Toffoli, que tem boa relação com Aras, fez uma cobrança ao procurador-geral da República, por não ter se manifestado em um pedido de investigação contra Bolsonaro. Sua omissão em relação aos ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas e às ameaças sobre as eleições do próximo ano também têm provocado descontentamento na Corte.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/pgr-opinou-contra-prisao-de-roberto-jefferson-respondeu-moraes-fora-do-prazo-estipulado-25153847


Luiz Carlos Azedo: Ninguém morre de véspera

Às vésperas do ano eleitoral, a maioria dos deputados voltou do recesso legislativo convicta de que não conseguiria votos de legenda suficientes para se reeleger

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Todas as vezes que se discutem reformas eleitorais na Câmara, o que determina o seu desfecho são os cálculos eleitorais da maioria dos deputados, empenhados na própria sobrevivência, muito mais do que os projetos partidários. Não são as contas do Palácio do Planalto nem dos donos dos partidos, ainda que controlem os recursos financeiros das legendas. É como naquela fábula já citada algumas vezes: “Não se convida os perus para participar da ceia de Natal, eles sabem que vão morrer”.

Talvez seja essa a explicação da resiliência das eleições proporcionais e das dificuldades para acabar com as coligações partidárias nas eleições para o Legislativo, aprovadas na noite de quarta-feira. Ontem, mais uma decisão importante foi tomada: a criação das federações partidárias. Nesse desfecho, um personagem muito importante foi o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que manobrou nas votações para impedir a aprovação do Distritão, que seria uma solução radical para salvar os mandatos da maioria dos atuais deputados. A moeda de troca foi a volta das coligações proporcionais, que haviam sido proibidas na reforma eleitoral passada, apesar de terem sido testadas nas eleições municipais de 2020.

Às vésperas do ano eleitoral, a maioria dos deputados voltou do recesso legislativo convicta de que não conseguiria votos de legenda suficientes para se reeleger, mesmo estando entre os mais votados e com o balaio cheio de emendas parlamentares. A expressão “Mateus, primeiro os teus”, de origem bíblica, parece ter mobilizado Lira. A pressão de sua base para
derrubar a proibição das coligações foi irresistível. Usada como derivação popular, por causa da rima, a expressão faz todo o sentido. Cobrador de impostos em Cafarnaum,
na Judeia, pelo fato de ser judeu e servir aos romanos, Mateus sofria muita hostilidade. O conselho de Jesus ao discípulo teria sido o seguinte: “Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão”. Trocando em miúdos, o presidente da Câmara sabe que precisa liderar a Casa. A maioria de seus aliados está em risco eleitoral.

A saída foi aprovar a federação de partidos, para facilitar a montagem das chapas de candidatos a deputados federais. Aprovado por 304 votos a 119, o projeto de lei agora vai à sanção. Permite a duas ou mais legendas se unirem em uma fe- deração partidária e atuarem de maneira uniforme em todo o país. O texto já tem aval do Senado e segue para o presidente Jair Bolsonaro. Se não houver vetos, a federação de partidos permitirá a união de siglas com afinidade ideológica e programática, sem que seja necessário fundir os diretórios. A regra deve ajudar partidos menores a alcançar a chamada “cláusula de barreira”, criada para extinguir legendas que não tenham um desempenho mínimo a cada eleição.

Montagem de chapas
Com isso, a cláusula de barreira seria calculada para a federação como um todo, e não para cada partido individualmente. Entretanto, uma vez constituída a federação, os partidos a ela filiados deverão permanecer juntos por pelo menos quatro anos. Após registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a federação atuará como se fosse uma única agremiação partidá- ria. Ou seja: seguirá as mesmas regras que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária; os partidos terão a identidade e a autonomia preservados; e a aliança terá abran- gência nacional.

A ideia de acabar com as coligações partidárias, mantendo a cláusula de barreira, para reduzir o número de partidos, tem amplo apoio na opinião pública e nos meios acadêmicos, mas esbarra na realidade eleitoral dos estados, nos quais houve ampla fragmentação nas eleições municipais. Os grandes partidos, com muitos recursos, e os governadores, principalmente, passariam a dar todas as cartas na montagem das chapas. A realidade eleitoral nos estados, porém, foi mais forte. Está sendo difícil montar as chapas completas, devido à necessidade de grande número de candidatos, mesmo nos grandes partidos. A vantagem estratégica daqueles que já tem mandato, devido aos recursos do fundo eleitoral e às emendas parlamentares, espanta os candidatos competitivos, que não querem disputar uma eleição sem paridade de meios. Veio daí a rebelião dos perus. Ninguém quer morrer de véspera já tendo mandato.

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Barros vira o símbolo político do crime como liberdade de expressão

Ao acusar CPI de afastar as vacinas, líder do governo na Câmara se torna o símbolo de um notável momento de delinquência política e intelectual

Reinaldo de Azevedo / Folha de S. Paulo

Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, é um exemplo bastante eloquente —até porque muito bem-sucedido na sua profissão— da pistolagem intelectual e política que chegou ao poder em 2019. Ele não fazia parte do grupo original, é verdade. Estava como aqueles crocodilos do Nilo que ficam nas águas rasas do rio Mara, no Quênia, à espera da passagem dos gnus. Em algum momento, a manada serviria de repasto. E lá estavam ele e outros de sua espécie com a bocarra pronta.

A afirmação que tal senhor fez em depoimento à CPI —segundo ele, a comissão afastou do Brasil empresas dispostas a vender vacinas ao país— é mais do que uma provocação barata. Trata-se de uma mentira filo-homicida. E não tenham dúvida de que ele apelará ao que entende ser “liberdade de expressão” para mentir ainda mais e para tripudiar sobre quase 600 mil cadáveres. “Oh liberdade de expressão! Quantos crimes se cometem em teu nome!”

Atenho-me um tantinho a esse particular. É a moda do momento. Essa mesma escória passou a defender com entusiasmo, por exemplo, o fim da Lei de Segurança Nacional —enterrada, sim, pelo Congresso, mas não como pretendiam os falsos arautos da liberdade. Em seu lugar, veio a correta Lei de Defesa do Estado Democrático. Eles não queriam nada. Apostavam no vazio legal. Bolsonaro promete atendê-los por meio dos vetos, que têm de ser derrubados.

Afinal, em seu país paralelo, em seu mundo paralelo, em sua realidade paralela, cada um prega o que lhe dá na telha —muito especialmente a destruição das garantias democráticas—, e as pessoas que se virem com, literalmente, as armas que têm. E quem não as tem? Ah, é nesse ponto que está a graça do jogo. As desigualdades, inclusive as ditadas por escolhas políticas e ideológicas, devem ser naturalizadas. Um dos papéis dos gnus é alimentar os crocodilos. A grandeza está na destruição. É ela que traz o progresso. “A guerra é a higiene do mundo”. Ou teremos um país de maricas, de fracos, de efeminados.

E quem não compartilha de seus mesmos preconceitos estaria a exercitar um exclusivismo moral hipócrita, insincero. Só se pode ser autêntico compartilhando de seus achismos. Caramba! Que graça tem a liberdade de expressão sem poder humilhar os que já são fracos? Não sou dono do pensamento liberal e, portanto, não serei eu a indicar os usurpadores. Mas os justificadores da razia em curso poderiam ao menos nos fornecer a bibliografia do pensamento liberal na qual buscam se escorar para justificar os crimes em curso na saúde, no meio ambiente, na educação, na segurança pública...

É esse ambiente de vale-tudo que leva um patriota com a biografia —muito especialmente a imobiliária— de Barros a ousar meter o dedo no nariz da CPI, acusando-a daquilo que fez o governo que ele representa na Câmara: uma gestão negacionista e homicida, que ousou combater a Covid-19 com incentivo a aglomerações, repúdio a máscaras, hidroxicloroquina, ivermectina, Precisa, Davati, Dominghettis, Mayras, Helcios com h, Elcios sem h e outros coronéis e aberrações. E, ora vejam!, se não tomamos cuidado, lá estamos nós a debater “pluralidade e diversidade” com prosélitos de uma escória abertamente golpista.

O charlatanismo no Brasil não se limita àqueles que defenderam tratamento precoce e remédios comprovadamente ineficazes contra a Covid-19. Há também os charlatões do pensamento. Encerro com outro assunto, não menos relevante.

Que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tenha a coragem e o bom senso de mandar para a gaveta os desatinos que estão saindo da Câmara sob o título de reforma eleitoral, seja a PEC esquizofrênica relatada por Renata Abreu (Podemos-SP), seja o projeto de lei sob os cuidados de Margarete Coelho (PP-PI), com seus 972 artigos que ninguém conhece, o que corresponde a quase três Constituições, incluindo as disposições transitórias.

Arthur Lira (PP-AL) resolveu, ele também, brincar de “o Bolsonero” da Câmara. O imperador do trocadilho nem estava em Roma quando houve o incêndio. Mas consta que obrigava os presentes a ouvir a sua lira delirante. Os senadores não são seus súditos.

Fonte: Folha de S. Paulo


Alon Feuerwerker: À espera do desempate

Alon Feuerwerker / Veja / Análise Política

O nó da conjuntura está na fraqueza das forças. Nem a oposição a Jair Bolsonaro tem até agora músculos para remover o presidente ou tirá-lo do segundo turno, nem ele parece reunir reservas no momento para transmitir a seus potenciais apoiadores a segurança de que irá derrotar Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Daí o cenário ser, como descreve a literatura política, um “empate catastrófico”, equilíbrio crônico de forças (ou fraquezas) que produz degradação progressiva. Uma evidência pode ser vista nas reformas eleitoral e tributária.

Na teoria, o palco para o desempate será a eleição. Bolsonaro luta para manter coeso o núcleo ideológico da sua base, com as bandeiras já bem conhecidas. É seu passaporte para o segundo turno. Mas o movimento principal é buscar recursos orçamentários que turbinem programas sociais. Nem que tenha de aumentar impostos. O candidato Jair Bolsonaro era crítico de aumentar impostos e de as pessoas dependerem de governos. Mas na hora do aperto cresce a tentação de engatar o vagão das ideias na locomotiva das necessidades.

No ano passado, o pagamento do auxílio emergencial de seiscentos reais coincidiu com uma melhora na avaliação do presidente. Agora, a retomada daquele suporte financeiro, mas com menos da metade do valor e para menos gente, não parece estar ajudando a atenuar a dificuldade política. É possível que o novo Bolsa Família mude isso, mas será preciso esperar para ver. Até porque a inflação anda turbinada, especialmente nas compras do povão.

E inflação incomodando em ano eleitoral nunca é boa notícia para quem está no poder e quer continuar.

Se o esforço na área social funcionar, será a deixa para alguma distensão na política. Se o atalho for insuficiente, é provável mais turbulência lá na frente. Está bastante enganado quem acha que a derrota da PEC do voto impresso/auditável encerra a disputa sobre a urna eletrônica.

Uma tendência da conjuntura é o azeitado rolo compressor governista na Câmara acabar transferindo as fagulhas da crise para o Senado. Onde a articulação palaciana é bem menos consistente, como mostra a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19.

Em meio à agitação desencadeada com a mobilização pelo voto impresso, o debate sobre novos programas sociais e os frequentes arreganhos do Executivo são temas que ajudam a reduzir o impacto comunicacional da CPI, cuja hora da verdade está chegando. Aguarda-se o relatório para ver se a comissão tem mesmo garrafas para entregar. Ou se vai fazer barulho mas alcançar apenas bagrinhos. Ou ex-bagrinhos.

A incógnita-chave do momento é o que poderia mudar o ânimo popular o suficiente para inverter a tendência das pesquisas. No mundo objetivo, o presidente e o governo têm os instrumentos para tomar providências financeiras que caiam no gosto da massa. No subjetivo, o Planalto ainda tateia por onde resolver a encrenca que criou para si mesmo na pandemia. Pois em épocas de grandes ameaças e riscos, as pessoas costumam preferir os resolvedores de problemas aos que têm mais vocação para criar.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

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Publicado na revista Veja de 18 de agosto de 2021, edição nº 2.751

Fonte: Revista Veja / Blog Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/a-espera-do-desempate.html