Eleições
Luiz Carlos Azedo: A desagregação do centro para uma terceira via
É cada vez mais difícil o surgimento da chamada terceira via, uma candidatura que unifique o centro político
Todas as pesquisas confirmam o cenário de polarização para as eleições presidenciais de 2022, entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), favorito na disputa, em torno de 40% de intenções de votos, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), cuja reeleição está cada vez mais difícil, com teto nos 30% dos votos. O governador de São Paulo, João Doria, não sai da faixa dos 3% de intenções de votos, como candidato do PSDB. Se o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, fosse o candidato do PSDB, também não haveria grande modificação.
O candidato de oposição que aparece com melhor pontuação é o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), que se mantém em terceiro lugar, variando de 5% a 11%, dependendo da pesquisa. Entretanto, o pedetista não consegue ampliar suas alianças ao centro. A estagnação nas pesquisas eleitorais dificulta a vida de Doria, na medida em que o gaúcho Eduardo Leite corre na mesma faixa, o que aumenta o isolamento interno do governador paulista nas prévias do PSDB.
É cada vez mais difícil o surgimento da chamada terceira via, uma candidatura que unifique o centro político. A fragmentação é muito grande. No primeiro cenário, com Doria, pontuam, nas pesquisas, José Luiz Datena (PSL), com 4%; Henrique Mandetta (DEM), 3%; Rodrigo Pacheco (DEM), 2%; Aldo Rebelo (sem partido) e Alessandro Vieira (Cidadania), com 1% cada. No segundo cenário, com Leite como candidato do PSDB, Mandetta tem 3%;
Datena, 2%; Pacheco, Aldo e Alessandro, 1%. Esses cenários não podem ser engessados — estamos a um ano das eleições. Entretanto, mostram grande descolamento dos partidos de centro de suas bases eleitorais tradicionais.
A novidade no quadro partidário é a anunciada fusão do DEM com o PSL, partido pelo qual Bolsonaro se elegeu, mas, depois, rompeu. Com a fusão, passarão a se chamar União Brasil, com o número 44, escolhas feitas com base em pesquisas qualitativas. Será o maior partido da Câmara, com 81 deputados, o que garante para a nova legenda R$ 320 milhões de fundo eleitoral e R$ 138 milhões de fundo partidário. A nova legenda tem, ainda, sete senadores, quatro governadores e 554 prefeitos. Entretanto, não consegue alavancar seus pré-candidatos: Mandetta tem apenas 3% de intenção de votos, e Pacheco varia entre 1% e 2%, dependendo da sondagem.
Expectativas
O PSDB vive um momento de grande divisão interna. De certa forma, a disputa entre os tucanos paralisa os demais atores políticos de centro, que aguardam a escolha do candidato da legenda. Quem quer que seja o escolhido, terá dificuldade para unificar o partido. Além disso, os aliados tradicionais também estão se colocando como alternativa, com seus próprios candidatos. O PSDB deixou de ser uma força agregadora do centro. Quem vencer as prévias precisará fazer um grande esforço para reconstruir suas alianças tradicionais.
Outro ator importante na construção de uma alternativa de centro é o PSD, de Gilberto Kassab, que assedia o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Kassab atraiu para a legenda o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que ensaia disputar o governo fluminense, e o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que pretende voltar ao Palácio dos Bandeirantes. Com habilidade, Kassab trabalhou nos últimos anos para reunir 35 deputados, 11 senadores, dois governadores e 654 prefeitos.
Entretanto, o PSD corre o risco de ficar na mesma situação do MDB, que não tem, até agora, um projeto de candidatura própria, embora a senadora Simone Tebet (MS) pleiteie a vaga e o ex-presidente Michel Temer tenha voltado à ribalta. O MDB tem 16 senadores, 34 deputados, três governadores e 784 prefeitos. Tanto o PSD quanto o MDB podem derivar para a candidatura de Lula, o que aumentaria as suas chances de vencer no primeiro turno. O petista anda trabalhando nos bastidores para montar seus palanques regionais e não desistiu de suas velhas alianças, inclusive com o Centrão.
Cristiano Romero: A mais difícil e a mais urgente das reformas
Todos querem mudança tributária há trinta anos
Cristiano Romero / valor Econômico
Os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não sepultaram a possibilidade de aprovação da reforma tributária nesta legislatura, mas inovaram ao indicar que o tema, por bem ou por mal, será apreciado até dezembro. Como ocorreu nos últimos 30 anos, a reforma institucional mais demandada pelos agentes econômicos _ inclusive, os contribuintes pessoas físicas _ pode não sair do papel. E a razão é uma só: é impossível conciliar todos os interesses envolvidos nesse tema.
Razões para justificar mudanças no regime tributário brasileiro não faltam. O sistema taxa mais o consumo do que a renda, na contramão das economias avançadas. No 8º país que mais concentra renda no planeta, onde existem mais de 50 milhões de pessoas miseráveis (dependentes de programas de transferência de renda para sobreviver) e a maioria da população é pobre, essa regra ajuda a perpetuar uma de nossas maiores chagas.
Trata-se de uma “brasileirice” sem tamanho, típica de uma sociedade dilacerada pela cultura escravagista por mais de 500 anos: neste imenso pedaço de terra abençoado, mas esquecido por Deus, os pobres pagam mais imposto que os ricos. E isso ocorre porque, por razões óbvias, essa parcela da população consome mais, isto é, despende fatia maior de sua renda com bens de consumo e, quando a maré permite, serviços.
Incidem sobre o consumo três tributos _ o ICMS (estadual) e dois federais (PIS e Cofins) _, todos sobre a mesma base de cálculo, o faturamento das empresas que vendem os produtos. As alíquotas do ICMS são as mais elevadas. No caso de serviços como telefonia e energia, superam o patamar de 40%! Não nos esqueçamos do IPI, imposto que incide sobre a produção de bens industriais.
As “brasileirices” (sinônimo de jabuticaba) que condenam este país a não ser nação não param por aí. Neste território riquíssimo em recursos naturais onde vive um dos maiores contingentes de cidadãos pobres do mundo, indivíduos de classe média e os ricos podem deduzir, da base de cálculo do Imposto de Renda, tudo _ isso mesmo, tudo _ o que gastam em hospitais particulares e planos de saúde, inclusive, no exterior.
PRESIDENTES DA CÂMARA E DO SENADO
O raciocínio por trás dessa maldade é o seguinte: como a Constituição de 1988 assegura, a todos os viventes nesta extensão de terra no hemisfério sul da Terra, acesso universal a serviços públicos de saúde, é razoável que os transeuntes tenham o direito de requerer dedução das despesas que tiverem com serviços particulares de saúde. O cinismo _ uma “brasileirice” da qual ninguém fala, do mesmo quilate das férias de dois meses de juízes e procuradores _ chega ao paroxismo quando os defensores da vilania alegam que “a dedução é um direito, uma vez que o sistema de saúde estatal ainda não consegue atender a toda a demanda.
Se alguém tem alguma dúvida de por que o país a que chamamos de Brasil não dá certo, não precisa ir muito longe. Como os pobres não têm dinheiro para serem atendidos em hospitais particulares, eles não têm direito a deduzir nada da base de cálculo do Imposto de Renda. Os cínicos, neste momento da tertúlia, rompem qualquer fronteira do bom senso civilizacional: “Ora, pobres não pagam Imposto de Renda, logo, eles não precisam deduzir os gastos com saúde”.
Era só o que faltava: o sonho dos pobres no Brasil, agora, é pagar Imposto de Renda! Na verdade, eles já pagam, pois, já é obrigado a isso quem percebe pouco mais de R$ 2 mil por mês. Em termos menos edulcorados, o que esse sistema injusto e concentrador de renda faz é tirar bilhões de reais que deveriam financiar a saúde pública, que segundo a Carta Magna é para todos, inclusive, estrangeiros que estejam de passagem pelo país, e transferi-los para hospitais particulares e grandes empresas de planos de saúde.
Mesmo tendo consciência de que o Sistema Único de Saúde (SUS) pode ter uma gestão melhor, deveríamos considerar nas duras críticas que fazemos ao serviço público o fato de que o próprio Estado abre mão de bilhões de reais para beneficiar meia dúzia de grupos de interesse específico.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os americanos perceberam-se mais importantes do que achavam antes do conflito. Essa constatação mudou tudo. Logo, viram que, para sua economia crescer na velocidade desejada, eles precisavam de uma matéria-prima _ petróleo (energia) _ que eles possuíam, mas não na quantidade necessária.
Ora, o jeito foi sair pelo mundo em busca de fornecedores “confiáveis”_ um dos principais, a Venezuela, que, até o início deste século, fornecia 20% do petróleo consumido pelos Estados Unidos. A fome americana por óleo era tanta que moldou a geopolítica mundial a partir dali. Internamente, a decisão foi desonerar o preço do combustível consumido por empresas e famílias americanas, afinal, o país precisava crescer. Taxar excessivamente a gasolina para financiar o Estado, como fizeram outros grandes produtores de petróleo (México, Venezuela, Nigéria, Arábia Saudita), seria contraproducente: aumentaria a presença do governo na atividade econômica, tornando-o ineficiente por definição; estimularia a corrupção; desestimularia o desenvolvimento de outros setores; por fim, diminuiria a produtividade, uma vez que não haveria, de forma geral, incentivos para o desenvolvimento de uma economia dinâmica.
Quando achou que tinha chegado a sua hora de reluzir na economia mundial, depois de se deitar em berço esplêndido por quatro séculos e meio, a Ilha de Vera Cruz também não tinha petróleo suficiente. Mas, o que se viu desde então foi a taxação sempre elevada dos combustíveis. Como facilitar o crescimento da atividade?
Em entrevista à Maria Fernanda Delmas, diretora de redação do Valor, Lira e Pacheco expuseram o drama infindável da reforma que não se realiza. “É óbvio que a reforma tributária guarda uma série de divergências. É sem dúvida a proposta com maior dificuldade de conciliação, de entendimento do que é bom para o país”, disse Pacheco.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/brasil/coluna/a-mais-dificil-e-a-mais-urgente-das-reformas.ghtml
Luiz Carlos Azedo: O espetáculo na pandemia
Líderes da CPI precisam levar em conta as mudanças de cenário e não perder o foco e evitar um carnaval midiático
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Ninguém tem dúvida de que a CPI da Covid no Senado tornou-se o epicentro da disputa política entre governo e oposição na conjuntura marcada pelo novo coronavírus. Entretanto, a pandemia está sendo domada, na medida em que a vacinação avança, enquanto o desemprego e a alta da inflação, dos juros e da cotação do dólar começam a ser os fatores de maior repercussão na vida da população. Ou seja, a urgência política está mudando e a comissão começa a perder o protagonismo que tinha, apesar de o elevado número de óbitos por covid-19 ter se tornado um trauma que enluta mais de 600 mil famílias. É muita gente.
O depoimento do empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, ontem, na CPI, ilustra a nova situação, na sequência das espantosas revelações da advogada Bruna Morato, na terça-feira, cujo relato da rotina de ameaças a médicos da operadora de saúde Prevent Senior durante a pandemia foi estarrecedor. Enquanto Morato denunciou a falta de autonomia dos profissionais, a exigência da prescrição de remédios ineficazes e o envolvimento da empresa em um “pacto” com o chamado “gabinete paralelo” do Palácio do Planalto, Hang fez de seu depoimento um case de marketing político e comercial ao confrontar a CPI, porque sustentou as posições negacionistas de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, e ainda aproveitou para fazer propaganda de sua cadeia de lojas de departamentos.
Segundo o relator da CPI, senador Renan Calheiros(MDB-AL), Hang orientava o presidente sobre condutas para o enfrentamento da pandemia e fazia parte do chamado “gabinete paralelo”, supostamente o estado-maior da política de enfrentamento da pandemia executada pelo Ministério da Saúde na gestão do general Eduardo Pazuello. A grande contradição de seu depoimento foi o fato de não ter questionado o atestado de óbito de sua mãe, que morreu de covid-19, quando estava sob os cuidados da Prevent Sênior — a informação não consta como causa mortis no documento. O empresário admitiu que autorizou a utilização do chamado kit covid durante o tratamento, porém atribuiu a subnotificação a um erro do plantonista e não à intenção de omitir o fato da opinião pública.
Outras prioridades
Mais importante do que o conteúdo do depoimento, porém, foi o circo armado pelo “velho da Havan” e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) na própria CPI, cuja sessão foi das mais tumultuadas. Hang foi evasivo e driblou perguntas feitas pelos senadores sobre a operadora de saúde Prevent Senior, o que irritou o presidente da comissão, senador Omar Azis (PSD- AM), e o chamado grupo dos sete, formado por senadores de oposição e independentes. A maior utilidade do depoimento foi revelar que a atuação de empresários bolsonaristas na pandemia, a estratégia adotada pela Prevent Sênior e a política de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde estavam em linha com o propósito de Bolsonaro de manter a economia funcionando a qualquer custo, mesmo que o preço a pagar fosse o alto número de óbitos, como acabou acontecendo.
A chamada “sociedade do espetáculo” é considerada uma forma perversa de ser da sociedade de consumo. Trata-se da multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum. É um fenômeno contemporâneo, que vem sendo estudado há mais de 50 anos, cuja característica principal é a transformação das relações entre as pessoas em imagens e espetáculo, como acontece nas redes sociais. Não existe mais um limite entre a realidade e o espetáculo.
É aí que os líderes da CPI precisam levar em conta as mudanças de cenário e tomar cuidado para não perderem o foco. O objetivo da comissão não é promover um carnaval midiático, no qual os critérios de verdade e validade acabam diluídos pela retórica do conflito político, como aconteceu na sessão de ontem. Talvez seja a hora de os integrantes da CPI priorizarem a elaboração de um relatório robusto, no qual os responsáveis pela tragédia humanitária em que se converteu a pandemia sejam apontados com rigor, bem como os crimes cometidos, devidamente tipificados e comprovados. Ou seja, é preciso partir para os “finalmentes”.
Mathias Alencastro: Três lições da Alemanha
Sucessão de Merkel mostra caminhos para democracias liberais acometidas pela ascensão da extrema direita
Mathias Alencastro / Folha de S. Paulo
Terminou a campanha eleitoral na Alemanha e, pela primeira vez, o partido que sair na frente terá de encontrar pelo menos dois outros aliados para formar o governo. O processo de formação de um novo governo deve se prolongar por alguns meses, mas um cenário de impasse a longo prazo, como nas vizinhas Holanda e Bélgica, parece descartado.
A popularidade de Olaf Scholz, apontado em todas as sondagens como o mais preparado para assumir o cargo, assim como o desejo de alternância depois de 16 anos de governo CDU, confere um ascendente à SPD nas negociações com potenciais aliados. O resultado do pleito também traz ensinamentos para todas as democracias liberais acometidas pela ascensão da extrema direita.
A primeira é a resiliência da centro-esquerda. A SPD defendeu o programa mais progressista das últimas décadas, mas apresentou um candidato sóbrio e pragmático, que foi vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças nos últimos anos.
A pandemia, que muitos esperavam ser um prato cheio para os populistas, acabou reforçando as credenciais dos candidatos versados na administração do Estado. Dada como morta depois da debacle do Partido Socialista francês em 2017, a centro-esquerda está voltando a contar na Europa, com governos da Península Ibérica à Escandinávia, passando agora, provavelmente, pela Alemanha.
A segunda é a dificuldade da direita tradicional diante da emergência da extrema direita. A toda-poderosa CDU não conseguiu recuperar o eleitorado perdido para a AfD, que se manteve acima dos 10% e consolidou sua presença em nível regional. Exceção feita ao Reino Unido, onde Boris Johnson conseguiu federar as direitas em torno do brexit, o campo conservador parece irremediavelmente dividido nas democracias liberais.
Muito se fala do drama da renovação da esquerda, mas a origem da crise de governabilidade europeia tem sua origem no outro lado do espectro ideológico.
A terceira dinâmica é a emergência da crise climática como tema de campanha. De acordo com todos os cenários, os Verdes devem se afirmar como a terceira maior força política e regressar ao governo, depois da experiência bem-sucedida dos anos 1998-2005 liderada pelo lendário Joschka Fischer, àquela altura ministro das Relações Exteriores.
Vencedor destacado na população abaixo de 50 anos, o partido está bem posicionado para encabeçar o governo nos próximos dez anos.
Para o Brasil especificamente, o surgimento da SPD e dos Verdes deve reforçar o ativismo internacional nas questões democráticas e ambientais da Alemanha, sempre muito contida nos tempos de Merkel.
Martin Schultz, um dos principais quadros da SPD e forte candidato a assumir uma pasta ministerial em uma eventual coalizão liderada pelo partido, foi até Curitiba para encontrar o ex-presidente Lula na cadeia. Quanto aos delinquentes neonazistas que Bolsonaro recebeu no Alvorada, eles continuarão sendo irrelevantes no futuro Parlamento.
Esses pequenos sinais também devem ser levados em conta na hora de especular sobre a reação da comunidade internacional em caso de contestação do resultado das presidenciais brasileiras em 2022.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mathias-alencastro/2021/09/tres-licoes-tiradas-da-eleicao-da-alemanha.shtml
Luiz Carlos Azedo: Lira passa o trator nos servidores
Deputados do Centrão dominam a Câmara e não estão preocupados com a opinião pública, porque suas bases eleitorais são fidelizadas graças às verbas do Orçamento
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O texto base da reforma administrativa, aprovada pela comissão especial da Câmara, ontem, desagrada tanto aos setores liberais que defendem a modernização do Estado brasileiro quanto aos seus opositores de esquerda, porque não tem coerência e mantém privilégios. Para os especialistas, também desconstrói pilares importantes da meritocracia, princípio que deve nortear o serviço público. O texto foi resultado de negociações de bastidor conduzidas pelo relator, deputado Arthur Maia (DEM-BA), com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tratorou os servidores e a oposição.
Desde setembro do ano passado, a reforma administrativa estava encalhada na Câmara. Seu objetivo é alterar as regras para os futuros servidores dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, estados e municípios. Ainda há muitos destaques a serem votados na própria comissão. Somente após a conclusão dessas votações, a proposta será encaminhada ao plenário, onde precisará ter pelo menos 308 votos a favor, em dois turnos de votações.
A oposição havia obstruído a votação na quarta-feira, mas, ontem, pela manhã, o presidente da Câmara trabalhou pessoalmente para garantir o quórum, cobrando lealdade de seus aliados. Mais uma vez, a proposta deixa de fora o Judiciário e o Ministério Público. Entre as medidas aprovadas estão a terceirização de atividades do governo cessão de dependências públicas e servidores para empresas concessionárias; ampliação do prazo de contratação de não-concursados para 10 anos; transformação de oficiais de Justiça em carreira de Estado; a aposentadoria integral e pensão por morte em serviço para policiais legislativos, distritais, rodoviários federais e ferroviários federais e agentes penitenciários e socioeducativos; redução de jornada e salário de servidores em até 25%.
Passam a ser consideradas carreiras exclusivas de Estado, nas quais é proibida a contratação temporária, aquelas ligadas à manutenção da ordem tributária e financeira, à regulação, à fiscalização, à gestão governamental, à elaboração orçamentária, à inteligência de Estado, ao controle, à advocacia pública, à defensoria pública, bem como à atuação institucional do Ministério Público e dos Poderes Legislativo e Judiciário. As mudanças valem apenas para os novos servidores, para os quais não haverá férias superiores a 30 dias por ano; progressão automática e adicionais por tempo de serviço; aumentos ou indenizações com efeitos retroativos; aposentadoria compulsória como forma de punição. Houve forte reação das associações de servidores, que já pressionam os parlamentares para evitar que o texto seja aprovado como está em plenário.
Péssima imagem
O modus operandi da Câmara tem desgastado o Congresso. Pesquisa do Datafolha, divulgada ontem, mostra que a imagem do Legislativo está mais negativa: para 44% dos brasileiros, o trabalho de deputados federais e senadores é ruim ou péssimo. Realizada entre 13 a 15 de setembro, a pesquisa ouviu 3.667 pessoas com mais de 16 anos em 190 cidades. Em julho, desaprovavam os congressistas 38%. Naquela rodada, somente 14% achavam o trabalho no Congresso bom ou ótimo, índice que oscilou negativamente para 13%. Consideram o trabalho regular 40%, ante 43% há dois meses. Não souberam opinar 3%.
Há outras insatisfações com o Congresso. O Datafolha mostrou que 56% dos brasileiros desejam a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro, ato que é privativo do presidente da Câmara. A reprovação ao trabalho parlamentar é maior entre aqueles mais instruídos (53% para quem tem curso superior) e mais ricos (57% entre os que ganham mais de 10 salários mínimos). O trabalho é mais bem avaliado, porém, por aqueles que aprovam o governo Bolsonaro (22% da amostra total, ante 24% de regular e 53%, de ruim ou péssimo): 23% de ótimo e bom. No seu melhor momento, a atual legislatura tinha 22% de aprovação, 41% de avaliação regular e 32% de reprovação.
Os deputados do Centrão dominam a Câmara e não estão muito preocupados com as pesquisas, porque suas bases eleitorais são fidelizadas graças às verbas do Orçamento da União, por meio de emendas parlamentares que garantem o apoio de prefeitos das cidades onde têm bases eleitorais. Essas verbas, porém, hoje, são controladas por Arthur Lira, que consegue aprovar o que quer quando cobra lealdade de seus aliados, mesmo contra o posicionamento dos respectivos partidos.
Luiz Carlos Azedo: Muito barulho por nada
A reprovação ao governo Bolsonaro oscilou dois pontos para baixo em relação ao levantamento de julho: 53% consideram o governo ruim ou péssimo”
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Graças às redes sociais, a participação da sociedade na política se ampliou muito, com certas características da forma como as pessoas se articulam na internet, ou seja, as chamadas de “tribos” — quando se agrupam por interesses permanentes — ou “bolhas”, no caso das correntes de opinião política encapsuladas em grupos de pressão. Tanto as mudanças econômicas, financeiras e tecnológicas aceleradas pela globalização, como a revolução nos costumes, por exemplo, são fatores de maior diversidade social e pluralismo político.
A expressão “maioria silenciosa” se refere às pessoas politicamente acomodadas que, de um modo geral, têm posições conservadoras, mas não manifestam opinião publicamente. Esse conceito surgiu nos Estados Unidos, como muitos outros, durante o governo de Richard Nixon, quando, em 1969, ele pediu à população americana mais apoio ao envio de tropas para lutar no Vietnã. Havia, com razão, muita resistência à intervenção norte-americana no Sudeste Asiático, mas Nixon conseguiu o apoio da maioria da sociedade. Desde então, conquistar o apoio dessa parcela da sociedade passou a ser uma das principais preocupações dos políticos.
A eleição de Donald Trump foi um momento de mudança na relação dos políticos com essa “maioria silenciosa”, que deixou de sofrer a influência predominante dos grandes meios de comunicação para ser pautada por minorias ativas nas redes sociais, em parte formada por setores que, até então, não tinham como se expressar nos movimentos civis e sociais. Tais grupos são muito barulhentos e conseguem pautar as políticas públicas, e até os meios de comunicação. Esse fenômeno voltou a ocorrer, com sinal trocado, na campanha que levou o democrata Joe Biden à vitória.
Um marco dessa mudança foi o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que hoje tem caráter internacional, mas surgiu na comunidade negra dos EUA, que luta contra a violência racista. Emergiu em 2013, com o uso da hashtag #BlackLivesMatter em redes sociais, após a absolvição de George Zimmerman, que atirou fatalmente no adolescente negro Trayvon Martin. O movimento ficou conhecido por suas manifestações de rua após a morte, em 2014, de dois afroamericanos. Em maio de 2020, o movimento ganhou repercussão mundial com a morte de George Floyd, durante uma ação policial em Minneapolis. Milhares de pessoas foram às ruas protestar a favor da vida das pessoas negras no mundo todo. Foi então que Trump começou a perder as eleições.
Pesquisa
Como estamos na esfera de influência do chamado americanismo, esse fenômeno também ocorre no Brasil, obviamente com características próprias, entre as quais o peso da questão ética no posicionamento da sociedade em relação à política. Em grande parte, a vitória do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, foi uma deriva da eleição de Trump e da forte rejeição provocada pela Operação Lava-Jato à política tradicional e ao envolvimento dos grandes partidos em escândalos de corrupção. Agora, as pesquisas estão mostrando um movimento em sentido inverso, em decorrência do desempenho do governo Bolsonaro em diversas áreas: crise sanitária, alta inflacionária, crise hídrica, ameaças à democracia etc.
A pesquisa DataFolha divulgada ontem é uma comprovação disso. A reprovação ao governo Bolsonaro oscilou dois pontos percentuais em relação ao levantamento feito em julho: 53% consideram o governo ruim ou péssimo, o pior índice do mandato — na última pesquisa, eram 51%. O percentual dos que consideram o governo bom ou ótimo caiu de 24% para 22%, enquanto a parcela que o considera reguar manteve-se em 24%. A pesquisa ouviu 3.667 pessoas com mais de 16 anos, dos dias 13 a 15 de setembro, em 190 municípios brasileiros. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.
O mais importante é que o levantamento foi feito após as manifestações do 7 de Setembro, convocadas por Bolsonaro, que foram muito maiores do que as de oposição moderada, realizadas no dia 12 passado. A alta de preços da gasolina, do gás e dos alimentos, e a existência de 14,4 milhões de desempregados pesaram na balança da pesquisa, inclusive na classe média e entre os evangélicos, onde o presidente da República perdeu muito apoio. Em resumo, a chamada “maioria silenciosa” mudou de lado.
CPI ouve Marconny Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos
A CPI da Pandemia se reúne para ouvir o depoimento do advogado Marconny Nunes Ribeiro Albernaz de Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos. Ele terá de explicar a troca de mensagens no aplicativo WhatsApp e arquivos de mídia vinculados aos diálogos, fruto da Operação Hospedeiro. A justiça atendeu o pedido, feito pela comissão, de mandado de condução coercitiva, se Marconny não comparecer, nem justificar “a ausência ao ato de inquirição designado”.
Assista:
Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/ao-vivo/cpi-da-pandemia
'Presidente já esperava', diz Mourão sobre devolução da MP do Marco Civil
Presidente do Senado oficializou devolução da medida que limitava a possibilidade de remoção de conteúdo nas redes sociais
Ingrid Soares / Correio Braziliense
O vice- presidente Hamilton Mourão (PRTB) afirmou nesta quarta-feira (15/9) que o presidente Jair Bolsonaro já esperava que a Medida Provisória que alterava o Marco Civil da Internet fosse devolvida. "Presidente já esperava isso aí. Então, sem problemas”, alegou a jornalistas na chegada ao Palácio do Planalto.
"Pelo que eu avaliei, não vi o presidente tão empenhado nisso aí. Não sei quais foram os movimentos que foram feitos, quais foram as mensagens trocadas. Não posso esclarecer isso aí pra vocês, tá?", completou.
Na noite de terça-feira (14), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), oficializou a devolução da medida que limitava a possibilidade de remoção de conteúdo nas redes sociais. A decisão foi comunicada ao Palácio do Planalto e lida por Pacheco no plenário do Senado.
Na decisão, Pacheco afirmou que a MP gera insegurança jurídica e configura um "abalo" ao desempenho das funções do Congresso. O presidente do Senado citou a tramitação de um projeto de lei sobre o tema aprovado no Senado e aguardando votação na Câmara. O senador também citou que a MP de Bolsonaro impacta diretamente no processo eleitoral.
Ainda ontem, durante cerimônia no Palácio do Planalto, Bolsonaro defendeu a MP e afirmou que "fake news faz parte da nossa vida". Ele ainda comparou a prática de disparo de notícias enganosas a 'mentir para a namorada'. Ao contrário do fenômeno de alto compartilhamento de notícias falsas, presidente alegou que "hoje em dia, fake news morre por si só. Não vai para a frente".
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4949607-presidente-ja-esperava-diz-mourao-sobre-devolucao-da-mp-do-marco-civil.html
Elena Landau: ‘Queremos achar convergência política diante do descalabro’
Ex-diretora do BNDES defende alternativa à polarização e diz que empresários ‘caíram no conto’ de Paulo Guedes
Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo
Uma das integrantes da linha de frente do grupo 'Derrubando Muros', a economista e colunista do Estadão Elena Landau comandou nesta terça-feira, 14, um seminário sobre reforma do Estado do qual também participaram ou participarão outros expoentes de sua geração da PUC-Rio: Armínio Fraga, Pérsio Arida e André Lara Resende (o evento continua nesta quarta-feira). Autointitulado uma "iniciativa cívica", o movimento tem 92 integrantes, entre empresários, banqueiros, políticos, economistas e intelectuais de várias áreas. O objetivo é buscar pontos de convergência e criar pontes em torno de um objetivo comum: combater o presidente Jair Bolsonaro.
Elena Landau ganhou notoriedade nos anos 1990, por colaborar com o Programa Nacional de Desestatização. Em 1994, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ela se tornou diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Ali permaneceu até 1996. Também passou pelo conselho administrativo da Eletrobrás.Nessa entrevista ao Estadão, a economista fala sobre os pontos que podem unir a terceira via. Ela critica duramente o ministro da Economia, Paulo Guedes, que considera “sem noção de realidade”.
Quais propostas econômicas unem a terceira via que vai de Ciro Gomes a João Amoêdo?
O Estado que a gente pensa é progressista, liberal, inclusivo e sustentável. Isso é fácil de a gente discutir. O grande problema é chegarmos a uma convergência sobre os meios de chegar lá. Esse é o desafio do seminário: um mínimo de convergência, não só na economia, mas na política também. A minha visão de Estado vai ser diferente da do Ciro, evidentemente. Um é mais intervencionista, eu sou mais liberal. Temos que achar algum tom de convergência. A ideia (de criar o grupo 'Derrubando Muros') é mais política e institucional diante desse descalabro que estamos vivendo.
É possível encontrar pontos de convergência na economia com o PT e estar ao lado do partido se o adversário for Borsonaro no segundo turno?
É muito cedo para pensar nesse tipo de coisa. O Derrubando Muros é uma tentativa de construir uma terceira via. Não vou antecipar o segundo turno neste momento. A gente está trabalhando, quando chegar a hora vamos decidir o voto.
Como avalia a estratégia de privatizações do governo Bolsonaro? Até onde devem ir as privatizações?
Este governo não está fazendo privatização nenhuma por enquanto. Ele conseguiu autorização do Congresso Nacional para a privatização da Eletrobrás, que saiu muito ruim, e tem outro projeto para os Correios. A minha visão é que se deve privatizar tudo aquilo que o setor privado pode assumir, incluindo os Correios. Sou radicalmente a favor das privatizações, mas o que deve ser um pressuposto de todos no grupo é a responsabilidade fiscal. Prometer responsabilidade fiscal é o mesmo que prometer ser honesto: isso é pressuposto. Sem ele não há responsabilidade social. Não dá para dissociar uma coisa da outra.
Qual deve ser o papel do Estado na recuperação e no crescimento da economia?
O Estado deve permitir que o setor privado floresça. Tem que dar segurança jurídica, uma boa regulação, fiscalização e respeitar os contratos. Uma coisa importante para ser discutida no grupo são evidências em políticas públicas. Sair do desejo e ver o que deu certo e o que deu errado no Brasil. Todas as políticas de grande intervenção geraram inflação e desemprego. Temos que ver também o que deu errado: intervenção em juros e no câmbio não dá certo. O Brasil melhorou com o tripé econômico, a flutuação do câmbio e o Banco Central independente. Essas coisas devem ser defendidas, pois passaram por vários governos, independente da ideologia. Imagine se o Banco Central não fosse independente nesse momento?
Vários empresários, banqueiros e pessoas do mercado financeiro estiveram na Avenida Paulista no domingo na manifestação contra Bolsonaro. A ficha caiu?
Não faço parte do mercado financeiro, mas alguns apoiaram Bolsonaro no passado porque eram anti-PT ou caíram no conto do Paulo Guedes. Não é só a questão econômica que importa. Há uma crise institucional muito grave. A defesa das instituições democráticas é a pauta mais importante do Brasil. Isso está unindo os empresários de consciência. Sem democracia não tem mercado nem economia.
Qual a sua avaliação sobre o desempenho do Paulo Guedes?
É a mesma avaliação de sempre, de 30 anos atrás, 2018 e hoje. Ele é uma pessoa completamente inábil e sem nenhuma noção da realidade. É um economista de palestra. Nada do que está acontecendo me surpreendeu.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,queremos-achar-convergencia-politica-diante-do-descalabro-diz-landau-sobre-terceira-via,70003840305
'Bolsonaro ameaça pilares da democracia', diz Human Rights Watch
Presidente afronta o direito ao voto, viola a liberdade de expressão e o sistema democrático de freios e contrapesos, afirma ONG
"Há um padrão de ações e declarações do presidente que parecem destinadas a enfraquecer os direitos fundamentais, as instituições democráticas e o Estado de Direito no Brasil", afirma HRW
Com suas tentativas de intimidar o Supremo Tribunal Federal (STF), ataques ao sistema eleitoral e violações da liberdade de expressão de críticos, o presidente Jair Bolsonaro ameaça os pilares da democracia brasileira, afirmou a ONG Human Rights Watch (HRW) em texto divulgado nesta quarta-feira (15/09), data em que se comemora o Dia Internacional da Democracia.
Citando como exemplo os recentes discursos de Bolsonaro em atos pró-governo no feriado de 7 de Setembro– em que mais uma vez fez ameaças ao STF e lançou dúvidas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral, sem apresentar provas –, a HRW aponta haver "um padrão de ações e declarações do presidente que parecem destinadas a enfraquecer os direitos fundamentais, as instituições democráticas e o Estado de Direito no Brasil".
José Miguel Vivanco, diretor de Américas da Human Rights Watch, afirma que "o presidente Bolsonaro, um apologista da ditadura militar no Brasil, está cada vez mais hostil ao sistema democrático de freios e contrapesos".
"Ele está usando uma mistura de insultos e ameaças para intimidar a Suprema Corte, responsável por conduzir as investigações sobre sua conduta, e com suas alegações infundadas de fraude eleitoral parece estar preparando as bases para tentar cancelar as eleições do próximo ano ou contestar a decisão da população se ele não for reeleito", diz.
Ataques ao STF
A HRW aponta que o STF se tornou "um dos principais freios das políticas anti-direitos humanos de Bolsonaro" e que o presidente tem respondido com insultos e ameaças.
Novamente citando os discursos de Bolsonaro no 7 de Setembro, quando o presidente voltou a adotar um tom golpista, a ONG chama atenção para as investidas de Bolsonaro contra o Supremo, que recentemente prendeu vários de seus aliados e tem tomado algumas iniciativas para impedir que o governo tumultue as eleições de 2022.
Bolsonaro chegou a mencionar pelo nome o ministro Alexandre de Moraes, seu desafeto na Corte e responsável por inquéritos que afetam bolsonaristas. "Ou esse ministro se enquadra ou ele pede pra sair", afirmou. "Não vamos admitir que pessoas como Alexandre de Moraes continuem a violar nossa democracia."
"O presidente Bolsonaro frequentemente afirma defender a ‘democracia', mas suas declarações levantam dúvidas sobre o que ele entende por democracia", afirma a Human Rights Watch.
Também no 7 de Setembro, Bolsonaro afirmou, em recado direto ao presidente do STF, Luiz Fux, que se ele não "enquadrasse" Moraes, o Judiciário poderia "sofrer aquilo que nós não queremos", sem explicar o que isso significaria, destacou a HRW.
Dois dias depois, Bolsonaro divulgou uma "Declaração à Nação", em tom de recuo tático após a má repercussão de suas falas, que tiveram consequências negativas até mesmo na economia.
"Após inúmeras críticas nacionais e internacionais sobre seus posicionamentos, o presidente Bolsonaro disse em uma declaração escrita que nunca teve a intenção de ‘agredir quaisquer Poderes'. Mas ele não recuou em relação à afirmação infundada de que o sistema eleitoral brasileiro não é confiável, como repetiu em 7 de setembro", diz a HRW.
Ameaças às eleições
Em relação às investidas de Bolsonaro ao sistema eleitoral, a Human Rights Watch cita a decisão de Moraes de incluir, em 4 de agosto, Bolsonaro como investigado no inquérito sobre fake news e atos democráticos que já tramitava na Corte.
A decisão foi tomada em resposta a um pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que o presidente fosse investigado devido ao conteúdo de uma live em que exibiu teorias falsas, cálculos equivocados e vídeos antigos, já verificados e desmentidos, mas que ainda circulam na internet, como supostas evidências de fraude no sistema eleitoral.
A HRW destaca que, ao ser informado da decisão de Moraes, Bolsonaro ameaçou reagir "fora das quatro linhas" da Constituição e, dias depois, encaminhou ao Senado um pedido de impeachment do ministro.
"As ameaças do presidente Bolsonaro de cancelar as eleições e agir fora da Constituição em resposta às investigações contra ele são imprudentes e perigosas", afirma Vivanco. "A comunidade internacional deve mandar uma mensagem clara ao presidente Bolsonaro de que a independência do Judiciário significa que os tribunais não estão sujeitos as suas ordens."
A ONG cita ainda o fato de que o Congresso rejeitou a proposta de voto impresso e que, "ainda assim, em 7 de setembro, o presidente deu a entender que as eleições não podem ser realizadas a menos que as mudanças que ele defende sejam implementadas".
"Essa ameaça é uma afronta ao direito dos brasileiros de eleger seus representantes, o que é protegido pela legislação internacional de direitos humanos", diz a Human Rights Watch.
Violações da liberdade de expressão
A HRW afirma ainda que Bolsonaro tem violado a liberdade de expressão, "vital para uma democracia saudável", ao bloquear seguidores que o criticam nas redes sociais.
Além disso, "seu governo requisitou a instauração de inquéritos criminais contra pelo menos 16 críticos, incluindo jornalistas, professores universitários e políticos”, aponta a HRW. "Mesmo que muitos desses casos tenham sido arquivados sem denúncias, as ações do governo mandam a mensagem de que criticar o presidente pode levar à perseguição", diz a ONG.
A HRW destaca que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ratificado pelo Brasil, inclui o direito ao voto e à liberdade de expressão. A independência do Judiciário também está protegida pelo direito internacional por meio Princípios Básicos das Nações Unidas sobre a Independência do Judiciário, cita a ONG.
Fonte: DW Brasil
Rosângela Bittar: Os mitos do mito Jair Bolsonaro
Legislativo e Judiciário mostraram-se mais fortes do que as ameaças do presidente
Rosângela Bittar / O Estado de S. Paulo
Ruíram os mitos que sustentavam a imagem popular de Jair Bolsonaro e que ele usava como argumento de força para ser reconhecido, desde já, presidente vitalício do Brasil. Sem passar por nova eleição.
Bolsonaro havia feito crer que, com seus poderes extraordinários de cavaleiro do apocalipse, daria voz de comando ao Judiciário, ao Legislativo, às espadas e aos fuzis. Imaginava-se, no mínimo, que o País se encaminhava para um golpe. Tal como expresso nas faixas exibidas por seus eleitores que foram às ruas para apoiá-lo: intervenção militar e novo AI-5. A senha do golpe já estava registrada, poderia até ser o insulto violento ao ministro Alexandre de Moraes (STF), que nomeou seu algoz, proferido nos microfones do palanque.
O governo jamais desfez esta impressão, dominante entre seus apoiadores, inclusive.
Antes mesmo do 7 de Setembro, esfumaçaram-se alguns desses mitos. A elite do agronegócio, por exemplo, ao defender a democracia, mostrou que o bolsonarismo radical, em seu meio, é restrito. O sistema financeiro garantiu, de papel passado, a Constituição e suas instituições democráticas. Os poderes Legislativo e Judiciário mostraram-se mais fortes do que as ameaças de destruição feitas pelo presidente da República e seus porta-vozes.
Restava a expectativa sobre de onde viria, então, o primeiro tiro, uma vez que o apoio armado a Bolsonaro não se mostrava ostensivo.
Ao descer, trêmulo, do palco do comício que fez em São Paulo, Bolsonaro mostrou que a manipulação que faria das polícias militares, do Exército Nacional, do Ministério Público e da Polícia Federal tornara-se, sem que percebesse, um sonho impossível.
O domínio discricionário das Forças Armadas, o mais temido dos mitos que cercam o poder de Bolsonaro, nem sequer foi tentado. O Exército não se afastou um milímetro do seu papel constitucional. Os generais em evidência na cúpula presidencial saíram silenciosos da refrega que promoveram na data nacional. Já pequenos, reduziram-se mais.
O País deve observar, na sequência, a descompressão forçada do presidente sobre os comandantes militares de tropa. Poderão estas forças, também, reagir com mais firmeza ao não atender a pedidos de atuação política fora de seus regulamentos, insistentemente feitos pela Presidência e pelo atual Ministério da Defesa.
O apreço dos militares por Bolsonaro permanece elevado. A ele reservam lealdade, respeito à hierarquia e disciplina. E esperam que o presidente faça o mesmo e tenha se convencido de que cumprirão com rigor suas funções, catálogo em que não está previsto o golpe.
Outro mito cuja ausência as manifestações revelaram foi o de controle total das polícias militares, sobre quem, inclusive, Bolsonaro patrocina legislação para torná-las submissas ao comando federal. Nenhuma PM descumpriu ordem de seu governador.
As manifestações apontaram ainda que a Polícia Federal são muitas e nem todas estão sob as ordens diretas de Jair Bolsonaro. Cada delegado é um poder. O presidente domina alguns deles. Não todos. Estão conduzindo inquéritos e fazendo prisões de amigos, parlamentares aliados e cúmplices. O “meu pessoal”, como Bolsonaro os define.
O Ministério Público, outro mito da aliança incondicional, nutrido no comportamento dúbio do procurador Augusto Aras, não está agindo como esperado. Até Aras, e não apenas os demais integrantes da instituição, tem contrariado os caprichos do presidente. Bolsonaro, até hoje, quase três anos de mandato, ainda não entendeu a natureza das funções presidenciais que deveria exercer.
À medida que caíram da mitologia da força irresistível de Jair Bolsonaro, estas instituições cresceram tanto quanto se fortaleceu o Supremo Tribunal Federal. Alvo principal dos tiros de Bolsonaro que, por enquanto, só têm saído pela culatra.
Luiz Carlos Azedo: Três tenores e um anjo torto
Grupo acompanhou a trajetória política do Brasil desde o golpe que destituiu João Goulart, em 1964, até a recente confusão armada por Bolsonaro
Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense
Um evento importante para a política será realizado, hoje, para discutir a crise brasileira, com a participação dos ex-presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, no qual o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim fará uma abertura sobre a crise institucional que estamos atravessando, com mediação do ex-governador fluminense Moreira Franco. O seminário “Um novo rumo para o Brasil” é promovido pelas fundações do MDB, PSDB, DEM e Cidadania, e contará ainda com os presidentes dos respectivos partidos — o deputado federal Baleia Rossi (SP), o ex-ministro das Cidades Bruno Araújo, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto e o ex-senador Roberto Freire, respectivamente.
O evento estava sendo organizado havia meses, para começar em 8 de setembro, mas o ex-presidente Michel Temer, premonitoriamente, sugeriu que fosse adiado por uma semana, não apenas por causa do feriadão do 7 de setembro, mas porque se temia que, no Dia da Independência, algum fato relevante ocorresse, como acabou acontecendo, exigindo certa decantação para que o evento não se transformasse numa operação de apagar incêndio. Ou seja, que deixasse de discutir saídas para a crise política que o país atravessa e o choque entre Poderes. Acabou que foi exatamente isso o que ocorreu no dia 8 de setembro, uma operação para conter as chamas dos discursos incendiários de Bolsonaro, que provocaram um locaute de caminhoneiros e que assombraram os agentes econômicos e aliados do governo.
O título da coluna, obviamente, é uma analogia, porque Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer nem de longe têm a potência de voz dos três tenores aos quais se remete: Plácido Do- mingo, José Carreras e Luciano Pavarotti, que cantaram juntos, em concertos, durante a década de 1990 e no início da década de 2000. A primeira performance do trio ocorreu nas Termas de Caracala, em Roma, Itália, em 7 de julho de 1990 — no encerramento da Copa do Mundo de Futebol de 1990. Zubin Mehta conduziu a Orquestra Maggio Musicale Fiorentino e a Orquestra do Teatro da Ópera de Roma.
Potência de voz no sentido figurado, porque são vozes influentes ainda hoje na política brasileira. Sarney virou um oráculo de muitos senadores influentes; FHC é o único que pode juntar os cacos do PSDB e continua sendo a referência política do grupo de economistas que salvou o país da hiperinflação; finalmente, Temer renasceu das cinzas, sendo o único interlocutor do presidente Jair Bolsonaro no mundo da alta política — os demais são operadores do baixo clero. O ex-ministro Nelson Jobim dispensa apresentação: é um personagem importante na calibragem das propostas que podem surgir do evento, porque foi ministro da Justiça de Fernando Henrique, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e ministro da Defesa do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de personagem muito importante na elaboração da Constituição de 1988.\
O anjo torto
Do time de presidentes de partidos, Roberto Freire (Cidadania) é o único que participou da Constituinte. Viveu todos os momentos da transição à democracia, desde sua eleição a deputado federal em 1978. Baleia Rossi (MDB), Bruno Araújo (PS- DB) e ACM Neto (DEM) pertencem à nova geração que comanda o Congresso. No seminário, formarão uma espécie de backing vocal. Na música, muita gente subestima o coro que dá sustentação aos tenores e outros solistas, mas é preciso muita habilidade para desempenhar esse papel. É necessário percepção e habilidades que são desenvolvidas com estudos. Ter um ouvido bem apurado e prestar bastante atenção para não “entrar” na voz principal.
O encontro será transmitido ao vivo pelas redes sociais, a partir das 18h30, o primeiro da série de oito debates programáticos (economia, meio ambiente, saúde, educação, segurança, diversidade, relações exteriores), com grandes especialistas, na tentativa de formular uma agenda nova para o país, entre as quais uma saída sustentável para a crise econômica. Há muita experiência vivida nesse grupo, que acompanhou a trajetória política do Brasil desde o golpe que destituiu o presidente João Goulart, em 1964, até a confusão armada por Bolsonaro, na semana passada.
Para resumir a linha de pensamento vitoriosa nesse processo, há dois eixos: a defesa da democracia e a conciliação política. Mas ninguém se iluda: todos nesse grupo foram capazes de tomar decisões firmes em momentos difíceis e liderar rupturas. Por isso mesmo, não se deve esperar um debate monocórdico, um coro perfeito. Quem será o anjo torto?