eleições municipais
Vera Magalhães: Novo começo de era?
Disputa em São Paulo mostra que tutela de padrinhos é dispensável
É redutor atribuir o bom nível do debate entre Bruno Covas e Guilherme Boulos ao fato de serem dois políticos moderados. O adjetivo é impreciso para rotular dois políticos com características, trajetórias e propostas tão distintas.
Além do que, avaliar suas chances e seus projetos para São Paulo a partir de uma palavra tão vaga não faz jus ao momento rico e importante que a improvável eleição da pandemia acabou por provocar.
Covas é um político de centro. As circunstâncias dos diferentes momentos de sua carreira política – deputado, vice-prefeito, prefeito – mexeram esse ponteiro ora para a centro-esquerda, ora para a centro-direita.
Apostou, quando assumiu a cadeira de prefeito, que, no embalo da eleição de Jair Bolsonaro e do próprio João Doria, enfrentaria um adversário da direita neste ano.
Vestiu um figurino de social-democrata a partir dessa avaliação, e procurou se distinguir do “Bolsodoria”, o personagem que seu correligionário vestiu em 2018, e rapidamente caiu em desuso depois da posse.
O drama pessoal que viveu e a pandemia foram novas oportunidades para Covas procurar mostrar personalidade dentro do PSDB paulista, resgatando a imagem do avô, inclusive.
Muitos imaginaram que, diante da ida ao segundo turno contra Boulos, um candidato de esquerda, ele flertaria com o discurso de direita para atrair os bolsonaristas. Houve, inclusive, ensaios dessa mutação no discurso logo após a posse, quando ele classificou Boulos três ou quatro vezes de “radical” e fez uma exortação à “lei e à ordem”.
Mas, a partir desta segunda-feira, a ordem no comitê era manter o tom sereno, por vezes gélido, que ele demonstrou no primeiro turno. Um gesto neste sentido foi telefonar para Boulos para pedir desculpas por uma ofensa de um aliado.
E o candidato do PSOL? Moderado ou radical? Ele mesmo refuta o primeiro adjetivo e qualifica o segundo: gosta de dizer que é radicalmente diferente do PSDB em doutrina social e econômica.
Mas Boulos demonstra que mudou desde os primórdios de sua atuação à frente do MTST: refinou conceitos, estudou a cidade, compreendeu a necessidade de construir pontes para alcançar objetivos. Isso nada tem de exótico: é o caminho natural dos políticos e dos partidos quando enfrentam sucessivas eleições e amadurecem.
O risco, para ambos, é serem tragados para as caricaturas deles mesmos e de seus partidos por aliados mais interessados em usá-los como cavalos de Troia para os próprios projetos que em contribuir com sua eleição.
Ambos prescindiram de padrinhos no primeiro turno, por motivos distintos. No caso de Covas, andar com Doria era ruim eleitoralmente, dada a rejeição do governador na cidade.
Para Boulos foi meio falta de opção. A candidatura de Jilmar Tatto impediu Lula de apoiá-lo. Mas, na primeira hora, quando as urnas não saíam do 0,39% apuradas, o cacique petista já tratou de pular em cima do palanque do candidato do PSOL, avistando nele uma chance de reduzir o tamanho da derrota do PT.
Doria também já ensaiou o discurso de que o resultado em São Paulo aponta para a viabilidade da “frente ampla”, um papo lá para 2022 e que interessa só a ele.
Covas e Boulos demonstrarão maturidade se recusarem a tutela de padrinhos. Uma característica nacional desta eleição foi a renovação geracional mais qualitativa, diferente da horda de youtubers de 2018.
Ambos têm um futuro político promissor pela frente se souberem entender o que seus partidos e seus campos políticos fizeram de errado para causar repulsa no eleitor. Isso tem menos a ver com conceitos como esquerda e direita, moderado ou radical, que com práticas políticas e de gestão e propostas para o País e a sociedade. Até aqui, a eleição de São Paulo é um alento nesse sentido.
Forças de oposição devem fortalecer leque de alianças para segundo turno das eleições
Editorial da revista Política Democrática Online de novembro observa falta de apoio de Bolsonaro nas disputas municipais
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Forças de oposição devem prosseguir na convergência programática, no fortalecimento de um amplo leque de alianças para o segundo turno das eleições, em torno do eixo político hoje fundamental: defesa da saúde, da vida e da democracia. O posicionamento é do editorial da revista Política Democrática Online de novembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza, em seu site, todos os conteúdos da publicação, gratuitamente.
De acordo com o texto, de maneira geral, a tendência das eleições deste ano seguiu o rumo da redução das atividades presenciais, do corpo a corpo com o eleitor, das reuniões nos espaços públicos e privados. “A propaganda por meio do rádio e da televisão não parece, contudo, haver recuperado pelo menos parte da relevância perdida em 2018. Em contraste, a campanha por meio das redes sociais continua a prosperar”, observa.
O editorial da revista Política Democrática Online também aponta que, no tocante ao movimento das intenções de voto, capturado na sequência das pesquisas divulgadas até o momento, emergem dos dados disponíveis hipóteses interessantes. “Todas, evidentemente, a serem objeto de verificação após o confronto com os resultados finais do pleito”, afirma um trecho.
O aparente paradoxo de a popularidade do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ainda elevada, não rende dividendos eleitorais no pleito municipal, conforme destaca o editorial. “O cenário insólito de nenhum candidato com apoio ostensivo do presidente lograr êxito nas capitais parece próximo de se realizar. Em contraste, os prefeitos em exercício transitam com facilidade nas campanhas, seja em benefício próprio, nos casos de tentativa de reeleição, seja no posicionamento de seus candidatos na liderança das pesquisas ou, ao menos, num dos lugares do segundo turno”, diz.
Segundo o editorial, tudo indica que prevaleceu no eleitorado a tendência ao pragmatismo, à separação prudente das esferas nacional e municipal da política. “O programa de transferência de renda em vigor, reconhecido como fundamental para enfrentar a crise em curso, é atribuído, corretamente ou não, a uma decisão do presidente e retribuído com avaliações positivas nas pesquisas de popularidade”, afirma.
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Bernardo Mello Franco: A penitência do bispo Crivella
Os últimos dois prefeitos do Rio se reelegeram com um pé nas costas. Em 2004, Cesar Maia liquidou a fatura no primeiro turno, com pouco mais de 50,1% dos votos válidos. Em 2012, Eduardo Paes teve uma vitória ainda mais tranquila, com 64,6%.
O cenário não deve se repetir em 2020. Apesar de controlar a máquina da prefeitura, Marcelo Crivella corre o risco de ficar fora do segundo turno. Paes lidera com folga, e o bispo disputa a outra vaga com Martha Rocha e Benedita da Silva.
De acordo com o Ibope, o prefeito entrou na semana final da campanha com 15% das intenções de voto. Em 2016, ele registrava 35% no mesmo período.
O encolhimento levou Crivella a mudar radicalmente de estratégia. Depois de anos tentando desvincular sua imagem da Igreja Universal, ele agora escancara a mistura de fé e política. “Aleluia! Aleluia! Aleluia porque a luta continua!”, canta, em hino gospel transformado em jingle eleitoral.
Ontem o prefeito divulgou vídeos em que recebe o apoio de dois líderes evangélicos: o missionário R. R. Soares, seu tio e líder da Igreja Internacional da Graça, e o apóstolo Ezequiel Teixeira, da Igreja Cara de Leão. Seu outro tio famoso, o bispo Edir Macedo, ainda não apareceu formalmente na campanha. Nem precisa. É ele quem dá as cartas no Republicanos (antigo PRB), partido que abriga o sobrinho desde 2005.
Além de apelar aos fiéis, Crivella tenta pegar carona na popularidade de Jair Bolsonaro. Ex-ministro de Dilma Rousseff, ele agora se apresenta como bolsonarista desde criancinha. O capitão aparece tanto na propaganda que um eleitor mais distraído pode pensar que o candidato é ele, e não o bispo.
As pesquisas explicam o mau desempenho do prefeito. Segundo o Ibope, 66% dos cariocas consideram sua gestão ruim ou péssima. Ele também amarga a maior rejeição: 58% dizem não votar nele de jeito nenhum.
Bolsonaro não disfarça o constrangimento a cada vez que precisa citar o nome do novo aliado. Na live de ontem, ele reservou apenas 20 segundos para a campanha de Crivella. O mesmo tempo que dedicou a um candidato a vereador em Queimados.
Fernando Exman: Um ponto central para analisar no domingo
Fim das coligações proporcionais é esperado desde 2017
Muitos sucumbirão à tentação. Já na noite de domingo, antes mesmo de uma análise mais fria dos resultados das eleições municipais, irão comemorar a eficiência do sistema político-eleitoral brasileiro e uma suposta pujança da democracia local. Farão comparações do desempenho das urnas eletrônicas com o que se viu recentemente nos Estados Unidos, onde a apuração demorou dias para ter um desfecho e ainda enfrenta questionamentos do lado derrotado. Mas, recomenda-se cautela.
Só depois de uma avaliação pormenorizada da configuração das novas câmaras de vereadores será possível dizer se a proibição das coligações nas disputas proporcionais de fato ajudará a depurar o sistema político. Espera-se há anos pela aplicação dessa regra, instituída por meio de uma proposta de emenda constitucional em 2017, e finalmente seus efeitos serão conhecidos. Talvez o principal deles seja a diminuição no número de partidos existentes no país.
Será a primeira vez que os candidatos a vereador só poderão disputar o cargo por meio de chapa única dentro dos seus próprios partidos. Se não houver nenhum desvio de rota, a regra será mantida nas próximas eleições e isso pode fazer toda a diferença na conformação do Congresso que será eleito em 2022 e conviverá com o próximo presidente da República. Seja ele qual for.
No sistema proporcional, por meio do qual são escolhidos deputados e vereadores, o voto dado é primeiro considerado para o partido ao qual o candidato é filiado. O total de votos de uma sigla define quantas cadeiras ela terá no Legislativo e, definida a quantidade de vagas, os candidatos mais votados desse partido são chamados a ocupá-las.
No entanto, até agora a coligação funcionava como um partido único: ao votar em um candidato a vereador ou deputado, o eleitor dava seu voto para toda a coligação. O resultado é conhecido. São muitas as disfunções do sistema, que hoje conta com 33 partidos registrados na Justiça Eleitoral. Muitos deles viraram siglas de aluguel ou legendas criadas como empreendimentos voltados à captação de recursos públicos.
São diversos os exemplos de partidos de campos ideológicos antagônicos que fecharam alianças táticas, para eleger representantes e se manterem a salvo da cláusula de barreira. O sistema sempre incentivou a formação de coligações com finalidades meramente eleitorais. Pragmáticas, muitas siglas foram sobrevivendo - preservaram fatias nos fundos públicos e tempo de propaganda em rádio e TV.
Por outro lado, essas mesmas estruturas partidárias foram contribuindo com o processo de enfraquecimento de um sistema marcado por escândalos de corrupção e pelo descrédito dos agentes políticos.
O modelo até então vigente nunca facilitou a formação de maiorias congressuais ou primou pela estabilidade. Passadas as posses, essas mesmas legendas voltavam a atuar em lados opostos. Com o princípio da proporcionalidade distorcido, restava aos governantes a busca incessante pela formação de bases aliadas, muitas vezes por caminhos heterodoxos mais conhecidos pelos peritos da polícia do que pelos analistas políticos.
Mesmo assim, poucas iniciativas conseguiram avançar no Congresso no âmbito da reforma política, a exemplo das discussões sobre o voto distrital e distrital misto. O fim das coligações nas eleições proporcionais foi uma exceção e, embora inicialmente tenha sido concebido para já valer nas eleições de 2018, acabou sendo adiado para o pleito municipal deste ano.
Alguns efeitos da medida já foram percebidos. A estratégia de grande parte dos partidos foi lançar candidaturas majoritárias no maior número possível de municípios. São elas, muitas vezes, que acabam impulsionando a eleição de vereadores. Ao todo, o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra 557.383 candidaturas neste pleito, ante 496.927 em 2016. No período, houve um aumento tanto no número de candidaturas a prefeito (19.345 contra 16.568) como a vereador (518.321 ante 463.405).
Outros efeitos ainda deverão ser notados com o passar do tempo. Uma tendência é os partidos que não tiverem bom desempenho serem compelidos a enfrentar processos de fusão. Isso pode ocorrer, por exemplo, na esquerda. Outras siglas, como Novo e Rede, podem acabar tentando sobreviver com candidaturas de nicho nas disputas majoritárias, mesmo que fadadas a ficarem com modesta representatividade no Poder Legislativo.
Não é de surpreender, portanto, que a regra já seja alvo de críticas no Congresso. Existem algumas propostas em tramitação tentando mudá-la. E mesmo os maiores partidos, em tese os principais beneficiários, já fizeram chegar algumas queixas ao TSE.
Uma reclamação é que, agora, cada partido passou a ser obrigado a preencher 30% das candidaturas reservadas às mulheres individualmente. Antes, o cumprimento da chamada cota de gênero se aplicava à coligação como um todo. O mesmo tipo de reclamação se dá em relação a supostas dificuldades em respeitar a regra de divisão proporcional de verbas públicas de campanha entre homens, mulheres, negros e brancos.
Outra crítica ao formato final da regra se dá em relação ao rateio das vagas remanescentes nos legislativos. Elas serão distribuídas entre todos os partidos que participarem do pleito, independentemente de terem atingido ou não o quociente eleitoral. Isso pode acabar reduzindo a margem de redução do número de siglas no curto prazo.
Mesmo assim, seria positivo se ter um diagnóstico completo dos efeitos da nova regra, antes de recolocá-la em discussão apenas para atender interesses específicos de um ou outro partido. Não se deve, também, esperar alguma liderança do presidente da República nesse processo de otimização do sistema eleitoral. Além de colocar sob suspeição as urnas eletrônicas, sua batalha mais recente neste campo, a de criar um novo partido, diverge do espírito da PEC aprovada depois de muita discussão no Parlamento.
Rosângela Bittar: Centrão na cabeça
Das disputas municipais saem fortalecidos o PSD, o MDB e o PP, segundo previsões
O presidente Jair Bolsonaro cometeu um erro essencial de política. Transformou um presságio em uma aposta do tipo cara ou coroa. No fim, quedou-se paralisado, à espera de uma decisão por pênaltis que não virá porque nem sequer consta do regulamento. Por este momento de alucinação, torpor e instabilidade, Bolsonaro terá de operar uma desafiadora metamorfose: transformar-se de radical raivoso em moderado condescendente.
Se vai conseguir é o que veremos nos próximos meses. No momento, comporta-se como reles perdedor em série. Perdeu com a vitória de Joe Biden e Kamala Harris. Perdeu com o revés de Donald Trump, um modelo pessoal e político. Perdeu com o péssimo desempenho de seus candidatos nas eleições municipais. Perdeu diante do impulso de reação dos seus adversários presidenciais, que foram acordar logo agora, na sua maré baixa.
Isolado, o presidente consolidou a condição de maior refém do Centrão, sendo a única saída para sobreviver e ainda pleitear a reeleição. Por esta dependência presidencial, o Centrão se fortaleceu. Sobretudo porque sairá revitalizado das eleições municipais.
Para avaliar o preço que o Centrão cobrará não é preciso ter imaginação. Seus parlamentares sabem onde, quando e como tomar de assalto o governo. No restrito grupo de aliados fanáticos do presidente ainda se ouvem apelos esparsos para ele recrudescer nas atitudes de beligerância, fugindo, como sua matriz, à realidade. Mas o Centrão vai pressionar em contrário. Acredita ser fácil mostrar ao presidente que sua tropa é a última reserva de que ele dispõe.
Bolsonaro não tem saída, certamente refletirá sobre as transformações a que deve se submeter. As mais difíceis não estão relacionadas à troca dos ministros, que ele poderá sacrificar, sem problemas, doando-lhes outras vantagens.
Terá, porém, de redimensionar alguns caminhos. A importância da rede social como instrumento principal de campanha se relativizou. Com a chegada da regulação das empresas de tecnologia, que tiram mentirosos do ar, as redes deixaram de ser espaço livre por onde circulavam, impunemente, a falsidade e o conflito. Bolsonaro terá de reinventar o uso e abuso desses meios. Neste capítulo, o difícil será atender a família, insaciável, permanente e agressiva. Desta não dá para se livrar.
Não colou, até agora, a tática de denúncia antecipada de fraudes na eleição. Trump não conseguiu sensibilizar nem todo seu eleitorado e Bolsonaro vem denunciando, sem sucesso, fraude na eleição que venceu, de 2018. Imagine-se o que fará numa eleição que poderá perder. Desde sempre incentiva aliados a apresentarem projetos para a volta do voto impresso. Renegando a tecnologia, cada vez mais dominadora e irreversível.
E o fantasma do comunismo? Não deu certo lá e não tem apelos mais fortes no Brasil. Embora tenha feito sua carreira política em cima destas fixações, Bolsonaro deve avaliar sobre como se livrar destes anacronismos que são a sua essência.
É impossível ter êxito num recuo tão radical em temas de que está impregnado o seu cotidiano, mas pode tentar. A negação da ciência na pandemia, por exemplo, exige-lhe revisão urgente, e ele insiste em politizar a vacina, a doença e a morte. Como fez ainda ontem. Mudar seria uma guinada e tanto para Bolsonaro.
E dele se exige que preste atenção aos fenômenos que, se não configuram nova onda política, podem lhe servir de alerta. Os progressistas que se opõem ao seu receituário estão ganhando todas na vizinhança. Além dos Estados Unidos, vimos Argentina, Bolívia, o plebiscito do Chile e, bem antes, o México. É para pensar.
Desde que se aproximou do Centrão, Bolsonaro tem alternado radicalismo e moderação. Das disputas municipais saem fortalecidos o PSD, o MDB e o PP, segundo as previsões para a votação no domingo. A colheita eleitoral desses partidos dará a dimensão precisa da transformação que Bolsonaro precisa realizar, se quiser se manter no poder.
Bruno Boghossian: Bolsonaro tem peso nulo ou negativo nas eleições municipais até aqui
Agenda conservadora e exploração da máquina do governo não deram resultado para apadrinhados
Há um mês, Jair Bolsonaro desembarcou em Congonhas para uma sessão de fotos com Celso Russomanno (Republicanos), que liderava a corrida pela Prefeitura de São Paulo. O presidente declarou apoio ao "amigo de velha data", e os dois insinuaram que o candidato teria acesso privilegiado ao Palácio do Planalto se vencesse a disputa.
A aliança se mostrou desastrosa para a dupla por enquanto. Russomanno perdeu quase metade de seus pontos nas pesquisas de intenção de voto e viu dobrar seu índice de rejeição. Já Bolsonaro, que pretendia evitar desgastes nas eleições deste ano, ficou associado a um candidato que desabou da liderança e, agora, pode ficar fora do segundo turno.
O derretimento de Russomanno não é um efeito isolado do apoio de Bolsonaro —embora a avaliação do governo na capital paulista seja pior do que na média nacional. Ainda assim, a última rodada de pesquisas do Datafolha mostra que o presidente teve um peso nulo ou negativo nas disputas municipais até aqui.
No Rio, Bolsonaro não conseguiu impulsionar Marcelo Crivella (Republicanos). Na semana passada, o presidente deu uma declaração de apoio encabulada: “Se não quiser votar nele, fique tranquilo”. Depois, mergulhou na campanha e fez uma gravação com o candidato. Resultado: o prefeito ficou estagnado nas pesquisas, com rejeição acima de 50%.
O presidente pode até argumentar que entrou nas duas campanhas a contragosto, mas a história é diferente em Belo Horizonte. Por livre e espontânea vontade, Bolsonaro se aliou ao azarão Bruno Engler (PRTB), com quem tomou café na terça-feira (3). Mesmo com ajuda oficial, o candidato não passa dos 4%.
O desempenho de Engler expõe o fracasso de dois pontos da estratégia eleitoral do presidente: o apelo ao conservadorismo e a exploração da máquina do governo. Num vídeo gravado no mês passado, o candidato bateu bumbo para a agenda de direita, e Bolsonaro ofereceu ao apadrinhado uma “linha direta com a Presidência da República”.
Vera Magalhães: Ponte aérea eleitoral
Possível vitória de nomes de centro em São Paulo e no Rio é vista como ensaio para 2022
Há muitos pontos de contato nas corridas eleitorais em São Paulo e no Rio de Janeiro. E eles são importantes variáveis para a montagem das estratégias políticas para 2022. Sim, eu concordo com os cientistas políticos, historiadores e analistas de dados que alertam que as eleições municipais seguem dinâmicas e pautas locais, e não são necessariamente reflexo das eleições nacionais anteriores nem laboratórios para as seguintes.
Mas é impossível analisar alianças e dinâmicas de eleitorado neste ano sem ter como bagagem 2016 e 2018, por diferentes razões. E sim, algumas das decisões de agora terão reflexos para os próximos dois anos.
Hoje, São Paulo e Rio têm rigorosamente a mesma configuração nas pesquisas: candidatos de centro relativamente isolados na liderança (Bruno Covas na capital paulista e Eduardo Paes na fluminense); um candidato do bolsonarismo tentando se credenciar para o segundo turno, mas enfrentando dificuldades, e nomes da esquerda pulverizada disputando entre si e podendo ficar fora da disputa final justamente por essa “canibalização”.
Covas é tucano desde sempre. Vem de uma família política e adotou um discurso de centro e de defesa da política depois da debacle da mesma em 2018. Paes já percorreu todo o abecedário político e é um dos políticos mais pragmáticos de sua geração. Tem usado a derrota surpreendente que enfrentou em 2018 para jogar um “eu te disse” na cara do eleitor arrependido.
Os dois se prepararam para enfrentar expoentes da direita no segundo turno. Nas duas cidades, a possível vitória de nomes de um centro reabilitado contra a direita é vista como um laboratório importante para uma frente mais ampla em 2022, inclusive como ensaio de aproximação com siglas de centro-esquerda e de esquerda.
A dificuldade de os bolsonaristas Celso Russomanno e Marcelo Crivella irem ao segundo turno é de certo modo surpreendente, e pode fazer os líderes nas pesquisas terem de redirecionar o discurso no segundo turno, para atrair o eleitorado de direita caso eles sucumbam. E isso adiaria as conversas para a tal frente ampla.
As agruras de Russomanno e Crivella evidenciam: 1) o caráter frágil da tal recuperação da popularidade do presidente, 2) o risco do discurso e da conduta negacionistas em plena pandemia fora das redes sociais, e 3) o refluxo da onda de se eleger completos outsiders para funções administrativas importantes. Por fim, paulistanos e cariocas assistem à mesma diáspora de candidaturas de esquerda, num sinal de que também nesse campo não será simples a união de esforços contra Bolsonaro em 2022.
São pelo menos dois os candidatos ditos progressistas que avançam em São Paulo: Guilherme Boulos, do PSOL, e Márcio França, do PSB, que parece ter acertado a previsão de que repetiria o sprint final de 2018, na disputa ao governo do Estado. O problema é que o crescimento simultâneo deles pode ajudar Russomanno a prevalecer por pouco. A disputa tende a ficar embolada até o final. No Rio, os votos de Benedita da Silva (PT) podem ser os que faltarão para Marta Rocha (PDT) se habilitar a tirar a vaga do prefeito na final. O uso sem moderação das máquinas da prefeitura e da igreja pode levar um Crivella mesmo alquebrado ao segundo turno.
Esses todos são fenômenos que transcendem a pauta e a dinâmica municipais, ainda que a decisão de voto os leve em conta. Os aprendizados que caciques e partidos tirarão dos resultados não só nessas, mas em várias capitais emblemáticas (Fortaleza é um case nacional, também) indicará se o Brasil de fato começou a sair do transe lavajatista e revanchista com que foi às urnas em 2018 para caminhar para algo mais racional de agora em diante.
Míriam Leitão: Bolsonaro, o derrotado
A eleição municipal ainda não acabou, mas já tem um derrotado: o presidente Jair Bolsonaro. Quem acha isso é o cientista político Jairo Nicolau, autor do livro “O Brasil dobrou à direita”, uma análise da vitória de Bolsonaro em 2018, que ele define como o maior fenômeno eleitoral do país. Dois anos depois, o bolsonarismo está fora das principais disputas ou perdendo posições.
— Era natural que depois daquela vitória espetacular, que arrastou com ele inúmeros outros políticos, o presidente fosse querer organizar um partido de direita no Brasil, aproveitando o impulso e o fato de que ele elegeu a maior bancada e seu então partido ficou com a maior fatia do fundo eleitoral, R$ 200 milhões — diz Nicolau.
O professor conta que o Brasil teve sempre uma direita meio “aguada” que se definia mais em contraposição à esquerda, que sempre teve orgulho de se definir como esquerda. Bolsonaro mudou isso:
— O que seria de se esperar? Que ele organizasse esse campo político. A história não foi bem essa. Bolsonaro saiu do PSL, o partido se desagregou, seus filhos já mudaram de legenda, ele tentou fazer a Aliança, que é o maior fracasso da história da formação de partidos no Brasil, e nesta eleição suas forças estão dispersas.
Eleição municipal normalmente é menos polarizada em termos ideológicos, mas isso não resume o que está acontecendo. Bolsonaro disse que não se envolveria. Nos últimos dias fez fortes movimentos em direção aos candidatos que apoia em São Paulo e Rio:
— Ele fez esses movimentos agora, os filhos operam de forma subterrânea, mas a sua derrota é em relação ao que poderia ter sido. Ele poderia ter mantido a unidade do seu grupo e organizado o campo político que ele representa.
Jairo Nicolau acha que ele fez tudo ao contrário do que se esperaria que fizesse. Perdeu os poucos operadores políticos que teve, brigou com aliados, desagregou o partido que ele havia transformado de legenda pequena na maior bancada na Câmara. E foi se isolando:
— Se ele perder no Rio, onde apoia Marcelo Crivela, isso terá um sabor especialmente amargo para ele, porque o Rio é o reduto eleitoral dele e da família. Se perder em São Paulo, também.
Outro fato marcante das eleições, até o momento, é o desempenho de Manuela D’Ávila, do PCdoB, em Porto Alegre, na frente das pesquisas, e Guilherme Boulos, do PSOL, em São Paulo, que está em terceiro em intenção de voto e tem ganhado posições nas últimas sondagens. Em Belo Horizonte, está se confirmando uma vitória no primeiro turno do prefeito Alexandre Kalil, eleito em 2016 por um partido pequeno e hoje está no PSD:
— Kalil foi bem avaliado por sua gestão contra a pandemia. Se for confirmado, como tudo leva a crer, será outro não bolsonarista numa cidade-chave.
Sobre 2022, Jairo Nicolau diz que será outra eleição:
— Ele está se reposicionando no sistema político em outro lugar. Está virando o líder popular do centrão. Isso é outro mundo, outra eleição, outra lógica. O eleitor dele raiz pode não ter opção, mas em 2022 será uma eleição plebiscitária em que ele vai defender o governo.
No livro, lançado pela Zahar, Nicolau faz uma minuciosa análise dos dados para entender 2018. E destaca vários fatos. Em geral, presidentes são eleitos pelo apoio semelhante entre homens e mulheres. Bolsonaro foi eleito principalmente por homens. Houve uma diferença de quase 10 pontos percentuais a menos entre as mulheres. Ele foi o favorito em todos os níveis de escolaridade, exceto no Nordeste. Recebeu 70% dos votos evangélicos, o maior percentual que já houve nesse grupo. Diz que o sucesso de Bolsonaro em 2018 se deve à expressiva votação nos três maiores colégios eleitorais. Minas, ele acha que foi o maior destaque estadual, porque o PT ganhou no estado oito turnos seguidos de eleições presidenciais. Em São Paulo, teve mais votos do que os candidatos paulistas em outras eleições, e no Rio foi o primeiro candidato de direita a vencer desde 1994. Com dados assim o autor concluiu ser Bolsonaro o maior fenômeno eleitoral da história. E por isso avalia que Bolsonaro já é o grande derrotado das eleições municipais de 2020.
Alon Feuerwerker: Mais Brasília. Menos Brasil
Há algumas dúvidas sobre o resultado desta eleição municipal. Uma: qual será o desempenho dos candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro. Outra: em que grau o PT conseguirá se recuperar da dura derrota de 2016, no auge da Lava-Jato. Mais outra: qual será desta vez o fôlego da chamada nova política.
Dúvidas à parte, pelo menos uma coisa é certa desde já. A grande massa dos prefeitos e vereadores eleitos chegarão a janeiro de 2021 abrigados nos partidos do chamado centrão. Ou do centrão formal, estrito senso, ou do centrão ideológico, lato senso. Uso aqui o “ideológico” apesar de parecer uma contradição em termos.
A previsão tem pelo menos três razões objetivas. Os partidos do centrão são em geral legendas médias, dotadas de razoáveis fundo partidário e eleitoral. São também relativamente alheios à recente agudização da polarização político-ideológica, o que os imuniza em algum grau contra ter de carregar fortes rejeições.
A terceira razão, entretanto, é a que pesa mais. Desde quando Jair Bolsonaro ajustou a rota e estabeleceu uma quase tradicional política de alianças no Congresso Nacional, os partidos que lhe ofereceram um colchão de segurança passaram a ter acesso preferencial ao orçamento. Que costuma ser essencial para investimentos na vida dos municípios.
Uma palavra de ordem muito usada na campanha eleitoral bolsonarista foi “Menos Brasília, Mais Brasil”. A descentralização de recursos para fortalecer estados e municípios e diminuir a dependência destes ao governo federal. Seria injusto fazer um diagnóstico definitivo depois de apenas dois anos, mas por enquanto pouco ou nada aconteceu nesse sentido. Ao contrário.
Uma rotina do presidente da República tem sido visitar os estados e municípios para lançar ou inaugurar obras feitas com dinheiro federal e canalizadas para a região por emendas parlamentares da autoria de deputados e senadores que apoiam o governo em Brasília, e por isso têm mais trânsito nos ministérios a quem compete liberar a verba.
É bastante razoável prever que deputados e senadores com mais acesso ao Orçamento Geral da União terão mais facilidade para eleger seus prefeitos e vereadores. Os quais, naturalmente, estarão propensos a apoiar os benfeitores daqui a dois anos. E mantém-se o tradicional sistema de reprodução de poder na República.
Eis por que é devaneio imaginar, como chegaram alguns, anos atrás, a iminência do colapso do que a ciência política apelidou de “peemedebismo”. E que não necessariamente tem a ver com o PMDB. É o predomínio numérico de uma massa de partidos sem capacidade hegemônica mas com suficiente musculatura para impedir qualquer um de governar sem se dobrar a eles.
Como romper a lógica? Um caminho seriam reformas políticas que permitissem ao eleito para o Executivo, nos três níveis, carregar com ele uma maioria parlamentar. Ou seja, pedir ao sistema que cometa haraquiri.
E olhe que não seria difícil encontrar fórmulas. Uma: calcular as cadeiras nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados não pelo voto dado às legendas na eleição parlamentar, mas na eleição de prefeito, governador e presidente.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
George Gurgel: As Eleições Municipais e a Cidadania
As próximas eleições municipais colocam em disputa as concepções de governar e de se relacionar de cada um de nós e da sociedade em geral, desafiando a nossa maneira de fazer política, antes e durante a pandemia, no dia a dia, e no futuro imediato da sociedade brasileira.
Qual está sendo o comportamento dos partidos e do(a)s candidato(a)s na disputa política-eleitoral em curso, rumo ao próximo pleito de novembro? Como o processo político-eleitoral está impactando a vida das pessoas? Qual o papel dos governos, do mercado, da sociedade civil e da Cidadania no enfrentamento dessa crise que estamos vivendo, aprofundada com a pandemia?
A Cidadania está desafiada a uma participação efetiva no processo político-eleitoral em curso. A escolha acertada do(a)s próximo(a)s prefeito(a)s e vereadores(as)sé o caminho mais curto para enfrentar a triste e desoladora realidade de uma parcela majoritária da população dos municípios brasileiros, desrespeitada nos seus direitos básicos, constitucionais, a saber: moradia, segurança, educação, saúde, saneamento, mobilidade, trabalho e renda.
Em quem estamos votando? Qual o partido do candidato(a) e o que fez e faz o candidato(a) pelo município? Deveriam ser as indagações da Cidadania e de toda a sociedade frente aos partidos e aos candidatos(as) que disputam mandatos no próximo pleito.
O(A)s eleitos(as) devem estar comprometidos(as) com o enfrentamento sistemático dos graves problemas sociais, econômicos e ambientais vividos no cotidiano dos municípios brasileiros, agravados com a pandemia.
Aqui a questão democrática coloca-se como centralidade nas relações entre os governantes e governados. O conteúdo das mudanças em curso e das que devem ser realizadas, durante e pós pandemia, em cada município brasileiro, deveria ser a pauta de toda a sociedade, neste processo político-eleitoral que estamos vivendo para a escolha das nossas representações municipais.
Ainda mais: como tais mudanças que estão ocorrendo no mundo e no Brasil, em plena pandemia, estão impactando cada município, em função das suas distintas realidades política, econômica e social?
Assim, a pandemia, a partir das mudanças técnicas e econômicas em andamento, está construindo novas relações políticas e sociais, impactando o mundo do trabalho, da educação e da cultura em geral, de maneira presencial e/ou a distância.
A difícil realidade cotidiana das populações municipais, em plena pandemia, é o maior indicativo da necessidade de termos vereadores(as) e prefeitos(as) eleitos(as) comprometidos(as) com as mudanças a favor da maioria da sociedade.
Portanto, o período político-eleitoral que estamos vivendo é muito importante para a sociedade: como nunca, a política deveria está sendo colocada na agenda pública. Os eleitores, através dos eleitos, estarão delegando as suas representações aos governos e câmaras municipais.
Devemos discutir e avaliar os desafios de cada política pública no município, relacionando-a com a realidade econômica, social e ambiental, regional e nacional, e o papel do(a)s prefeitos(as) e vereadores(as), neste contexto.
Assim, a Cidadania, com seus direitos e deveres, está convocada a ter uma efetiva participação na construção e na implementação de políticas públicas municipais, assim como no processo de avaliação permanente destas políticas, através de Planos, Programas e Projetos que venham a atender às demandas municipais, em sintonia com as outras políticas públicas regionais e nacionais, no caminho da sustentabilidade econômica, social e ambiental de cada município brasileiro.
A crise dos municípios e das suas administrações reflete um conjunto de distorções, disfuncionalidades e limites das atuais estruturas políticas e administrativas que são responsáveis pela formulação e implementação das políticas públicas municipais, tanto na esfera do próprio município, quanto nas áreas estadual e federal.
Esta crise permanente pode ser resumida na insuficiência de receita, na falta de visibilidade em relação às decisões sobre despesas e investimentos, na insuficiência de recursos técnico-administrativos e, ainda, na falta de uma efetiva participação da Cidadania, no dia a dia, da vida municipal. Ainda é agravada pelos constantes desvios de recursos, denunciados diariamente nos meios de comunicação, em todas as esferas da federação.
Neste contexto, coloca-se o imperativo de realizar as reformas política, administrativa e tributária que não mudem apenas os critérios de redistribuição de recursos entre União, Estados e Municípios, melhorando a situação atual da maioria dos Municípios, como também garantir aos Estados e à União recursos que viabilizem a implementação de políticas públicas, criando as condições para o enfrentamento da difícil realidade econômica e social da maioria dos Municípios brasileiros.
Aqui a questão democrática se coloca na sua centralidade.
Os eleitos em novembro estão desafiados a construir novas relações de governança entre o Estado, o Mercado e a Sociedade em geral. As atuais relações não atendem às demandas da maioria da população, em cada município brasileiro. Estes são os nossos dilemas permanentes a serem superados para a ampliação da democracia brasileira, com a inclusão desta maioria excluída da população, através de uma participação permanente da Cidadania, no processo de construção de políticas públicas inclusivas nas áreas de educação, moradia, saúde, saneamento básico, segurança, mobilidade, trabalho e renda, como condições elementares para a dignidade da vida social.
A criação de mecanismos institucionais de acompanhar e avaliar as relações entre o Executivo e o Legislativo municipal desafia a Cidadania e o poder público à construção de novas relações entre os atores políticos, econômicos e sociais do município.
Considerando sempre a necessidade de uma visão sistêmica no processo de construção e implementação das políticas públicas em geral, coloca-se como imperativo a escolha de prioridades, através de diálogo permanente entre governantes e governados, que garantam a construção e a implementação de políticas públicas voltadas para a sustentabilidade municipal, articuladas às políticas regionais, sob responsabilidade estadual e federal, construindo pactos de cooperação entre o Estado, o Mercado e a Sociedade Civil, através de redes regionais, nacionais e internacionais, com foco na melhoria do bem-estar da população.
Deve-se ainda observar que as eleições municipais deste ano vão acontecer em uma nova conjuntura, inaugurada com a eleição do Presidente Bolsonaro, atropelada pela pandemia. Deverá ser um bom termômetro para a avaliação da realidade política brasileira, com sinalizações a serem consideradas no caminho das eleições presidenciais de 2022.
O campo democrático continua desafiado a entender a gravidade e a complexidade do momento político em que vivemos. Quais foram as razões e as causas da vitória de Bolsonaro e das forças políticas que representa?
Os resultados eleitorais deste novembro vão consolidar uma hegemonia conservadora na maioria dos municípios brasileiros, confirmando a tendência do eleitorado nas últimas eleições presidenciais? Como se comportará o eleitorado no primeiro turno?
Normalmente, as alianças municipais no primeiro turno, via de regra, não espelham a realidade política nacional. No segundo turno das eleições, onde houver, a tendência deverá ser de uma maior polarização entre o campo bolsonarista e a oposição, podendo ser melhor avaliado o posicionamento da sociedade em relação a esta nova realidade política brasileira .
Assim, a Cidadania está desafiada a ter uma participação mais efetiva no processo político-eleitoral em curso e, durante todo o exercício dos mandatos do(a)s futuro(a)s vereadores(as) e prefeitos(as) a serem eleitos(as) no pleito de novembro.
O exercício pleno da Cidadania, com a participação ativa da sociedade municipal, é que vai construir as condições para uma efetiva transformação da realidade política, econômica e social dos municípios brasileiros.
Trata-se de desafios permanentes da Cidadania e de toda a sociedade brasileira.
*George Gurgel, professor da Universidade Federal da Bahia e membro da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade.
Carlos Melo: A corrida e os padrinhos
A 15 dias do primeiro turno, a curta corrida eleitoral se aproxima da curva antes da reta final. Com mais de 20 dias de propaganda na TV e no rádio, aumentou a atenção geral. É o momento em que recall importa pouco e a realidade presente se revela. Algo de mais substantivo pede passagem.
Pontua a pesquisa o prefeito Bruno Covas: é incumbente, possui máquina. Explora o maior tempo de TV: a covid-19, o drama pessoal… À parte disso, esconde João Doria, sem abrir crise interna; tem se governado, valendo-se antibolsonarismo e do antipetismo; sonha expressar a frente ampla (contra quem?). Salvo acidente, tem o pé no segundo turno.
Celso Russomanno volta a ser Russomanno. Como em eleições anteriores, seu queixo é de vidro: declarações desastradas o derrubam. Soma a isso o padrinho controverso. As lutas do presidente contra a vacina e o isolamento social, na cidade mais afetada pela covid-19, agradam sua base: têm piso alto, mas o teto é baixo. O bolsonarismo já estaria em ponto de fadiga? O destino de Russomanno será a resposta
Na esquerda, uma guerra particular: o eleitor do PT migra para Guilherme Boulos, que tem ares de “PT de ontem”. Lula ajuda (um pouco) Jilmar, que saltou 50%, mas amarga meros 6%. Foi o tempo em que o ex-presidente separava mares, inventava nomes, elegia candidatos.
Enquanto uns fogem ou buscam padrinhos, Márcio França apela à imagem de independência num personalismo todo seu; busca a confluência dos que rejeitam padrinhos. Pode dar certo, a depender da disputa entre PT e PSOL. Mas, também pode se ver pagão, no eventual segundo turno.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
Bruno Boghossian: Bolsonaro aproveita eleições para abastecer clima de campanha permanente
Presidente alimenta antipetismo e recomenda voto contra prefeitos que aplicaram isolamento
Depois de dizer que não se envolveria nas eleições deste ano, Jair Bolsonaro entrou nas campanhas dos 5.568 municípios que vão às urnas em novembro. Na portaria do Palácio do Alvorada, o presidente lançou sua plataforma: recomendou voto contra prefeitos que adotaram medidas de isolamento e reviveu fantasmas ultraconservadores.
“Vocês têm que ver o partido em que o cara está. Esses partidos que pregam a destruição de lares, a favor de ideologia de gênero, o pessoal que apoia o MST… Vocês estão votando nesses caras”, afirmou aos apoiadores do governo, na quinta (22).
As corridas municipais representam um risco para Bolsonaro. A falta de uma máquina partidária e a incerteza sobre as disputas de 2020 poderiam produzir uma derrota em massa de seus apadrinhados. Conhecendo o perigo, ele tenta aproveitar o momento de outra maneira.
O presidente passou a explorar a arena eleitoral com dois objetivos. Na primeira trilha, ele age para politizar ainda mais o combate ao coronavírus. A ideia é desestimular o voto em prefeitos que se opuseram à cartilha bolsonarista. “Vê se você concorda com as medidas que ele tomou, obrigando a fechar tudo, falando grosso, prendendo mulher em praça, fechando praia”, declarou.
De outro lado, o presidente busca as assombrações ideológicas que associou à esquerda para criar a onda de ultradireita de 2018. Antes do papo no cercadinho do Alvorada, ele já havia usado um evento oficial, no início do mês, para pedir votos em “gente que tenha Deus no coração, que tenha na alma um patriotismo”.
Dois exemplos desse método são as únicas postulantes à Câmara de São Paulo apoiadas por Bolsonaro. Tanto Sonaira Fernandes quanto Clau de Luca se referem ao coronavírus como “vírus chinês” e alimentam a pauta conservadora.
Bolsonaro não teve força para lançar candidatos competitivos nas grandes cidades. Ainda assim, ele enxerga nas eleições uma oportunidade para manter seu conhecido clima de campanha permanente.