eleições italianas

Alberto Aggio: Impasse nas eleições italianas

Em meio às nossas turbulências paroquiais, acompanhamos desde o Brasil as eleições para o Parlamento italiano a serem realizadas no próximo domingo, 04 de março. São eleições gerais para a recomposição do Parlamento e indicar um novo governo para o país. Contudo, pelas últimas pesquisas, não é certo que se consiga indicar um novo Primeiro Ministro e formar um novo governo. A divisão em três blocos políticos assume feições irreconciliáveis, impedindo a formação de uma maioria. Isso faz parte da lógica do Parlamentarismo que os italianos conhecem muito bem.

As eleições de domingo não mexem com a Presidência da República, hoje exercida por Sérgio Mattarella. A mudança, se houver, atingirá o Primeiro Ministro, Paolo Gentiloni, que governa com o apoio de uma coalisão que tem no Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, sua maior força.

Apesar dos anos de crise e austeridade, a Itália vem saindo da recessão e a economia vem evidenciando um crescimento significativo para padrões europeus. Dessa forma, é equivocado imaginar que a retomada econômica não tenha sido resultado de programas e ações governamentais, como alguns imaginam. As eleições não se realizam, portanto, em meio a um cenário de fracasso irreversível do governo de turno. E, mesmo com as divisões políticas, com as quais os italianos convivem há décadas, não se pode dizer que a população espera que o melhor é não haver governo algum. Esse é um raciocínio hipócrita e calcado numa visão estereotipada dos italianos de que, em seu momento, Mussolini se aproveitou, ao afirmar que “governar os italianos não era impossível, era inútil”.

Estas eleições se realizam num cenário novo do ponto de vista institucional em razão da nova lei eleitoral que reintroduziu a proporcionalidade no sistema eleitoral. Isso pode dar ensejo a uma alteração no perfil da democracia italiana, que passaria a ser uma “democracia de partidos” e não apenas de líderes, ainda que haja necessariamente uma combinação entre essas duas dimensões. Com essa mudança aumentou a fragmentação partidária e a competição eleitoral, com a necessidade da formação de coalizões relativamente autônomas com vistas à formação do futuro governo.

Em função dessas mudanças e de outras que já estavam em curso, houve um significativo realinhamento de forças políticas. A maior novidade foi a consolidação do Movimento 5 Estrelas (M5S), criado pelo cômico Beppe Grillo, em 2009, e que hoje se afirma como o maior partido isoladamente, com aproximadamente 28% do eleitorado, de acordo com as pesquisas. Trata-se de um partido-movimento que nasce na vaga da antipolítica que vicejou nos últimos anos na Europa e no mundo. A contestação e o antagonismo a todo sistema político acabaram por fixar no M5S uma política antialiancista que pode inviabilizá-lo como força política capaz de formar governo. A não ser que cometa um “estelionato eleitoral” e se proponha a governar com algum partido de extrema-direita, como a Liga Norte, que compartilha das mesmas críticas maximalistas contra o sistema político.

Sem ter um partido que ultrapasse o percentual de 20% do eleitorado, a centro-direita italiana pode alcançar mais de 37% dos votos e se credenciar para a formação do novo governo. Compõem a centro-direita a Forza Italia, de Silvio Berlusconi mais a extrema-direita representada tanto pela Liga Norte quanto pelos Fratelli di Italia, expressões do renascimento do fascismo na Itália de hoje. A centro-direita parece ser uma união de fachada, sem organicidade programática e muito flutuante. Se a marca de neoliberista, de eficiência, empreendedorismo, elitismo, mais europeísmo são características fortes de Berlusconi, esses temas tocam pouco aos extremistas de direita que buscam empurrá-lo para temas anti-imigração e um nacionalismo fora de contexto. Com suas divisões reais, a centro-direita também terá dificuldades em formar governo depois das eleições, mesmo porque não atingirá o quórum necessário para não precisar do apoio de mais nenhum outro partido.

Por fim, a centro-esquerda comandada pelo PD. Não há dúvida que o PD passa por momentos muito difíceis eleitoralmente. É fiador de um governo relativamente exitoso, mas que não se envolveu diretamente na campanha em favor do partido (há que se considerar que a votação na Itália é tanto por partido quanto por lista e nomes). Desta forma, a identificação entre os êxitos do governo e o PD ficou rarefeita. Nas pesquisas, a sua votação se fixa em torno de 22%, disputando com o M5S o lugar de primeiro partido. No entanto, o PD conseguiu formar uma coalizão com pequenos partidos e movimentos que, segundo as previsões, deve elevar a votação da centro-esquerda a 27 ou 28%. Não fosse a fratura sofrida pelo partido, com a saída de líderes pós-comunistas, como Massimo D’Alema, Bersani, dentre outros, para formarem uma coalisão denominada Liberi e Uguali, que deve atingir por volta de 5 a 6%, a esquerda italiana estaria disputando a liderança da eleição com a direita.

Dividida em três polos, as forças políticas da Itália muito dificilmente terão condições para formar um novo governo nascido das eleições de 04 de março. O líder do PD, Matteo Renzi, afirma que jamais formará um governo com M5S e/ou Berlusconi. Este, por sua vez, não pode assumir o posto de Primeiro Ministro, por questões jurídicas: ainda está cumprindo pena de exclusão da vida pública. Terá problemas se indicar Matteo Salvini, da Liga Norte, para o comando do governo, na medida que não poderá controla-lo. Luigi Di Maio, líder do M5S anuncia na imprensa os ministros de seu possível governo, mas não diz como conseguirá a assunção ao poder.

Tudo isso significa que não há a mínima possibilidade de se propor qualquer transversalidade programática entre as principais forças políticas na Itália ou pelo menos entre algumas delas. O resultado será a indefinição e uma nova convocação ao eleitorado.

Mas, há hipóteses em circulação. Uma delas, de difícil realização: uma possível aliança entre o PD de Renzi e Forza Italia de Berlusconi, para um governo de transição visando novas eleições daqui a um ano. Outra hipótese, mais plausível, é a de um novo período para Paolo Gentiloni, ainda indefinido, com consentimento tácito do Parlamento, na medida em que o atual Primeiro ministro pode figurar acima dos impasses eleitorais e compor um novo gabinete que pode continuar dando respostas efetivas à população. Uma saída que é também um paradoxo: Gentiloni não disputou as eleições, mas as venceria. É útil ficar atento à política italiana. Ao menos nos estimula a tentar compreender a complexidade.

http://revistasera.ne10.uol.com.br/impasse-nas-eleicoes-italianas-alberto-aggio/


Ansa: Especial Eleições/Renata Bueno, candidata à Câmara da Itália

(ANSA) - Aos 38 anos, Renata Bueno tenta sua primeira reeleição à Câmara dos Deputados da Itália. Nascida em Brasília, a parlamentar atua na política desde os 16, acompanhando seu pai, o deputado federal paranaense Rubens Bueno, do PPS.

Bueno se formou em direito pela Universidade Tuiuti do Paraná, em 2001, e se especializou em direitos humanos e diálogo intercultural na Universidade dos Estudos de Pádua, na Itália, em 2003. Em 2008, foi eleita vereadora em Curitiba. Após a conclusão de seu mandato, foi se tornou deputada no Parlamento da Itália pela União Sul-Americana de Emigrados Italianos (Usei), em 2013

Na Câmara, integrou o chamado Grupo Misto e adotou posições alinhadas com o governo de centro-esquerda do Partido Democrático (PD). Em 2018, Bueno concorre à reeleição pelo Paixão Itália, movimento integrado à lista de centro Cívica Popular.

As trocas comerciais entre Brasil e Itália caíram mais de 30% desde 2013, ano das últimas eleições legislativas italianas. O que a senhora propõe para recuperar as relações entre os dois países no âmbito do comércio?

Nós passamos por uma grave crise econômica tanto na Itália quanto no Brasil nos últimos anos. Isso coincidiu com a legislatura. Nós temos de olhar para as câmaras de comércio, que são entidades que favorecem muito as duas ações, tanto empresariais quanto de investimentos. É claro que temos também um projeto interessante que já é tratado com a Argentina, que é o corredor do desenvolvimento, onde podemos ter ícones específicos de atração dos investimentos da Itália para o Brasil e vice-versa. A Itália também tem muito interesse em atrair investimentos brasileiros.

Qual é a proposta da senhora para aproximar Brasil e Itália na cultura e do turismo?

No âmbito cultural, nós já aprovamos a primeira lei do Brasil que foi exportada, que foi a Lei Rouanet na Itália, artigo número um do Decreto Cultura, o qual inclusive deu a possibilidade de fazer a reforma do Coliseu através de um financiamento privado. Estamos agora conversando já com o governo italiano para trazer esses investimentos, esse financiamento, para a cultura italiana no exterior. Ou seja, o governo poderá incentivar empresas que queiram investir e financiar projetos da cultura e do turismo da Itália no mundo todo. Essa é uma grande proposta que já aprovamos parte dela - como eu disse, a reforma do Coliseu foi feita dessa forma -, e agora queremos atrair também para as atividades culturais italianas no exterior.

Nos últimos anos, apenas um primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, veio ao Brasil, e por causa das Olimpíadas. A Itália negligenciou as relações políticas com o Brasil e vice-versa?

A Itália não negligenciou, nós tivemos alguns episódios nos últimos anos, principalmente na questão da não extradição de Cesare Battisti, que congelaram bastante o relacionamento entre os dois países. Então agora estamos retomando isso com o governo, que foi este do Partido Democrático. O Matteo Renzi veio, muito contente, vários ministros vieram também, não só o próprio Paolo Gentiloni, que é o atual primeiro-ministro, como outras autoridades importantes da Itália. Então nós temos interesse, sim, em retomar esse contato. Claro que tudo isso depende do futuro político dos dois países.

As eleições de outubro no Brasil podem facilitar a retomada das relações com a Itália?

A crise política também ajudou muito nesse distanciamento. O próprio presidente da República Sergio Mattarella não pode hoje vir ao Brasil pelas circunstâncias em que esse país se encontra. Isso já é mais do que sabido, que, a partir do momento em que tivermos um governo eleito e um governo reestruturado no Brasil, uma política estável, a Itália está pronta a vir fazer sua visita oficial.

A senhora é a favor da extradição de Cesare Battisti pelo governo brasileiro?

Sou a favor e acompanhei isso passo a passo desde seu grande episódio, em 2008. Nós temos acompanhado isso, como acompanhamos também o caso de Henrique Pizzolato, conseguindo sua extradição da Itália para o Brasil, um cidadão que era italiano e que a Itália mostrou para o Brasil como se faz. Minha promessa foi que eu me empenharia para fazer o mesmo, extraditando Cesare Battisti. Estou nesse empenho junto com muitas pessoas, junto com o governo do Brasil, tentando saltar as dificuldades políticas, porque nas jurídicas a gente já sabe que essa causa está ganha.

Os defensores de Battisti acusam a Itália de tentar interferir nas instituições do Brasil ao pedir novamente sua extradição, mesmo depois das decisões tomadas pelo presidente da República (Lula) e pelo Supremo Tribunal Federal. O que a senhora pensa dessa visão?

A permanência de Cesare Battisti é ilegal. Ele teve sua extradição concedida, mas, para permanecer em território nacional, ele precisa ter uma espécie de permissão para aqui estar. E ele não tem essa permissão. Tanto que ele foi condenado a ser deportado pela juíza Adverci [Rates Mendes de Abreu] e que agora essa ação, como tantas outras, está em grau de recurso. Juridicamente, tecnicamente, tudo cabe para que Cesare Battisti saia do Brasil, deixe o Brasil. Aí é óbvio, como eu disse, nós temos alguns impedimentos políticos que, infelizmente, ainda acabam bloqueando a nossa Justiça aqui no Brasil.

A comunidade de ítalo-descendentes no Brasil reclama bastante das filas para reconhecimento de cidadania nos consulados. O que a senhora propõe para melhorar essa situação?

É o grande calo hoje da nossa italianidade no mundo. Os consulados não dão conta de atender. Claro que tem uma precariedade imensa nos serviços e nas estruturas consulares. Nós trabalhamos isso no meu mandato enquanto deputada, nós trouxemos verba, mais de 2 milhões de euros para os consulados, nós trouxemos várias coisas para agilizar esses serviços. Até mesmo conseguimos aprovar a Convenção das Apostilas, que é o conhecido Pacto de Haia, para diminuir em 50% a burocracia, e vamos continuar tratando dessa forma. A nossa insistência é com o governo italiano, que melhore cada vez mais essa estrutura dos consulados, que aí é que a gente precisa fazer com que funcione e que mude, principalmente a mentalidade daqueles que devem dar ao cidadão italiano o seu direito de reconhecimento da cidadania.

A senhora é a favor da imposição de um limite de geração à concessão de cidadania jus sanguinis, como propôs um senador italiano no fim do ano passado?

Não, não sou a favor, até mesmo porque sou bisneta de italiano. Meu avô, Alberto Brustolin, que veio para o Brasil em 1921, nasceu em Treviso, e da outra parte ainda também sou bisneta da parte de Lucca, na Toscana. Então temos, sim, defendido muito essa bandeira na Itália, não só pela dificuldade de reconhecer essas cidadanias, mas que cada um tenha o seu direito cumprido. Afinal de contas, nós já nascemos cidadãos italianos, pelo direito do jus sanguinis, e nós precisamos só de um reconhecimento burocrático, que é obter a documentação italiana. Assim, vamos defender sempre os nossos italianos no exterior.

Um dos projetos que ficaram pendentes na última legislatura italiana foi o do jus soli. Se eleita, a senhora defenderá a aprovação dessa lei?

É um projeto bastante polêmico porque ele depende de ter muitas condições. A Itália não vai conceder cidadania simplesmente às pessoas que moram ali, mas nós precisamos ter muitas condições para que as crianças que nasçam ali tenham realmente condição de ser cidadãs italianas se assim for escolhido por sua família. Então nós temos que ter condições, eu acho que tem que progredir muito na questão dos critérios. Acho que precisam ser valorizadas as pessoas que já vivem ali há muitos anos, e é claro que sempre dando atenção prioritária aos italianos que já estão no mundo. Assim como eu fiz em plenário nessa legislatura, defendi no meu discurso em plenário dessa forma: temos que buscar condições e critérios para conceder cidadania através do jus soli, mas temos que ainda dar prioridade àqueles que são os verdadeiros descendentes de italianos no mundo.

Nos últimos anos, a Itália foi destino de um dos maiores deslocamentos em massa desde a Segunda Guerra Mundial. Qual, na visão da senhora, deve ser a postura do governo para lidar com a crise migratória e de refugiados no Mediterrâneo?

A crise migratória hoje é um problema do mundo, é uma falta de coesão social, um pouco daquilo que aconteceu no passado com os nossos avós, que vieram da Itália para o Brasil, e muito daquilo que está acontecendo hoje... Eu inclusive estive pessoalmente visitando Lampedusa, o centro de acolhimento de imigrantes que chegam da Líbia, do norte da África. É muito triste essa realidade. E não é culpa da Itália nem da Europa. A culpa é do grande capitalismo em que o mundo vive hoje, essa diferença de classes sociais. O que a gente vê no brasil entre centros e periferias das cidades a gente vê no mundo entre países ricos e países pobres. Então precisa-se transformar a realidade do mundo para a gente buscar uma solução na questão dos fluxos migratórios.

Quem é o candidato ou candidata da senhora a primeiro-ministro nas eleições de março?

Conforme anunciado, o movimento Passione Italia, que é o partido que nós criamos no Brasil, aliás, o primeiro movimento partidário italiano que nasce no Brasil, se aliou ao Civica Popolare. Então a squadra Passione Italia está na coligação do Civica Popolare, essa grande aliança na Itália, junto com vários amigos, Pier Ferdinando Casini, vários outros líderes italianos que vão, inclusive, nos dar força para o próximo governo. E com ele nós temos também a grande [Beatrice] Lorenzin, que é a ministra da Saúde, uma grande mulher e que compete, sem dúvida nenhuma com muita capacidade, para ser a próxima primeira-ministra da Itália. (ANSA)