eleições 2022

Rosângela Bittar: Entre na roda

Projetando-se do presente ao futuro, dominam a cena as forças moderadas

Daqui a pouco passa. Vitoriosos (muitos) e ressentidos (poucos) terão de voltar à vida política não eleitoral: crise econômica, desemprego, agravamento da pandemia, fome, desigualdade. O calendário de 2022 ficará suspenso. Porém, as marcas dos acontecimentos do momento não se apagam.

A fotografia: o presidente Jair Bolsonaro domina a cena do momento estático. Com derrotas em série, só se têm dele flagrantes desarticulados. Em menos de dois anos da introdução de sua era política foi desautorizado em pensamentos, palavras e obras. Seu mundo, lá fora, também ruiu, o que torna ilusão tudo o que representa. Mas não convém esquecê-lo. No comando do governo, prosseguindo no seu fazer nada, será um populista incompetente e descompromissado com a realidade. Porém, se quiser, recupera-se. E não tem só dois minutos, são mais dois anos inteiros. Tempo suficiente para criar um salário emergencial para todos e transferir as suas culpas ao Congresso, como é de costume. Não precisa de condições políticas para voltar à roda, já deixou claro que não é piloto nem passageiro de sua própria nave.

O filme: em movimento dinâmico, projetando-se do presente ao futuro, dominam a cena as forças moderadas, os democratas da esquerda à direita que conquistaram a adesão popular na condenação aos extremos.

O novo elenco se uniu aos que, já em ação, abriram antes a roda de conversas, agora ampliada. Não são ainda os partidos. Estes ficarão um bom tempo entretidos na negociação parlamentar, que comandam.

Para o diálogo político, que produzirá o enredo dos próximos dois anos, há também dois princípios definidos. O primeiro é que não pode haver vetos a ninguém em qualquer um dos projetos. É o mínimo que a moderação exige.

O segundo é fugir da definição precoce de posições. Luciano Huck, João Doria, Sérgio Moro, Luiz Henrique Mandetta, Hamilton Mourão, Ciro Gomes, Guilherme Boulos são candidaturas lançadas. Alguns, como Huck, em estágio avançado de formulação. Outros, como Moro, ainda discretos, para inibir a besta-fera do Gabinete do Ódio e sua capacidade destrutiva.

Huck, misto de liberal e social-democrata, foi o primeiro a se abrir a conversas com líderes políticos nacionais e internacionais, inclusive da esquerda, empresários, sociedade e demais candidatos potenciais. Tem uma equipe discutindo as políticas públicas que considera necessárias ao Brasil. Ciro Gomes, embora na roda, enfrenta o problema de ser candidato inamovível. João Doria, para se habilitar, terá não só que vencer o segundo turno em São Paulo. Sem isto será difícil até se reeleger governador. Mas precisa fazer uma grande gestão e reduzir sua rejeição. As demais propostas engatinham.

O eleitor municipal promoveu outros interlocutores políticos ao nível de reconhecimento federal. É inegável o crescimento do presidente do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), aumentará sua cotação se Eduardo Paes se eleger no Rio e, especialmente, se fizer seu sucessor.

Em meio às conquistas do MDB, sobressai-se o deputado Baleia Rossi. Segurou seu partido no centro, fugindo ao radicalismo do governo Bolsonaro, onde pontifica o volátil e bem-sucedido Centrão.

Guilherme Boulos (PSOL) se impõe como novidade e enigma. Alternativa de interlocução para o centro, papel que cabia apenas a Marcelo Freixo, Boulos se instalou, vença ou não o segundo turno, como protagonista essencial da política. A observar se conseguirá se manter na linha da moderação. Reconhecida, também, a capacidade de negociação do político Márcio França (PSB), que oferece a alternativa de costurar alianças do centro à esquerda. A ampla presença de São Paulo, Rio e Bahia na roda da articulação tornou mais surpreendente ainda a situação de Minas: uma vitória instigante da moderação, ainda fora do esquadro político por cansaço, indiferença, decepção ou abulia.


Carlos Andreazza: Segundas ondas

Será erro subestimar Bolsonaro à luz do que expressam as urnas

A eleição municipal será o menor dos problemas de Bolsonaro. Há exagero em nacionalizá-la, em responsabilizá-lo diretamente pelo derretimento daqueles que apoiou; talvez com o intuito — politicamente legítimo — de lhe colar derrotas. Ok. É do jogo. Ele perdeu. Os candidatos pelos quais pediu foram mal. Mas que não se leia na fotografia projeção de fraqueza. Será erro subestimá-lo — senhor da máquina federal — à luz do que expressam as urnas.

Será erro, aliás, não contar com a aceleração do populismo bolsonarista como resposta ao que manifestaram as urnas. Chegarei lá.

A experiência da pandemia foi a grande eleitora. Haveria um ensinamento aí. A sociedade escolheu não tomar riscos, numa espécie de ressaca de 2018 antecipada pelos efeitos da peste. Mas essa não é lição para um sectário personalista como Bolsonaro; para quem só uma questão interessa: qual a carga dos fracassos de aliados sobre sua reeleição?

À análise política cabe avaliar até que ponto 2020 condicionaria 2022. De partida: dificilmente a peste estará entre nós daqui a dois anos, mas respostas a seu flagelo, como um Bolsa Família turbinado, provavelmente sim. Não é pouco, dada a natureza imediatista-utilitarista do voto. E a aposta de Bolsonaro permanecerá a mesma. A única que pode fazer: defrontar-se novamente com Lula, ou um cavalo seu, e forçar o eleitor a escolher — de novo — entre rejeições.

Alguém dirá que haveria outra lição para o presidente desde as urnas: a inexistência de estrutura partidária a cobrar preço alto, sendo um equívoco supor que as circunstâncias lava-jatistas de 2018 — o auge da criminalização da política — se repetirão sempre. Essa reflexão, porém, importa para uma Zambelli e outros parasitas. Não para Bolsonaro. Ele não é líder de movimento orgânico baseado em representação política. É o corpo de fenômeno reacionário autocentrado, que despreza a democracia representativa, que depreda o sistema partidário, e que até pode beneficiar algumas de suas franjas, ou muitas, como há dois anos, mas que é ele e só ele, para ele e apenas ele.

Fala-se na força revigorada do centro emergindo em 2020. É um falso poder; esperança deforme. Ao menos por ora, já que sem canalização. Bons resultados — do DEM, por exemplo — aos quais não corresponde a ascensão de figura capaz de dar cara nacional aos números. Quem é o líder de centro-direita? De centro-esquerda? Sem esses nomes, e não é óbvio que surjam, e presos à busca cafona por um Biden brasileiro, os que se opõem a Bolsonaro, enquanto se engalfinham por rotular uns aos outros, só terão a seu favor a torcida para que seu governo, muito ruim, piore.

Será essa provável piora, contudo, suficiente para derrotá-lo? Ou, em dois anos, haveria como promover poderosa empresa populista que, dando poder de consumo à miséria, empurrasse a explosão fiscal para frente? A pandemia, tão servida como desculpa, desculpa continuaria sendo.

Das urnas em 2020, também saem robustos, partidos como PSD e PP, siglas sem identidade, cuja portentosa capilaridade prática — pergunto — mais facilmente se associaria a um projeto de centro para vencer Bolsonaro e tomar-lhe a cadeira, ou a um programa de Bolsonaro, já sentado no trono, por fazer jorrar renda no Nordeste?

Não existe moderação em Bolsonaro. Há conveniência. A fase populista nunca se opôs ao autoritário essencial. O populismo serve ao autoritarismo. O populismo serve à reeleição, a partir da qual o autocrata poderá se desenvolver desamarrado. Havendo grana, não lhe faltarão sócios.

Bolsonaro não tem como operar na normalidade — o que equivaleria a seu perecimento. Precisa de crises. O chamado Centrão sabe e (mesmo assim) fechou com ele. Não será excesso escrever que a pandemia lhe deu segurança. Não será excessivo afirmar que uma segunda onda lhe garantiria a musculatura competitiva. Seu governo é basicamente o auxílio emergencial. Esse é o seu problema; não a eleição municipal perdida por meia dúzia com quem fez lives: assegurar que haja dinheiro para lhe bancar o populismo, manter os parceiros satisfeitos e impulsionar um governo caótico à reeleição. (Não é impossível —fracassando o golpe de Alcolumbre — que logo tenha um presidente da Câmara para chamar de seu.)

O recrudescimento da doença —já disse Guedes —imporia a prorrogação do auxílio. Seria, pois, o caso de o esfomeado brasileiro torcer pelo agravamento da circulação do vírus; de modo a ter a segunda onda de arroz à mesa. Seria também o caso de desconfiarmos de o governo torcer pelo recrescimento da pandemia, com o que bancaria a própria existência —de resto defendida a popularidade do presidente. Faz sentido.

Um estado de calamidade longevo para um governo permanentemente calamitoso. Gatilho para alimentar a guerra contra governadores, limpar o campo para admitir a vacina e chancelar a rolagem da situação orçamentária excepcional; que prorrogaria o auxílio, aliviando o liberal-guedismo de explicitamente romper com o teto, além de lavar —com a escusa da crise derivada da peste — as cores aberrantes da incompetência em gerir o país.

Populistas, autoritários, incompetentes e irresponsáveis são eleitos (e reeleitos) o tempo todo. As cartas estão postas. Não sejamos os negacionistas.


Cristina Serra: O dedo podre de Bolsonaro e 2022

Huck e Moro são parte do problema, não a solução

A eleição municipal traz elementos importantes para o cenário de 2022. Bolsonaro ganhou o troféu dedo podre de 2020. Seu fracasso como cabo eleitoral mostra que ele pode ser derrotado daqui a dois anos. Já é um começo, mas é pouco.

No campo oposto, o desempenho de Boulos (PSOL) na cidade mais importante do país mostra que a esquerda está viva e encontra ressonância no eleitorado. Com apenas duas semanas até o segundo turno, o desafio de Boulos é gigante, enquanto seu aliado preferencial, o PT, lambe as feridas de uma derrota tão esmagadora quanto previsível no seu berço político.

Tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro a eleição municipal mostra que falta pensamento estratégico aos partidos progressistas. E isto pode ser fatal daqui a dois anos.

Quem nadou de braçada foi a direita. Conquistou capitais importantes e tem chance de ampliar as vitórias no segundo turno. O centrão, amálgama de siglas identificadas com a rapinagem na política e o velho toma lá, dá cá, aumentou sua presença no interior. Partidos como PSD, PP, PL e Republicanos passam a disputar com MDB e DEM a capilaridade Brasil adentro.

A direita já se movimenta para 2022 com alguma desenvoltura. Do seu laboratório de feitiçarias saiu recentemente a dupla Huck-Moro, que se apresenta como centrista, a fórmula mágica que pode encantar o eleitorado cansado da "polarização". O animador de auditório fez seu nome explorando a imagem da pobreza alheia na TV. Em 2018, disse que Bolsonaro tinha uma chance de ouro de "ressignificar" a política.

Moro, até ontem, serviu a um governo de extrema direita e a um presidente que defende a tortura. E propôs projeto anticrime que dava a policiais uma licença para matar sob forte emoção. Huck e Moro são parte do problema, não a solução.

Não só o eleitor deve evitar esse tipo de embuste mas também o jornalismo, como bem alertou a brilhante análise de Flávia Lima nesta Folha, no domingo.


Eliane Cantanhêde: Eleitor dá uma grande vitória ao País

Depois de se aventurar sem racionalidade em 2018, eleitorado desta vez preferiu caminhar em terra firme e a grande vitória destas eleições é da política tradicional

As eleições de 2018 foram um hiato e as de 2020 repõem as coisas nos devidos lugares. Assim como nesses dois anos evaporaram todas as bandeiras de campanha do presidente Jair Bolsonaro, também sumiram de Norte a Sul os partidos, candidatos e compromissos inventados sob o rótulo de “nova política”. Eles não tiveram vez.

Depois de se aventurar sem racionalidade em 2018, o eleitorado desta vez preferiu caminhar em terra firme e a grande vitória destas eleições é da política tradicional, do conhecido, de quem tem serviço prestado. A direita belicosa de Bolsonaro ficou pelo caminho, junto com o PSL, militares, policiais, bombeiros e juízes que se meteram onde não deviam.

A “nova-velha” centro direita, que se contrapõe à extrema direita bolsonarista, é mais moderna e confiável, não surpreende a vantagem de DEM e PSDB, que concorreram separados, mas devem se encontrar em 2022. O DEM ganhou em primeiro turno Salvador, Curitiba e Florianópolis e, no Rio, o ex-prefeito Eduardo Paes enfrenta no segundo turno o atual prefeito, Marcelo Crivella, que tem índices recordes de rejeição.

O PSDB chega em primeiro em São Paulo, reelegeu Cinthia Ribeiro em Palmas e disputa bem em Natal, Campo Grande e Porto Velho. Se Bruno Covas for reeleito, como tudo indica, deverá gerar um outro troféu: o MDB deverá ter o maior número de prefeituras, mas os tucanos poderão governar o maior número de eleitores no País.

Na outra ponta, a esquerda surpreende bem na reta final, mas não o PT. Guilherme Boulos (PSOL) terá dificuldades contra Covas no segundo turno, porque a resistência será forte em São Paulo, mas ele já teve uma conquista: a liderança das esquerdas, que estão bem em Belém, com PSOL, Porto Alegre, com PCdoB, e numa disputa em Recife entre PSB e PT, aliás, entre bisneto e neta do velho Miguel Arraes, grande referência política no Estado.

É assim que, apesar dos problemas do TSE, já se pode concluir que o eleitorado parou de brincar de novidades perigosas e voltou a olhar quem é quem, quem fez o que e o que são e representam os reais partidos. Só isso já é uma grande vitória.


O Globo: ‘O discurso da nova política perdeu a força’, diz cientista político Jairo Nicolau

Ainda sem o resultado oficial do primeiro turno, especialista avalia que as urnas apontam para uma vitória dos grandes partidos e uma redução do impacto das redes sociais

Maiá Menezes, O Globo

Especialista nos meandros da política e autor do livro “O Brasil virou à direita”, publicado este ano, o cientista político Jairo Nicolau interpreta o resultado das urnas como um retorno ao que classifica como velha ordem, em uma eleição em que o espectro da “nova política”, que dominou 2018, se dispersou. Em entrevista ao GLOBO, ainda sem o resultado oficial das urnas, ele avalia o cenário pós-primeiro turno e o impacto desta eleição em 2022.

Na sua avaliação, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou peso na transferência de voto?

O presidente Jair Bolsonaro não tem projeto de organizar um campo político, um partido, todo jogo dele é muito solitário. Nesses dois anos, ele perdeu lideranças que o apoiaram. Não conseguiu agregar nada coletivamente. Ele agiu, na eleição, no estilo que manteve no governo: dando apoios pessoais e ocasionais em lives. Não mirou um campo político. Apoiou candidatos diferentes entre si. Não transferiu votos para ninguém. E quem se elegeu com o poder de transferência que ele tinha em 2018 foi embora. No Rio, na reta final, ele no máximo deu quatro pontos ao (Marcelo) Crivella para chegar ao segundo turno — um candidato que tem a máquina da igreja (Universal) e da própria gestão.

O que as urnas marcaram neste 2020?

Ficou claro que o discurso da “nova política” perdeu a força. As redes sociais perderam a força, muitos candidatos que subiram com o Bolsonaro em 2018 não foram bem. O próprio Crivella tem 1/5 dos votos que teve em 2016. Vejo uma chance remotíssima de se reeleger.

O discurso da nova política então não prosperou?

Houve de fato um insucesso. A maior renovação de 2018 foi a renovação dos votos do PSL. (Em 2016) Houve uma frustração, que levou o Rio a defenestrar o candidato do ex-prefeito Eduardo Paes (o deputado federal Pedro Paulo). O (governador afastado do Rio) Wilson Witzel deu no que deu. Me parece que houve um reencontro com a política. Um entendimento de que ela deve ser feita por intermédio de lideranças. (Guilherme) Boulos (candidato do PSOL em São Paulo) é liderança política importante. Lideranças do DEM ressurgiram.

Que recado as urnas trouxeram?

A impressão é que estamos voltando a uma velha ordem. Depois de 2016 e 2018, retomamos os trilhos de 2014. Os que venceram foram os partidos maiores, mais tradicionais. É o DEM, o PSOL (que não é tão jovem). O mundo era assim. Até que veio a hecatombe de 2016, com os resultados de Rio, São Paulo e Minas reforçando um discurso antipolítica. Sem querer reforçar o clichê, tenho a sensação de que voltamos ao velho normal.

Como explicar a diferença de performance da esquerda no Rio e em São Paulo? A divisão parece ter ficado explícita no Rio.

No Rio, a gente sabe desde sempre que a esquerda sai divida. Novamente, cada um lançou um candidato. Não há garantia de que, sem a Benedita da Silva (candidata do PT, deputada federal), a Martha (Rocha, deputada estadual) teria fôlego para chegar ao segundo turno. Mas essa conta tinha que ter sido feita antes. É preciso lembrar que a esquerda, desde 1992, só concorreu duas vezes no segundo turno no Rio. O fato é que saíram maiores do que entraram.

Qual a repercussão deste resultado em 2022?

Sabemos que os vereadores serão cabos eleitorais. Mas o resultado de uma eleição municipal nem sempre espelha o de uma eleição geral. O fato é que, em 2018, havia uma expectativa de que Bolsonaro teria condições muito propícias para expandir seu poder, e um partido que concorreria com solidez. No entanto, Bolsonaro não tem nada para comemorar. Não tem partido. E seus nomes terem ido mal nas urnas é um mal sinal. Seriam os ativistas de 2022. Ficou clara a derrota de um campo que se dispersou nesta eleição.

A esquerda ganhou espaço. Mas como ficou o Lulismo?

O que aconteceu em São Paulo, com (Guilherme) Boulos foi um fenômeno eleitoral. Ele conseguiu entrar na periferia, foi criativo. Transcende a esquerda. Com um apoio explícito de Lula, talvez carregasse a rejeição ao PT. Ainda não sabemos como se dará essa influência no Nordeste (até o fim da noite, os dados ainda não indicavam o efeito da presença de Lula nas campanhas regionais).

A pandemia de Covid-19 de fato repercutiu na abstenção?

Tudo indica que esta vai ser a eleição que terá a maior taxa de abstenção do país. Algumas cidades como São Paulo ultrapassaram os 30%. Muito provavelmente a pandemia pautou isso. A abstenção já vinha subindo. Agora, certamente será muito mais alta. O aumento da rejeição à política não aumentou. O que ficou claro é que bairros onde majoritariamente moram idosos, como Copacabana, o medo do contágio falou mais alto.

Isso significa que o interesse pela eleição diminuiu?

Não. O medo da pandemia surgiu, mas o interessante é que o número de votos em branco ou nulo diminuiu. Na maioria, quem saiu, tinha candidato.


Dora Kramer: Pé no chão

Uma coisa é certa: em 2022 a política tradicional não embarca outra vez na canoa de Bolsonaro

A notícia do encontro de Luciano Huck com Sergio Moro levou de volta à cena da sucessão presidencial o apresentador que andava sumido desde a eclosão da pandemia. Outro efeito foi expor o ex-juiz ao frio e à chuva dos ataques à direita e à esquerda e enquadrá-lo na moldura de companhia questionável: um tanto tóxica no meio político, mas bem-aceita na sociedade.

Por ora, fica por aí o andamento da construção de uma candidatura de centro capaz de enfrentar Jair Bolsonaro em 2022. Isso no tocante ao que os artífices da empreitada estão dispostos a revelar ao público, porque nos bastidores a coisa segue o ritmo das conversas, aproximações e lances antecipados para futuras alianças que vêm acontecendo desde o ano passado.

Huck recolocado, Moro testado e João Doria instigado, mas mais interessado em se firmar como contraponto a Bolsonaro do que em disputar espaços internos na articulação de uma alternativa ao presidente. Este é o quadro e dele não veremos grandes evoluções até que se possa dar por encerrada a crise sanitária, definida a troca (ou repetição) do comando no Congresso e delineados os rumos da economia, para o bem ou para o mal.

Aqui o mapa do resultado do primeiro turno da eleição municipal tem importância relativa. Para antecipar definições sobre vencedores e perdedores em 22, o peso é zero. Temos exemplos a mancheias de derrotados numa e vitoriosos na seguinte, e vice-versa. Importa sim o tamanho do eleitorado que sairá representado por essa ou aquela força política, aí sim projetando uma tendência do estado de espírito do eleitorado.

Pelas pesquisas, o desenho revela uma inclinação ao já conhecido e/ou testado: Bruno Covas em São Paulo, Eduardo Paes no Rio de Janeiro, o atual prefeito em Belo Horizonte, os herdeiros de Eduardo Campos e ACM Neto no Recife e em Salvador, respectivamente. Se confirmadas as intenções de voto, teremos a prevalência do ânimo conservador (não no sentido ideológico) sobre humores pautados por revolta e ressentimento.

É verdade que não temos nada parecido com figuras de escol em matéria de experiência e biografia. Temos de desconsiderar perfis ideais e trabalhar com as hipóteses postas. No campo da candidatura dita de centro, Sergio Moro não agrega e Luiz Henrique Mandetta não passa pelo crivo dos interesses do partido dele (DEM). Restam Luciano Huck e João Doria. Numa avaliação crua, Huck por enquanto se situa na desvantagem em relação a Doria.

Pelo seguinte: o governador é do PSDB e já compôs uma aliança com o DEM e o MDB que inclui a eleição municipal em São Paulo e outras capitais (Rio e Salvador, por exemplo), a composição da chapa de 2018 com a cessão ao DEM da vice e a chance de assumir o governo a partir de abril de 2022, além da escolha dos próximos presidentes da Câmara e do Senado. Fechou, assim, com as forças políticas de maior peso.

Esse pessoal pode mudar e se transferir para uma candidatura de Luciano Huck? Até pode, mas não fará isso antes de o apresentador mostrar capital eleitoral/partidário e transformar-se de celebridade popular em candidato competitivo. Uma coisa é este ou aquele político demonstrar simpatia e posar para fotos com Huck, outra é ver esses personagens embarcar na canoa dele para valer.

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Doria, contudo, tem obstáculos fortes para ultrapassar: o pouco conhecimento em âmbito nacional, uma certa antipatia país afora com a supremacia paulista e a desconfiança do eleitorado do próprio estado pelo fato de ter abandonado a prefeitura para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes depois de ter prometido cumprir o mandato.

Para vencer essas dificuldades, Doria se posiciona como um contraponto a Bolsonaro a fim de ganhar projeção e firmar imagem de governante civilizado e eficaz. Ciente do peso do quesito aversão a “paulistices”, no lugar de se referir aos “paulistas”, adota a expressão “brasileiros que moram em São Paulo”. Por sua vez, Huck e até Ciro Gomes não têm responsabilidades governamentais e podem se movimentar com mais liberdade.

A despeito da indefinição do panorama hoje mais calcado em hipóteses a ser definidas a partir de meados de 2021, uma coisa é certa: os políticos tradicionais que em 2018 ficaram com Bolsonaro de modo utilitário e entraram na eleição desarticulados não vão repetir a dose.

E o papel do Centrão? É como diz um dos donos da voz da experiência na política tradicional: “o centrão é o primeiro na fila dos cumprimentos ao vencedor”.

Publicado em VEJA de 18 de novembro de 2020, edição nº 2713


RPD || Benito Salomão: Eleições 2020 e seus reflexos para 2022

Primeira eleição após a reforma política realizada pelo PLC 75/2015, pleito deve ser marcado pelo barateamento dos custos das campanhas eleitorais em todo o País e pela concentração partidária, avalia Benito Salomão

Em 15 de novembro, data próxima à da publicação desta Revista, serão escolhidos, em primeiro turno, prefeitos em 5.475 municípios brasileiros com número de eleitores inferior a 200 mil. Nos outros 95 municípios em que a massa eleitoral supera esse contingente, poderá haver uma disputa em segundo turno. A injeção de cerca de R$ 230 bilhões na economia, no rastro do auxílio emergencial, deve favorecer a reeleição ou continuidade de governos que estariam fadados à derrota no atual contexto de pandemia, agravada pela recessão. Por continuidade quero dizer a não exclusão de políticos tradicionais diante do fracasso da “nova política”, plasmado pela eleição em 2018 de figuras pouco expressivas e sem currículo como Bolsonaro, Witzel, Zema e tantos outros.

Esta é, ainda, uma eleição atípica, por ser a primeira após a reforma política realizada pelo Projeto de Lei Complementar (PLC) 75/2015, que mudou inúmeras regras para as eleições no Brasil. A primeira mudança consiste na forma de financiamento das campanhas políticas, com a suspensão dos aportes de origem empresarial e a criação do fundo eleitoral público. Duas consequências devem ocorrer a partir desta nova regra: A primeira é o barateamento dos custos das campanhas eleitorais em todo o Brasil. Quem caminha pelos grandes centros brasileiros e percebe a ausência de campanhas pelas ruas tende a imaginar que se trata de mais um efeito da pandemia, mas, na verdade, boa parte dos candidatos recebeu apenas recursos para financiar os programas de televisão. Em segundo lugar, a tendência à consolidação dos partidos tradicionais. Levantamento do IBOPE em 30/10, abrangendo 23 capitais, mostra clara tendência de concentração em alguns poucos partidos.

Democratas e PSDB são os que estão sendo mais bem avaliados pelas pesquisas, cada um liderando em 5 capitais. PMDB e Podemos estão à frente em outras 3, cada. O PSD desponta como vencedor em 2 capitais. PP, PC do B, PSB e PDT lideram em 1 capital cada um.

Ou seja, dos atuais 27 partidos com representação na Câmara dos Deputados, apenas nove devem eleger prefeitos. Dos atuais grandes partidos brasileiros, apenas PT e PSL não lideram as pesquisas em capital alguma. O PT corre em 2° ou 3° lugar em algumas capitais; o PSL, nem isso. A se confirmarem esses resultados, pode surgir novo centro de resistência à polarização bolsonarismo x petismo, fenômeno que poderá ser aproveitado por alguma liderança de projeção nacional.

Esta tendência de concentração partidária deverá se refletir também, porém de forma mais imperfeita, na composição da próxima Câmara. Isso porque, a partir de 2022, a cláusula de desempenho para acesso partidário ao fundo de financiamento e ao horário na televisão se tornará mais apertada do que foi em 2018. Na eleição de 2022, de acordo com a PEC 33/2017, o partido precisará ter 2% dos votos válidos em 9 unidades da Federação e ser obrigado a eleger um número mínimo de 11 deputados federais. Somado com o fim das coligações proporcionais, isso tende a reverter o processo de proliferação partidária verificado nos anos 2000 e 2010.

Ainda é cedo para projetar, com base no que suponho possa ser o desempenho eleitoral dos principais partidos nos municípios, a configuração do próximo Congresso. As eleições para deputado federal têm outra dinâmica. Dependem muito do resultado das eleições no interior, tanto mais porque a possível concentração partidária, a ser registrada nesta eleição municipal, pode não se refletir na eleição para o Parlamento, por duas razões:

i) as disputas por prefeituras de cidades menores, espalhadas pelo interior, tendem a favorecer a pulverização partidária; e

ii) o objetivo de alguns candidatos a prefeitos não é tanto superar pesquisas eleitorais adversas e vencer as eleições, mas, antes, cacifar suas campanhas para deputado em 2022. Em outras palavras: partidos como o PSL e o PT, mesmo que não consigam eleger prefeitos em cidades importantes, poderão preparar-se para formar bancadas poderosas nas próximas eleições.

As eleições de 2020 talvez inaugurem nova fase da vida político-eleitoral brasileira. Na minha opinião, fase melhor, com campanhas mais baratas, maior fidelidade partidária, número menor de partidos, com maior eleitorado.

*Benito Salomão é economista.


Ricardo Noblat: O centro está engarrafado com aspirantes a candidatos em 2022

Política é a arte da conversa em busca do entendimento

Sem conversa não se faz política. É saudável que os diretamente interessados nas eleições presidenciais de 2022 comecem a conversar. Daí porque é estranha a reação do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, à notícia de que o apresentador Luciano Huck e o ex-juiz Sérgio Moro se reuniram.

Huck ainda não teve coragem para se assumir como candidato à sucessão de Jair Bolsonaro, e pode ser que jamais venha a ter. Mas ele se mexe como se pudesse ser. Moro é mais discreto. Mas mesmo que não concorra, seu apoio será disputado.

Maia disparou em Moro ao dizer que não apoiará “uma chapa integrada por alguém de extrema-direita”. A mulher de Moro, no passado, disse que o marido e Bolsonaro são a mesma coisa. À época, Moro e Bolsonaro estavam de bem.

Foi a declaração de uma mulher eufórica com a perspectiva de ver o marido ocupar uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. Ela não repetiria, hoje, o que falou. De resto, se Moro é um extremista de direita como quer Maia, Bolsonaro é o quê?

Lula e Ciro Gomes também conversaram. Lula nada revelou a respeito. Ciro, provocado, afirmou: “Lavamos roupa suja pra valer. Sob o ponto de vista das compreensões da questão brasileira, continuamos como estávamos antes de conversar”.

Fiel ao seu estilo briguento, Ciro aproveitou para bater em Moro, no governador João Dória (PSDB) e indiretamente no ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta que andam tendo muitas conversas. Acusou-os de ser de direita. De centro, seria ele, Ciro.

O “Efeito Joe Badin” já se faz sentir nas preliminares da eleição presidencial de 2022. São muitos os aspirantes a candidatos desejosos em se credenciar como possíveis nomes do centro. Ou de centro-esquerda. De centro-direita, só se for muito necessário.

Derrotado nos EUA, Bolsonaro prepara-se para perder aqui

Deve haver alguma razão para que ele se comporte assim

Foi ontem que o presidente Jair Bolsonaro, no que chama de seu programa eleitoral gratuito no Facebook, apareceu ao lado da Delegada Patrícia Amorim (PODEMOS), candidata a prefeita do Recife. Mas foi na semana passada que anunciou seu apoio a ela.

Até então, Patrícia estava bem nas pesquisas de intenção de voto. Superara o candidato do DEM, Mendonça Filho. E ameaçava atropelar Marília Arraes (PT) para disputar o segundo turno com o deputado João Campos (PSB). Por enquanto, já não ameaça.

A mais recente pesquisa Ibope mostra que Patrícia caiu quatro pontos percentuais, que Mendonça Filho cresceu e Marília também. O índice dos eleitores que dizem que não votarão de jeito nenhum em Patrícia dobrou nos últimos sete dias.

Em São Paulo, Celso Russomanno (Republicanos), o candidato festejado por Bolsonaro, continua andando para trás. Despencou de 20% para 12% e ficou um ponto percentual atrás de Guilherme Boulos (PSOL). A rejeição a Russomano bateu a casa dos 40%.

Bolsonaro ainda tem esperança de que seu candidato a prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), dispute o segundo turno com Eduardo Paes (DEM). Ele está um ponto à frente da Delegada Martha Rocha (PDT), mas cresce entre os eleitores mais pobres.

Cresce também a torcida de Paes para enfrentar Crivella no segundo turno. Seria para ele o adversário mais fácil de derrotar. Em sua live no Facebook, Bolsonaro citou outros candidatos que têm o seu apoio nas capitais. Todos na rabeira das pesquisas.

Votar neles, segundo disse Bolsonaro, seria uma maneira de fortalecê-lo e ao seu governo, e de derrotar os que lhe fazem oposição. Sim, Bolsonaro disse isso, sujeitando-se a que se diga mais tarde que seu apelo não foi atendido e que ele perdeu.

Bolsonaro começou a cavar sua derrota nas eleições deste ano quando abandonou o PSL pelo qual se elegeu presidente da República, e tentou, mas não conseguiu criar um partido para chamar de seu. Prometeu então que ficaria neutro. Não ficou.

No caso das eleições americanas, para quem se diz amigo de Trump que não fala a sua língua, nem Bolsonaro a dele, poderia até ser compreensível que apostasse em sua vitória. Mas não a ponto de negar-se a reconhecer que Joe Biden ganhou.

Escolheu, portanto, comportar-se como se ele, Bolsonaro, também tivesse perdido, e, como Trump, alimentasse a esperança de reverter a derrota no tapetão da Suprema Corte. A opção por ser vencido lá e cá deve ter alguma misteriosa explicação.

Dizem ministros que o cercam que Bolsonaro com isso quer dar mais uma demonstração de fidelidade à sua base eleitoral de raiz que não admite recuos. Ela está incomodada com o fato de ele ter se rendido à política tradicional que antes dizia abominar.

É, pode ser. Mas essa base já foi muito maior. E tende a encolher mais quando aparecerem nomes para disputar seus votos com Bolsonaro em 2022. Aí o bicho vai pegar para ele.


Merval Pereira: De olho em 2022

As primeiras pesquisas eleitorais demonstram que a polarização política entre extremos está sendo reduzida nos grandes centros, com o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula sendo cabos eleitorais de pouca serventia. O caminho parece aberto para candidatos do centro democrático, sendo a experiência política uma qualidade requerida pelo eleitorado, mesmo que talvez signifique também ambientação a um sistema visto como corrompido.

O melhor exemplo que une experiência e bem sucedida atuação de um candidato novo na política é o prefeito de Belo Horizonte Alexandre Khalil, que pode ser reeleito no primeiro turno derrotando forças políticas tradicionais como PT e PSDB no Estado de Minas.

O exemplo contrário está no Rio de Janeiro, onde o prefeito Marcelo Crivella vai se desmanchando no processo eleitoral, com o presidente Bolsonaro evitando uma aproximação que seria natural. O presidente e Lula são os cabos eleitorais mais rejeitados no Rio, um estado que passou recentemente pelo trauma de um governador que representava enganosamente o novo na política, foi catapultado ao poder pelo apoio da família Bolsonaro, à qual traiu na ânsia de dar passos além de sua curta perna política.

O fantasma da corrupção na política assombra vários candidatos na eleição do Rio, sendo que os dois que lideram a pesquisa, Eduardo Paes e Crivella, andam às voltas com processos. A boa experiência de Paes como prefeito se contrapõe à atual gestão catastrófica de Crivella, o que justifica o favoritismo do primeiro.

Com as novas regras que impedem as coligações proporcionais, ficará mais difícil para partidos sem base territorial cumprir as cláusulas de barreira. Ter uma base municipal forte é um passo importante para a formação de bancadas de deputados federais mais adiante em 2022, e também de um Fundo Eleitoral que é proporcional ao número de cadeiras dos partidos.

A partir das eleições deste ano, os partidos mais fracos desaparecerão, sem eleger candidatos, ou terão que procurar fusão para poderem enfrentar uma eleição geral sem coligações proporcionais e com cláusulas de barreira. A força municipal terá, portanto, inevitável reflexo nacional.

O presidente Bolsonaro, sem partido, poderá complementar sua conversão à velha política se filiando a um dos partidos do Centrão. Mesmo que não se concretize, o convite do MDB para que o presidente entre no partido é a mais vigorosa imagem da realidade política brasileira. O MDB está preparado para voltar ao centro da disputa eleitoral oferecendo uma estrutura política nacional das mais fortes.

Em São Paulo, o embate parece ser entre o governador João Doria e o presidente Bolsonaro, que abriu seu apoio a Russomano sem se precaver de uma provável decaída de seu candidato, que tem fama de cavalo paraguaio que larga na frente e perde o fôlego na reta final. A diferença dele para o prefeito Bruno Covas já está encurtando.

Lula parece não ter chance com o candidato puro sangue Jilmar Tatto, assim como no Rio a ex-governadora Benedita da Silva sugere não ter fôlego para ir ao segundo turno. A insistência do ex-presidente de controlar a indicação dos candidatos municipais, em vez de aceitar fazer alianças com candidatos mais fortes, como é o caso de Boulos do PSOL em São Paulo, revela uma tendência individualista que já não corresponde à sua força política.

Até mesmo em Recife, onde a petista Marília Arraes está em segundo lugar, a influência de Lula parece menor do que a disputa entre o clã Arraes. João Campos, do PSB, é filho de Eduardo Campos e bisneto de Arraes, enquanto Marília, do PT, é sua neta.

As eleições municipais, embora tenham um peso maior das questões locais, são fundamentais para a organização política de futuras candidaturas nacionais, pois fortalecerão os partidos regionalmente, dando bases de prefeitos e vereadores para uma eventual campanha presidencial. O aparente declínio da polarização entre os extremos pode indicar que alternativas a ela tenham mais chance em 2022.


Alon Feuerwerker: Duas eleições. E as dúvidas entre o "se" e o "quando"

Não haverá debates, ou haverá poucos. A propaganda compulsória no rádio e na TV, dizem, atrairá bem menos interesse. O eleitor está tomado de preocupações relacionadas à pandemia da Covid-19 e à situação da (própria) economia. Há candidatos demais a prefeito, uma grande dispersão, o que provoca certo cansaço antecipado. E a campanha de rua e o corpo a corpo estão bastante limitados.

Bem, se tudo isso for mesmo verdade estas serão as eleições da inércia. E a inércia beneficia os mais conhecidos, quem está na frente nas pesquisas. E a grande dúvida: o que pode romper a inércia?

Um forte propulsor da tendência inercial são a homogeneização e pasteurização das candidaturas. O desfile dos nomes e suas propostas transmite certa sensação de "fim da história". Todo mundo propõe alguma modalidade de renda básica, mais dinheiro para as escolas, mais atenção para a saúde, subsídio ou gratuidade para o transporte, e por aí vai.

Eleições locais têm mesmo a tendência de serem essencialmente paroquiais, mas o grau previsto de paroquialidade destas apresenta uma contradição flagrante com o ambiente de polarização em que a sociedade brasileira já vem mergulhada há anos. Outra dúvida: a chegada da polarização nestas eleições municipais é uma questão de "se" ou de "quando"?

Bem, aqui cada um tem seu palpite, então lá vai mais um. Talvez estejamos diante do cenário não de uma eleição, mas de duas. Uma nos primeiros turnos repletos de candidatos, na maioria inexpressivos, com o eleitor desatento e desinteressado. Outra nos segundos turnos, quando o mano a mano irá, quem sabe?, impor automaticamente alguma polarização.

Joga contra a polarização, mesmo na eventual segunda rodada, o fato de a esquerda exibir muita fraqueza, numa escala inédita pelo menos nos últimos trinta e poucos anos. Até agora, a presença de candidatos competitivos da esquerda tem sido exceção. A praxe é a disputa mais provável estar entre as diversas correntes que se autonomeiam do centro para a direita que se declara como tal.

Claro que sempre é possível uma reviravolta, mas talvez seja sinal de que a vitória de Jair Bolsonaro em 2018 tenha sido mais estratégica que circunstancial. A dispersão das candidaturas de esquerda explica apenas parte do quadro. Tirando as exceções, mesmo a soma das intenções de voto do chamado campo progressista está abaixo de desempenhos anteriores.

Outra variável a checar será a influência dos padrinhos nacionais. Outro palpite: ela tende a ser bem menor na eleição municipal que na presidencial.

Vamos então olhar o desenrolar dos acontecimentos. E vamos olhar também para o pós-eleição. Quando o eleitor finalmente se deparar com o provável cenário combinando 1) o fim do auxílio emergencial (mesmo os programas cogitados para substituir não parecem tão apetitosos assim), 2) o possível aumento de impostos, 3) a inelasticidade do desemprego.

Aguardam-se as consequências. Também aí a dúvida está entre o "se" e o "quando".

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


César Felício: A longa estrada de Bolsonaro

Bolsonaro precisa crescer nos grandes centros

De Parauapebas, sul do Pará, a São Paulo, são 2.365 quilômetros. Segundo aplicativos, é possível ir de carro, desde que parando apenas em pedágios, em 33 horas, pela BR-153. Viagem dura.

Em Parauapebas o presidente Jair Bolsonaro vive os píncaros da glória. Segundo levantamento desta semana do Ibope, sua administração é avaliada como boa ou ótima por 58% dos entrevistados. É uma aprovação acima da média nacional nesta cidade de 200 mil habitantes, com PIB per capita de quase o dobro da capital paulista, graças aos royalties pagos pela exploração mineral. O chão de Parauapebas é o da Serra de Carajás. Seus moradores dispõem de um shopping center, mas só 17% das residências têm ligação de esgoto.

Em São Paulo, de acordo com o levantamento XP/Ipespe divulgado ontem pelo Valor, a soma de avaliações boa ou ótimo do presidente da República é de 26%, um ponto percentual inferior ao que seu candidato na cidade, Celso Russomanno, obteve.

A candidatura de Russomanno não cumpre apenas o propósito de melar a articulação do governador João Doria de construir uma grande aliança para enfrentar o bolsonarismo em 2022. Ela também recebeu o apoio presidencial porque Bolsonaro precisa melhorar seus percentuais na capital paulista. O presidente não é uma figura popular na cidade, ainda que menos rejeitado que o governador tucano. Na pesquisa Ipespe, 46% dos entrevistados avaliaram Bolsonaro como ruim ou péssimo. Em Parauapebas, foram 16%. A ajuda que Bolsonaro dá a Russomanno e a que recebe dele se equivalem.

Existe um padrão na popularidade presidencial, quando se lê os relatórios de pesquisa e se busca esta informação. Bolsonaro está mal nos grandes centros, sem sombra de dúvida. Ele vai melhor em cidades um pouco menores, não exatamente pobres. Muitas delas ligadas a atividades extrativas ou agropastoris.

Para que não se fique apenas em São Paulo, tome-se como objeto de análise as pesquisas feitas pelo Ibope nos últimos dez dias. A avaliação boa ou ótima de Bolsonaro é de 18% em Salvador, 26% em Porto Alegre, 29% no Recife, 34% no Rio de Janeiro. O ruim e péssimo, nestas cidades, somam, respectivamente, 62%, 50%, 43% e 38%. Nem mesmo em seu domicílio eleitoral Bolsonaro está bem na foto.

Daí se entende a falta de ânimo do presidente em apoiar o seu candidato natural no Rio de Janeiro, que seria o prefeito Marcelo Crivella. Bolsonaro precisa de alguém que agregue para ele entre os cariocas. Não está muito em condição de ajudar.

Bolsonaro faz boa figura em Curitiba, onde consegue 40% de bom e ótimo, ante 34% de ruim e péssimo, resultado bem próximo do padrão nacional. No Sul e Sudeste, é seu melhor resultado nas capitais.

Para superar este patamar, é preciso chegar mais perto de Parauapebas no mapa. O presidente tem avaliação positiva grande em João Pessoa (43%), Goiânia e Palmas (ambas com 44%).

Outra vertente é se aproximar de Parauapebas em porte. Levantamentos em cidades como Santos e Ribeirão Preto, grandes centros do interior, mostram Bolsonaro em posição mais confortável do que nas capitais, mas longe ainda da registrada na cidade paraense.

Para o analista político da XP, Paulo Gama, a hipótese mais provável é que Bolsonaro vive um fenômeno de troca de base, análogo ao que Lula teve em 2006. “Existe um deslocamento claro das fontes de popularidade atuais de Bolsonaro e das que ele tinha em 2018. Dois fenômenos coincidiram e explicam a troca de base: o rompimento dele com a Lava-Jato, que ficou claro com a demissão de Sergio Moro, e a criação do auxílio emergencial. Por isso ele está mais fraco nos grandes centros e mais forte nas cidades menores”, disse.

A sagração de Russomanno como o delfim de Bolsonaro em São Paulo é a mais perfeita tradução do fenômeno. O deputado é forte em um eleitorado muito sensível a promessas de ação direta do governo para o bem estar das pessoas. Ele começou na frente e perdeu embalo em 2012 e 2016 porque PT e PSDB criaram alternativas de peso para competir por esse eleitorado. Fernando Haddad há oito anos e Doria há quatro.

Desta vez, o entusiasmo nesta faixa do eleitorado por Bruno Covas e Jilmar Tatto é bem pequeno. Guilherme Boulos é uma novidade da eleição e surpreende pela solidez de sua largada. De acordo com o Datafolha divulgado ontem, tem 10% na espontânea e 12% na estimulada. Não será fácil para Boulos repetir o mesmo sucesso que obtém na classe média intelectualizada entre os seus vizinhos do empobrecido Campo Limpo. Se for para o segundo turno - a esquerda paulistana ficou em primeiro ou segundo lugar em todas as eleições nos últimos 32 anos - pode ser um presente para Russomanno. Repetiria o cenário eleitoral do Rio em 2016. Russomanno seria o Crivella de São Paulo.

A falta de adversários fortes é um lenitivo para Russomanno. Esta é uma realidade que estaria posta com ou sem a entrada de Bolsonaro no cenário eleitoral paulistano. O perfil de eleitorado de Russomanno é semelhante ao de Bolsonaro hoje. É um eleitor que em alguma vez da vida votou no PT. Há um pouco de Parauapebas nele. Nesta cidade do interior do Pará também aconteceu assim.

Em 2014 Dilma Rousseff teve por lá 45 mil votos no primeiro turno. Quatro anos depois Haddad conseguiu 33 mil. Os tucanos e o eleitorado de Marina foram pulverizados. Somaram 45 mil em 2014 e 3 mil em 2018. Bolsonaro recebeu 60,1 mil votos.

Governadores em baixa

As pesquisas recentes também mostram que a situação está difícil para os governadores nos grandes centros urbanos. Das 11 capitais onde houve levantamento nos últimos dez dias, em seis a reprovação supera com margem larga a aprovação. A pior situação é a de Mauro Carlesse, em Tocantins. Somente 13% dos pesquisados em Palmas avaliam sua administração como boa ou ótima. 44% acham que é ruim e péssima. Dividem o segundo posto em rejeição em sua capital o paulista João Doria (21% de bom e ótimo e 40% de ruim e péssimo) e o pernambucano Paulo Câmara (respectivamente 19% e 40%).

*César Felício é editor de Política


O Estado de S. Paulo: Huck fala em desejo de ‘liderar uma geração’ na política; ‘Estou aqui’, diz sobre 2022

Apresentador foi questionado se ‘tem coragem’ de ser candidato a presidente durante reunião em São Paulo

Matheus Lara | O Estado de S.Paulo

O apresentador de TV Luciano Huck (sem partido), cotado para disputar a Presidência em 2022, chamou para si nesta segunda-feira, 21, o protagonismo em debater e propor medidas para transformações sociais, econômicas e ambientais no País. Em reunião do Conselho Político e Social (Cops) da Associação Comercial de São Paulo da qual o Estadão participou, ele disse querer “mobilizar, liderar e fomentar uma geração”.

Huck foi questionado por um integrante do Cops se “tem coragem” de ser candidato a presidente. “Estou aqui”, respondeu, antes de ponderar que, por enquanto, se vê como “cidadão ativo” e dizer que atua sem intenções de poder.

“Eu quero mobilizar, liderar, fomentar uma geração para que a gente participe ativamente das transformações que o Brasil precisa. Ninguém vai entregar isso de graça para a gente”, disse Huck em relação a desigualdades sociais no País. “Sobre a questão da coragem (de se candidatar a presidente), estou aqui, não é? Estou aqui conversando sobre temas que não são óbvios para mim, como energia, reformas. Tenho estômago para ouvir opiniões diversas, para estar em cena num momento tão delicado do País. Neste momento, estou sentado aqui como cidadão ativo, que está no debate público.”

O apresentador evitou falar diretamente da próxima eleição presidencial e pediu foco aos temas das cidades em função do pleito deste ano. “(Não quero) personificar ou ‘fulanizar’, em mim ou outra pessoa, um debate eleitoral majoritário que não está em voga neste momento. Isso mais atrapalha que ajuda, e Brasil afora tem gente mais preocupado com a eleição (de 2022) do que em atender as necessidades das pessoas. Temos neste ano um ciclo eleitoral nas cidades e a política começa nas cidades.”

Entusiasta de movimentos de renovação e formação política como o RenovaBR e o Agora!, Huck disse que o caminho para melhorar a situação do País está na política. “Só o Estado, que é gerido pela política, tem o poder exponencial de transformação. E a política é gerida pelos políticos. Acho importante esta convocação geracional, atrair o que tem de melhor na sociedade civil para chegar perto da política.”

Huck afirmou que vê o Brasil sem lideranças que promovam o debate. “A demonização da política e a não harmonia entre Poderes estão ligadas à questão da liderança. (É preciso) uma liderança que concilie e dialogue, e não que assopre brasa com discursos sectários. Precisamos retomar o diálogo.”

A participação de Huck na reunião do Cops estava marcada para acontecer em março deste ano, mas foi adiada por causa da pandemia de coronavírus e por isso aconteceu nesta segunda.

‘O lugar do Brasil é como a maior potência verde do planeta’

Huck também falou sobre sustentabilidade e defendeu que o Brasil se torne uma nação agroindustrial sustentável, aliando o potencial da agronegócio à preservação ambiental. Para ele, esta é uma forma de atrair investimentos e transformar o País em uma “potência verde”.

“O mundo quer investir em economias limpas”, disse. “É uma oportunidade de ouro com o nosso potencial. Precisamos de lideranças que enxerguem com clareza essa oportunidade. O que tem prevalecido nos últimos anos é a visão que endossa o extrativismo predador. A aceleração do desmatamento, a não importância (dada) às queimadas como não as estivéssemos vendo. Essa é a década da bioeconomia, com floresta em pé.”

Huck diz ver convergências entre bandeiras do agronegócio e do ativismo ambiental. “Converso com os dois lados e encontro pontos em comum”, afirmou, sem dar exemplos. “Dá para romper com o litígio. Precisamos romper radicalmente com o debate raso, o litígio entre agricultura e meio ambiente, produção e sustentabilidade.”