eleições 2022
Fernando Abrucio: "Eleitor evangélico mostrou que não é voto de cabresto"
Para cientista político, PT ampliou o isolamento e bolsonarismo terá dificuldades em 2022. “Ninguém aguenta mais ficar ouvindo essa discussão ideológica, essa invasão da política na vida diária das pessoas, é uma overdose, cansou”
Atuando como consultor na construção de candidaturas para as eleições de 2022 e com acesso a diversas pesquisas qualitativas junto a eleitores encomendadas por partidos, o cientista político Fernando Luiz Abrucio, professor da Fundação Getúlio Vargas, está confiante em dizer que o tempo do bolsonarismo acabou, apesar de ainda haver mais dois anos de mandato para o presidente Jair Bolsonaro. Mais que isso, ele observa que a esquerda perdeu a hegemonia na discussão de questões sociais e que essa pauta definirá o próximo pleito presidencial e para governador nos Estados. “O grande tema para 2022 é a questão social no país. E isso é o contrário do bolsonarismo”, resume. Nessa entrevista ao EL PAÍS onde analisa o cenário político brasileiro com o resultado das eleições municipais de 2020, Abrucio fala ainda do isolamento do PT e da confirmação de que os eleitores evangélicos na enorme maioria dos casos não coloca a pauta dos costumes acima de questões concretas como emprego, saúde e educação. Leia abaixo.
Pergunta. O que chama atenção nos resultados das eleições municipais deste ano? Existe um padrão no segundo turno?
Resposta. Não só no segundo turno, também no primeiro, nas principais cidades do país vemos uma derrota muito forte do bolsonarismo. Ele teve derrotas muito claras em campanhas nas quais se envolveu, mas não é só isso. O discurso dos vencedores anuncia já um clima de opinião muito diferente do clima de 2018. A eleição municipal é importante não para dizer quem vai ganhar a eleição presidencial, mas para vermos o clima de humor, os assuntos, o clima de opinião. O clima de opinião que vimos em 2018 já estava colocado nas eleições de 2016. O candidato antissistema já estava lá. Pensemos no Doria quando dizia “eu sou gestor, não sou político”. Nessa campanha nenhum dos vencedores falou eu não sou político. Bruno Covas fez uma campanha muito certinha, quadradinha, e explorou o oposto. Dizia na TV, “eu sou político”.
Fora que a imagem do Bolsonaro está muito desgastada. Se pensarmos que o presidente da República e os filhos fizeram campanha pessoalmente para a Wal do Açaí ao cargo de vereadora em Angra dos Reis e ela não se elegeu... Ele teve um nível de superexposição nestes dois anos, lives no Facebook toda semana, tempo todo nas redes sociais. Para o eleitorado mediano em um contexto de crise, afetou ele fortemente, fica se oferecendo como alvo para a frustração das pessoas com a situação.
P. Bruno Covas se distanciou da imagem e discurso do padrinho político dele, no caso o governador João Doria.
R. Não foi só em São Paulo que isso aconteceu. Em todos os lugares o discurso de valorização da política, um discurso mais orgânico, de ativação com a sociedade, isso tudo veio muito forte. Na verdade é o contrário de tudo que foi o bolsonarismo em 2018, uma candidatura antissistema, polarizadora, baseada em chavões e não em discussão de programas. Ele fez uma campanha inteirinha sem falar em questões sociais em um país tão desigual e carente de soluções na área como o Brasil. Se pegarmos as campanhas a prefeito nas capitais agora, olha em Salvador e Rio o DEM, em São Paulo o Bruno Covas e o Guilherme Boulos, as principais candidaturas foram todas muito parecidas em suas temáticas. Especificamente as questões sociais, esse é o tema. E esse vai ser o tema de 2022. É muito diferente do humor eleitoral que a gente tinha em 2018. Eu pego muitas pesquisas qualitativas constantemente e uma coisa está muito clara: o grande tema para 2022 é a questão social no país. E isso é o contrário do bolsonarismo. Hoje não temos um ministro da Educação e nem da Saúde dignos do nome do cargo. Se você fizer uma enquete na rua ninguém vai saber quem são os dois, não conseguem nem gastar o pouco dinheiro que tem.
Na área social o Governo é uma nulidade e a agenda bolsonarista foi enterrada pela pandemia e pelas eleições municipais. Ainda tem a mudança de humor no cenário externo, com a eleição do Joe Biden e que ainda não foi sentida por aqui. A União Europeia agora vai atacar fortemente isso e a China e os EUA também. Vai juntar os três para pressionar o Brasil. A gente começa a perceber que existe uma mudança externa, a pandemia e as eleições municipais que fazem com que aquela agenda e clima de opinião que imperou em 2018 acabou já era.
P. O bolsonarismo está morrendo?
R. Não, mas vai diminuir progressivamente e chegar em 2022 bem menor. Em 23 das 26 capitais, aumentou muito a rejeição ao Bolsonaro nas últimas duas semanas. Isso é impressionante. Em São Paulo, tem pesquisa colocando ele com 17% de bom e ótimo... nunca teve isso e a tendência é piorar, não é melhorar. Não vai ter muito dinheiro para o ano que vem, os partidos do Centrão ali vão se afastar completamente do bolsonarismo para compor a eleição da presidência da Câmara e continuarem firmes, toda a oposição a ele vai começar a bater cada vez mais forte. É todo mundo contra ele. Vendeu-se uma ilusão de que seria um governo que antissistema, que derrubaria o sistema por completo, que acabaria com a corrupção, e essa bandeira o Bolsonaro não tem mais condições de carregar, não consegue mais se colocar como um arauto anticorrupção.
P. O peso do voto evangélico nesse cenário diminuiu?
R. Se você pegar no Rio de Janeiro, grande parte dos evangélicos votou no Eduardo Paes. Por que os evangélicos votaram nele? Em 2018, grande parte dos evangélicos foi nesse discurso bolsonarista de ser contra a corrupção, pela pátria e a família. Passados dois anos, boa parte desse grupo percebeu que precisa de mais alguma coisa. Não adianta ficar falando de pátria, família e religião se não tiver emprego, renda, escola, se parentes estiverem ficando doentes e morrendo de covid-19. Quem é o evangélico com perfil mais padrão na Baixada Fluminense, por exemplo? Homens e mulheres negros ou pardos, é o primeiro dado demográfico. Aí vem o presidente e o vice-presidente dizer que não existe racismo no Brasil? O cara já está sem emprego, vivendo da economia informal, o auxílio emergencial está acabando, percebe que seu filho está sem aula e tem algum parente ou amigo que morreu de covid? Esse cara não está para brincadeira nesse momento.
Para completar, sente-se uma inflação nessa mesma ponta. Embora esteja começando a se alastrar agora e o tamanho disso ainda tem de ser mesurado e vermos se o efeito será duradouro, até agora é principalmente uma inflação acelerada de alimentos. E quem é que sente mais isso? As famílias de baixa renda, boa parte delas evangélicas. A imagem do Bolsonaro está bastante desgastada inclusive dentre os evangélicos, não adianta tentar se desvincular de todos os problemas, as pessoas precisam de soluções. Ele tem um erro de estratégia e comunicação de privilegiar essa coisa ideológica ao invés de políticas públicas. Ninguém aguenta mais ficar ouvindo essa discussão ideológica, essa invasão da política na vida diária das pessoas, é uma overdose, cansou. Neste ano, o eleitor evangélico não é um voto de cabresto, que não obedece cegamente as orientações das lideranças das igrejas. No Rio e em São Paulo, para ficarmos só nesses exemplos, os candidatos da Igreja Universal e do bispo Edir Macedo, Marcelo Crivella e Celso Russomanno, perderam inclusive entre os evangélicos, mostram as sondagens.
P. É possível falar em um renascimento da esquerda, mesmo que incipiente?
R. Não sei. Na verdade o que a gente vê é que a agenda social tornou-se muito forte e não foi exclusividade da esquerda. Os candidatos de direita e centro-direita que abraçaram a pauta social se deram bem. Mais importante que falar no fortalecimento da esquerda é falar no fortalecimento da pauta social, que sempre foi prioritária da esquerda e agora foi incorporada por outros atores políticos. Se pegarmos a situação de Porto Alegre, por exemplo, tirando as fake news contra a Manuela D’Ávila que tiveram um peso importante na derrota dela, o Sebastião Melo começou a falar da questão social o tempo todo. Teve o bárbaro assassinato no Carrefour e ele rapidamente entrou no Twitter e já se posicionou, estava antenado com isso. Os conservadores mais empedernidos que insistem em não legitimar questões como o enfrentamento ao racismo estão de fora dessa nova onda. Isso mostra que apesar de resultados importantes em alguns lugares, mais do que o renascimento da esquerda é a ascensão da questão social, essa é a nova questão central.
P. O presidente e o bolsonarismo de uma maneira geral conseguem se reposicionar e entrar nessa onda?
R. Não, ficou muito ruim para o presidente, porque ele não está preparado para lidar com a questão social. Não tem essa agenda, não se preparou para isso. Não tem técnicos capazes de dar essas respostas, não tem gente que pensa a questão social no Governo federal. Para fazer isso tem de haver vínculos com a sociedade civil, de diversas formas, e o que o Bolsonaro fez desde que assumiu foi cortar essa ligação do Governo com o resto do país, ele está completamente desarticulado com a sociedade. Ele acha que fazer política é fazer live na Internet. Fechou conselhos de participação social, não conversa com ninguém. O retorno que a gente tem de empresários, políticos, representantes de entidades e organizações civis de reunião com o Paulo Guedes e com o Bolsonaro é de que eles não são ouvidos. Então essa ascensão da questão social, que vai se tornar mais forte em 2022, pegou o bolsonarismo de calça curta. Eles não contavam no meio do caminho com a pandemia. O auxílio emergencial é um acidente. Não existia no programa de governo do Bolsonaro nenhuma previsão de transferência de renda. Eles não tem como transformar isso em uma pauta social porque nunca tiveram essa preocupação, não sabem nem por onde começar.
O próprio entendimento sobre a segurança pública pública está mudando. Em 2022 vai ter muito candidato defendendo que a criminalidade é uma questão social. Aquele discurso linha dura do Doria, do Wilson Witzel, caiu. Em 2022 quem vier com esse papo de que bandido bom é bandido morto vai ter ali 15%, 20% dos votos e não passa disso, vai ser massacrado. Nessa campanha a gente viu policial para tudo quanto é lado nas candidaturas e, se olharmos os resultados com calma, não teve a mesma onda que rolou em 2018. Os caras pensaram que iam surfar. Em São Paulo elegeram dois vereadores da segurança pública e um deles foi eleito com a defesa dos cães e gatos. É uma piada. A questão social ganhou uma dimensão que não vai dar em 2022 para falar de segurança pública sem um ponto de vista mais amplo. Teve esse assassinato covarde em Porto Alegre que gerou uma onda forte de revolta ao redor do país, a questão racial está na pauta do dia no cenário externo. A morte do George Floyd nos EUA foi um divisor de águas nesse sentido. É uma onda muito forte essa, igual foi a Operação Lava Jato, o combate à corrupção e a linha dura na segurança pública em 2018. À direita e à esquerda, quem quiser ir bem nas eleições vai ter que modular o discurso e as ações de acordo com essa conjuntura toda que é uma novidade.
P. Qual o perfil do candidato “ideal”, de acordo com esse clima político?
R. Não existe um perfil ideal. Tanto Bruno Covas quanto Guilherme Boulos, por exemplo, com perfis completamente diferentes, foram bem em São Paulo. No caso do Covas, o que ainda prejudicou a imagem dele foi a associação com o vice e o governador João Doria. Não fosse isso ia ser mais parecido ainda. Do ponto de vista programático, não há nenhuma diferença frontal entre as propostas dos dois. Ninguém discorda das questões sociais e identitárias. Essa é uma onda que eu acho que vai vir avassaladora nas próximas eleições.
P. O que podemos dizer da situação do PT? Sai da eleição politicamente enterrado e sem nenhuma capital?
R. No cenário nacional, o que vemos é que o PT ficou mais isolado ainda no cenário político. O eleitor que tradicionalmente votava no PT preferiu o Boulos, o candidato do Ciro e em 2022 pode fazer mesmo ao invés de votar no Lula ou seu indicado novamente. Eu não diria que é um grande perdedor, por que na verdade quem já estava por baixo não tem como ser o grande perdedor. Grande perdedor é quem estava forte e perdeu espaço. Ele não sai maior ou menor, sai mais isolado.
P. E o papel do Novo nesse ciclo político que se inicia agora?
R. Qual é a grande marca do Novo em meio a pandemia? Processo seletivo para lançar candidatos. Não conseguiu oferecer nada de concreto para o país. Eles parecem completamente descolados da realidade brasileira. O resultado eleitoral é esse aí, pífio. A principal liderança eleita deles, que é o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, vai ter problemas para conseguir se reeleger. É engraçado como eclodiu uma nova agenda e muitos não se prepararam, incluindo o Novo. Eles não conseguiram entender até agora o que é fazer política pública. E fora isso perderam identidade. Eles eram a favor do Sergio Moro, da Lava Jato. O Moro saiu do jeito que saiu do Governo e o que eles fizeram? Nada. Estão completamente perdidos. Se você olhar as redes sociais, muito mais que o Novo quem tem ocupado o lugar de um partido liberal na economia e costumes é o Livres. O Novo se propôs a ser conservador nos costumes e liberal na economia. Não precisava de um partido novo para isso. Tem vários na praça com essa proposta. Talvez fosse em uma campanha em outro país, um muito rico. Eles perderam o bonde da história.
P. Com o resultado do Bruno Covas em São Paulo, o governador João Doria obteve uma vitória importante para lançar seu nome à presidência?
R. Eu vejo o Doria enfrentando muita dificuldade. Ele foi muito longe no discurso bolsonarista e agora está com problemas para voltar atrás. Você a aprovação do Doria e do Bolsonaro em São Paulo nessas últimas pesquisas, é ruim igual. É um negócio assustador ali na casa dos 15% de bom e ótimo. Disseram que a campanha em São Paulo ia ser uma prévia do embate entre Doria e Bolsonaro, e o Covas tem o dobro de popularidade dos dois. O eleitorado identificou nele sensibilidade social. O Doria vai ter muita dificuldade de fazer essa volta no discurso. As pessoas não perdoam ele em São Paulo. Se chegar em 2022 com essa rejeição em São Paulo, o PSDB não vai querer dar a cabeça de chapa presidencial para ele e, se fizerem isso, vão começar a ter problemas para eleger bancada legislativa. O Doria tem o ano que vem para mostrar que se redimiu e está dentro da nova agenda da sociedade brasileira. Nesse quadro, a vacinação prometida pode virar o jogo para ele.
P. O ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, fica onde nesse xadrez político e eleitoral?
R. Esse impulso de novas temáticas pode ser aproveitado pela centro direita e pela esquerda. A direita mais ligada ao bolsonarismo e a Lava Jato está muito distante dessa pauta. O Moro não entendeu em que país estamos. Não tem a menor ideia do que fazer em educação, saúde, combate à desigualdade, não sabia nem o que fazer na segurança pública. A única agenda dele é o combate à corrupção. O discurso de que isso vai salvar o país não cola mais. As pessoas continuam achando importante, mas perceberam que sem um conjunto de medidas mais amplo não resolve nada. Essa agenda específica hoje está lá embaixo na lista de prioridades. Então vejo muita dificuldade eleitoral para os dois salvadores da pátria, Bolsonaro e Moro, que brigaram e querem disputar entre si. Mesmo o eleitorado de classe média, mais conservador, percebeu que precisa de mais que isso. A situação social piorou demais no país, e todo mundo vê isso.
Luiz Carlos Azedo: Quem larga na frente?
Bolsonaro saiu do pleito muito menor do que entrou, embora os partidos de Centrão, principalmente o PP e o PSD, tenham revelado um excelente desempenho eleitoral
Quando começa a próxima campanha eleitoral? Para a maioria dos políticos, quando a última eleição termina. Se tiver juízo, porém, o presidente Jair Bolsonaro, que tirou o gênio da garrafa antecipando sua estratégia de reeleição, levará em conta o resultado das eleições municipais e puxará o freio de mão nas articulações eleitorais para 2022, para acelerar as reformas. Do jeito que as coisas vão, não terá nenhuma grande realização para entregar no terceiro e quarto anos de governo, apenas obras iniciadas por seus antecessores e ainda em fase de conclusão.
A estratégia de Bolsonaro nas eleições municipais fracassou: esperava conquistar as prefeituras de São Paulo, com Celso Russomano (Republicanos), que nem chegou ao segundo turno, e do Rio de Janeiro, com Marcelo Crivella (Republicanos), que não conseguiu se reeleger. Saiu do pleito muito menor do que entrou, embora os partidos de Centrão, principalmente o PP e o PSD, tenham revelado um excelente desempenho eleitoral. Para manter sua base no Congresso, Bolsonaro terá de fazer mais concessões a esses aliados.
Os partidos do grupo saíram muito fortalecidos, principalmente o PP, que venceu em 685 municípios; o PSD, com 655; e o PL, com 345 prefeituras. Com as demais legendas, o Centrão controla cerca de 2,4 mil cidades, nas quais residem 35% da população: PTB, 212; Republicanos, 211; PSC, 115; Solidariedade, 94; Avante, 82; Patriotas, 49; e PROS, 41. Os líderes desses partidos pressionam Bolsonaro para fazer mudanças na Esplanada, na qual desejam ocupar mais espaços, sobretudo os ministérios de Minas e Energia e da Saúde.
João Doria
Enquanto Bolsonaro precisa reorganizar suas forças, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ex-governador do Ceará Ciro Gomes saem na frente, embalados por vitórias eleitorais dentro de casa. Com a vitória de Bruno Covas, em São Paulo, o PSDB manteve seu poder de fogo, sob controle dos tucanos paulistas. Dória tem dois trunfos na manga: o vice Rodrigo Garcia (DEM), que assumiria o Palácio dos Bandeirantes; e a aliança com o deputado Baleia Rossi (SP), que preside o MDB, e pode vir a ser o futuro presidente da Câmara. O que perde em números absolutos na eleição, Doria pode ganhar com a política de alianças, se atrair o MDB e o DEM.
O MDB continua sendo o maior partido do país, com 766 prefeitos, 7.300 vereadores e 10,9 milhões de votos. O partido teve um desempenho excepcional nas capitais, aumentando de três para cinco o número de prefeitos, sendo duas cidades polos regionais importantes: Porto Alegre, (RS), no Sul; e Goiânia (GO), no Centro-Oeste. O problema é que o MDB tem tradição de se dividir e/ou cristianizar os aliados, principalmente os paulistas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, macaco velho em disputas nacionais, já advertiu Doria de que ele precisa se “nacionalizar”. O DEM também foi um campeão nas eleições municipais, vencendo em quatro capitais, sendo duas entre as mais populosas do país: Rio de Janeiro (RJ), com Eduardo Paes, e Salvador (BA), com Bruno Reis.
Ciro e Boulos
Com sua vitória em Fortaleza, Ciro Gomes também larga na frente, pois o PDT manteve Fortaleza (CE), com Sarto Nogueira, e Aracaju (SE), com Edvaldo Nogueira. Mas a grande aposta de Ciro, a delegada Marta Rocha (RJ), no Rio de Janeiro, não se materializou. Ocorreu no Rio o que pode vir a acontecer em nível nacional, um confronto com o PT. Os trabalhistas perderam votos na eleição (6,4 milhões para 5,3 milhões). A candidatura de Ciro, para se consolidar como alternativa de poder, precisaria ao menos de uma coligação com o PSB, cujas contradições com o PT se aprofundaram por causa da disputa no Recife (PE), na qual João Campos (PSB) consolidou-se como herdeiro do espólio do pai, Eduardo Campos, mas dividiu a base eleitoral do clã com a petista Marília Arraes, numa disputa familiar sangrenta.
Outro que larga na frente é Guilherme Boulos (PSol), com um desempenho espetacular em São Paulo, com 40% dos votos, o que praticamente consolida sua candidatura à Presidência pela legenda. O PSol elegeu o prefeitos de Belém, Edmilson Rodrigues, e a maior bancada de vereadores do Rio de Janeiro, mas não teve um grande desempenho nacional em termos de prefeituras. Mesmo assim, Boulos ganhou projeção nacional e pode ameaçar os demais candidatos de esquerda.
O PT precisa resolver o que deseja fazer em 2022. A candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é inviável, embora exista esperança de que sua condenação na Lava-Jato no caso do triplex de Guarujá seja anulada. O ex-prefeito paulistano Fernando Haddad, que seria a opção, está sendo desidratado.
Bruno Boghossian: Popularidade de Bolsonaro entre os mais pobres recua em algumas capitais
Popularidade de Bolsonaro entre os mais pobres recua em algumas capitais
O impulso de popularidade conquistado por Jair Bolsonaro nas camadas de baixa renda refluiu em algumas capitais. A variação não é generalizada, mas sugere que a melhora na aprovação do governo com o pagamento do auxílio emergencial enfrenta os primeiros sinais das derrapagens da economia.
O aumento da rejeição ao presidente entre os mais pobres ocorreu numa dimensão considerável em pelo menos dez cidades. A mudança foi registrada em pesquisas do Ibope nas eleições municipais, que também perguntaram a opinião do eleitor sobre o trabalho de Bolsonaro.
Em João Pessoa, a única capital do país que teve um balanço negativo de vagas de emprego em outubro, o presidente perdeu 11 pontos entre eleitores de baixa renda que consideram o governo ótimo ou bom. A aprovação ao governo na base da pirâmide era de 42% no início de outubro e, agora, é de 31%.
Na capital que acumula a pior variação no mercado de trabalho em 2020, o presidente também teve prejuízos. No Rio, o índice positivo de Bolsonaro entre os mais pobres ficou estável (29%), mas houve um aumento de eleitores desse segmento que consideram seu trabalho ruim ou péssimo: de 33% para 40%.
O movimento de manutenção da popularidade somada a um crescimento da reprovação se repetiu em outras capitais. No Recife, a visão negativa do governo passou de 42% para 48% na baixa renda. Em São Paulo, o índice cresceu oito pontos nos últimos meses e chegou a 59%.
Nem todas as grandes cidades registraram variação negativa na popularidade de Bolsonaro entre os mais pobres. Em Goiânia, o percentual oscilou para baixo: 26% consideram o governo ruim ou péssimo. Em Salvador, esse índice ficou estável, em impressionantes 70%.
Os números mostram que o avanço bolsonarista no eleitorado de baixa renda ainda é instável. A chave da popularidade estará no comportamento desses grupos diante do fim do auxílio, da lenta recuperação do emprego e dos focos de inflação.
Merval Pereira: O futuro nas urnas
Se é verdade que as eleições municipais têm mais influência local do que nacional, seria também um erro recusar que delas emanam os ventos que movem a sociedade na direção do futuro político que se consolidará nas eleições de 2022 para presidente, deputados federais e senadores, essas, sim, reflexos da situação social e econômica.
Três disputas regionais transformaram-se em nacionais. No Rio, o prefeito Marcelo Crivella pendurou-se em Bolsonaro para tentar virar o resultado contra Eduardo Paes do DEM, mas tudo indica que só aumentou sua rejeição, já alta. Em São Paulo, a disputa entre o PSDB de Covas e a esquerda, representada por Boulos do PSOL, já dá uma boa indicação de que o PSOL pode vir a substituir o PT como protagonista.
Em Recife, a disputa familiar mais dramática também ganhou contornos nacionais. Ali está a única chance de o PT vencer em uma capital importante, e a esquerda rachou com o PSB.
A vitória na eleição presidencial depende muito da estrutura partidária montada a partir das municipais. Mas por vezes tivemos fenômenos pessoais, independentes dos partidos, que se impuseram nas urnas, como Jânio Quadros, Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso com o Real, mais recentemente Bolsonaro.
Lula não se pode chamar de um vencedor pessoal, pois já estivera nas urnas eleitorais por três oportunidades e tinha uma estrutura partidária que foi se consolidando ao longo dessa caminhada. Acabou maior que o PT, mas também a razão da debilidade do partido, seja pelas condenações por corrupção, ou pela incapacidade de permitir a ação de novas lideranças partidárias.
Bolsonaro é exemplar de um candidato que parecia um outsider mesmo depois de mais de 30 anos de mandatos parlamentares sucessivos, e demonstrou um faro político excepcional ao prever um espaço na direita nacional que, a partir de 2013, vinha se impondo nas manifestações políticas contrárias aos governos petistas.
Assim como o PT gosta de jogar todos seus adversários para a direita, também Bolsonaro jogou o PT para a extrema esquerda, propiciando uma polarização entre a extrema-direita e a extrema-esquerda. A centro-direita teve que ir para Bolsonaro, pois não houve uma candidatura com capacidade de confrontar a extrema-direita com uma proposta que se mostrasse vencedora contra o PT.
Bolsonaro não tem espírito para ir para o centro. Lula era um líder sindical que sabia negociar, Bolsonaro é um líder que quer se impor na base do grito e da opressão do poder temporário que a presidência lhe dá.
Aquele momento de 2018, quando a prisão de Lula radicalizou o cenário político, foi superado pela realidade de um governo inepto que paralisou o país por dois anos devido a uma maneira de fazer política que destrói sem construir nada em seu redor.
O cansaço do cidadão comum com Bolsonaro e seus aloprados que tentam, ainda hoje, derrubar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), não deu margem a que a esquerda se fortalecesse, porém. A direita saiu vitoriosa, mas não a direita extremista. Os partidos que mais elegeram prefeitos foram MDB, PP, PSD, PSDB e DEM. Apenas três partidos tiveram mais de 10 milhões de votos: MDB, PSD e PSDB.
Apenas cinco partidos fizeram mais de 400 prefeitos e quatro mil vereadores: MDB, PP, PSD, PSDB e DEM. Se fizermos de conta, como fizeram assessores palacianos, que o presidente Bolsonaro é do Centrão, ele saiu vitorioso da eleição. Se formos para a realidade, ele saiu derrotado na maioria esmagadora de suas indicações e mais dependente ainda do Centrão.
Uma demonstração clara de que ele hoje depende mais dos partidos do Centrão do que o Centrão dele: o Republicanos, que filiou dois filhos de Bolsonaro e sua ex-mulher que não foi eleita, disse, através do presidente Marcos Pereira não haver hipótese de oferecer a Bolsonaro o controle do partido. O PSD já disse que não é da base bolsonarista nem do Centrão, mantendo uma independência que as urnas lhe deram. O PP tem dono, o senador Ciro Nogueira, assim como o PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson.
Não conseguindo organizar seu partido, Bolsonaro depende do Centrão para se resguardar de um impeachment - garantia relativa essa - e montar um esquema partidário para a tentar a reeleição. Não é mais aquele fator fora da curva que hipnotizou o eleitorado.
El País: Eleições põem à prova o potencial das alianças anti-Bolsonaro
Pleito vai vislumbrar o potencial de frentes amplas criadas em oposição ao presidente em capitais como Rio de Janeiro e Fortaleza e se a esquerda intensifica o avanço apontado nas pesquisas em SP
Naiara Gallarraga Cortázar, El País
As prefeituras de São Paulo e Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do Brasil, são o prato principal do segundo turno das eleições municipais que 60 cidades realizam no domingo. O primeiro turno, no dia 15, foi um revés ao presidente Jair Bolsonaro e uma vitória da direita tradicional. Ainda que sejam eleições decididas principalmente por dinâmicas locais, também permitirão vislumbrar o potencial das alianças anti-Bolsonaro ― os prognósticos para seus candidatos são ruins ― e se a esquerda intensifica o avanço que lhe dão as pesquisas em São Paulo até surpreender e ganhar a prefeitura da cidade mais rica do país.
Mesmo com pouca repercussão midiática, a violência golpeou com força a campanha. Por volta de 200 candidatos foram assassinados, feridos e vítimas de tentativa de assassinato, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.
Para Bolsonaro, o tiro saiu pela culatra em sua estratégia de desprezar a gravidade do coronavírus, que matou 172.000 brasileiros, e culpar governadores e prefeitos pelos estragos econômicos da pandemia. O presidente parecia acreditar que os milhões de dinheiro público entregues aos brasileiros mais pobres bastariam para que os candidatos indicados por ele triunfassem. Não foi assim no primeiro turno e, de acordo com as pesquisas, também não será no segundo. Nesta semana, coincidindo com um aumento de hospitalizações por covid-19, chegou a acusar a imprensa de inventar a declaração que se transformou na síntese de sua gestão da pandemia, a de que o coronavírus é “como uma gripezinha”, palavras que pronunciou em um discurso ao país em março.
Nestas eleições “vemos um esfriamento da extrema-direita, um fortalecimento de uma direita tradicional, uma maior pluralidade na esquerda”, resume a cientista política Flavia Bozza Martins, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ela acrescenta que em plena crise sanitária, o eleitorado apostou em políticos com experiência de gestão e castigou as candidaturas antissistema e de outsiders.
O ultradireitista apoiou no primeiro turno das eleições municipais um punhado de candidatos divididos por diversas siglas porque ele há tempos está sem partido. Dois foram ao segundo turno. Estes dois apadrinhados são sua opção para salvar a honra nas eleições. Sua principal aposta é o pastor evangélico Marcelo Crivella, que disputa a reeleição à prefeitura do Rio de Janeiro, feudo político do presidente e a segunda maior cidade do Brasil.
Mas o desempenho ruim de Crivella no primeiro turno se somou a uma frente ampla de quase todos os outros contra ele, que acabou por afundá-lo nas pesquisas. Crivella tem por volta de 32% das intenções de voto contra 68% de Eduardo Paes, de acordo com o Datafolha deste sábado. Quase todo o arco político, da direita tradicional à extrema-esquerda, pediu voto a Paes para derrotar um prefeito que encarna o ultraconservadorismo e gera grande repúdio.
O apoio a Paes é entusiasta em alguns casos. Outros votarão nele tapando o nariz. Por que o que foi o prefeito do Rio nos anos da Copa e das Olimpíadas é cercado por suspeitas de corrupção, ainda que nunca tenha sido formalmente acusado. Apaixonado pelo Carnaval, seus partidários destacam as melhorias no transporte como o grande feito de sua gestão (2009-2016).
Também em Fortaleza foi criada uma grande frente contra o candidato apoiado pelo presidente, o policial militar Wagner Souza, agora empenhado em se desvincular de Bolsonaro. Lá a aliança foi forjada ao redor do homem do clã político que manda na região, a família do esquerdista Ciro Gomes. Tem 20 pontos de vantagem em relação ao capitão Wagner.
A batalha mais encarniçada é a de São Paulo, onde Bolsonaro não conseguiu colocar seu candidato no segundo turno. O duelo é entre o prefeito, Bruno Covas, de centro-direita, e o esquerdista Guilherme Boulos, um ativista e professor que surpreendeu ao passar ao segundo turno e que desde então foi subindo até se colocar a 10 pontos de Covas. Como se não faltasse intriga à disputa, Boulos testou positivo para coronavírus na sexta-feira, o que causou a suspensão do último debate e sua entrada em quarentena. Boulos deu um impulso formidável ao pequeno Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), uma cisão nascida do flanco esquerdo do Partido dos Trabalhadores.
“Não quero gritar gol antes, mas acho que estamos em um período de paixões menos desatadas, onde aumenta a racionalidade, a escuta, o espaço às propostas de Governo, ao debate, isso que toda democracia precisa”, diz a cientista política Martins. “Isso irá se manter para (as eleições presidenciais de) 2022? Não se sabe”.
A melhor aposta do PT para salvar sua honra, após os resultados ruins no primeiro turno, está em Recife. É também a disputa eleitoral que atrai mais curiosidade porque coloca dois primos frente a frente, herdeiros de um clã político. A petista Marília Arraes e João Campos estão em empate técnico. Ambos têm 50% dos votos válidos, segundo pesquisa Datafolha deste sábado.
El País: Brasil vai às urnas votar para prefeito com um olho na covid-19 e outro na presidência em 2022
Saúde foi um dos temas mais debatidos nas redes nos últimos dias, segundo a FGV DAPP, após nova alta de contágios nas últimas semanas e com UTIs cheias em várias cidades
Se no dia 15 de novembro o eleitor fez cálculos de qual força política deveria sair fortalecida nas urnas, neste segundo turno o foco são os problemas imediatos que afligem suas cidades, em especial, o repique da covid-19 constatada nas últimas semanas. As notícias de que a ocupação de UTIs para infectados por coronavírus voltou a subir a níveis preocupantes aumentaram o interesse dos brasileiros com os investimentos em saúde em seus municípios. Um levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP-FGV) mostra que em capitais como São Paulo e Recife o tema saúde virou prioridade nos debates no Twitter. A pesquisa foi feita entre os dias 16 e 23 de novembro.
Na última quinta-feira, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a admitir o crescimento da pandemia em vários locais do país ―“repiques”, segundo ele— após um período de estabilidade. O país já soma quase 172.000 mortes por covid e mais de 6 milhões de casos. Alguns resultados no primeiro turno já apontaram que a preocupação do eleitor com a pandemia ajudou a decidir resultados. Caso de Alexandre Kalil (PSD), em Belo Horizonte, ferrenho defensor das regras da Organização Mundial de Saúde (OMS) no comando da capital mineira, apesar da pressão do governador Romeu Zema (Novo) pela reabertura do comércio em momentos críticos. Kalil foi reeleito em primeiro turno com mais de 60% dos votos e já se cacifa como um dos potenciais nomes do seu partido para 2022.
Em São Paulo e no Rio de Janeiro, o assunto pegou de frente na reta final da campanha. O candidato tucano, Bruno Covas, que lidera as pesquisas na capital paulista, foi questionado até o último dia sobre o aumento de contágios em São Paulo. “Há uma estabilidade da pandemia na cidade de São Paulo”, garantiu Covas neste sábado, 28. “Houve aumento na quantidade de internações, mas há uma estabilidade me relação ao número de casos e óbitos”, garantiu. Até este final de semana, a cidade somava 406.362 casos de covid-19 e 14.387 mortes confirmadas por coronavírus.
A pandemia atingiu, inclusive, candidatos nesta eleição. Em Boa Vista, a candidata a vice pelo MDB, Edileusa Barbosa Gomes, faleceu de covid-19 aos 57 anos no dia 25 de outubro, em plena campanha. Também o candidato a prefeito de Goiânia Maguito Vilela, do mesmo partido, chegou ao segundo turno sem saber que é o favorito. Está internado na UTI do hospital Albert Einstein em São Paulo, entubado depois de complicações respiratórias que começaram no dia 15, antes do fechamento das urnas no primeiro turno.
A covid=19 permeia esta eleição em todas as frentes e acirra inclusive as fricções que começam no xadrez político para 2022. A disputa pela vacina contra a doença também mexeu com o imaginário dos brasileiros após notícias da chegada da Coronavac ao país no dia 19, segundo a FGV DAPP. A vacina é produzida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo. A Coronavac, porém, não está entre as vacinas cotadas para um possível acordo de compra pelo Governo federal, um reflexo do embate entre o governador João Doria (PSDB) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ambos se perfilam para concorrer à presidência da República em 2022 e calculam passos e estratégias nesta eleição para estudar o terreno.
Enquanto Doria e Bruno Covas celebram ter controlado a pandemia no Estado e na cidade, Bolsonaro tem sido atacado pela omissão na crise sanitária —o que pode influenciado negativamente aqueles candidatos a prefeito que tentaram colar sua imagem à do presidente. Nos últimos dias, Bolsonaro tem se embananado nas respostas à pandemia, mesmo diante dos sinais de retomada dos contágios. Há poucos dias o jornal O Estado de S. Paulo revelou que quase 7 milhões de testes para covid-19 estocados não foram distribuídos ―e estavam próximos de vencer. Também em um lapso de memória, o presidente disse em uma live na última quinta-feira que nunca havia chamado a covid-19 de “gripezinha”. “Não existe um vídeo ou um áudio meu falando dessa forma”, disse ele, desmentido na sequência por todos os jornais que retransmitiram aparições públicas em que usou o termo. Uma delas em cadeia nacional de rádio e televisão.
A notícia de que a pandemia se estenderá e exigirá equilíbrio no binômio saúde e economia é uma realidade inexorável e deve marcar os próximos passos de todos os governantes ―dos prefeitos que vão assumir em 1º de janeiro, aos governadores e o presidente. A julgar pelo pleito dos Estados Unidos, é inegável que a covid-19 jogou um papel importante na derrota do republicano Donald Trump, segundo analistas, uma vez que a economia do país vai melhor do que se esperava. No Brasil, contudo, a atividade econômica continua morna, o que vai requerer soluções criativas para superar a crise. Candidatos mais à esquerda defendem ajudas no estilo do auxílio emergencial, mas vivem o dilema de encarar o teto de gastos de apertados orçamentos que caem com a queda da arrecadação. Mais à direita, surgem as propostas para reativar atividades comerciais como solução para retomar emprego e renda.
Esse embate já está desenhado no Brasil, que se engalfinha ainda sobre o périplo das vacinas, diante de uma população que vai perdendo a vontade de se manter confinada. A alegria pela vitória neste domingo dos 57 eleitos em segundo turno vai ser grande, mas vai durar pouco. A necessidade de preparar uma estratégia concreta para lidar com a pandemia quando assumirem seus cargos em 2021 deve abreviar a euforia e será um teste de resiliência política para passar pelo crivo do eleitor nas próximas disputas.
Alberto Aggio: 2022 não é mais uma miragem
Antes ou depois das eleições e independente dos seus resultados, política se deve fazer com diálogo, se estamos pensando a política num contexto democrático. Porém, precisamente nesse contexto, a política é também competição e disputa, concertação e confronto, escolha e eleição. Uma vez rotinizada, essa dinâmica passa a legitimar os atores, as alianças e os campos de força que se estruturam num embate permanente.
Jair Bolsonaro foi eleito em contexto democrático – embora já tenha dado todas as mostras de que seja um personagem antidemocrático. Com ele emergiram na cena política seus apoiadores mais fieis que estruturam o que se vem chamando de ultra ou extrema-direita. Tão antidemocráticos quanto ele. Há correntes políticas, especialmente à esquerda, que atuam no contexto democrático, mas sonham em suprimi-lo uma vez alcançado o poder – embora isso jamais possa ser dito publicamente, tendo que permanecer à sombra.
As forças que querem manter ou dizem querer manter a democracia no País sugerem uma “frente” de atores diversos para enfrentar Bolsonaro em 2022. Há algum tempo se fala em “frente democrática” ou “frente ampla”; mas há aqueles que falam que somente lhes interessa uma “frente de esquerda” (que eles supõem ser “democrática”) para realizar tal objetivo.
As eleições municipais que o País vivenciou nos últimos dias acabaram por revelar um quadro de grande dispersão de forças, cobrindo todo o espectro político, conforme o filósofo Marcos Nobre apontou em entrevista recente[1]. Vale notar que algumas forças políticas diminuíram seu poderio, outras emergiram como forças “renovadoras” (embora em estado bastante rudimentar, eleitoral e politicamente) e outras ainda ressurgiram de um patamar que alguns consideravam pré-falimentar, o que é um dado pouco observado nas análises dos resultados.
Alguns aspectos chamam a atenção na “leitura” que Marcos Nobre faz dos resultados eleitorais. Para ele não há (e talvez nunca haverá) um centro político no Brasil. Só existe extrema-direita, direita e esquerda. É visivelmente um raciocínio binário – reduzindo tudo ao embate direita versus esquerda. Há quem goste desse tipo de concepção porque é algo simples e esquemático. Enquanto boa parte dos analistas julgaram que Bolsonaro foi o grande derrotado, para Nobre, Bolsonaro saiu fortalecido em função do desempenho positivo dos partidos do Centrão, o que, em parte, corresponde à verdade. Se esta análise estiver correta, há um problema subsequente que precisa ser ponderado.
A noção de frente supõe um adversário autoritário que estabeleceu ou tende a estabelecer um regime dessa natureza. A noção de frente, neste caso, é essencialmente defensiva diante de um regime que suprimiu ou visa suprimir os espaços democráticos. A consciência dos atores em relação a essa determinação deve ser cristalina e a perspectiva é de ceder e conciliar visando derrotar um inimigo maior e mais poderoso. Se a força de Bolsonaro está no Centrão, dilui-se efetivamente a ideia de que um regime autoritário ou iliberal está prestes a ser instalado no País. As razões de ser do Centrão não estão no estabelecimento de um regime fechado. Ao contrário, o Centrão é causa e produto do que o próprio Nobre definiu, em seu tempo, como “peemidebização” da política brasileira.
A despeito do “renascimento do diálogo” (o que supõe até mesmo um diálogo de surdos), o cenário, por enquanto, está mais para a afirmação de campos políticos a serem articulados como candidaturas competitivas que, eventualmente, podem agregar em torno de si as tais “frentes”. Pode-se pensar hipoteticamente que é provável que se componha uma frente de esquerda, uma frente à direita que apoiará Bolsonaro, e uma frente ao centro (mais à esquerda ou à direita) que irá se contrapor às duas mencionadas; sem falarmos na aparição de candidaturas minoritárias que não estarão interessadas nesse tipo de estratégia. O resultado mais saliente das recentes eleições municipais é a vitalidade da dimensão competitiva dos atores, expressa na dispersão de forças observada. É de se supor que apenas a esquerda vai conduzir sua estratégia vocalizando a antiga linha de frente democrática ou popular porque isso faz parte do seu repertório identitário.
No fundo, a noção de frente é, até mesmo do ponto de vista da linguagem, algo que está em descompasso com o cenário competitivo que assumiu a democracia brasileira. E, se é correto, que a dispersão aumentou, levando-se em conta o apetite que certas lideranças sempre revelaram, o cenário é mais ainda de disputa do que de “concertação”.
Ao contrário da “leitura” de Nobre, Bolsonaro se enfraqueceu e o Centrão – sua salvação pragmática – passa a ter mais poder. Para Bolsonaro, não há mais espaço para a retomada da “guerra de movimento” do Ano 1. O fascismo ou a perspectiva de imposição de um regime iliberal ficaram para trás. Por outro lado, Bolsonaro é inepto para conduzir uma “guerra de posições”. O Ano 2 é a expressão disso, vide por exemplo o desastre que é a “gestão” de combate à pandemia (se é que se pode chamar o que existe de “gestão”) e os resultados eleitorais também desastrosos para o bolsonarismo. Nessas circunstâncias, pode-se perguntar: haverá sentido em se propor uma “frente democrática” para enfrentar o fascismo, com sua marca defensiva, sabida e reconhecida?
Para o País importa efetivamente produzir uma alternativa que ultrapasse a situação presente e projete uma saída convincente para o futuro tendo como base um programa modernizador, democrático e cosmopolita, que valorize a interdependência e a globalização para retomar o lugar do Brasil no mundo. Superação, enfim, do bolsonarismo e da crise nacional. A justa demanda de Luiz Werneck Vianna de que precisamos retomar o “fio da meada” deve encontrar seu roteiro a partir de uma abordagem política em plano global. É a isso fundamentalmente que os atores democráticos devem se dedicar, olhando para o futuro e não para o passado, invariavelmente filtrado a partir de demarcações ideológicas.
(Publicado no site da ADUR-RJ: http://www.adur-rj.org.br/portal/2022-nao-e-mais-uma-miragem/)
[1] A entrevista de Marcos Nobre pode ser acessada no link https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,marcos-nobre-eleicao-deixou-todos-mais-ou-menos-do-mesmo-tamanho,70003523553. Marco Aurélio Nogueira escreveu um comentário crítico à entrevista de Nobre que seria importante visitar: https://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/apos-as-eleicoes-dialogo-e-negociacao-terao-de-prevalecer/ . Uma leitura contraposta a de Marcos Nobre sobre as eleições municipais e uma avaliação das perspectivas abertas ao centro político está na entrevista de José Álvaro Moisés concedida à revista Época: https://epoca.globo.com/brasil/oito-perguntas-sobre-centro-do-espectro-politico-para-professor-jose-alvaro-moises-1-24757304 .
Fernando Gabeira: Gigante solitário
É preciso ocupar todos os espaços para se contrapor ao cercadinho de Bolsonaro
Ainda muito jovem, estagiário, lembro-me de uma tarefa jornalística no Itamaraty. Com a ajuda do poeta e empresário Augusto Frederico Schmidt, Juscelino acabara de lançar a Operação Pan-Americana. Era uma iniciativa regional, mas partia do Brasil e, de certa forma, expressava o otimismo dos anos 1950.
No mundo de hoje vejo muito movimento. Os Estados Unidos derrotaram Trump e se preparam para voltar às alianças globais e ao Acordo de Paris. A Europa movimenta-se e 15 países da Ásia e da Oceania, um terço do PIB mundial, acabam de celebrar importante acordo sob a liderança da China.
No meio de todo esse movimento, apesar da pandemia, é razoável perguntar pelo Brasil. Jogamos todas as fichas numa relação com Trump, sempre desfavorável ao País. E agora Trump foi para o espaço. Ficamos sós e espetacularmente desarmados, como diria o poeta.
Um projeto especial como o desenvolvido com a Noruega e a Alemanha na Amazônia foi bombardeado por Bolsonaro e Salles. Perdemos investimentos, até para nos protegerem de incêndios na floresta e no Pantanal. Recentemente, numa live sobre os incêndios no Pantanal, autoridades de Mato Grosso lembraram que a modernização de sua estrutura de combate a incêndios dependia desse dinheiro. E não há nada no lugar, exceto o corre-corre do vice-presidente Mourão para seduzir os europeus e uma sensação vazia de nacionalismo no discurso de Bolsonaro. Nem Alemanha nem Noruega exigiam nada senão projetos sustentáveis.
Essa escaramuça amazônica serviu de ensaio para os tropeços posteriores, troca de farpas sobre incêndios e desmatamento – todo um processo que poria em risco o acordo União Europeia-Mercosul. Alguns estadistas, como Angela Merkel, são pragmáticos e têm grande boa vontade com o acordo. Mas a sucessão de erros e o próprio processo destrutivo na Amazônia acabaram repercutindo nos Parlamentos nacionais. E o acordo “subiu no telhado” enquanto Bolsonaro mantiver essa política desafiadora e agressiva com a Europa.
Num encontro do Brics, ele ameaçou denunciar países europeus que importam madeira ilegal. Países não importam madeira, e sim empresas. Ele recuou, mas o tiro no pé já estava dado, até porque ficou bastante evidente que as medidas que afrouxaram as regras de exportação partiram do seu governo.
O próprio Biden fez um aceno durante a campanha prometendo mobilizar US$ 20 bilhões para a Amazônia. Foi contestado por Bolsonaro, ironizado por Salles. Bolsonaro ameaçou usar pólvora quando a saliva faltasse. Todos sabemos que não há pólvora para isso no Brasil, os gastos maiores da Defesa são para manter o pessoal, aposentados incluídos. Mesmo que houvesse mamonas como pólvora alternativa, a verdade é que a ameaça foi ignorada diplomaticamente por Obama quando instado a falar no assunto.
Da mesma maneira, os chineses, nossos maiores parceiros comerciais, procuram navegar ao longo das provocações como se não existissem. Eles têm projetos de décadas, a julgar pelo que Kissinger descreve sobre a política chinesa. Devem considerar Bolsonaro apenas um rápido acidente na relação bilateral. Ainda assim, há temas que vão mobilizar.
No apagar das luzes, Bolsonaro assinou o documento Clean Network, que teoricamente deixa de fora os chinese na implantação da tecnologia 5G no Brasil. É o único tema que irrita os chineses, pela maneira como a família Bolsonaro o trata, classificando-os de espiões.
É uma decisão que representa custos e assusta alguns parceiros nacionais. Suponho que interesse também ao governo Biden. Mas Bolsonaro pensava em Trump quando assinou. E ainda nem reconheceu o presidente eleito americano.
Ninguém se assusta com isso porque, afinal, Bolsonaro nega a covid-19, a ciência, o racismo, a corrupção nos gabinetes familiares, os incêndios na floresta. Ele é um negacionista e de tanto negar acabará duvidando da sua própria existência. O problema é como se comportar nesse vácuo, que pode durar dois anos.
Os governadores da Amazônia uniram-se e podem representar uma alternativa de negociação não apenas com a Europa, mas com os EUA, que agora têm um representante específico para mudanças climáticas. Dificilmente deixará de pôr a Amazônia em sua agenda. Outras iniciativas são possíveis. Cidades como as capitais do Sudeste podem estabelecer também seus vínculos com o exterior, sobretudo num momento em que a articulação das metrópoles do planeta tem muito a contribuir para o combate ao aquecimento global.
É preciso ocupar todos os espaços para se contrapor ao cercadinho de Bolsonaro. Nele, por afinidades ideológicas, cabem apenas a Hungria e a Polônia. Muito distantes e até modestas para nossas pretensões internacionais. No momento em que se discute tanto o racismo estrutural no Brasil, uma revisão histórica em nossa relação com a África abriria novas e inexploradas possibilidades.
Nos anos 50 o otimismo nos abria para as Américas e para o mundo. Com o fim da pandemia e a chegada da vacina, creio que esse movimento será de novo irresistível e arrastará com ele os destroços do negacionismo, o rancor paranoico de quem só vê perigo no mundo.
Alon Feuerwerker: E o que vem depois da eleição?
O dado óbvio a olhar daqui por diante, definido o quadro municipal, serão as pesquisas de popularidade do presidente da República. Não há como imaginar a sucessão de 2022 sem esse eixo de organização do pensamento. E sem base orgânica, o chefe do governo depende disso mais do que o normal. A outra variável? Como os partidos resolverão o dilema entre a necessidade de fazer bancadas de deputados e a vontade de ter candidaturas à Presidência.
O sistema partidário brasileiro funciona de modo peculiar. Talvez seja caso único no mundo em que uma constelação de legendas, nenhuma com massa crítica para construir sua hegemonia, migra da órbita de um personagem político para outro, e sempre submetidas à força gravitacional do poder. E depois das eleições submetem o poder à força gravitacional delas quando se reúnem no Congresso Nacional.
No campo governista, dos partidos que concordam no essencial com a agenda do Palácio do Planalto, é razoável supor que se Jair Bolsonaro chegar a 2022 competitivo nas simulações eleitorais terá uma possibilidade bem razoável de atrair boa parte das agremiações que se deram bem nacionalmente nesta eleição municipal, também e principalmente pelo acesso privilegiado de seus parlamentares ao Orçamento Geral da União.
Aliás, mesmo que o presidente esteja enfraquecido, essas legendas poderão aliar-se a ele para garantir as posições na máquina durante o período eleitoral, e conforme o andar da carruagem cristianizá-lo na campanha. Não chegaria a ser novidade. Esse poder de barganha dos partidos anda meio relativizado desde que o horário eleitoral no rádio e tv não se mostra tão vital assim, mas continua sendo uma variável a considerar com seriedade.
Inclusive porque cada partido que você atrai é menos um para engrossar as fileiras da concorrência.
A principal luta de Jair Bolsonaro nos ensaios para 2022, sabe-se, deve ser contra os que o apoiaram em 2018 mas preferem uma alternativa própria. E os segundos turnos municipais mostram que essa facção tem uma vantagem na disputa da pole-position antibolsonarista. Tem mais facilidade para receber o voto maciço da esquerda do que quando precisa retribuir.
Para a esquerda, a equação apresenta mais variáveis em aberto. Ao contrário da miríade das legendas da direita, ela precisa se preocupar seriamente com o atingimento da cláusula de desempenho na eleição para a Câmara dos Deputados. E, também ao contrário do campo oposto, chegará a 2022 sem o controle da máquina federal e desidratada de máquinas na maior parte do país. Qual será então a melhor fórmula para ela?
Uma possibilidade é buscar desde logo a convergência para lançar candidaturas majoritárias competitivas e ancorar os diversos partidos nesses projetos mais robustos. Ou vai ser o cada um por si, como foi na maioria das disputas municipais? É uma dúvida cruel. E os números finais deste novembro eleitoral precisarão ser analisados com lupa por quem, daqui a dois anos, terá como principal desafio não cair para a Série B da política.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
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Publicado originalmente na revista Veja edição 2.715 de 2 de dezembro de 2020
Maria Cristina Fernandes: A contida expressão eleitoral do antirracismo
A intolerância, como o vírus, ainda paira no ar
As primeiras pesquisas depois da morte de João Alberto Freitas no supermercado Carrefour em Porto Alegre não confirmam a contaminação da disputa municipal pela brutalidade do episódio.
O precedente é o da invasão da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ), por tropas do Exército e da Polícia Militar. O episódio produziu três mortos e dezenas de feridos. Seis dias depois, elegeu-se uma bancada de prefeitos sindicalistas - do ex-metalúrgico de Volta Redonda, Juarez Antunes, a Luiza Erundina (São Paulo), passando por Olívio Dutra (Porto Alegre), Chico Ferramenta (Ipatinga) e Jacó Bittar (Campinas).
Desta vez, são escassos os sinais de que o fenômeno se repita. O primeiro Ibope do segundo turno em Porto Alegre, que colheu entrevistas ao longo do fim de semana depois do assassinato, mostrou que o líder, Sebastião Melo (MDB), distanciou-se ainda mais da candidata do PCdoB em Porto Alegre, Manuela d’Ávila.
Melo terminou o primeiro turno dois pontos percentuais à frente de Manuela, que havia liderado durante toda a campanha. Agora a distância aumentou para sete. O movimento sugere não apenas a continuidade da curva com a qual Melo terminou o primeiro turno, como a tradicional migração de votos do eleitorado de candidatos mais afinados ideologicamente com os finalistas. O crescimento de Manuela pouco supera a soma dos votos de Juliana Brizola (PDT) e Fernanda Melchionna (Psol).
Da mesma maneira, Melo cresceu com a adesão dos eleitores de todos os demais candidatos, do centro à direita, desde o atual prefeito Nelson Marchezan (PSDB) até mesmo o candidato do PSD, Valter Nagelstein, cuja declaração sobre a nova composição da Câmara (“muitos deles jovens, negros, sem nenhuma tradição política e com pouquíssima qualificação”) não foi rechaçada por Melo.
Foi a primeira vez que Porto Alegre elegeu vereadores negros (dois do Psol, dois do PCdoB e um do PT). Os dois que atualmente exercem mandato foram eleitos como suplentes. O Ibope, no entanto, indica que os dividendos eleitorais do antirracismo não invadiram o segundo turno.
Levantamento da Bites indica que nos cinco dias que se seguiram à morte de João Alberto Freitas, os 36 candidatos que disputam o segundo turno em capitais publicaram nas redes (Twitter, Facebook e Instagram) 5.213 “posts”. Desses, apenas 129 mencionaram racismo, Carrefour, João Alberto ou “vidas negras”. Quem mais tocou no assunto foi Manuela, com 45 “posts”, seguida de Guilherme Boulos, em São Paulo, com 30. Sebastião Melo publicou quatro e Bruno Covas, sete.
Ambos os finalistas de Porto Alegre mencionaram o episódio na sua propaganda eleitoral gratuita. Manuela chegou a ir para a passeata do dia da Consciência Negra, mas deixou o evento antes do confronto com policiais. Três dias depois, nova manifestação, em frente a uma outra unidade do Carrefour, também foi reprimida pela polícia. A candidata não estava lá, mas entre os que portavam adesivos nas camisetas, só se viam os de Manuela.
Para os jovens que lá estavam, como o vereador eleito pelo Psol, Matheus Gomes, que nem era nascido no massacre de Volta Redonda, a referência são as manifestações que pipocaram nos EUA e no mundo depois da morte do vigilante negro George Floyd em Minneapolis.
Se Manuela e Boulos foram os candidatos que mais indignação demonstraram, ambos foram cautelosos em demarcar distância dos conflitos com a polícia. Dos 97 “posts” sobre os protestos na unidade do Carrefour nos Jardins, bairro da zona sul de São Paulo, nenhum deles, na métrica da Bites, foi de autoria do candidato do Psol. O racismo, apesar da indignação nacional, não moveu o debate eleitoral. O total de “posts” dos 36 candidatos nas capitais nos cinco dias que se seguiram à morte geraram mais de 11 milhões de interações, sendo que apenas 2,5% delas trataram de racismo.
Marqueteiro da campanha de Boulos e daquela que elegeu Erundina em 1988, Chico Malfitani não usou o episódio 32 anos atrás nem pretende fazê-lo hoje. A única menção feita três décadas atrás foi nos segundos finais do último dia da propaganda eleitoral. O programa foi embalado por um tom de comemoração pela trajetória de Erundina na campanha. Ao final, ela dizia que a alegria nem sempre é completa e a dela havia sido abalada pela morte dos operários.
Se não explorou naquele momento em que ainda se tinha ódio e nojo da ditadura tampouco tem motivos para explorar hoje. Se, por um lado, Bruno Covas não é Paulo Maluf, o país hoje, diz, é mais reacionário: “O Brasil de 32 anos atrás estava ansioso por democracia. Agora tinha muita gente olhando o linchamento sem fazer nada”.
O marqueteiro de Boulos não atribui sua alavancagem entre homens negros com renda de até dois salários mínimos ao episódio, mas ao fato de o candidato hoje encarnar esse sentimento difuso de revolta que, dois anos atrás, beneficiou Jair Bolsonaro.
A canalização dessa revolta é pesada e medida porque o mote da campanha desde o início, na opinião de outra veterana em eleições, a diretora do Ibope, Márcia Cavallari, é a segurança. Aquela que indique ser possível sair da hecatombe que se abateu sobre o eleitor com a pandemia.
Em novembro de 2018, com a eleição de Bolsonaro ainda fresquinha, Márcia colocou uma pesquisa na rua para tentar identificar o perfil do eleitor. A fatia daqueles que se identificavam com a direita superava a soma dos eleitores de centro e de esquerda. Agora esta soma ultrapassa, com folga, os que se dizem de direita. Não porque a esquerda tenha crescido, mas graças ao centro, que se encorpou.
O racismo não é de esquerda, de centro ou de direita. É odiento. Mas este rechaço parece ter uma contida tradução eleitoral porque não é contra um candidato ou outro que se expressa, nem mesmo contra um presidente que o ignora, mas contra a intolerância que ainda paira no ar, como o vírus.
São tão grandes as incertezas da conjuntura que todos parecem movidos por um pacto de sobrevivência, guiado pela moderação. Há exceções, como a campanha do prefeito-bispo, no Rio, ou a lamentável disputa que sacode as tumbas ancestrais dos primos-candidatos no Recife. A batalha contra os fantasmas despertados em 2018 ainda demora.
Eliane Brum: Precisamos falar sobre o PSDB
Como o partido abandonou a social-democracia, migrou para a direita e deixou amplas digitais na destruição do processo democrático
Um dos principais riscos da polarização é justamente embaralhar o que é continuidade e o que é ruptura. Neste momento, em que o PSDB, hoje um partido de direita, tenta se vender como o “centro” que um dia foi, é fundamental recuperar a perspectiva do processo histórico. A falta de responsabilização do PSDB como um dos principais agentes de destruição da democracia é um dos enigmas da atual paisagem política brasileira. Ao embarcar no discurso do antipetismo, o PSDB colaborou fortemente para colocar na conta exclusiva do PT todo o desencanto com a política e os políticos, ao mesmo tempo em que se aproximou de tudo o que Jair Bolsonaro representa e defende. O partido deixou amplamente suas digitais na corrosão da democracia cujas consequências são Jair Bolsonaro. O PSDB não é apenas mais um que tem seu DNA na mais recente escalada autoritária do Brasil. O PSDB está em sua gênese.
Ao longo de suas primeiras fases, o Partido da Social Democracia Brasileira construiu uma fama de ficar em cima do muro, manter-se nem lá nem cá, nem à esquerda, nem à direita. Durante muitos anos foi o mais próximo de um partido de centro, ainda que mais para a esquerda do que para a direita, já que alguns de seus fundadores e principais expoentes, como Fernando Henrique Cardoso e José Serra, tinham sido exilados pela ditadura civil-militar (1964-1985). Com o tempo, ser “tucano”, como eram chamados os pessedebistas, por conta do pássaro que simboliza o partido, passou a significar não tomar posição clara. A expressão valia para a política, mas ampliou-se e passou a valer, como gíria, também para qualquer pessoa que ficava no sim, só que não.
Os tucanos, majoritariamente homens brancos, eram vistos como gente culta, com diploma universitário e pós-graduação, de gestos educados e boas maneiras, mais afinados com os salões europeus e sua arrogância blasé do que com o exibicionismo explícito e movido por fortunas familiares dos Estados Unidos. Também se vendiam como modernos, urbanos e de mente arejada, o que os mantinha longe do coronelismo truculento da política brasileira, marcas de clãs como Sarney, Magalhães e Barbalho, que preferiam liderar partidos assumidamente de direita ou fincar seus bigodes no amplo guarda-chuva do PMDB, hoje MDB.
O quanto de verdade continha essa imagem de senso comum é algo a se discutir, mas o mais importante é perceber que hoje essa imagem não tem nenhuma correspondência na realidade. Dela ainda resiste, como a rainha da Inglaterra num rodeio de Barretos, a figura de Fernando Henrique Cardoso, às vezes chamado a dar um lustro na imagem externa do partido, mas que já pouca influência tem na vida cotidiana do PSDB.
O próprio Fernando Henrique Cardoso, duas vezes presidente do Brasil (1995 a 2002), ainda lida com a persistente suspeita de que, em 1997, o partido comprou os votos para aprovar no Congresso a emenda constitucional que permitiria —como permitiu— a sua reeleição. Os indícios de que houve compra de votos eram —e seguem sendo— fortíssimos, mas diferentes esferas do judiciário e do legislativo impediram o prosseguimento das investigações e engavetaram as denúncias. Geraldo Brindeiro, procurador-geral da República, passou para a história como “engavetador-geral da República”. A mancha sobre a figura de FHC permanece até hoje e o assunto, como aqueles fantasmas com pendências a resolver no mundo dos vivos, volta de tempos em tempos, como agora. Os fatos são como os corpos sepultados em covas clandestinas: teimam em emergir por mais camadas de terra e silêncio que se empilhe sobre eles.
Fernando Henrique Cardoso fez uma transmissão bonita da faixa presidencial a Lula, em 2003. Ele estava visivelmente emocionado ao passar o bastão para o primeiro presidente de classe operária eleito na história do Brasil, como um seguimento natural e desejável ao seu próprio Governo. Lula foi um tanto ingrato neste sentido, incapaz de reconhecer o que havia de positivo no Governo do antecessor. E isso mesmo tendo continuado a política econômica de FHC tal e qual, o que causou estupor na ala mais à esquerda do partido.
No Governo durante mais de 13 anos, o PT se tornou mais parecido com um partido de centro. Em alguns campos, porém, como na política de imposição de grandes hidrelétricas na Amazônia e na aproximação crescente com o agronegócio, que chegou instalar a ruralista Kátia Abreu no Ministério da Agricultura no segundo mandato de Dilma Rousseff e um ex-diretor de manicômio ligado a torturas de pacientes na coordenação da saúde mental, foi francamente conservador. Parte da esquerda do PT deixaria o partido nos anos que se seguiram à primeira posse de Lula para fundar o PSOL, em 2004 —ou para fundar seu próprio partido, como fez Marina Silva ao deixar o Governo e depois o PT, durante o segundo mandato de Lula, por não compactuar com a política ambiental e para a Amazônia, cada vez mais influenciada pelo desenvolvimentismo predatório de Dilma Rousseff.
Não estou aqui a resgatar os fatos para fazer textão, mas porque é importante revisitar o processo e onde cada personagem nele se situa para compreender o que hoje está em jogo. Neste momento, o PSDB de Bruno Covas, assustado com a possibilidade de perder a Prefeitura de São Paulo, essencial para os planos de João Doria para disputar a eleição presidencial de 2022, tenta carimbar Guilherme Boulos, do PSOL como “radical”, o mesmo truque que era usado contra Lula quando o então sindicalista despontou na política partidária nos anos 1980. Naquele momento, o Brasil iniciava a redemocratização do país, depois de 21 anos de ditadura civil-militar (1964-1985), período em que 8.000 indígenas e centenas de opositores foram mortos por agentes de Estado que nunca foram responsabilizados e período também em que os atuais generais no entorno de Bolsonaro fizeram sua formação.
Resgato aqui um trecho do meu último livro —Brasil construtor de ruínas, um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro (Arquipélago), para que não me acusem de plagiar a mim mesma. O nome do capítulo é sugestivo: “O tucano arrasta as penas na sarjeta”. Busco mostrar o papel que José Serra pode ter desempenhado nos acontecimentos que começaram a desenhar o abismo do Brasil. Um dos fundadores do PSDB, Serra foi ministro do Planejamento e depois da Saúde de Fernando Henrique Cardoso, foi também prefeito e governador de São Paulo e ainda ministro de Relações Exteriores de Michel Temer. Hoje é mais um senador da República às voltas com denúncias de corrupção movidas pela Operação Lava Jato.
1) O PSDB, José Serra e o aborto como moeda eleitoral: o momento em que o vale-tudo faz sua entrada triunfal nas campanhas políticas
Há uma data marcando o momento em que um limite que jamais poderia ter sido ultrapassado foi rompido na política brasileira. O ato foi precursor das quebras que viriam depois. Aconteceu na campanha de 2010. Na ocasião, os caminhos de Eduardo Cunha se cruzaram com os de Dilma Rousseff e de seu adversário José Serra. O PSDB começava o declínio que o levaria a alcançar os dias atuais com o rosto de João Doria.
Nas primeiras campanhas eleitorais após a ditadura civil-militar, a maioria dos candidatos costumava evitar abordar o tema do aborto. Nem enfrentar a questão, para evitar perder eleitores, nem usá-la como moeda eleitoral para ganhar apoio entre os mais conservadores. Se não havia coragem para enfrentar o tema a partir de um debate responsável, também existia pudor para não baixar o nível, fazendo proselitismo com uma das causas de morte de mulheres jovens no Brasil, a maioria delas negras e pobres. Fernando Collor de Mello ensaiou romper essa fronteira, ao usar a filha de Lula com Miriam Cordeiro para atacar seu principal adversário, em 1989. Mas uma espécie de acordo tácito foi mantido nas eleições que se seguiram.
Em 2010, ao constatar o potencial eleitoral dos evangélicos, em especial dos neopentecostais, que seguem crescendo e podem superar o número de fiéis católicos nas próximas décadas, políticos e marqueteiros perceberam que jogar o aborto na mídia e no palanque poderia ser conveniente. Tanto para conquistar o voto religioso quanto para derrubar opositores com escrúpulos de se tornarem crentes de última hora. Ninguém fez isso com maior afinco do que José Serra, na campanha eleitoral em que disputou a presidência com Dilma Rousseff.
No final do primeiro turno, a Internet e as ruas foram tomadas por uma campanha anônima, na qual se afirmava que Dilma Rousseff era “abortista” e “assassina de fetos”. Dilma começou a perder votos entre os evangélicos, e também parte dos bispos e dos padres católicos exortou os fiéis a desistirem de votar nela. Circularam suspeitas de que o ataque teria partido da campanha de Serra, mas a autoria não chegou a ser provada. O que se pode afirmar é que Serra se empenhou em tirar proveito do ataque vindo das catacumbas, determinando o rumo da campanha dali em diante.
Dilma Rousseff, por sua vez, correu a buscar o apoio de religiosos, acabando por escrever uma carta declarando-se “pessoalmente contra o aborto”. Nesta carta, Dilma comprometeu-se, caso vencesse a eleição, a não propor nenhuma medida para alterar a legislação sobre o tema. Logo, tanto Serra quanto Dilma despontaram no espetáculo eleitoreiro como devotos tomados por um fervor religioso até então desconhecido de quem acompanhava suas trajetórias. Serra apregoou que tinha “Deus no peito”. Dilma agradeceu “a Deus pela dupla graça” e, usando o mote dos grupos extremistas do catolicismo, afirmou que fazia “uma campanha, antes de tudo, em defesa da vida”.
A campanha de 2010 marcou o momento mais baixo desde a redemocratização do país. Isso significa que foi o momento mais baixo em 21 anos de eleições presidenciais. E inaugurou o primeiro de uma série de momentos cada vez mais baixos que se seguiriam a ele, culminando com o discurso de ataque aos negros e aos indígenas, às mulheres e aos homossexuais e transexuais de Jair Bolsonaro em 2018.
O que se passou em 2010 escancarou as portas para todas as leviandades e recuos que vieram depois, nos temas relativos à saúde da mulher e ao respeito à diversidade sexual. Basta lembrar, entre outros, do cancelamento do kit anti-homofobia, que seria usado nas escolas públicas para trabalhar o respeito às diferenças e prevenir a violência contra homossexuais.
O kit Escola Sem Homofobia foi batizado pejorativamente de “kit gay” por pastores e políticos homofóbicos —ou apenas oportunistas— e lembrado em todas as campanhas eleitorais que se seguiram, inclusive a que deu a vitória ao declaradamente homofóbico Jair Bolsonaro, em 2018. Também vale a pena lembrar da retirada do ar do vídeo de uma campanha de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, na qual uma prostituta dizia ser “feliz”. O fato de uma mulher ser feliz e ser prostituta parece ter ferido mais a sensibilidade dos hipócritas do que pessoas adoecerem ou mesmo perderem a vida por doenças evitáveis.
A campanha de 2010 mostrou que rebaixar o tema do aborto à moeda eleitoral atingia dois propósitos: 1) fazer com que o adversário, liberal nos costumes, o que caracteriza a esquerda, de modo geral, e a direita genuinamente adepta do liberalismo, perdesse uma grande quantidade de votos entre as pessoas religiosas, em especial evangélicos neopentecostais e católicos carismáticos; 2) pressionar candidatos que, caso eleitos, poderiam levar adiante o debate do aborto como o problema de saúde pública que efetivamente é, assim como outras pautas relativas à sexualidade e à diversidade, de forma a se comprometerem a deixar tudo como está ou mesmo a retroceder.
A campanha de 2010 provou, principalmente, que o aborto e outros dos chamados “temas morais” são um eficaz instrumento de barganha política, quando não de chantagem. Desde então, parlamentares se agarraram a essa pauta, deram declarações públicas e lançaram projetos de lei marcados por um retrocesso que não parecia mais possível. Muitos desses oportunistas fizeram nome e ganharam importância na guerra moral assinalada pela imoralidade das práticas e pela desonestidade dos argumentos dos religiosos de ocasião.
O rebaixamento do nível da campanha de 2010 rompeu uma barreira ética no debate público do Brasil —e esse rombo nunca mais parou de ser escancarado. É necessário jamais esquecer que essa fronteira não foi derrubada nem pela parcela mais fisiológica do PMDB, hoje MDB, nem pelos líderes evangélicos mais inescrupulosos. Ela foi ultrapassada por José Serra, um representante do PSDB histórico, de raiz.
Este não é um detalhe. E sim um fato crucial para compreender o papel que o PSDB desempenhou para os rumos do Brasil. O modo de operação do MDB é muito mais pesquisado, esmiuçado e conhecido, tanto por intelectuais que se dedicaram a ele, caso da tese do “pemedebismo”, do filósofo Marcos Nobre, quanto pelo público que acompanha a política de Brasília. No campo da Justiça, a Operação Lava Jato mostrou muito mais claramente como o MDB e o PT atuavam do que o PSDB.
O PSDB desempenhou um papel determinante para a ampla e múltipla crise vivida hoje pelo Brasil —e esse papel precisa ser iluminado. Não foi por acaso, nem sem a responsabilidade dos tucanos mais emplumados, que o rosto do PSDB deixou de ser o de FHC para se tornar o de Doria, com uma transição pela face de Geraldo Alckmin.
É também em 2010 que Eduardo Cunha enxerga uma brecha para ampliar seu poder de influência. Com o aval de Lula, esse personagem nebuloso vai peregrinar por templos evangélicos para afirmar que Dilma Rousseff é contra o aborto. É este novo “aliado” que lidera o contra-ataque e pede votos para Dilma nos redutos do evangelismo neopentecostal. Por pragmatismo eleitoral, ao se ver atacada, Dilma capitulou diante de seus princípios. Naquele momento, nem ela nem ninguém poderia saber, mas se iniciava ali, mesmo antes de Dilma se eleger para o primeiro mandato, sua triste marcha rumo ao impeachment.
Nos anos seguintes, Eduardo Cunha se tornaria o rei do “centrão” —grupo de parlamentares ligados menos à direita ou a qualquer ideologia e bem mais a seus interesses pessoais e privados, que tem como característica o apoio a qualquer Governo, em troca de cargos e favores. Em resumo: se elegem para se colocarem à venda. Eduardo Cunha uniria também as bancadas conservadoras da Câmara dos Deputados para barrar, na prática, o aborto legal. A partir de 2015, já como presidente da Câmara, tornou-se o principal ator do impeachment de Dilma Rousseff, depois de concluir que o PT não impediria a investigação de seus atos de corrupção. O impeachment foi movido por muitas razões e também paixões, entre elas a vingança do vilão.
2) O PSDB, Aécio Neves e o pré-bolsonarismo ou pré-trumpismo: a estratégia nojenta de duvidar do processo eleitoral
A cena produzida em 2010 marca a derrocada ética do PSDB, assim como assinala o ponto aparentemente sem retorno em que o partido se desliga do que existia de progressista em sua história. O momento em que o corpo das mulheres virou moeda eleitoral no Brasil tem seu impacto na história recente minimizado, até porque a maioria dos analistas é composta por homens.
Tucanos-pena-longa se omitiram ao testemunhar José Serra arrastar as asas —as suas e as do partido —nos esgotos, em 2010. E se omitiram mais uma vez quando outro membro do PSDB histórico, Aécio Neves, desferiu o ataque mais grave à democracia desde o fim da ditadura civil-militar. Aqueles brasileiros que hoje torcem a boca de indignação, ao acompanhar o estrago que Donald Trump tem feito na até então aparentemente sólida democracia dos Estados Unidos, deve olhar com mais atenção para o seu próprio quintal.
Aécio Neves, neto do ícone Tancredo Neves, teve a irresponsabilidade criminosa de duvidar do resultado eleitoral, sem uma única prova, abrindo espaço para toda a corrosão da democracia que veio depois. Quando Aécio Neves perdeu a eleição de 2014 para Dilma Rousseff, ele e seu partido cometeram o ato, ao mesmo tempo oportunista e irresponsável, de questionar o processo eleitoral sem nada que justificasse a suspeição do pleito. O Brasil, com as urnas eletrônicas, tem um dos mais confiáveis e eficientes sistemas de votação do mundo. Aceitar a derrota faz parte das regras fundamentais da democracia. E negá-la, como hoje faz Donald Trump, para assombro do mundo, e fez Aécio Neves, em 2014, é um ataque inaceitável ao voto de todos os eleitores.
Aécio iniciava ali uma nova crise, e isso já num cenário grave para o país, marcado por dificuldades econômicas crescentes e pela perda acelerada do apoio à presidenta reeleita. Naquele ato, abriu um precedente mais do que perigoso. Mais tarde, uma gravação revelaria Aécio afirmando que pediu a auditoria dos resultados eleitorais só “para encher o saco”. Aécio deve entrar para a história não só pelos seus crimes de corrupção, mas por esse gesto contra o país. Aécio Neves e José Serra devem ser lembrados como políticos que praticaram gestos determinantes para a destruição da democracia brasileira.
Quatro anos depois, em 2018, mais uma eleição. Durante a campanha, de dentro do hospital, onde se recuperava de um atentado a faca, Jair Bolsonaro gravou um vídeo questionando as urnas eletrônicas e sinalizando que poderia não aceitar o resultado do pleito, em caso de derrota. Seu vice, o general Hamilton Mourão, já havia dado uma entrevista à Globo News afirmando a possibilidade de um autogolpe do presidente eleito, com o apoio das Forças Armadas. Bolsonaro e os generais anunciavam ali que não aceitariam a derrota. A democracia, pelo visto, só valia se o resultado fosse positivo. O que planejavam não foi usado, já que Bolsonaro venceu a eleição de 2018 pelo voto. E, como venceu, suas suspeitas sobre as urnas eletrônicas desapareceram de imediato.
Nas recentes eleições municipais de 15 de novembro, perfis bolsonaristas nas redes sociais atuaram fortemente para lançar suspeita sobre o processo de apuração eleitoral, já sinalizando o que planejam para 2022. Bolsonaro, porém, não inventou esse truque absolutamente repugnante. No Brasil, o responsável atende pelo nome de Aécio Neves —e, ainda assim, o playboy de Minas conseguiu se eleger deputado federal em 2018, apesar de toda a ficha corrida, da qual faz parte a literalidade de uma mala cheia de dinheiro da corrupção.
3) O PSDB acelera rumo ao botox: tardia autocrítica de Tasso Jereissati, nenhum efeito concreto sobre o partido engolido por João Doria
O PSDB desempenhou um papel importante no impeachment de Dilma Rousseff e participou do Governo de Michel Temer (MDB). Quando aderiram aos movimentos das ruas a favor do impeachment e contra o PT, vestidos com a camiseta da seleção brasileira, políticos tucanos também se iludiram que a rua era deles. Não era nada disso, como logo descobririam.
Em setembro de 2018, um dos tucanos de plumagem grossa, Tasso Jereissati, afirmou, em entrevista ao jornalista Pedro Venceslau, no jornal O Estado de S. Paulo: “O partido cometeu um conjunto de erros memoráveis. O primeiro foi questionar o resultado eleitoral. Começou no dia seguinte [à eleição]. Não é da nossa história e do nosso perfil. Não questionamos as instituições, respeitamos a democracia. O segundo erro foi votar contra princípios básicos nossos, sobretudo na economia, só para ser contra o PT. Mas o grande erro, e boa parte do PSDB se opôs a isso, foi entrar no Governo Temer. Foi a gota-d’água, junto com os problemas do Aécio. Fomos engolidos pela tentação do poder”.
Autocrítica importante, ainda que tardia. E além de tardia, sem efeito, porque o PSDB apenas acentuou sua guinada às piores práticas com João Doria. Quem acha que controla as ruas não estudou nem a história nem a psicologia humana. Com telhado de vidro fino, tanto Serra quanto Aécio e o PSDB são hoje muito menores do que no passado, em todos os sentidos.
Pior do que não ter ressonância, porém, é perder o respeito. O PSDB que surgiu com a volta da democracia não existe mais. O que existe agora é outra coisa. Que coisa é essa, o presente já está mostrando. O PSDB atual tem o rosto, o estilo e a estética de Doria, um milionário exibicionista, esteticamente muito mais parecido com Trump do que com Bolsonaro, mas sem nenhum ponto de contato com Joe Biden, o moderado recém-eleito para a presidência dos Estados Unidos, por exemplo. É fácil imaginar como a face, o estilo e a estética devem horrorizar os tucanos ainda “finos” que sobrevivem como decoração nas prateleiras empoeiradas da história do partido. Mas se calaram demais diante de tantas atrocidades ao longo dos anos e hoje só lhes resta engolir sem cuspir.
Não se pode esquecer de Geraldo Alckmin, o padrinho traído de Doria no partido, que ao governar São Paulo mostrou que era tudo menos picolé de chuchu. É difícil trabalhar com a hipótese de “e se”, mas também faz sentido imaginar o que teriam sido os protestos de 2013, que mudaram o Brasil, não fosse Alckmin ter despachado sua Polícia Militar para bater em manifestantes e jornalistas, expulsá-los das ruas com gás lacrimogênio e spray de pimenta, num nível de violência que revoltou até mesmo a classe média, sempre tão conservadora.
Alckmin e uma das mais assassinas polícias do mundo —que também morre muito, é preciso dizer— foram protagonistas às avessas dos protestos. Mesmo assim, Alckmin não aprendeu. Em 2015 colocou a mesma truculenta PM para bater em crianças e adolescentes que protestavam contra uma reforma imposta à comunidade escolar sem suficiente consulta e debate, alunos de escolas públicas apanhando como se o país vivesse numa ditadura e como se manifestações não estivessem contempladas na Constituição. João Doria, o afilhado de Alckmin, se elegeu prefeito em 2016 fazendo discurso contra a política e os políticos e autoproclamando-se “gestor”, em mais um ataque à democracia.
Em 2018, Doria deixou sem pena a Prefeitura de São Paulo, depois de uma coleção de maldades como demolir um prédio do que chamam “Cracolândia”, ferindo pelo menos três moradores. João Doria elegeu-se governador literalmente colado a Jair Bolsonaro, no slogan “BolsoDoria”. Agora, de olho na disputa pela eleição presidencial de 2022, o governador de São Paulo descolou-se do atual presidente e desde então busca se apresentar, e também o partido, como o último reduto da moderação. Algo como “Doria, o pacificador”.
4) Bruno Covas e o vice-problemão: a prefeitura foi deixada para os vices nos últimos dois mandatos do PSDB
Para distanciar-se de Bolsonaro e da extrema direita, o PSDB precisa mostrar que ainda guarda na alma uma lembrança carinhosa do tempo em que era centro político. Neste sentido, apostar na eleição de Bruno Covas para a prefeitura de São Paulo foi uma jogada esperta. Covas tem o sobrenome certo, na medida em que é neto de Mário Covas, ex-governador de São Paulo e fundador do PSDB, portanto herdeiro de uma espécie de aristocracia do partido, hoje tomado por novos ricos com a cara cheia de botox. Se há várias críticas a se fazer a Bruno Covas no comando de São Paulo, é preciso reconhecer que ele está ainda longe de poder ser equiparado ao trio Doria-Aécio-Serra.
Espertamente, Bruno Covas tentou se afastar de Doria e de Bolsonaro para chegar ao segundo turno, mas a realidade acaba sempre se impondo. Além de outros partidos e figuras de direita, Covas tem hoje o apoio formal de Celso Russomanno (Republicanos), candidato derrotado no primeiro turno, declaradamente apoiado por Bolsonaro. O maior complicador, porém, atende pelo nome de Ricardo Nunes (MDB), seu candidato a vice. Ricardo Nunes foi imposto a Bruno Covas por João Doria, em sua articulação para que o MDB apoie o seu nome para a eleição presidencial de 2022. Nunes é um sapo de um tamanho difícil de passar na garganta para alguém que se anuncia como “centro” e como “moderado” e como “responsável”. Covas o defende e até afirma que Ricardo Nunes foi escolhido por ele mesmo, mas o sapo só aumenta de tamanho.
Em 2011, o vice da chapa de Covas foi acusado pela mulher de violência doméstica e um mês mais tarde ele mesmo acusou-a de lesão corporal. Hoje eles vivem juntos. Vereador influente na zona sul de São Paulo, Ricardo Nunes é alvo de um inquérito policial que investiga corrupção nas relações de políticos com entidades gestoras de creches conveniadas, caso conhecido como a “máfia das creches”. Na Câmara de vereadores de São Paulo atua contra os direitos das mulheres e dos homossexuais e transgêneros e apoia o ultraconservador projeto Escola Sem Partido, que busca criminalizar professores, dinamitar a educação sexual e reescrever a história do país.
Seria possível alegar que um vice influi pouco nos rumos do Governo, mas, no Brasil, apenas dois presidentes não foram substituídos pelo vice desde a redemocratização do país. Em São Paulo, dois vices viraram prefeitos porque o titular, do PSDB, resolveu concorrer a um cargo de mais poder. O próprio Bruno Covas era vice de João Doria, que deixou a prefeitura para concorrer ao cargo de governador, o que até hoje é pouco perdoado por seus eleitores. Antes dele, em 2006, foi a vez de José Serra deixar a prefeitura para concorrer ao Governo do Estado, e então assumiu um quase desconhecido Gilberto Kassab. Hoje, Kassab é um dos principais líderes dessa praga política que atende pelo nome de “centrão”, mas que é muito mais à direita do que próxima a qualquer ideia de centro ideológico.
Vale a pena observar que tanto Serra quanto Doria assinaram compromissos de que jamais fariam o que efetivamente fizeram. Serra assinou um documento afirmando que cumpriria o mandato até o fim. Mais tarde, ao ser cobrado por trair a própria assinatura, disse que era só um “papelzinho”. E Doria, durante a campanha, também assinou um documento a pedido do portal Catraca Livre: “Eu, João Doria, comprometo-me a cumprir integralmente meu mandato nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 caso seja eleito prefeito de São Paulo em 2016”. Bem, o que aconteceu todos sabem.
Diante do histórico do PSDB na prefeitura de São Paulo, faz bastante sentido o eleitor paulistano se preocupar que o prefeito acabe se tornando Ricardo Nunes. Com a biografia embrulhada e sob investigação, Nunes foi orientado —ou talvez proibido— de participar de debates com a vice da chapa opositora, Luiza Erundina. Uma das mais experientes políticas brasileiras, ex-prefeita de São Paulo, atual deputada federal, Erundina tem uma biografia de absoluta coerência, uma história pessoal fascinante e, para aumentar os pesadelos do PSDB, é uma debatedora afiada. A campanha para o segundo turno já começou com uma intensa campanha nas redes, com o título de “Exigimos o debate dos vices”, mas Ricardo Nunes e o PSDB deram uma de Jair Bolsonaro e fugiram da raia pelos fundos, o que também diz bastante a um eleitor minimamente atento.
Desde que Guilherme Boulos e Luiza Erundina chegaram ao segundo turno, o PSDB joga sujo, apostando no discurso sacana da suposta “radicalidade” de Guilherme Boulos. Considerar “radical” a luta por moradia, no sentido pejorativo, e buscar criminalizar movimentos sociais são gestos muito mais ligados à extrema direita truculenta de Bolsonaro do que a qualquer aceno de “moderação”. O antipetismo quase patológico apresenta o PT como o principal responsável pela crise múltipla vivida pelo Brasil nos últimos anos. Sem tirar a responsabilidade do PT, que é grande, o que hoje vive o Brasil está longe de ter um único responsável e muito menos exime a direita que se rearranja durante toda a história republicana para seguir no poder e não perder privilégios de raça e de classe. As ruínas construídas pelo Brasil ao longo dos séculos são um bem-sucedido trabalho de longo prazo das elites conservadoras.
5) Uma eleição municipal que é nacional: o que está em jogo no voto de São Paulo diz respeito ao futuro de todo o Brasil
O antipetismo dos últimos anos permitiu que o PSDB fosse menos cobrado pelos seus ataques à democracia. Por isso é urgente refletir sobre o papel do PSDB no momento em que está em curso mais um rearranjo da direita que apoiou Bolsonaro e hoje se descola quase vergonhosamente dele para disputar 2022 se vendendo como “pacificadora” e “moderada”. Doria é o expoente deste movimento. Era BolsoDoria há menos de dois anos, hoje é anti-Bolsonaro desde bebezinho. João Doria, como Geraldo Alckmin aprendeu duramente ao ser traído pelo afilhado, é como Jair Bolsonaro: só tem um partido, que é ele mesmo.
A surpreendente chegada de Guilherme Boulos e do PSOL ao segundo turno da maior, mais rica e mais influente cidade do país foi um susto para o projeto de poder de João Doria e de seus mais novos sócios. Nos últimos meses, o atual governador de São Paulo, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro Sergio Moro e o apresentador da TV Globo Luciano Huck tentam costurar uma candidatura com o mote da “moderação” e da “união do país”. Uma candidatura proposta como sendo de centro.
Doria e seus amigos da direita travestida de centro estão muito preocupados com o que dirão as urnas no próximo domingo, 29 de novembro. Eles davam a esquerda por enterrada, com boas razões, já que até esse momento os partidos de esquerda e de centro-esquerda não conseguiam se entender para fazer oposição real a Bolsonaro. A consolidação de um novo líder, fora do guarda-chuva do PT, aponta que a esquerda pode chegar a 2022 com uma frente ampla e chances reais de disputar a sucessão de Bolsonaro —ou de pelo menos atrapalhar bastante os acertos da direita consigo mesma. O apoio de expoentes como Lula (PT), Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Flávio Dino (PCdoB), mostram que uma frente ampla à esquerda se tornou realidade no segundo turno da eleição de São Paulo e já está no campo das possibilidades também para a sucessão de Bolsonaro.
Mesmo que o PSOL perca, o cenário político mudou no Brasil. Se Guilherme Boulos e Luiza Erundina vencerem, São Paulo é uma força poderosa. No próximo domingo, os eleitores paulistanos vão determinar muito mais do que o futuro da cidade de mais de 12 milhões de habitantes. É o futuro do Brasil e de mais de 210 milhões de pessoas que já está sendo tecido no presente.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro (Arquipélago). Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum
Rosângela Bittar: A terceira eleição
PSDB não teme solução radical para buscar um novo nome: a realização de prévias
Ao apurar as urnas, no domingo, o município de São Paulo terá o resultado de três eleições. A primeira revelará a identidade do novo prefeito. A segunda, de dimensão nacional, indicará os efeitos desta definição na peleja do governador João Doria e do presidente Jair Bolsonaro. A terceira e mais complexa deflagrará a disputa interna no PSDB, de que pouco se fala mas, com certeza, desabrochará.
A resistência a João Doria definirá sua proporção, no PSDB, a partir de agora. Com o desempenho eleitoral do prefeito Bruno Covas este grupo, que contava apenas com a presença discreta do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, passa a ter um novo ponto de articulação.
Se conseguir levar seu eleitorado a comparecer, Covas continua favorito para vencer o segundo turno, apesar do impulso de crescimento de seu oponente em cima do contingente de indecisos. Se não, pelo resultado até aqui, passou a ser um ator importante nas definições político-eleitorais do PSDB. Não é mais o vice, de carona em um mandato tampão de prefeito. Sua votação tornou-se pessoal. A campanha lhe permitiu, também, mostrar uma gestão reconhecida, apesar da travessia de períodos dramáticos que viveram os cidadãos e ele próprio.
Desempenho eleitoral e gestão o credenciam como força partidária. Não necessariamente em futuro benefício próprio, devido aos problemas de saúde, mas para fortalecer a oposição interna que não vê em Doria o destino do PSDB. Doria está desgastado. Sabe-se, inclusive, o ponto nevrálgico de seu esgotamento, e não está na gestão. O governo é bem avaliado, tem uma equipe melhor que a do governo federal, fez uma reforma administrativa que Bolsonaro levará ano e meio para começar. Como se formou, então, tão denso desgaste? Especialistas identificaram sua origem em um fenômeno que definem como “excesso de imagem”.
Desde o momento inicial, que ficou conhecido como a fase de traição a Geraldo Alckmin, ao abandono precoce do mandato de prefeito, passando pelas dificuldades para desatar a armadilha BolsoDoria, mais os palanques diários, a voz onipresente. Acreditou na comunicação direta como um ativo e cansou o distinto público.
A tese se comprova. Tanto que o momento mais bem sucedido de Doria, no quesito aceitação, se deu quando saiu de cena e deixou Bolsonaro falando sozinho, a comemorar a suspensão da vacina anticoronavírus do Butantã. Colocou médicos e cientistas para duelar com o provocador, levando o Presidente da República a murchar seu ímpeto num instante, completamente sem graça. Mas foi exceção. O PSDB sente-se preparado para articular alternativas. Eduardo Leite, considerado um belo produto político, galvaniza estas forças. Como é pouco conhecido, foi um opositor discreto internamente. Mas agora pode contar com São Paulo. Além de oferecer ao partido a construção de uma candidatura a partir do zero.
Estão todos conscientes de que uma reação como esta é de difícil operação. Bruno Covas tem a política na sua natureza, conhece o centro do poder e sintoniza-se melhor com Leite do que com Doria. Mas é certo que terá enormes dificuldades de liderar o movimento de dentro para fora de São Paulo. Não só pelo constrangimento que, em política, se dilui, mas por questões de outra natureza, como a relação do prefeito com o governador e do partido com o Estado onde se encontra o maior colégio eleitoral.
Reconhecer que é difícil não significa que não vai haver. O PSDB já sente profundamente a necessidade de buscar um novo nome. Gosta de seu dilema de sempre que considera sua marca: não se discute se o partido terá candidato, mas quem será. E não teme, em último caso, a solução radical para este tipo de impasse: a realização de prévias. Que podem ser organizadas num estalar de dedos. Para o PSDB, isto é muito.