eleições 2022

Carlos Pereira, Amanda Medeiros e Frederico Bertholini: Traídos pelo ódio

Pesquisa mostra que eleitores podem apoiar uma medida contrária a suas preferências desde que ela gere benefícios políticos ao governo

Você admitiria apoiar uma política contrária às suas preferências apenas porque ela gera benefícios eleitorais para o governo que você apoia? Por outro lado, você abriria mão da política em que acredita se ela viesse a gerar benefícios eleitorais para o governo a que você se opõe? 

Ideologicamente, é esperado que eleitores que se auto classificam de esquerda defendam políticas que diminuam a desigualdade e aumentem a inclusão social, tais como Bolsa Família ou auxílio emergencial. Por outro lado, eleitores que se consideram de direita tendem a preferir políticas que enfatizam competição e meritocracia e, portanto, tenderiam a se opor a políticas de proteção e inclusão social. 

No presente artigo, baseado na terceira rodada da pesquisa de opinião que investiga os impactos políticos da pandemia desenvolvida em parceria com a FGV e o Estadão (realizada entre os dias 21/10 e 10/11, aplicada com 4569 brasileiros), mostramos que algumas das políticas implementadas pelo governo Bolsonaro com o objetivo de mitigar as consequências negativas da pandemia da covid-19 geraram efeitos paradoxais entre os eleitores brasileiros. 

Ganhos eleitorais

Com a previsão do pagamento da última parcela do auxílio emergencial programado para dezembro de 2020, o governo federal conjecturou a criação de um novo programa de transferência de renda que funcionaria como uma espécie de substituto ao auxílio emergencial. Este novo programa, nomeado de Renda Cidadã, unificaria outros programas sociais como o Bolsa Família.

Os institutos de pesquisa identificaram que o auxílio emergencial gerou um potencial novo “mercado eleitoral” até então inexplorado por Bolsonaro, que começou a ser surpreendentemente bem avaliado por eleitores de baixa renda, reduzida escolaridade e residente do norte e nordeste do Brasil. 

Diante desta performance inesperada, conduzimos um experimento com o objetivo de investigar se a aprovação do Renda Cidadã seria afetada pelos potenciais ganhos eleitorais do presidente com este programa. 

Para isso, distribuímos aleatoriamente entre os respondentes dois textos distintos sobre o Renda Cidadã. O primeiro, de caráter mais neutro, mencionava critérios técnicos para a criação do programa e continha uma foto genérica de pessoas enfileiradas para saques do auxílio emergencial na Caixa Econômica Federal. Os que receberam essa informação genérica faziam parte do grupo controle do experimento. 

A segunda mensagem enfatizava os possíveis ganhos eleitorais de Bolsonaro com o Renda Cidadã. Continha uma foto do presidente em evento público no Nordeste, montado a cavalo e vestindo chapéu de couro, reproduzindo uma frase de autoria do próprio Bolsonaro dizendo que o Renda Cidadã iria “varrer o PT do Nordeste”. Os respondentes que receberam esse texto fizeram parte do grupo tratamento. 

Dividimos a nossa amostra em dois grupos: 1) apoiadores de Bolsonaro (aqueles que o avaliam o governo como bom ou ótimo). Esse grupo é formado basicamente por eleitores que se autodesignam de direita ou centro-direita; 2) opositores de Bolsonaro (aqueles que o avaliam o governo como ruim ou péssimo). Esse segundo grupo é predominantemente formado por eleitores de esquerda e centro-esquerda, mas também por eleitores de outras matizes ideológicas que se frustraram com Bolsonaro. 

Como pode ser observado na Figura 1, os apoiadores do presidente, que ideologicamente seriam contrários a políticas de transferência de renda, mostram suporte ao programa Renda Cidadã. Entretanto, reagem de forma muito mais positiva quando submetidos ao tratamento. Em outras palavras, passam a avaliar melhor o programa ao perceberem que tal política gera potenciais ganhos eleitorais para o seu líder. 

Por outro lado, respondentes que reprovam o desempenho do governo Bolsonaro, sejam eles de direita ou de esquerda, se opuseram ao Renda Cidadã quando recebem o tratamento; ou seja, quando recebem o texto com menção à frase do Presidente e percebem os riscos de Bolsonaro se beneficiar eleitoralmente do programa. Vale salientar que o efeito negativo dos potenciais ganhos eleitorais do presidente na avaliação negativa da política de transferência de renda é mais forte entre aqueles eleitores de esquerda, que a principio seriam favoráveis a políticas de proteção social. 

Medo da Morte

Um dos aspectos mais relevantes que as rodadas anteriores da pesquisa capturou foi a importância da proximidade de pessoas contaminadas pela covid-19 com graus variados de gravidade (ninguém, leve, grave e morte). Verificamos que quanto maior a proximidade da morte, maior o apoio ao isolamento social e maior a rejeição a Bolsonaro. 

O experimento que realizamos nessa terceira rodada nos permitiu analisar até que ponto o “medo da morte” interfere na avaliação do programa de transferência Renda Cidadã. Como pode ser verificado na Figura 2, os respondentes mais próximos de pessoas que desenvolveram covid-19 com gravidade e que vieram a falecer reagiram mais negativamente ao programa de transferência de renda quando receberam o tratamento informacional polarizado que sugere que Bolsonaro pode auferir benefícios eleitorais com o programa. Ou seja, quanto maior o medo da morte, maior a rejeição ao que pode fortalecer Bolsonaro. 

Reeleição em 2022

O experimento que realizamos na segunda rodada nos permitiu diferenciar dois grupos de eleitores (identitários e pragmáticos) que votaram em Bolsonaro em 2018. Foi possível identificar que os eleitores com vínculos identitários com Bolsonaro invariavelmente pretendem votar no presidente em 2022. Entretanto, a grande maioria dos pragmáticos se frustrou com Bolsonaro e só considera votar outra uma vez nele se for para evitar a vitória do PT ou de outro candidato de esquerda. 

Como era de se esperar, a Figura 3 mostra que os eleitores identitários pró-Bolsonaro passaram a apoiar ainda mais políticas de transferência de renda quando perceberam que o presidente poderia se beneficiar eleitoralmente desta política. Por outro lado, os eleitores que não votariam em Bolsonaro em nenhuma circunstância em 2022 (anti-Bolsonaro) reduziram significativamente o seu apoio a políticas de transferência de renda quando receberam o tratamento. 

Resultado mais surpreendente fica por parte dos eleitores anti-esquerda, predominantemente formados por eleitores pragmáticos de Bolsonaro, que foram indiferentes aos potenciais ganhos eleitorais do Presidente proporcionados pelo programa Renda Cidadã. Ou seja, enquanto os grupos polares (anti e pro-Bolsonaro) traem suas respectivas preferências ideológicas em troca da maximização de seus vínculos identitários/afetivos, os eleitores pragmáticos anti-esquerda se mantiveram consistentes as suas preferências não tendo sido substancialmente afetados pela manipulação experimental. Isso acontece porque esse grupo anti-esquerda é formado de pessoas que reprovam e aprovam Bolsonaro, e, portanto, os efeitos opostos se cancelam. 

Conclusão

Estudos de psicologia social sugerem que a polarização política se expressa a partir de conexões afetivas e identitárias. O valor de pertencer a um grupo aumenta à medida que os conflitos intergrupais se tornam mais salientes, podendo levar membros do grupo a traírem suas próprias preferências políticas diante da possibilidade de fortalecimento eleitoral do seu grupo e de fragilização do grupo rival. Anti e pró-Boldonaro cada vez mais não gostam uns dos outros e chegam mesmo a se odiar. Mas esse efeito só é observado para os membros dos grupos polares. Quem, entretanto, não nutre vínculos identitários com os polos, está mais livre para seguir com suas escolhas de forma consistente com suas preferências políticas. 

* Carlos Pereira, Professor Titular, FGV EBAPE, Rio de Janeiro;

Amanda Medeiros, Professora, FGV EBAPE, Rio de Janeiro;

Frederico Bertholini, Professor Adjunto, Dep. Ciência Política UNB


Guilherme Amado: Em busca do anti-Bolsonaro

Os movimentos políticos rumo à construção de uma candidatura forte para enfrentar o presidente começaram antes mesmo do primeiro turno, mas até agora qualquer avanço esbarra no excesso de nomes para encabeçar chapas e na falta de clareza do PT sobre qual será seu rumo

Terminada a eleição de 2020, foi dada a largada em busca de quem será o anti-Bolsonaro, o mais apto (ou apta) a derrotar o ex-capitão em 2022 e devolver o país aos trilhos da tão distante tranquilidade democrática. Os movimentos políticos rumo à construção de uma candidatura forte para enfrentar o presidente começaram antes mesmo do primeiro turno, mas até agora qualquer avanço esbarra no excesso de nomes para encabeçar chapas e na falta de clareza do PT sobre qual será seu rumo.

Atualmente, quatro nomes já se movimentam com mais clareza para enfrentá-lo, cada um num degrau diferente da escada rumo ao que pode se tornar uma candidatura de fato: Ciro Gomes, o terceiro colocado de 2018; João Doria, o governador de São Paulo eleito pelo voto bolsodoria e agora opositor; Luciano Huck, o apresentador de TV que ninguém sabe de fato se será candidato; e Sergio Moro, o ex-juiz, ex-ministro e agora consultor. Os quatro tentam formar uma chapa que una centro-direita e centro-esquerda, sabedores de que uma aliança forte será fundamental para tentar furar a polarização Bolsonaro-PT. E é aí que mora o primeiro problema.

Nenhum dos quatro tem perfil para ser vice do outro. Alguém imagina Huck deixando a vida de estrela da TV para ser vice de Doria? Ou de Moro? Ciro? Mais experiente da turma, Ciro toparia ser vice de Huck, a quem só se refere como “o estagiário”? E Doria, há tempos convicto de que seu próximo ambiente de trabalho será o terceiro andar do Planalto, por acaso aceitaria ser vice de Moro? Ou de Huck? E há mais nome na praça.

O ex-presidente do STF Joaquim Barbosa não descartou concorrer a presidente.

O ex-ministro do STF reuniu-se dias após o segundo turno com o PSB, partido em que esteve mais perto de ingressar no passado, e ouviu novamente uma sondagem para entrar na política. Barbosa ainda não sabe se deseja concorrer, mas se disse preocupado com o Brasil e afirmou seguir observando o cenário para avaliar que contribuição pode dar.

Em outro lado do espectro, o PT até agora dá sinais de que terá, sim, candidato em 2022, em que pese o fracasso de 2020. A eventual anulação do processo do tríplex liberaria Lula para ser o nome, mas Jaques Wagner e Fernando Haddad também estão no páreo. Seja o petista que for, será um candidato com grandes chances de estar no segundo turno, na configuração dos sonhos para Bolsonaro. O presidente sabe que em 2018 foi eleito mais pela negação ao PT do que por seus atributos.

Há, enfim, dois complicadores a mais na equação: a incerteza sobre como será a economia em 2021 e o imponderável trazido pela imensa capacidade de Bolsonaro de gerar crises. O presidente é um candidato competitivo em quase todos os cenários, mas bem menos se retomar seus flertes golpistas e não conseguir controlar o tamanho da fila do desemprego.


Demétrio Magnoli: Duas lendas sobre 2022

As incógnitas de 2022 não começaram a ser decifradas na São Paulo deste ano

Nasceram, no berço do segundo turno das eleições municipais, duas lendas paralelas. A primeira assegura que o triunfo de Bruno Covas (PSDB) consolida a posição de João Doria como principal desafiante de Jair Bolsonaro na disputa pelo Planalto. A segunda, que o resultado de Guilherme Boulos (PSOL) o converte no eixo de reorganização das esquerdas para as eleições presidenciais. Nenhuma delas resiste ao crivo da análise realista.

A lenda número um parte das falsas premissas de que Covas obteve uma vitória avassaladora e, ainda, de que Doria cumpriu papel relevante na batalha da prefeitura paulistana. De fato, o prefeito alcançou apenas 32% dos votos no turno inicial, um desempenho relativamente modesto, e teve que carregar o fardo do patrocínio de um governador com alta rejeição na capital paulista. Já no turno final, o triunfo por margem folgada deveu-se à geometria da disputa: desde 2015, quando escancarou-se o estelionato eleitoral de Dilma Rousseff, a esquerda perdeu as condições de vencer eleições na cidade ou no estado de São Paulo.

Doria desponta como rival nacional do presidente graças, exclusivamente, à atual carência de alternativas fora do campo da esquerda. Essa carência, por sua vez, deriva tanto da implosão ideológica do PSDB, concluída com a própria ascensão de Doria, quanto do retumbante fracasso de Sergio Moro na sua tentativa de conquistar para o Partido da Lava Jato a maior parte do eleitorado bolsonarista.

As fraquezas do governador paulista são evidentes. Bolsonaro venceu uma eleição configurada como plebiscito sobre Lula. Doria chegou à prefeitura e ao governo estadual surfando alegremente a mesma onda do antipetismo. O ano de 2022 será, ao que tudo indica, também um pleito plebiscitário —mas sobre Bolsonaro. Não é fácil ver como Doria encarnaria um contraponto crível ao seu parceiro do passado recente. Um bolsonarismo de butique, suave e racional, parece um frágil contraponto ao bolsonarismo legítimo, forjado nas brasas do extremismo e do populismo.

A lenda número dois expressa, ao menos por enquanto, apenas o desejo de Boulos. De fato, sustenta-se numa avaliação exagerada do desempenho eleitoral do candidato do PSOL.

Boulos fez uma campanha inteligente, destinada a arredondar os ângulos agudos de sua persona política. Mas, no fim das contas, foi conduzido pela correnteza de vazante que acompanha o declínio petista. O Boulos dos 20% do primeiro turno herdou o vasto eleitorado de esquerda tradicionalmente atraído pelo PT. Já o dos 40% do segundo turno acrescentou o eleitorado que rejeita Covas, Doria ou ambos. Desse ponto de vista, sua votação surpreende tanto quanto o nascer cotidiano do sol.

O PT chegou ao turno final de todas as eleições paulistanas desde 1988. O solitário ponto fora da curva foi 2016. Boulos foi adotado por um eleitorado petista decepcionado com a candidatura do obscuro apparatchik Jilmar Tatto como o legítimo nome do partido. Isso faz sentido, mas não tem as implicações sonhadas por ele.

A versão de Boulos da ideia de renovação da esquerda é o retorno a um lulismo primordial, anterior ao pecado —isto é, ao mensalão e à Odebrecht. Seu projeto nunca foi de ruptura: ele almeja receber das mãos de Lula as chaves do castelo da esquerda. Mas, para isso, seria preciso brilhar fora do PT, num palco limpo, puro e casto. No início, apostou na criação de um partido-movimento, como foi o Podemos espanhol. Depois, conformou-se com o atalho oferecido pelo PSOL.

A solução não remove os obstáculos centrais. Numa ponta, Boulos depende de um improvável gesto de renúncia de Lula para tomar posse da máquina eleitoral petista. Na outra, sua promessa de unidade das esquerdas esbarra na sua opção pela reiteração infinita do discurso político e econômico lulista.

As incógnitas de 2022 não começaram a ser decifradas na São Paulo de 2020.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


César Felício: O poder da palavra

Para Doria, há a vacina; e para Bolsonaro, a economia

As eleições de 2022 já começaram há muito tempo, talvez ainda antes da eleição do presidente Jair Bolsonaro há quatro anos, mas ganharam tração evidente com a conclusão da eleição municipal. Está presente desde então em cada um dos atos, palavras e omissões de Jair Bolsonaro, João Doria, Bruno Covas, Luiz Inácio Lula da Silva, Jaques Wagner, Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Alexandre Kalil, entre outros.

Um exemplo, entre muitos, foi o anúncio feito ontem pelo governador João Doria de que “os brasileiros de São Paulo” começarão a ser vacinados contra covid-19 no mês que vem. Se ele realmente tem poder para fazer isso, ou se terá que ter o aval de outras instâncias, é algo ainda a ser esclarecido. A ocasião serviu, contudo, para o governador registrar a “ falta de compaixão com a vida dos brasileiros” do governo federal, que demonstra pouquíssima pressa em iniciar a vacinação, a despeito de todos os custos humanos, sociais, econômicos e políticos envolvidos nessa decisão.

A retórica e a prática anticientífica também são cálculo político de Bolsonaro. O presidente é um homem de redobrar as apostas, e já durante a campanha percebeu que o negacionismo mobiliza seus fiéis. Um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, feito ainda em outubro, mostra que houve um grande volume no YouTube de vídeos negativos sobre vacinas em geral e da Coronavac em particular, coisa como 15 milhões de visualizações.

Com baixa inserção nacional e amplamente rejeitado nos grandes centros de São Paulo, o governador tucano pode virar o jogo se a vacina produzida no Butantã em parceria com os chineses se comprovar eficaz.

Bolsonaro tenta minar o adversário, mas vive o seu próprio desafio. Será um complicador para o presidente viabilizar a sua reeleição se uma percepção negativa em relação à economia predominar. Fim do auxílio emergencial, desemprego em alta e o repique da inflação não ajudam a diminuir essa percepção.

É preciso pelo menos dominar a narrativa, e nesse sentido a recuperação do PIB, com o crescimento trimestral do PIB de 7,7%, foi muitíssimo bem vinda. O resultado ficou abaixo das expectativas do mercado, mas foi festejado nas redes com hastags mencionando “Bolsonaro 2022”, “Bolsonaro até 2026” ou coisas assim. A consistência da recuperação é tema para debate, mas a sequência recessiva foi quebrada. Politicamente é o que basta, por ora.

A exceção

Em abril de 2018, a executiva do mercado financeiro Cristina Monteiro recebeu um e-mail do Novo fazendo um chamamento para que ela entrasse no processo seletivo da sigla para concorrer a deputada estadual em São Paulo. O partido estava com dificuldades de cumprir a cota de 30% de candidaturas de mulheres. Ela não teve muitas dúvidas em largar 30 anos de trabalho em bancos e consultorias americanas, que lhe proporcionaram um patrimônio declarado de R$ 18 milhões, para entrar na corrida eleitoral de modo improvisado. Pegou a quarta suplência e deixou de ser eleita por 4 mil votos. Foi a eleição mais “outsider” do Brasil.

Este ano, Cristina foi candidata a vereadora, com convicção absoluta não só de que ganharia como a de que haveria muito mais casos como o dela na Câmara paulistana. Não foi o que aconteceu. Ela foi eleita, mas com 19 mil votos, menos do que esperava. O Novo conseguiu apenas duas vagas e o Patriotas, que abriga integrantes do MBL, também de corte liberal e “outsider”, ficou com três.

Cristina contou com a retaguarda da Rede de Ação Política de Sustentabilidade (Raps), ONG de capacitação política que nasceu de uma iniciativa de empresários, há oito anos. O Raps viu 17 de seus integrantes se elegerem prefeitos e 40 se tornarem vereadores, mas a maioria deles já tinham estrada política. “O eleitor não rechaçou os políticos com bagagem. Privilegiou gestões que se mostraram referência em relação à covid, por exemplo”, comentou a diretora executiva da entidade, Mônica Sodré.

A vereadora do Novo tornou-se assim exceção, não tendência. Chega à Câmara procurando ser realista e pragmática. Não quer comprar briga com os caciques tradicionais da política paulistana que devem continuar dando as cartas no Legislativo local. “A gente tem que escolher as guerras que quer entrar e fazer a política da boa vizinhança”, comentou.

Rota de fuga

Crise econômica e social, por um lado, e possíveis mudanças em controles migratórios, por outro, podem consolidar a rota de fuga do Brasil para os Estados Unidos. Mesmo com Trump, há indícios claros de que cresceu o interesse da colônia brasileira naquele país em fincar raízes por lá. A pista está em levantamento de um escritório de advocacia americano especializado no tema, o AG, com base em dados do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos.

Em 2012, último ano do governo Obama e do Brasil sem crise social e econômica, 11.441 brasileiros nos Estados Unidos obtiveram o “green card”. Em 2019, o primeiro da era Bolsonaro e o último de um Trump em sua plenitude, foram 19.825. Quase o dobro. Outra ferramenta, a do TRAC, um centro de estudos da Universidade de Syracusa, sugere que o número de indocumentados também aumentou no período.

O número de procedimentos de deportação passou de 1.399 em 2012 para 15.939 em 2019. Um salto de mais de dez vezes. O número chama a atenção sobretudo em comparação com 2018, quando foram abertos 5.986 procedimentos. No primeiro ano das especialíssimas relações de Bolsonaro com o governo republicano, o contingente quase triplicou.

Houve mais disposição de Trump em deportar, mas também mais empenho de brasileiros em fazer a América.

Segundo um advogado da AG, o brasileiro Felipe Alexandre, morador em Los Angeles há 32 anos, a expectativa é de um trato muito mais suave de Joe Biden em relação tanto à deportação de imigrantes quanto a de concessão de vistos definitivos para quem está no país legalmente. O empecilho momentâneo para 2021 é o sanitário, uma vez que o acesso de brasileiros aos Estados Unidos está limitado pela covid-19.

Terminada a pandemia, com um governo democrata em Washington e o Brasil enfiado no desenredo que se encontra, tudo indica que o fluxo ganhará força.


Fernando Abrucio: O que fica para 2022 e o que falta ainda jogar

Se algo novo vier, seu sucesso dependerá de entender que houve uma mudança no clima político do país

O jogo político presidencial começou com as eleições de 2020, seja por causa da ascensão de uma nova agenda, seja por suas consequências, pois os atores políticos não serão mais os mesmos na segunda parte do mandato do presidente Bolsonaro, incluindo o próprio. Mas ainda falta definir os jogadores e as táticas que vão vigorar no campeonato nacional do sistema político. Por ora, não dá para saber quem estará efetivamente em campo, nem quem vai liderar e chegar ao segundo turno. Muita coisa pode acontecer. De todo modo, alguns sinais foram dados e quem souber interpretá-los melhor terá vantagens na próxima disputa.

As eleições municipais deixaram, basicamente, três legados que vão influenciar os próximos dois anos da política brasileira, com possíveis impactos sobre a disputa presidencial. O primeiro legado é o mais importante: houve uma mudança no clima de opinião. O humor político que se iniciou em 2016 e teve seu auge em 2018, baseado na visão antipolítica, na proeminência da luta contra a corrupção e no discurso bélico como forma de garantir a segurança pública, perdeu a hegemonia no discurso dos políticos e a efetividade para conseguir votos em 2020.

Em substituição a esse clima de opinião, surgiram pelo menos três grandes referências que ganharam força agora e têm tudo para se estabelecer como tendências majoritárias no caminho para o pleito presidencial. A primeira é uma aversão ao bolsonarismo como forma extremista de se fazer política em todas as suas dimensões; a segunda é a ascensão da questão social como a dominante na agenda pública; e a terceira é a volta da política como algo positivo e necessário para articular grupos, interesses e valores.

Os eleitores demonstraram cansaço do modelo bolsonarista, com seu negacionismo em relação à ciência, sua forma de comunicação baseada em fake news e na polarização, sua lógica de só reclamar dos outros e não apresentar soluções. O clima de ódio como instrumento eleitoral não só perdeu força, como tendeu a ser rechaçado. Esse modelo que Bolsonaro abraçou, ademais, tende a ser bombardeado pelas mudanças no cenário internacional. Será muito difícil ser trumpista em 2022 e ganhar as eleições.

A tendência política mais importante que emergiu das eleições de 2020 é a ascensão da questão social ao centro da agenda política, que dominou a campanha dos vencedores - os de esquerda, os de centro e os de centro-direita. A pandemia foi fundamental neste processo, ao escancarar uma desigualdade imensa, aumentando a consciência do país sobre a centralidade desse tema. Mas a longa estagnação econômica e a organização da sociedade contra os diversos tipos de injustiça também têm um papel relevante na mudança do humor político.

Como não deve haver um crescimento econômico relevante até a eleição presidencial, mantendo-se provavelmente um desemprego alto, o presidente Bolsonaro ficará marcado pela pauperização da população. A emergência da questão social vem, ainda, da eclosão de episódios como os de George Floyd e do assassinato de João Alberto, que modificaram a percepção da temática racial não só de forma difusa, mas também nas elites sociais. E outras manifestações da desigualdade, como a educacional e a de gênero, vão ser cada vez mais abordadas até 2022. E Bolsonaro não se preparou para essa mudança no clima político - na verdade, ele tem uma noção preconceituosa das origens e formas de propagação da desigualdade, como revelam seus vários discursos ao longo da vida.

A transformação do clima de opinião completa-se com a recuperação da política como forma de juntar grupos partidários e sociais em torno de compromissos com a coletividade. Esse ponto se coloca como antípoda da polarização e do ódio entre adversários. É bem provável que a arte do diálogo e, sobretudo, a capacidade de articular os diferentes ganhem força nos próximos dois anos, de tal modo que não se sabe se haverá uma frente ampla ou “frentes progressistas” e de centro contra o bolsonarismo, porém, é nítido que o candidato que conseguir convencer a sociedade que ele representa múltiplos atores e expressar isso no universo de seus apoiadores terá mais chances de vencer a disputa presidencial.

A recuperação da política também envolve construir propostas e candidaturas mais orgânicas com setores sociais e grupos técnicos. A ideia do “salvador da pátria” que tem um “posto Ipiranga” não se sustenta mais, particularmente porque ela não é capaz de dar conta dos problemas do país. As pessoas querem soluções práticas para suas vidas, o que envolve conversas com a sociedade e políticas públicas bem definidas.

Bolsonaro representa o contrário dessa tendência de dar maior organicidade à política. De um lado, ele reduziu a participação social institucionalizada e retirou o papel da Presidência da República de ser uma mesa de diálogo e negociação com os diversos grupos (como FHC e Lula faziam). De outro, houve um enfraquecimento da profissionalização das políticas públicas, seja com a escolha de gente desconhecida e amadora para comandar os setores, seja com o desprezo das evidências cientificas como bússola das decisões governamentais.

A mudança no clima de opinião é o principal legado de 2020 para 2022. No entanto, há outros dois efeitos da eleição municipal que deverão ter um impacto também relevante. Um é o fracasso do bolsonarismo em seu formato atual. A maioria dos candidatos que o presidente apoiou acabou perdendo a disputa, não porque ele seja um pé-frio, mas porque a sua proposta de governo não entregou o que havia prometido e não dá conta dos desafios surgidos no meio do caminho. Ou Bolsonaro muda o seu estilo de governança, colocando as políticas públicas na frente da ideologia, ou então seus próximos dois anos serão muito difíceis, comprometendo a reeleição.

O terceiro e último legado da eleição municipal é a consolidação do isolamento petista. Mais do que uma derrota, o que 2020 revelou é a impossibilidade de o PT ter a mesma hegemonia na esquerda e na sociedade que teve por mais de dez anos. Se Lula conseguir se viabilizar juridicamente como um candidato presidencial, ele ainda terá uma força não desprezível, que pode ficar entre 20% e 30% dos votos. E se o percentual alcançado levar o Partido dos Trabalhadores ao segundo turno, o resto já se sabe: será muito difícil juntar outros para esse projeto político.

Uma saída para o PT seria abdicar, pelo menos por ora, de seu papel hegemônico, procurando construir uma aliança mais ampla. Será que o partido está preparado para isso? Ou melhor, será que Lula, um dos maiores líderes populares da história do país, conseguiria vestir esse figurino? Tal qual foi dito para o caso de Bolsonaro, fica ao petismo o desafio: é mudar ou caminhar para o fracasso em 2022.

Terminada a contagem dos votos, já se quer saber quem será o favorito para 2022 e com quem ele estará aliado. Eis aqui algo que está muito longe de ser definido. Há muito jogo pela frente, com quatro grandes incógnitas. A primeira diz respeito ao desempenho dos governantes nos próximos dois anos. É provável que a segunda parte do mandato de Bolsonaro seja bem mais difícil do que a primeira, com impactos sobre sua popularidade. Mas os outros possíveis concorrentes também apoiam governos no plano subnacional. Doria, por exemplo, tem baixíssimas taxas de aprovação em seu Estado, e é muito cedo para saber se será capaz de mudar esse cenário. Os partidos de centro e centro-direita, os que mais cresceram nas eleições municipais, agora terão a responsabilidade de fornecer soluções à população. Se fracassarem, o povo pode procurar outras alternativas.

De todo modo, o jogo dos governos, nacional e subnacionais, ainda está sendo jogado. Todos os principais partidos e a maioria dos presidenciáveis têm uma vitrine para ser responsabilizada pelos eleitores. Neste sentido, o desempenho das políticas públicas até 2022 vai ser um elemento importante de comparação na definição do voto.

Uma segunda incógnita, e das bem grandes, relaciona-se às alianças entre os partidos. Haverá muita conversa, mas o destino das legendas e de possíveis parcerias só serão definidos mais para o final de 2021, porque os partidos vão esperar até o último minuto para escolher seu caminho, especialmente aqueles que provavelmente não tenham candidato presidencial, mas que serão peças centrais na eleição em termos de vice e, sobretudo, de arranjos para as governadorias e Congresso Nacional.

Um terceiro ponto diz respeito ao papel das principais lideranças políticas. Bolsonaro, Ciro, Doria, Huck e Lula, além dos líderes dos partidos do centro que provavelmente não terão a cabeça da chapa (como ACM Neto e Kassab), serão decisivos. O quanto serão capazes de ultrapassar o seu próprio autointeresse e enxergar um caminho coletivo melhor? Eis a pergunta de um milhão de dólares.

Por fim, muitos fatos e novidades podem mudar o rumo da política nacional. Quem diria que uma pandemia marcaria o mandato de Bolsonaro? Será que não há algum presidenciável que não estamos prestando atenção? Seria ele o prefeito Kalil ou um líder carismático em gestação? O imponderável existe na política e não podemos ignorar os caprichos do destino. Mas se algo novo vier, seu sucesso dependerá de entender que houve uma mudança no clima político do país.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.


Maria Hermínia Tavares: Bolsonaro não acabou

Seria um equívoco ler seu destino nas cartas distribuídas nas eleições municipais

As eleições municipais confirmaram o que se viu em 2018: o Brasil dobrou à direita –muito embora os partidos que se beneficiaram dessa virada sejam muitos e diferentes em tamanho e relações com o governo.

De seu lado, mesmo derrotadas, as esquerdas se revelaram competidoras aguerridas em capitais e cidades maiores. Ganhando ou perdendo, mobilizaram os jovens e estão levando pautas progressistas às Câmaras Municipais.

Com razão, comentaristas tem destacado que vitoriosos foram os partidos de oposição a Bolsonaro situados no centro-direita e na direita. PSDB, MDB e DEM governarão o maior número de brasileiros, mesmo tendo perdido Prefeituras. Também é verdade que os candidatos abertamente apoiados pelo presidente foram derrotados; a maioria, já no primeiro turno.

Não está claro, porém, o que isso diz da força política do chefe do governo. E seria um equívoco ler seu destino nas cartas distribuídas nas eleições municipais. Primeiro, porque, salvo o PTB, todas as siglas ajuntadas no centrão, que o sustentam no Congresso, cresceram de forma muito significativa.

Depois, porque, amargando embora a derrota de seus candidatos, o presidente sem partido tem ainda o apoio de 37% dos brasileiros, segundo a pesquisa XP-IPESP, feita após o primeiro turno. Uma porcentagem muito próxima à do primeiro mês de seu mandato (40%), em franca recuperação do seu pior momento, em maio deste ano (25%).

Especialistas no estudo da opinião pública costumam estimar que algo em torno de 15% do eleitorado forma o núcleo duro dos adeptos de Bolsonaro. De fato, a pesquisa “Impactos Políticos da Pandemia”, coordenada pelo cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, encontrou, em duas rodadas, respectivamente 15,2% e 18,5% dos entrevistados que se dizem dispostos a votar de novo nele em 2022.

No poder, o ex-capitão deu cara e alcance nacional à minoria extrema que já existia no país, mas não tinha um líder com o qual pudesse identificar-se na grosseria da fala, no primarismo da visão de mundo e no medievalismo em matéria de valores e condutas. Essa extrema direita não se esfumará.

Antes, continuará a mostrar presença no dia a dia e na arena eleitoral. Sua relação com os outros tons da direita dependerá de muitas coisas: por exemplo, do que o governo fará ou deixará de fazer diante do repique da pandemia, com as vacinas, com a economia. Mas também das estratégias das direitas ­—das mais próximas ao governo às mais centristas— e, em menor medida, do que façam as esquerdas daqui até 2022. Bolsonaro não acabou e dificilmente acabará tão cedo.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.


William Waack: Espectador privilegiado

O presidente Jair Bolsonaro está sendo carregado pelo jogo político

A julgar pelas nuvens da política do meio da semana, o STF está à beira de uma de suas decisões mais relevantes para a própria política. É gritante a ironia contida no fato de que “nuvens da política” pairem sobre decisões de uma corte que deveria se ocupar sobretudo dos grandes temas constitucionais, mas na permanente crise brasileira o Supremo tornou-se (voluntária ou involuntariamente) um relevantíssimo ator político com cálculos idem.

O cálculo político que as nuvens do meio da semana indicavam dentro do Supremo é o de lavar as mãos no caso da sucessão na presidência das casas legislativas. Em outras palavras, deixar para os próprios parlamentares decidirem se os atuais presidentes da Camara dos Deputados e do Senado podem pleitear permanecer onde estão a partir do ano que vem. “Politicamente, é a solução mais elegante”, diz um envolvido diretamente na decisão.

Recorre-se também à história, argumentando que uma questão regimental do Congresso (a proibição de reeleição dentro da mesma legislatura) foi parar na Constituição ainda durante o regime militar como casuísmo para inibir a consolidação de lideranças parlamentares que pudessem causar dificuldades à ditadura. Portanto, nada mais adequado do que se reparar esse “erro histórico” e deixar que uma questão regimental do Congresso seja decidida pelo próprio.

As consequências jurídicas de uma provável decisão do Supremo de deixar os parlamentares decidirem vão das mais óbvias (“afinal, o que a Constituição diz vale ou não vale?”) às mais nebulosas (“abre-se o precedente para reeleições sem limites também no Executivo?”). Mas no cálculo político (sim, político) de integrantes do STF está explícita a noção de que vale a pena assumir o inevitável ônus da acusação de oportunismo (afinal, o STF estaria agindo para prejudicar ou ajudar o governo?) em troca de se desfazer o atual estado de paralisia.

Sim, pois o que impede em boa parte a tramitação de matérias de imensa relevância para a recuperação do País (fiscal e econômica, que vem a ser a mesma coisa) é a disputa pela sucessão nas casas do Congresso – e o que trava ainda mais essa disputa é o fato do Executivo não ter uma articulação política (em sentido amplo) digna desse nome. A “esperteza” política dos senhores juízes não está apenas em deixar os parlamentares decidirem por si mesmos mas, também, em explicitar que esse é um problema que o Planalto deveria estar tratando.

No nosso sistema de governo – que opõe a uma figura forte no Planalto um Legislativo com imensas prerrogativas – não é possível a qualquer chefe do Executivo permanecer alheio à sucessão na Camara e no Senado. O exemplo mais extremo é o que aconteceu a Dilma no embate com Eduardo Cunha. No caso de Jair Bolsonaro, porém, a questão é identificar o que ele exatamente pretende, ou até mesmo se sabe o que lhe convém.

Pois o tal do Centrão, ao qual o homem da “nova política” se abraçou, está longe de ser essa figura monolítica do imaginário popular. É um conjunto de partidos e forças políticas que são a expressão acabada das tais “nuvens políticas” – as que estão de um jeito pela manhã e de outro poucas horas depois. E as tais nuvens saídas das eleições municipais dão força a partidos tradicionais como o DEM (formalmente o dono das duas casas legislativas).

A briga dentro desse maleável “centro” o Executivo não controla e nela tem poucas condições de interferir – exatamente o preço que está pagando por ter renunciado de saída a dispor de uma base parlamentar sólida e razoavelmente coordenada, além de ter desprezado a articulação política para além da confecção de planilhas com pedidos individuais de deputados. Jair Bolsonaro acabou ficando na posição de espectador privilegiado, tentando adivinhar quais desfechos da ópera eventualmente lhe serão favoráveis.

Mas música e libreto são por conta de outros.

*JORNALISTA E APRESENTADOR  DO JORNAL DA CNN


Bruno Boghossian: E se a esquerda se dividir em 2022?

Disputa municipal amplia afastamento entre partidos, e composição de frente fica mais distante

Apesar das experiências de união em algumas capitais, as eleições de 2020 aprofundaram a divisão que vem sendo cavada há alguns anos na esquerda. Sinais emitidos pelos principais atores desse campo indicam que a composição de uma frente para 2022 está mais distante.

O processo dos últimos meses cristalizou o distanciamento entre o PT e a aliança formada por PDT e PSB. A presidente petista, Gleisi Hoffmann, já disse que as eleições deixaram feridas e que ainda considera difícil um acordo com aquela dupla.

Já o presidente do PSB afirmou que o PT sempre viveu “na contramão da história” e que não vê uma reaproximação com a sigla. “Nós não somos obrigados a seguir o PT. Ele tem o direito de errar, errou muito a vida inteira, mas nós não somos obrigados a seguir”, declarou Carlos Siqueira ao jornal O Globo.

Por sua vez, Ciro Gomes (PDT) disse que o PT e seus aliados “não têm humildade nem capacidade de compreender e se reconciliar com o povo”. Sobrou também para o PSOL de Guilherme Boulos (“radical”) e o PC do B de Flávio Dino (“perderam um pouco a noção da realidade”).

Esse tom sugere que dois ou mais candidatos competitivos devem disputar o voto da esquerda em 2022. Essa divisão aconteceu na última eleição presidencial e não impediu que um desses nomes chegasse ao segundo turno contra Jair Bolsonaro.

Em 2018, a esquerda teve pouco mais de 42% dos votos válidos já no primeiro turno. Só uma pulverização dramática desse eleitorado ou a ocupação do espaço por outro candidato deixaria todos eles de fora da fase final. Na próxima disputa, os impactos dessa divisão vão depender do comportamento daqueles personagens dali por diante.

Se a briga por votos no primeiro turno aumentar o rancor que já se manifesta agora, deve deixar sequelas graves para o segundo turno. Esse afastamento tende a reduzir a mobilização de cabos eleitorais e o engajamento dos apoiadores dos candidatos derrotados. Num embate acirrado, isso pode fazer diferença.


Foto: Beto Barata\PR

Merval Pereira: Com sede ao pote

Nunca houve tantos partidos se considerando em condições de lançar candidatos à presidência da República. Depois das eleições municipais, MDB, PSD e PP, os partidos que mais elegeram prefeitos, sendo que o MDB se mantém como o maior partido em número de prefeituras, começaram já a discutir nomes para 2022, e o que sempre foi uma maneira evidente de ganhar espaço para negociações com partidos maiores, agora ganhou nova roupagem de verdade.

Pelo menos o cacife dos negociadores aumentou. O MDB, que sempre foi um partido auxiliar, sobre o qual diziam que nenhum governo pode governar sem ele, embora o MDB não tenha condição de eleger um presidente, agora já se sente fortalecido, depois da experiência com Michel Temer.

O deputado Baleia Rossi, que é forte candidato à sucessão da presidência da Câmara, citou os nomes da senadora Simone Tebet, dos governadores de Alagoas Renan Filho, e do Distrito Federal Ibaneis Rocha, e do secretário de Fazenda de São Paulo Henrique Meirelles como possíveis candidatos.

Já o presidente do PSD Gilberto Kassab avisou que, depois do Carnaval, analisarão uma possível candidatura. Citou alguns nomes: o senador Antonio Anastasia, que classificou como “de muita credibilidade", o governador Ratinho Júnior, do Paraná, o senador Otto Alencar. Para Kassab, o partido já tem uma dimensão nacional para lançar uma candidatura. O PSD chegou a 640 prefeitos, aumentando em 100 as prefeituras sob seu comando.

O Democratas, que reelegeu Rafael Greca em Curitiba, Gean Loureiro em Florianópolis e Bruno Reis para suceder ACM Neto em Salvador, teve um aumento de 70% nos prefeitos, chegando a 458 prefeituras. O PP teve um aumento de 35% no número de prefeituras que conquistou. O PSDB, que, juntamente com o PT dominou a vida partidária por cerca de 20 anos, manteve-se como o partido que governará o maior número de cidadãos, cerca de 34 milhões de brasileiros, embora tenha perdido 16 milhões de 2016 até hoje.

O MDB é o segundo em termos de população, e em seguida vêm o DEM e o PSD. Todos esses números justificam o júbilo dos partidos de Centro que passaram a dominar bases territoriais mais volumosas em votos, e a continuação das cláusulas de barreira, juntamente com o fim das coligações proporcionais, fará com que partidos menores acabem se fundindo com as siglas mais atraentes.

PSD, MDB e DEM já se afastaram do Centrão, embora continuem com praticamente os mesmos pensamentos. O extremismo de Bolsonaro afugentou-os. Kassab não está apoiando a reeleição de Rodrigo Maia, mas se houver um acordo mais amplo, com um candidato de consenso, não é certo que continuará apoiando Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro.

A possibilidade de PSD, MDB, DEM e PSDB se unirem em uma candidatura conjunta para a presidência da República em 2022 é concreta.

O governador paulista João Doria, que, segundo o ex-presidente da República Fernando Henrique precisará se nacionalizar se quiser ter êxito, e o apresentador Luciano Huck, são os candidatos mais visíveis, e até o primeiro semestre de 2021 haverá uma definição sobre se Huck disputará mesmo a eleição.

A saída do ex-ministro Sergio Moro da disputa parece definida com o novo cargo que ocupará na diretoria executiva de compliance da consultoria internacional Alvarez & Marsal. Na esquerda, a derrota acachapante do PT fez com que partidos mais estruturados, como o PDT, se lançassem a uma tentativa de ocupar espaços perdidos pelo PT.

Também o PSOL, que, em termos de estrutura partidária, não pode se comparar com o PT nem com o PDT, ganhou uma liderança emblemática com a atuação de Guilherme Boulos em São Paulo. Já não pode mais ser considerado um mero satélite do PT. O ex-ministro e ex-governador Ciro Gomes se lançou à tentativa que não deu certo em 2018: ser o candidato de centro-esquerda de uma ampla coligação partidária que poderia incluir o DEM.

O jogo está sendo jogado, e o presidente Bolsonaro vai ter que entrar para um dos partidos do Centrão para conseguir legenda para a tentativa de reeleição. O PP já se ofereceu, também o PTB. Se ele escolher, como parece ser seu feitio, um partido menor que possa controlar, vai deixar o Centrão pelo menos com a pulga atrás da orelha. Mas, se for para partidos mais fortes, eles têm dono.


Luiz Werneck Vianna: Uma nova oportunidade e seus riscos

Em movimentos lentos, mas contínuos, uma nova era afirma seu caminho em meio a uma resistência de desesperados, como a de Donald Trump, que pretendem barrar o passo aos processos que prefiguram passo a passo a aparição de uma nova ordem nas coisas do mundo. Se esse tempo é de esperança ele também conhece riscos, como testemunha a atual onda de assassinatos de fins políticos e do recrudescimento das possibilidades de uma guerra nuclear. O capitalismo vitoriano a que se concedeu novo alento desde os anos 1970, primeiro com Thatcher, depois com Reagan e, na sua forma mais encorpada com Trump, que lhe difundiu em boa parte do mundo escorado pelos recursos vários de que dispunha, parece preferir o dilúvio a qualquer solução sem ele.

Aqui, na periferia, aguarda-se com fôlego preso a transmissão do governo de Trump a Biden, vitorioso nas eleições com larga margem de votos, quando se deve iniciar de fato a retomada do país da sua identidade e melhores tradições, a começar por sua agenda ambiental, ora posta a serviço dos proprietários de terras e dos interesses da mineração em solo amazônico. A partir daí, ter-se-á o ponto de Arquimedes para a regeneração da inscrição do país no cenário internacional aviltada pela figura anacrônica do chanceler que aí está. Como num jogo de dominó, seguem-se o tema crucial das desigualdades sociais tão bem posta pela candidatura de Guilherme Boulos à prefeitura de São Paulo, e sobretudo um largo debate entre as forças democráticas sobre o rumo a que o país deve perseguir na sucessão presidencial de 2022, se chegarmos até lá.

Não serão tempos fáceis os que temos pela frente, contudo certamente menos amargurados do que acabamos de deixar para trás com a sociedade impondo pela via eleitoral uma indiscutível derrota às forças anti-políticas e ao obscurantismo do governo Bolsonaro.  Em particular, pela crise econômica, patente no desemprego massivo que ameaça as condições de sobrevivência das classes subalternas, já sob os letais riscos da pandemia.

Mas, se as eleições nos trouxeram boas notícias, elas igualmente revelaram as dimensões do nosso primitivismo e atraso políticos. Está aí o Centrão, impando de satisfação, uma nova direita cevada pelo voto, e uma esquerda sem forças próprias e que ainda desconhece o terreno em que pisa, nostálgica do carisma de Lula e imune à autocrítica dos seus graves erros.

Visto do horizonte de hoje, para as forças democráticas que aspiram por reformas sociais o que se tem pela frente não é um cenário estimulante, decerto distante do pesadelo em que vivíamos, percepção contrária da que medra no campo da direita e que descortina o futuro como um campo aberto para a conquista do poder político. Tudo permanecendo constante, como provável, acalenta-se uma solução de centro-direita que marginalize a esquerda. Não é fora de propósito supor que, no caso, se estabeleça um silêncio obsequioso quanto ao descalabro do que tem sido o atual governo, já indicado no telefonema realizado pelo prefeito recém-eleito Eduardo Paes do DEM ao presidente Bolsonaro, cujas ações na presidência seriam estimadas pela limpeza do terreno político da presença da esquerda.

Fora o alívio imediato que as eleições nos trouxeram, evitando a legitimação do atual governo pelo voto, o quadro diante de nós é desalentador quando se pensa em cenários futuros. As forças do mando tradicional demonstraram capacidade de se reproduzirem em cidades abastadas e nos ermos rincões do país, levando de roldão as prefeituras que se vão constituir na plataforma das próximas sucessões, especialmente na presidencial. O travo otimista que nos fica vem principalmente da campanha de Boulos, em São Paulo, de Marta Rocha, de Benedita da Silva e Renata Souza no Rio, com a boa recepção que obtiveram nos redutos periféricos de suas cidades ao denunciarem as alarmantes condições das desigualdades sociais, faltando-lhes compreender a necessidade de uma coalizão entre suas candidaturas.

A sorte futura da esquerda a fim de que seus temas se tornem influentes politicamente no que vem por aí depende de mobilizações dessa natureza. Força própria é a senha para que ela seja ouvida nesse caldeirão de ambições desatadas pelo poder num país que tem a sina de que cada qual que detenha uma nesga de poder queira ser califa no lugar do califa. Por mais que seja verdadeiro o caráter de acidente na eleição de Bolsonaro, ele não pode ocultar o fato do nosso atraso político e da nossa incapacidade de reconhecê-lo, suprindo essa falta com fantasias mesmo que bem intencionadas.

Nessa hora em que se acendem esperanças é preciso cautela com os que procuram nos vender gato por lebre, com candidaturas saídas de suas cartolas sem densidade e tirocínio comprovado. Não há caminhos de ocasião, o que se precisa é pavimentar com segurança a estrada para o futuro na longa caminhada que ora se inicia com espírito de luta que anime a vida popular para a ação e a imaginação aberta para o encontro com os democratas com que marcharemos juntos.

Sem Trump e com Bolsonaro perdido como cego em tiroteio nos dois anos que lhe restam, abre-se uma oportunidade para um esforço bem concertado no sentido de estimular alianças escoradas por baixo pelo apoio popular que traga de volta o que não soubemos conservar.   

Salvo tropeços imprevistos, as coisas do mundo retornam ao leito das instituições e da cultura política forjadas no segundo pós-guerra como a ONU e tantas outras, e não nos faltam nem a tradição e a vocação para desempenharmos no que está por vir um bom papel nesse lugar que ocupamos.

*Luiz Werneck Viannaa, sociólogo, PUC-Rio    


Vera Magalhães: DEM já (bem) dividido entre Doria e Huck

Já está avançada a divisão interna dos principais caciques do DEM, uma das jóias mais vistosas das eleições de 2020, entre o apoio ao projeto presidencial de Luciano Huck e o de João Doria (PSDB) em 2022. Não são poucos os interesses em jogo no tabuleiro, e cada um dos lados tem apoiadores de peso para o seu projeto, além de argumentos sólidos e que envolvem a geopolítica estadual em sua ponderação.

Neste momento e diante do avanço das duas hipóteses, o namoro com Ciro Gomes (PDT) é a hipótese menos avançada, embora tanto o presidente nacional da sigla, ACM Neto, quanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mantenham uma ponte estendida rumo ao pedetista.

Avançou muito nos últimos meses a aproximação de Luciano Huck com o DEM. O partido passou a ser o destino mais provável do apresentador de TV caso ele finalmente deixe a hesitação de lado e decida se lançar num projeto presidencial. Neste caso, ele faria isso como candidato do DEM, e não do Cidadania, como chegou-se a ventilar.

O partido de Roberto Freire, embora tenha em sua órbita os chamados movimentos de renovação, plataforma importante do projeto de Huck, vem perdendo fôlego eleitoral, ao passo que o DEM vem crescendo. Maia, ACM Neto e Eduardo Paes compõem a tríade demista que conversa com Huck, e espera uma resposta sua até março do ano que vem.

As conversas começaram no meio do ano, e já evoluíram muito. O convite para a filiação foi feito sem rodeios, e está subentendido que Huck já está convencido de que, se for mesmo candidato, terá de ser por um partido estruturado como o DEM. A hesitação do apresentador ainda é de se apresentar como um candidato de centro-direita, quando prefere ser classificado como progressista. Mas os aliados têm alertado que esse campo já está congestionado e que, nele, Huck tem poucas chances.

Para tê-lo no time, o DEM aceita fazer uma revisão programática que contemple a defesa de um liberalismo nas duas pontas: na economia e também na pauta de costumes, o que o afastaria do reacionarismo bolsonarista e daria discurso a Huck.

O namoro cada vez mais sério acendeu o alerta na seção paulista do DEM e no PSDB. O vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, sempre foi um general importante na configuração do primeiro escalão demista. Fechou uma aliança muito explícita com João Doria Jr. de que, caso o tucano conseguisse cumprir uma série de tarefas entre 2019 e 2022, seria o candidato ao governo de São Paulo, numa inédita cessão de lugar do PSDB no Estado que governa desde 1995.

Acontece que nenhum cacique do DEM fora de São Paulo acredita que o PSDB vá abrir mão de ter candidato em São Paulo, ainda mais depois de uma eleição municipal em que saiu com sotaque ainda mais paulista (encolheu no resto do Brasil e cresceu em São Paulo). Além disso, os demistas do Nordeste temem repetir 2018, quando, mesmo dividido, o DEM decidiu sair em aliança com o PSDB pela sétima (!) vez e Geraldo Alckmin foi humilhado nas urnas.

Esses dirigentes do DEM argumentam que Doria tem um perfil muito “arrumadinho”, difícil de emplacar fora de São Paulo, ainda mais diante de uma disputa que vai ter Jair Bolsonaro e o PT. “Corremos sério risco de ficar de novo assistindo a um segundo turno entre Bolsonaro e o PT”, me disse um importante player do DEM entusiasta a saída Huck.

Mas o apresentador do Caldeirão não é igualmente janota, além de ser alguém ingênuo e pouco versado nas artes da política? A essa pergunta os partidários de sua filiação ao DEM respondem que ele tem uma inserção nacional que precede a política, e é alguém identificado com preocupações sociais graças a sua imagem consolidada na TV.

O que mais seduz o DEM, para além dessas questões de imagem, é a possibilidade de ter uma candidatura própria pela primeira vez desde 1989, com Aureliano Chaves. “Essa é uma dívida que nunca que se paga? Onde está escrito que precisamos ser linha auxiliar do PSDB o resto da vida?”, pondera um demista.

A sedução parece sublimar até o cálculo de vir a ter o governo de São Paulo, algo muito além da atual estatura do DEM, mesmo diante das vitórias em capitais (Rio, Salvador, Curitiba e Florianópolis). Rodrigo Garcia, sempre muito cauteloso na articulação política, tem se mostrado internamente disposto a bancar a briga, mesmo se tiver de ficar em lado oposto de seus tradicionais aliados Neto e Maia.

Tem dito que, caso seu partido o trate como peça descartável e ache que é pouco ter o governo de São Paulo, vai tentar vencer uma eventual convenção. Se fia no fato de que é um dos mais reconhecidos operadores do partido em votos no Congresso e em convenções, profundo conhecedor dos humores das bancadas da Câmara e do Senado.

Se, ainda assim, for derrotado, tem dito explicitamente que se filiará a outro partido para apoiar Doria e disputar o governo paulista. Esse destino pode ser o próprio PSDB, o que não interessa tanto a Doria, pois deixa de somar tempo de TV em sua coligação, o PSD do antigo aliado Gilberto Kassab (com quem rompeu há alguns anos, mas, segundo interlocutores de ambos, voltou a ter boa relação) ou mesmo o MDB, partido que se aproximou da órbita do Palácio dos Bandeirantes na sucessão paulistana.

E a opção Ciro? Deixou de ser tão sedutora aos olhos dos pais fundadores (ou herdeiros) do DEM. Isso porque o mapa do Brasil após as eleições se mostrou ainda inclinado à centro-direita, com os partidos da política tradicional voltando a mostrar força. A avaliação interna do DEM é que o caminho para vencer Bolsonaro é por aí, e não pela centro-esquerda (que, ademais, estará congestionada por Ciro, pelo PT e pela estrela ascendente Guilherme Boulos, do PSOL).

Tudo isso é o retrato de 2020, que depende de 2021 para desaguar em 2022.

Algumas respostas precisarão ser dadas:

Huck vai deixar a Rede Globo e o conforto da fama e dos contratos milionários para se aventurar no terreno pantanoso, pouco conhecido por ele e violento da política? Nem seus entusiastas têm certeza disso;

Doria vai conseguir fazer nos próximos dois anos um governo bem avaliado, que lhe permita sair de São Paulo com capital eleitoral suficiente para se nacionalizar?

Bolsonaro vai conseguir recuperar seu eleitorado à base de reação da economia e composição com o chamado centrão? Nesse caso, o DEM ficará no governo e ainda flertará com a possibilidade de apoiá-lo (algo que hoje, com exceção de Onyx Lorenzoni e Ronaldo Caiado, ninguém no partido quer?)

Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre vão para o tapetão e conseguirão se reeleger para novos mandatos à frente das presidências da Câmara e do Senado? Isso elevará ainda mais o já alto cacife do DEM para a sucessão presidencial.


Merval Pereira: Partidos em excesso

A fragmentação partidária brasileira resultou em que nada menos que 28 partidos dos 32 que concorreram às eleições municipais elegessem pelo menos um prefeito municipal. Mais que isso: quatro partidos não elegeram nenhum prefeito. Se as cláusulas de barreira fossem usadas para as eleições de vereador, quinze partidos não passariam: PROS, PV, Psol, PCdoB, PRTB, PTC, PMN, DC, Rede, Novo, PMB, UP, PSTU, PCB e PCO.

Basicamente os mesmos que, na eleição de 2018, quando as cláusulas de barreira começaram a vigorar, não conseguiram ter número de votos mínimo exigido pela nova legislação: Rede, Patriota, PHS, DC, PCdoB, PCB, PCO, PMB, PMN, PPL, PRP, PRTB, PSTU e PTC não conseguiram 2% de votos em todo o país, nem eleger pelo menos 11 deputados em pelo menos 9 Estados.

Deixaram de ter acesso ao fundo partidário, e direito a tempo de rádio e televisão na propaganda eleitoral. Esta foi também a primeira eleição em que a coligação proporcional foi proibida, o que dificultou ainda mais os partidos mais frágeis.

Justamente por isso, já existe um movimento de bastidores para a legislação voltar a permitir as coligações proporcionais, o que pode retardar a reorganização partidária, que seria fundamental para dar mais lógica às eleições. Cerca de 15 partidos estariam aptos integralmente a participar das eleições e das atividades congressistas, e não 32 como hoje.

As eleições de domingo sinalizaram muitas coisas para 2022, sobretudo que o extremismo de Bolsonaro não tem espaço hoje como teve em 2018. Ele terá que reforçar sua aparente inclinação recente para o centro, para obter o apoio dos partidos do Centrão que saíram vitoriosos, mas não acredito que consiga apaziguar os ânimos, porque é uma pessoa do embate.

Bolsonaro perdeu o timing ao não conseguir montar seu próprio partido político quando estava no auge da popularidade. Se a economia não melhorar, vai, no próximo ano, perder a capacidade de agregar apoios, e, com os resultados das eleições municipais, os partidos que ele esnobou no inicio de seu governo estão hoje mais robustos e não abrirão mão de seus controles internos para ceder a legenda ao presidente.

Os partidos do centro-direita ficarão no governo enquanto tiverem alguma coisa para ganhar, mas na hora H não irão apoiar um candidato que seja impopular, que esteja fora do espírito do tempo. Esses partidos do centrão são fisiológicos, muitos estão envolvidos na corrupção do petrolão e, antes, do mensalão, mas não são extremistas de direita.

Bolsonaro pode se transformar em um fator fora do clima geral e, apesar da força da presidência, uma aliança tóxica. A não ser que a economia dê um salto formidável, o que parece improvável a esta altura. Entre os partidos independentes do centrão e que têm uma posição crítica ao governo Bolsonaro, PSDB, MDB e DEM ganharam muita força e serão fundamentais para apoiar uma candidatura viável, que pode ser a do governador João Doria ou a de Luciano Huck.

O ex-ministro Sérgio Moro parece ter se decidido pela vida fora da política, tornando-se vice-presidente executivo da consultoria internacional Alvarez & Marsal. Não creio que o fato de a empresa estar contratada para a recuperação judicial da Odebrecht e OAS, empreiteiras que foram os principais alvos da Operação Lava-Jato, seja um empecilho ético. Ao contrário, o que as empreiteiras estão buscando é uma reorganização nos termos exigidos pela legislação, que evite justamente os esquemas de corrupção descobertos.

Se Luciano Huck decidir entrar realmente na vida partidária, será difícil haver apenas uma chapa do centro-direita na disputa presidencial, a não ser que o governador João Doria desista. Isto porque não há indicação de que Huck aceitaria ser vice de alguém.

A esquerda sofreu derrota fragorosa, está com grandes dificuldades, e será incomodada com a ascensão de Boulos como líder político nacional. Apesar da derrota acachapante, o PT continua sendo o mais organizado partido da esquerda, e vai insistir com Lula, se ele conseguir deixar de ser ficha-suja, o que é necessário, mas não suficiente, para ele ser candidato de união da esquerda.