eleições 2022
Marcus Pestana: O agravamento da pandemia e a emergência
“Onde há vida há esperanças” (Miguel de Cervantes).
Não é fácil acalentar a esperança quando encaramos manchetes como “País tem recorde de mortes”, “No maior salto da pandemia, país perde 1.726 em 24 horas”. Mas a esperança é o motor da vida. Um misto de pessimismo, pânico e decepção tende a tomar conta de corações e mentes num momento tão trágico. O inimigo oculto é traiçoeiro e mutante. Quando muitos achavam que a pandemia estava em seu finalzinho, o coronavírus dobrou a aposta e apareceu com carga maior de transmissibilidade e elevou o número de mortes.
A realidade está a exigir não um esforço isolado de um cavaleiro errante como Dom Quixote e sua luta contra moinhos de vento, mas uma agressiva ação unificada de governos e sociedade. Infelizmente, o Brasil lidou mal com a crise sanitária da COVID-19. Subestimamos a gravidade da pandemia, apostamos em terapias de eficácia desmentida pela ciência, assistimos a predominância do conflito nas relações políticas, emitimos sinais equivocados na mobilização da população para o comportamento social e individual preventivo. Perdemos o bonde da história na compra de vacinas. Precisamos de liderança, competência e exemplos.
Não adianta chorar o leite derramado. A situação é dramática e de emergência nacional. É hora de aprender com os erros. O roteiro da esperança é claro e conhecido, mas uma névoa de polêmicas inúteis obscurece o debate.
O lema tem que ser “vacinar, vacinar e vacinar”. Comprar todas as vacinas disponíveis num mercado global superaquecido. Poderia ser pior se não fosse a corajosa aposta do Governo de São Paulo na produção da “Coronavac”.
É inadiável aprofundar o trabalho de orientação à população, diante da ocorrência de novas cepas do vírus e do atraso na imunização, acerca do distanciamento social necessário e dos hábitos coletivos e individuais de prevenção, e recuperar a cooperação interfederativa.
Por outro lado, não podemos negar apoio a milhões de brasileiros que vivem em extrema pobreza, reestabelecendo imediatamente o auxílio emergencial viabilizado pela votação da PEC Emergencial, evitando a fome e a extrema exclusão social.
Fundamental também é perceber que os gestores públicos precisam de ferramentas e instrumentos para enfrentar a emergência nacional, rompendo temporariamente com regras feitas para tempos de normalidade. Isto, a PEC Emergencial também oferece. Inútil discutir quem está financiando o que. As transferências constitucionais são obrigatórias. Os gastos extraordinários com a pandemia estão sendo bancados por endividamento público, ou seja, pelas gerações futuras.
Precisamos integrar a saúde pública e privada neste esforço. O vírus e as mortes atingem indiscriminadamente a todos. E ter maior compreensão com prefeitos e governadores, que certamente não gostariam de fazê-lo, quando decretam paralização de atividades como medida extrema para fazer frente à calamidade sanitária. As lágrimas do governador da Bahia foram eloquentes. É falso o conflito entre vida e emprego. Não haverá recuperação econômica consistente enquanto não derrotarmos a COVID-19.
Em suma, um pouco de bom senso nesta hora não faria mal. Somado à esperança, à coragem de corrigir erros e à clareza de diminuir tensões políticas, poderemos nos concentrar no essencial: defender a vida dos brasileiros.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
João Gabriel de Lima: Cabe ao eleitor encontrar o culpado
Nos regimes presidencialistas, o mordomo costuma ser o próprio presidente
De quem é a culpa por nossas tragédias simultâneas – a da pandemia e a da economia? Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro acusou os governadores de mau uso de repasses federais. Os governadores responderam – em entrevistas, nas redes sociais e até num manifesto – afirmando que Bolsonaro mente. Segundo eles, o presidente, além de falsear números, atrapalha o combate à pandemia ao ignorar a ciência. “Será que os principais países do mundo, que adotaram o distanciamento e a vacinação como estratégia de combate ao vírus, estão errados – e o Brasil, com 260 mil vidas ceifadas, está certo?”, perguntou no Twitter o governador gaúcho Eduardo Leite.
As duas tragédias se expressam em números eloquentes. Na quarta-feira, o Brasil contabilizou 74 mil novos casos de infecções pelo coronavírus, assumindo a triste liderança nessa estatística, à frente dos Estados Unidos. No mesmo dia soube-se que a economia encolheu 4,1% em 2020. Segundo cálculos de Claudio Considera, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e personagem do minipodcast da semana, a retração tira o Brasil do “top ten” da economia. Éramos o sétimo do mundo depois do ciclo social-democrata de Fernando Henrique e Lula. Com Dilma, caímos para o nono lugar. Sob Bolsonaro, passamos para décimo segundo. De quem é a culpa?
Não importa se a crise é mundial. Os números doem na vida do eleitor. O Brasil hoje tem 32 milhões de desempregados, maior contingente dos últimos dez anos. E a inflação vem voltando aos poucos – o arroz subiu 74,1% e a carne, 22,8%, de acordo com dados do IPCA. O brasileiro está com medo de sair à rua e de perder o emprego, e falta dinheiro para comprar comida. De quem é a culpa?
O jogo de empurra-empurra para livrar-se dela remete a um debate em curso na ciência política: o da responsabilização. Nas democracias, os cidadãos usam o voto para recompensar ou punir os governantes. Avalia-se principalmente o desempenho econômico – aquilo que sentimos no bolso. Mas o que acontece quando a responsabilidade é difusa?
Pesquisas recentes mostraram que, durante a crise do euro, parte dos cidadãos da União Europeia relevou a responsabilidade de seus governantes, culpando os burocratas de Bruxelas. Em países semipresidencialistas, como França e Portugal, o crédito pelos sucessos e insucessos costuma se dividir entre Executivo e Legislativo.
Em regimes presidencialistas, no entanto, o eleitor não costuma ter dúvidas. Estudos feitos nos Estados Unidos mostram que o presidente costuma ser responsabilizado pelo desempenho econômico, para o bem ou para o mal. No Brasil, é só olhar para o passado recente. Fernando Henrique e Lula foram recompensados com reeleições em períodos de crescimento. Collor e Dilma, que presidiram crises graves, enfrentaram ruas cheias e sofreram impeachments.
Para Claudio Considera, o Brasil teria mais chance de voltar a crescer se adotasse as duas condutas-padrão no combate à pandemia: fechamento rigoroso por tempo limitado e vacinação em massa. Bolsonaro já zombou da vacina, e até hoje questiona o isolamento social. Se conseguir responsabilizar os governadores pela derrocada do País, será um caso de estudo em ciência política. Nas democracias, cabe ao eleitor o papel do detetive nos filmes policiais: encontrar o culpado. As evidências mostram que, nos regimes presidencialistas, o mordomo costuma ser o próprio presidente.
Fernando Gabeira: A vitória parcial do coronavírus
O desprezo pelo conhecimento fez do Brasil campo fértil para a devastação
Ainda não é hora do balanço final, mas já é possível afirmar que o Brasil foi devastado pelo coronavírus, com possibilidade de se tornar o país que mais sofreu com a pandemia. Sem mencionar as outras razões que nos isolam no mundo, o território brasileiro tornou-se um campo de observação para a humanidade, pois aqui surgiram perigosas mutações do vírus e nada garante que outras variantes não estejam em curso.
Com todo o respeito aos médicos e demais trabalhadores da saúde que batalham na linha de frente, comunicadores que tentam transmitir a dimensão do drama sanitário e grupos que se dedicam diuturnamente à solidariedade, todos combateram o bom combate, mas o saldo nacional é um grande fracasso.
Como é possível que um vírus triunfe sobre uma comunidade humana, neste momento de fácil comunicação e avanço da ciência? O que torna o Brasil tão vulnerável a um vírus mutante? Uma das razões é exatamente a nossa incapacidade de mudar com rapidez para enfrentar a nova situação.
Nenhum país teve um negacionista tão ativo na Presidência como o Brasil de Bolsonaro. Ele imaginou que o vírus seria uma grande ameaça ao seu governo, o impacto econômico poderia derrubá-lo. Daí seu esforço em negá-lo. E não apenas quanto à gravidade da contaminação, mas, sobretudo, no tocante às medidas necessárias para combatê-lo, como isolamento social e suspensão de algumas atividades.
Quando o novo coronavírus apareceu em Wuhan, na China, escrevi que ao chegar ao Brasil a única forma de combatê-lo seria uma resposta nacional e solidária. O comportamento de Bolsonaro mandou para o espaço a esperança de uma resposta nacional. Um passo importante nessa direção foi decapitar ministros da Saúde que reconheciam a importância do vírus e buscavam uma resposta articulada.
Graças ao STF, governadores e prefeitos tiveram reconhecido seu papel constitucional no combate ao vírus. Mas as constantes denúncias de corrupção enfraqueceram sua liderança em muitos Estados do País. No Rio, Witzel perdeu o cargo. A Polícia Federal fez incursões no Pará e no Amazonas. Respiradores foram comprados em lojas que vendem vinho. Em Santa Catarina o escândalo abalou o governo.
Esse processo na cúpula fortaleceu o ceticismo na base. O comportamento coletivo para atenuar os efeitos da pandemia não foi conseguido. Faltaram estímulos. Poucas foram as iniciativas de oferecer lugar para a quarentena, ou para levar água e facilitar a higiene. Poucas também para estabelecer conexão e facilitar aulas para as crianças, diversão para os adultos.
O negacionismo de Bolsonaro desarmou grande parte das iniciativas que a ciência aconselha. Testes foram esquecidos num depósito em Guarulhos. Para que testar? Não houve intenso esforço tanto para sequenciar o vírus quanto no caso das vacinas. Então o Brasil ocupou um lugar único: o presidente se opunha a elas, seja por ignorância científica ou por ignorância política, bloqueando os melhores produtos ocidentais e ironizando os do Oriente vermelho.
A luta contra o coronavírus numa população como a do Brasil é difícil. O vírus é invisível. Mesmo na Europa, os problemas radioativos provocados pelo desastre de Chernobyl encontraram muito ceticismo precisamente porque não eram visíveis.
Mas a ignorância de Bolsonaro não influencia apenas os 30% que o apoiam. Ela se estende por uma faixa da população que não se interessa por ele nem por nenhum outro político. Uma faixa que não vê benefícios em se ter um governo, muito menos em se sacrificar por um coletivo.
Quando Bolsonaro, na sua campanha obscurantista contra a vacina, insinuou que ela poderia transformar pessoas em jacarés, não estava pregando no vazio. Ele conta com a superstição popular. E não está totalmente equivocado. A ideia de pessoas se transformarem em bichos é presente no Brasil. A mula sem cabeça, por exemplo, é um mito que percorreu a nossa infância. Diziam que era uma linda mulher que virou animal porque transou com um padre. E quem se dedicar a estudar a religião tupi verá que os caraíbas, espécie de sacerdotes, difundiam suas crenças contra a religião colonial, mas se diziam capazes de transformar gente em bicho.
O Brasil perdeu a guerra contra o vírus porque ela dependia não só de disciplina, mas de conhecimento. Não somos disciplinados como os vietnamitas, por exemplo.
Mas, para além do individualismo, o desprezo pelo conhecimento fez do Brasil um campo fértil para a devastação. O governo subestimou remédios consagrados, como a vacinação em massa, e optou por falsas saídas, como a hidroxicloroquina.
Em todos os momentos o conhecimento foi espancado. Até mesmo na batida musical das festas clandestinas o Brasil celebrou a ignorância.
Pode ser que no balanço final alguns desses termos se alterem. Mas vista de agora, nossa derrota para o vírus foi a derrota de nossas lacunas educacionais, entendidas em sentido mais amplo, desde o estudo convencional, que nos faça acreditar no invisível, até o flagelo do obscurantismo oficial, a corrupção e uma incipiente cidadania que não acredita na ideia de um país.
Afonso Benites: Bolsonaro repete tática da chacota para mobilizar radicais e desviar atenção
Presidente testa de novo estratégia que até agora tem sido eficaz para manter sua popularidade em torno de 25%. A seu favor, Planalto tem ainda cúpula do Congresso. No entanto, atraso na gestão da vacina pode cobrar preço econômico e mudar jogo com empresários e investidores
O presidente Jair Bolsonaro voltou a investir na sua política de confronto e de discursos diversionistas assim que confrontado com situações incômodas. O mandatário brasileiro dobra a aposta chamando de “frescura” e “mimimi” as práticas de distanciamento social quando há um recrudescimento da pandemia com mais de 1.600 mortos ao dia e após aumentarem as cobranças de governadores e prefeitos por uma coordenação nacional no combate à covid-19.
O ultradireitista choca e atrai para si os holofotes na semana em que seu primogênito, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado por lavagem de dinheiro, comprou uma mansão de 6 milhões de reais em Brasília. Nem tudo, porém, cabe no script do ultradireitista. Diante da volta dos panelaços nas grandes cidades contra seu Governo, ele desistiu por dois dias seguidos de fazer um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão. E, apesar de ironizar a vacinação, tenta agora recuperar o tempo perdido para a compra dos fármacos sob a pressão de empresários que contam com imunização em massa para fazer a economia escapar de nova retração.
Nesta quinta-feira, Bolsonaro disse que quem defendia medidas restritivas de circulação de pessoas como uma das principais armas para conter o avanço da pandemia estava de “mimimi”. Na prática, retomou o discurso de um ano atrás, quando tentou emplacar a tese de que um isolamento social vertical, no qual apenas os grupos de risco se trancam em casa, seria o mais adequado para a sociedade brasileira. “Nós temos que enfrentar os nossos problemas, chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando? Temos de enfrentar os problemas. Respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades, mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?”, afirmou o presidente Bolsonaro durante um discurso em Goiás. A chacota contra as recomendações sanitárias ignora o sofrimento dos familiares e amigos de 260.970 pessoas que morreram de covid-19 no Brasil nos últimos doze meses.
Desde meados de fevereiro, diversos Municípios e Estados brasileiros passaram a intensificar políticas de distanciamento social, com o fechamento do comércio e escolas para conter a circulação da população e frear a circulação do coronavírus, já que ainda não há vacinas para todos os brasileiros. Menos de 5% da população foi vacinada no país. Com o discurso contrário, Bolsonaro tenta empurrar para prefeitos e governadores o custo político de medidas impopulares, além de atrapalhar as campanhas de conscientização pelo isolamento social.
Para um conjunto de juristas e segundo uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Conectas Direitos Humanos, Bolsonaro implementa uma política deliberada para sabotar ações contra a pandemia, e deveria ser punido penal e politicamente por isso. O presidente, porém, segue escudado por uma fisiológica base de apoio no Congresso Nacional ―recentemente reforçada por sua bem-sucedida operação ajudar a eleger a nova cúpula do Parlamento― que dificilmente apoiará um dos 60 processos de impeachment. Também conta, até agora, com um Procuradoria-Geral da República que não enxerga irregularidades em seus atos.
Seja como for, o presidente, contudo, tem tomado alguns cuidados. Ao mesmo tempo em agita sua extremista base de apoio, ele libera os seus subordinados a minimamente agirem contra a pandemia, sob pena de ver a economia naufragar e seus adversários políticos surfarem demais. Depois de o presidente e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, criticarem por dois meses as exigências feitas pela farmacêutica Pfizer, o Governo Federal decidiu avançar nas tratativas para a compra de 100 milhões de doses do imunizante dela até dezembro deste ano. O primeiro lote seria entregue em maio. Se aceitasse o contrato no passado, o país já teria recebido 70 milhões de doses em dezembro.
A corrida global pela vacina não é simples e o Planalto começa a colher reveses. Nesta quinta, ao conversar com apoiadores em Uberlândia (MG), ele reclamou das cobranças que recebe para adquirir os imunizantes. “Tem idiota nas redes sociais, na imprensa, [que fala] ‘vai comprar vacina’. Só se for na casa da tua mãe! Não tem para vender no mundo!”. É bem distinto da fala feita em 28 de dezembro do ano passado, quando afirmou que eram os vendedores quem deveriam buscar o governo brasileiro, e não o contrário. “O Brasil tem 210 milhões de habitantes, um mercado consumidor de qualquer coisa enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente? Por que eles não apresentam documentação na Anvisa?”, indagou a um grupo de apoiadores no Palácio da Alvorada. “Pessoal diz que eu tenho que ir atrás. Não, quem quer vender (que tem). Se sou vendedor, eu quero apresentar”, completou.
Jogo até 2022
A fórmula caótica de Bolsonaro tem lhe rendido lucros mínimos. Se ainda não tem ameaças graves no campo político um dos motivos é justamente a sua popularidade, com índices superiores a 25%. Além de ser um patamar considerado alto para que um presidente seja tido como descartável pelo mundo político, isso também quer dizer que, caso a eleição presidencial fosse hoje, muito provavelmente Bolsonaro estaria em um segundo turno. “As variáveis que tornaram possíveis a ascensão do bolsonarismo foram a crise econômica do Governo Dilma Rousseff [PT] combinada com a Operação Lava Jato. Esse movimento não se dissipa de um dia para o outro”, avalia o cientista político Antônio Lavareda, do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE), que produz levantamentos frequentes atualmente para a corretora de investimentos XP.
Na visão de Lavareda, no entanto, a disputa eleitoral de 2022 pode mudar a equação porque acabará colocando quatro temas na mesa, todos em que Bolsonaro pouco progrediu: a atuação na pandemia, que tem sido catastrófica; a retomada da economia, ameaçada pela falta de vacinação em massa; o combate à criminalidade violenta; e a redução da corrupção. No mês passado, o levantamento XP-Ipespe mostrou que o presidente patina nos quatro grandes assuntos. Na condução do enfrentamento à pandemia, 53% consideram seu desempenho ruim ou péssimo. Com relação à corrupção, 48% acreditam que há a expectativa de aumentar a prática. Na percepção de 62% a violência e a criminalidade violenta aumentaram. E, para 57%, a economia segue no caminho errado. “A preço de hoje o presidente tem problemas importantes em três desses temas. E perdeu a grande dianteira que tinha no combate à corrupção, por causa de suas alianças atuais, pelo fim da Lava Jato e por causa dos casos mal explicados de seus filhos”, disse Lavareda.
Ao notar esses movimentos, o presidente persiste na radicalização de seu discurso e, como jamais desce do palanque eleitoral, espera confrontar algum adversário do campo da esquerda em um segundo turno. “Ao que parece, o presidente vai precisar ressuscitar os fantasmas de 2018, da corrupção, do descalabro econômico do Governo Dilma e da falsa ameaça comunista”, avaliou o cientista político.
De momento, o custo Bolsonaro não parece incomodar a Câmara dos Deputados, atualmente presidida pelo líder do Centrão e neobolsonarista Arthur Lira (PP-AL). Até agora poucos são os deputados fora do campo da oposição que defendem qualquer tipo de enfrentamento contra o presidente. A nova tentativa de atingir o Governo vem do pedido de criação da CPI do Auxílio Emergencial, que ainda colhe assinaturas para investigar fraudes que atingem o montante de 50 bilhões de reais na concessão do benefício.
Já no Senado, passaram a circular nos últimos dias conversas para que o presidente da Casa, Rodrigo Pachedo (DEM-MG), outro aliado tático de Bolsonaro, autorize a abertura da CPI da Saúde, que tem como objetivo investigar toda a atuação do Governo federal. Pacheco tem buscado argumentos para impedir a abertura desse grupo por entender que a apuração seria contraproducente no momento. Por ora, essa parede ainda protege Bolsonaro.
Fernando Abrucio: Bolsonaro nos afasta do século XXI
A covid-19 é o mal imediato, mas o problema mais profundo está na visão arcaica, míope e populista de nosso presidente
O Brasil chegou ao seu pior momento da pandemia e o governo Bolsonaro tem apenas sabotado o país. Milhões de casos, milhares de mortes, sistema de saúde em colapso, aumento da pobreza e da desigualdade, além do confronto com governadores, prefeitos e mercado, tudo de uma vez só. Esse é o retrato atual da nação. Mas é possível ver a luz do fim do túnel e imaginar que no segundo semestre, após a vacinação de boa parte da população e com os ventos positivos da economia internacional, sairemos do momento mais crítico da crise. O problema é que o dia seguinte da covid-19 deixará o rei nu, mostrando que o presidente não tem a menor ideia do que fazer para enfrentarmos os desafios do século XXI.
Muitos analistas já estão apresentando um cenário pós-pandemia alvissareiro, com melhor desempenho econômico em 2022. Por esta ótica, a crise sanitária da covid-19 é o “bode na sala”: basta retirarmos esse bicho que nos incomodou tanto que tudo voltará ao normal. Trata-se de uma visão míope, que olha apenas para o curto prazo.
Há dois grandes erros nesta percepção de que a pandemia é apenas o “bode na sala”. O primeiro deles deriva do fato de que haverá sequelas da crise impulsionada pela covid-19. Não será fácil apagar a dor dos parentes que viram seus próximos morrerem, das pessoas que sofreram com a doença, daqueles que perderam emprego ou tiveram sua vida virada de cabeça para baixo. A vacinação em massa e o impulso externo têm boas chances de ativar a roda da economia até o fim do ano, mas as taxas de desemprego dificilmente voltarão ao patamar anterior à eleição de Bolsonaro.
Uma das sequelas da crise é o aumento, ainda em curso, do contingente de descontentes que não mudarão sua visão apenas com a melhoria do cenário econômico. Puxando esse processo, há uma parcela significativa da população que avalia muito mal a gestão da política de saúde, algo que foi catapultado pelo fracasso inicial no processo de vacinação. Na verdade, consolidou-se num patamar próximo à metade do eleitorado, uma visão negativa sobre a capacidade de o governo gerir qualquer coisa. O fracasso não ocorreu apenas no plano sanitário. Ele também é nítido, especialmente para a população mais pobre, na política educacional, que foi abandonada por um MEC que nem consegue gastar o dinheiro que tem. A sensação de incompetência também aparece em outros setores, como meio ambiente e cultura, por exemplo, nos quais o bolsonarismo só fez por destruir.
Assim, além do radicalismo dos valores e da lógica política de guerra, o modelo bolsonarista caracteriza-se hoje, para grande parte da população, como um governo de incompetentes. Há uma enorme lista de ministros e auxiliares que são reconhecidos pela opinião pública como desastrosos. Mesmo que a economia seja puxada um pouco para cima, quase que naturalmente, pelo fim da pandemia, não parece haver muito espaço para Bolsonaro ampliar seu eleitorado por meio de políticas públicas.
Não por acaso a sua presidência alicerça-se numa concepção que independe ou é contraditória com uma lógica estruturada de políticas públicas. Bolsonaro busca legitimidade no terreno dos valores tradicionais, na criação de inimigos para seu séquito de apoiadores odiar e, cada vez mais, em medidas populistas que não são sustentáveis ao longo do tempo, mas que geram um alívio imediato em públicos-alvo importantes do bolsonarismo. Todo o debate recente sobre os preços dos combustíveis, com a mudança abrupta na gestão da Petrobras e a criação de um paliativo tributário, tem como objetivo contentar momentaneamente caminhoneiros, motoristas de aplicativos e afins. O que será feito para garantir no longo prazo essa política está fora do alcance do populismo bolsonarista.
Em poucas palavras, a crise da covid-19 revelou claramente que o governo Bolsonaro é adepto de um populismo imediatista, pouco preocupado em construir políticas públicas consistentes e bem estruturadas, seja porque seleciona basicamente gestores incompetentes, que estão lá porque têm juízo de obedecer, seja porque o bolsonarismo não tem nem um diagnóstico nem um plano para transformar o Brasil.
A falha da visão otimista alicerçada na teoria da pandemia como “bode na sala” vai além de não perceber as sequelas deixadas pela gestão populista da crise da covid-19. O maior problema do bolsonarismo reside na ausência de uma agenda para enfrentar os desafios do século XXI. O governo oscila entre a defesa de ideias completamente ultrapassadas e a proposição de ações puramente imediatistas. Trata-se um populismo que bebe em visões arcaicas de sociedade e do modelo político - incluindo aqui sua defesa nefasta da ditadura militar -, ao mesmo tempo que procura saídas fáceis para resolver as demandas do eleitorado, como mudanças no Código Nacional de Trânsito como forma de “libertar” os motoristas ou a ampliação gigantesca do uso de armas como forma de garantir a paz do “cidadão de bem”.
A opinião pública em geral e as elites econômica e política continuam discutindo as ações e os factoides de curto prazo criados por Bolsonaro, mas deixam de lado a ausência de uma agenda minimamente antenada com as principais questões contemporâneas. Esse fenômeno já vinha de antes, porém, aprofundou-se com o bolsonarismo: perdemos a capacidade de pensarmos o futuro do país e de dialogarmos com as principais tendências internacionais.
Por isso, quando sairmos da fase mais crítica da pandemia, precisamos elencar quais são os grandes desafios para os quais devemos nos preparar nos próximos anos. Cinco deles serão decisivos como passagem a um século XXI melhor: questão ambiental, educação, novas formas de desenvolvimento econômico, combate às desigualdades e aperfeiçoamento da governança democrática.
A temática ambiental é relevante para todo o mundo, todavia, é muito mais importante para o Brasil, por causa de nossa riqueza e diversidade de ecossistemas, especialmente da Amazônia. O meio ambiente tem que se transformar num ativo para o desenvolvimento do país. Qualquer outra perspectiva é anacrônica e nos levará a perder apoio econômico e geopolítico.
O segundo desafio é o da educação. O Brasil precisa, aqui, fazer duas tarefas ao mesmo tempo: acabar com as mazelas derivadas de um longo tempo de letargia educacional e, sobretudo, criar pontes para o futuro. Professores e gestores mais qualificados e em constante renovação, métodos didáticos inovadores que ampliem as possibilidades formativas dos alunos, formas colaborativas de gestão, parcerias com a sociedade e um modelo educacional comprometido com a maior equidade das crianças e jovens, eis os pontos que deveriam ser discutidos agora. Mas, no momento, o MEC está completamente ausente deste debate.
Explorar as potencialidades econômicas do país de uma forma criativa, antenada com as tendências futuras e captando as singularidades brasileiras deveria ser uma tarefa central hoje. Várias frentes de produção de riqueza podem surgir: atividades culturais e de entretenimento, melhor exploração do meio ambiente pela agroecologia e pelo turismo sustentável, empreendedorismo das periferias, criação de novos serviços com tecnologia da informação, reorganização dos grandes centros urbanos, uso de fontes renováveis de energia, avanço da infraestrutura sob bases mais modernas, para ficar em alguns dos temas mais contemporâneos e fascinantes. Há um enorme espaço para novas formas de desenvolvimento, que podem ativar e renovar o restante da economia.
O combate às desigualdades é essencial para mudar a cara do Brasil no século XXI. É preciso atacar as profundezas desse fenômeno, ampliando as oportunidades para um enorme contingente de pessoas que estão alijadas do processo de desenvolvimento. Não se trata de políticas compensatórias de curto prazo. Em vez disso, são necessárias ações estruturais, baseadas num planejamento de longo prazo. A redução das iniquidades de diversas ordens - de renda, racial, de gênero, regional - vai não só tornar o país mais justo e solidário (algo essencial para a melhoria da ação coletiva, como a pandemia comprovou), como também vai aumentar o espaço sustentável de desenvolvimento econômico.
O quinto e último desafio é aperfeiçoar e fortalecer a governança democrática do país. Isso passa pelas estruturas institucionais mais gerais, como as eleições, as relações entre os Poderes e a responsabilização da administração pública, bem como pela cultura política, incentivando o diálogo social permanente e o reforço das formas solidárias de ação coletiva. Ter mais e melhor democracia tem efeitos positivos sobre todas as coisas. Basta pensar que novas pandemias podem surgir no futuro, e o Brasil não poderá repetir a vergonha que foi ter conjunto enorme de indivíduos atuando de forma egoísta, sem respeitar o distanciamento social e ignorando o uso de máscaras, o que se somou a um líder nacional que não teve empatia com os milhares de cidadãos mortos.
Começar a refletir, debater e planejar para atuar nestes cinco desafios é tarefa urgente. O pós-pandemia, neste sentido, é muito mais complexo do que o debate rasteiro que tem sido feito no Brasil. Pior: Bolsonaro não quer dialogar ou mesmo ignora os desafios do século XXI. A covid 19 é o maior mal imediato, mas o problema mais profundo do país está na visão arcaica, míope e populista de nosso presidente.
*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas
Maria Cristina Fernandes: O léxico mortífero de Bolsonaro na crise sanitária
Prisão de deputado por ofensa a um poder contrasta com a inimputabilidade de um presidente que, ao longo de 12 meses, foi determinante para a posição do Brasil no pódio mundial da covid-19
1) “Obviamente temos uma crise, uma pequena crise. No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é tudo isso que a grande mídia propaga pelo mundo todo” (10/2/2020)
Discurso para a comunidade brasileira em Miami, três dias depois de chegar à Flórida, onde jantou com o então presidente Donald Trump. Nas semanas que se seguiram, 23 integrantes da comitiva foram diagnosticados com o vírus. No dia seguinte, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu a pandemia. No dia 26 seria oficializado o primeiro caso de coronavírus. O Ministério da Saúde depois reconheceria que havia casos, sem diagnóstico, desde janeiro.
2) “O que está errado é a histeria, como se fosse o fim do mundo. Uma nação como o Brasil só estará livre quando certo número de pessoas for infectado e criar anticorpos” (17/03/2020)
Entrevista à rádio Tupi. No dia anterior, o Ministério da Saúde havia notificado a primeira morte por coronavírus, depois ratificado para 12 de março. No dia seguinte à entrevista, o presidente solicitou a calamidade pública para suspender artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal.
3) “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho” (24/03/2020)
Pronunciamento em rede nacional. No dia seguinte, o presidente baixaria decreto incluindo atividades religiosas de qualquer natureza e unidades lotéricas entre atividades essenciais durante a pandemia.
4) “O tratamento da covid-19, à base de hidroxicloroquina e azitromicina, tem se mostrado eficaz nos pacientes ora em tratamento” (25/03/2020)
Postagem em redes sociais. A produção de hidroxicloroquina pelo Laboratório Químico do Exército chegaria a 80 vezes a média histórica, com compra de insumo 167% mais caro que a média do mercado. Em maio a OMS suspenderia estudos sobre a hidroxicloroquina em função dos efeitos adversos do medicamento.
5) "Eu acho que não vai chegar a esse ponto [a situação dos Estados Unidos]. Até porque o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele". (26/03/2020)
Declaração a apoiadores em frente ao Alvorada. Nesse dia, a Secretaria de Comunicação do governo lança a campanha “Brasil não pode parar”, com a informação de que, no mundo todo, são raros os casos de vítimas fatais do coronavírus entre jovens e adultos”.
6) “O vírus está aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra. Não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós iremos morrer um dia”(29/03/2020)
Declaração a apoiadores em aglomeração em Brasília. No dia seguinte, o Ministério da Saúde suspende as entrevistas diárias sobre a pandemia. Dois dias depois, Trump diz que avalia a possibilidade de banir vôos provenientes do Brasil.
7) “Ninguém vai tolher meu direito de ir e vir” (10/04/2020)
Declaração em aglomeração formada pelo presidente durante ida a farmácia em Brasília. Dois dias depois, o então ministro Luiz Henrique Mandetta se queixa, em entrevista ao Fantástico, que o brasileiro não sabe a quem escutar, se a Bolsonaro ou a ele, Mandetta.
8) “Eu não sou coveiro” (20/04/2020)
Responde a jornalistas na saída do Alvorada sobre a escalada de mortes da pandemia. Naquela semana, demitiu Mandetta e deu posse a Nelson Teich.
9) “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Sou Messias, mas não faço milagre” (28/04/2020)
Em resposta a jornalistas à saída do Palácio do Alvorada. Brasil ultrapassa a China em número de casos confirmados. Estudo do Imperial College, de Londres, mostra que o país tem a maior taxa de contágio do mundo.
10) “Eu gostaria que todos voltassem a trabalhar, mas quem decide isso não sou eu, são os governadores e prefeitos” (01/05/2020)
Em ‘live’ por ocasião do Dia do Trabalho. Dias depois, acompanhado de empresários, atravessa a pé a praça dos Três Poderes para uma visita ao então presidente do STF, Dias Toffoli, a quem se queixa da decisão do Supremo pela autonomia dos Estados e municípios na gestão da pandemia.
11) "Os senhores, com todo o respeito, têm que chamar o governador e jogar pesado. Jogar pesado, porque a questão é séria, é guerra. Estou exigindo a questão da cloroquina agora também” (14/05/2020)
Em videoconferência com empresários. Na véspera, Teich alertara sobre efeitos colaterais da hidroxicloroquina. Presidente edita MP que isenta agentes públicos de responsabilização por atos e omissões na pandemia. Congresso não vota e a medida caduca.
12) “Quem for de direita toma cloroquina, quem for de esquerda toma tubaína” (19/05/2020)
Entrevista ao Blog do Magno. Brasil ultrapassa a marca dos mil mortos pelo coronavírus em 24 horas. Quatro dias antes, Teich se demitira. Assume interinamente o general Eduardo Pazuello, que adota protocolo para uso da cloroquina e da hidroxicloroquina.
13) “Alguém lembra da guerra do Pacífico? Os soldados chegavam feridos e precisavam de transfusão, mas não tinha doador. Começaram a meter água de côco na veia deles. Sem comprovação científica, salvou milhares de pessoas” (22/05/2020)
Declaração em live. Dois dias depois, EUA proíbem entrada de estrangeiros que tenham partido do Brasil. Dez dias depois, Bolsonaro passeia a cavalo por Brasília durante atos antidemocráticos.
14) “STF decidiu que os governadores e prefeitos é que são responsáveis por essa política, inclusive isolamento. Agora está vindo uma onda de desemprego enorme […] Não queiram colocar no meu colo” (07/06/2020)
Declaração à saída do Alvorada. Na véspera, governo tira do ar plataforma do Ministério da Saúde com informações consolidadas sobre a pandemia, levando os meios de comunicação a formar consórcios para atualizar os dados.
15) “Seria bom você, na ponta da linha, tem um hospital de campanha aí perto de você, um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. […] tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não" (11/06/2020)
Declaração a apoiadores à saída do Alvorada. Universidade Johns Hopkins coloca o Brasil como o segundo em número de mortes. Uma semana depois, o Brasil ultrapassaria a marca de 1 milhão de casos.
16) “Eu sou a prova viva de que [a cloroquina] deu certo” (18/08/2020)
Declaração em inauguração de obra no Pará. Bolsonaro é diagnosticado em 6 de julho, no mesmo dia em que veta dispositivos da lei que obrigava estabelecimentos a fornecer gratuitamente a funcionários máscaras de proteção. Dali a um mês, quando o Brasil já contava 130 mil mortos, Pazuello seria confirmado na Saúde.
17) “Isso existe, os países se preparam para guerras, até com bombas. Aí tem a guerra nuclear, bacteriológica. Pessoal mexe com vírus em laboratório, pode ter escapado isso aí” (28/10/2020)
Declaração a apoiadores à saída do Alvorada. Na semana anterior, o Ministério da Ciência e da Tecnologia anunciara estudos sem evidências sobre inibição da carga com o vermífugo Anita.
18) "Está acabando a pandemia [no Brasil]. Acho que [o Doria] quer vacinar o pessoal na marra rapidinho porque vai acabar e daí ele fala: 'acabou por causa da minha vacina'. Quem está acabando é o governo dele, com toda certeza" (30/10/2020)
Declaração a apoiadores à saída do Alvorada no início da guerra das vacinas com o governador paulista.
19) “Lá no meio dessa bula está escrito que a empresa não se responsabiliza por qualquer efeito colateral. Isso acende uma luz amarela. A gente começa a perguntar para o povo: você vai tomar essa vacina?” (16/12/2020)
Entrevista à TV Bandeirantes. Dois meses depois, seria tornada pública carta da Pfizer com a oferta da vacina ao Brasil.
20) "A questão da máscara, ainda vai ter um estudo sério falando sobre a efetividade da máscara… é o último tabu a cair” (26/11/2020)
Declaração na ‘live’ semanal. Anvisa autoriza prorrogação excepcional da validade dos testes depois que o “Estadão” informou que mais de 6 milhões de testes perderiam a validade.
21) "Eu não vou tomar vacina e ponto final. Minha vida está em risco? O problema é meu” (15/12/2020)
Discurso na Ceagesp, em São Paulo. Na semana anterior, 11 ex-ministros da Saúde haviam publicado artigo- denúncia da estratégia de vacinação.
22) "A pandemia, realmente, está chegando ao fim […] pequeno repique pode acontecer, mas a pressa da vacina não se justifica” (19/12/2020)
Entrevista ao programa do filho, Eduardo Bolsonaro. Na semana seguinte, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) eleva o imposto de importação sobre cilindros que armazenam gases medicinais.
23) “Quem frequenta a praia pega um sol, e o sol é o que fixa a vitamina D no corpo. Tiveram problemas graves? Não. A solução está aí” (07/01/2021)
Declaração em live semanal. No dia seguinte, Supremo concede liminar para impedir que a União requisite agulhas e seringas contratados pelo Estado de São Paulo.
24) “Nós demos dinheiro, recursos e meios. Não fomos oficiados por ninguém do Estado na questão do oxigênio” (27/01/2021)
Declaração no Alvorada. Duas semanas antes, Pazuello dissera saber da crise de oxigênio. Governo escolheu Manaus, onde se acumulam mortes por asfixia, para lançar o aplicativo TrateCov, que sugeria hidroxicloroquina e ivermectina até para bebês.
25) “O pessoal fica buscando alternativas já que não existe remédio específico e, pelo que tudo indica, o tratamento da covid em casos graves tem tudo pra dar certo com esse spray” (16/02/2021)
Live gravada em Camboriú (SC) sobre a negociação de compra de um spray nasal de Israel, o único país que já conseguiu o patamar seguro de vacinação de sua população.
Murillo de Aragão: As crises e as oportunidades
O Brasil foi desarmado para a guerra contra a pandemia
Como disse Pedro Malan, no Brasil até o passado é incerto. Avaliar o debate sobre a PEC Emergencial antes de sua aprovação é temerário. No entanto, quando escrevia esta coluna o Senado já tinha aprovado a proposta de emenda constitucional de forma razoável: abrindo espaço para o auxílio emergencial com a manutenção do teto de gastos. E, em meio a intenso debate, a emenda provavelmente será definitivamente aprovada nesse formato.
A aprovação definitiva da PEC Emergencial respeitando a integridade do conceito de teto de gastos é apenas uma batalha na guerra travada neste momento pelo povo brasileiro. A questão fiscal permanece relevante com o futuro debate do Orçamento da União e o andamento das reformas constitucionais e infraconstitucionais. Mas outras batalhas estão em curso.
Meus leitores sabem que, no fim de janeiro do ano passado, coloquei aqui mesmo minhas preocupações com a epidemia que vinha da China. Alertava que seria um imenso desafio para governos e sociedade. E com repercussões alarmantes, caso se alastrasse. Tempos depois escrevi Ano Zero, livro que traz uma reflexão sobre a economia e a política no pós-pandemia e que está disponível em Veja Insights, no site desta revista.
“O auxílio emergencial foi essencial, mas não houve um programa de retomada do crescimento”
Embora minhas preocupações e as de outros tenham sido transmitidas às autoridades ainda em janeiro, o Brasil partiu desarmado para a guerra contra a pandemia. Eventos tão extraordinários como esta crise sanitária exigem foco, liderança e planificação. Aspectos que foram insuficientes ao longo da evolução da pandemia. Pela capacidade econômica do Brasil, nosso programa de vacinação deveria ter sido iniciado em dezembro do ano passado. Não fosse a “vachina” do Instituto Butantan, a nossa situação seria muito, muito pior. Em tempos de pandemia, cada dia desperdiçado resulta em vidas perdidas e atrasos na retomada das atividades.
No campo econômico, as respostas foram parciais e, de alguma maneira, não houve uma tragédia maior. O auxílio emergencial foi essencial, mas não se traçou um programa estruturado de retomada do crescimento econômico da magnitude que situações como a pandemia exigem. Não há saída de crises profundas sem esforços organizados. Foi assim na Grande Depressão, dos anos 30, no pós-guerra dos anos 40 e após o crash de 2008.
Todos sabem que as crises também significam oportunidades. Perdemos a chance de debater soluções estruturantes para a miséria, a pobreza, a economia informal, a qualidade da educação e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Ficamos no meio do caminho cuidando da questão fiscal e distribuindo dinheiro para os necessitados. Não basta. Infelizmente, o país não para de validar a frase do economista Roberto Campos: “O Brasil não perde a oportunidade de perder uma oportunidade”.
A pandemia nos dá a possibilidade de encaminhar questões estruturais, que deveriam ser enfrentadas com determinação, organização e patriotismo. Sobraram chiliques, meias verdades, guerra de egos, conflito de competências, indefinição e negacionismo. Milhares de pessoas morreram. E essa tragédia poderia ter sido, pelo menos, minimizada.
Publicado em VEJA de 10 de março de 2021, edição nº 2728
Armando Castelar Pinheiro: Sabor de fim de festa
Pandemia, populismo, inflação alta e um cenário externo menos favorável vão complicar o quadro econômico
A matéria de Lucas Hirata, manchete do Valor de uma semana atrás, impressionou: A bolsa de valores “sofreu fuga recorde de capital externo após a intervenção do presidente Jair Bolsonaro na Petrobras. Investidores estrangeiros retiraram, segundo a B3, R$ 9,2 bilhões no período de três pregões desde o estouro da crise”. No mês, os estrangeiros tiraram R$ 6,8 bilhões da bolsa, depois de três meses investindo uma média de R$ 28,3 bilhões ao mês. Com essa virada, não surpreende o Ibovespa ter caído 5,1% em fevereiro.
Dois fatos determinaram esse movimento, nenhum deles provável de ser revertido nos próximos meses.
Primeiro, a percepção de que o “estilo populista” do presidente influenciará cada vez mais na política econômica, conforme as eleições se aproximem e a economia siga sem se recuperar.
Reflita um instante sobre a coreografia da crise da Petrobras. O mandato de Roberto Castello Branco estava acabando e ele logo poderia ser substituído, sem ruído ou o presidente se envolver. Este, porém, optou por comandar a mudança, via a imprensa, com grande alarde, supostamente para impedir uma paralisação de caminhoneiros. Como mostrou Malu Gaspar, porém, esse risco não existia (glo.bo/3kD06MY). A conclusão é que a “crise” foi construída do nada, para colocar o presidente do lado do “povo” contras as “elites”. Nas suas palavras: “O petróleo é nosso? Ou é de um pequeno grupo no Brasil?”.
Ao fim, a ruidosa destituição de Castello Branco rendeu o resultado que buscava: grande exposição do presidente na mídia.
Até aí, trata-se de estilo político. Ocorre que o evento trouxe grande prejuízo para os investidores, e não apenas os estrangeiros, e não apenas da Petrobras, mas de empresas estatais em geral. A gestão dessas empresas ficará mais difícil, afetando seu desempenho. A gestão da política econômica também se complica, inclusive nas negociações no Congresso, pois se perde segurança sobre que posições defender. Levar a MP de privatização da Eletrobras ao Congresso, ou iniciar o debate da reforma do monopólio postal, não muda isso: a chance de um dos dois avançar é mínima no quadro atual, em que pese o esforço dos envolvidos.
E fica no ar a dúvida de se algo semelhante ocorrerá em outras áreas da política econômica. Me preocupa, em especial, o não trivial ciclo de alta da taxa Selic que o Banco Central (BC) deve iniciar em sua reunião de daqui a duas semanas. A Selic a 2% está bem fora de lugar, considerando a perspectiva de uma inflação girando perto de 7% no meio do ano, a mudança no quadro externo e a necessidade de evitar riscos à estabilidade financeira. Será que o presidente manterá nessa nova etapa o mesmo apoio que deu ao BC quando este trouxe a Selic para 2%? Ou será que, com a economia estagnada, e a pandemia se agravando, veremos uma repetição do episódio Petrobras, se se opor à alta da Selic render popularidade?
O outro fato propulsor da saída dos estrangeiros foi a mudança de humor global em relação a ativos de países emergentes e ativos de risco em geral. Esta resultou da escalada dos juros pagos nos títulos públicos americanos, refletindo a expectativa de inflação e de juros reais mais altos. Isso porque a provável aprovação de um pacote fiscal de US$ 1,9 trilhão e o impulso advindo da vacinação, que já alcançou um quarto da população americana, devem aquecer fortemente a economia do país, levando o Fed, o BC americano, a subir os juros antes do que se esperava.
Uma economia americana mais aquecida fará o país ter um déficit externo mais alto, irrigando o mundo de dólares. Por outro lado, se os EUA forem vistos como o melhor destino dos investimentos, pela perspectiva de mais crescimento e de juros mais altos, o fluxo de recursos financeiros para lá será grande. O resultado líquido provavelmente será um dólar mais forte, que é algo ruim para emergentes e o Brasil em particular, que já está com o câmbio muito depreciado.
Difícil imaginar como evitar uma alta mais significativa da Selic nesse cenário. Especialmente porque o Brasil seguirá crescendo pouco e demorando muito para alcançar um nível mínimo de normalização sanitária, fatores que o tornarão pouco atraente para o investidor estrangeiro, mesmo na comparação com outros emergentes.
Durou pouco para nós, portanto, o clima de festa que emergiu com o anúncio da vacina contra a covid-19 no início de novembro. É verdade que a vacinação vai acelerar nos próximos meses, que com isso o desempenho da economia pode melhorar no segundo semestre, e que sempre há a esperança de o Congresso aprovar reformas que diminuam o risco fiscal e estimulem o investimento. Mas será que dá para apostar em avanços substantivos?
Pandemia, populismo, inflação alta e um cenário externo menos favorável do que se imaginava na virada do ano vão complicar o quadro econômico nos próximos meses. Turbulência e incerteza, em um mercado financeiro internacional também volátil, vão ser a norma até que as eleições de 2022 tragam alguma ancoragem às expectativas.
*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ
César Felício: O grande eleitor e o fator de ruptura
Bolsonaro tem a sorte de poder contar com a oposição
A pandemia e a dificuldade do presidente Jair Bolsonaro em lidar com ela superaram as expectativas mais negativas do mais delirante pessimista. Tudo que pôde dar errado deu, desde escolhas equivocadas na definição das vacinas a serem usadas até o surgimento no país de uma variante especialmente maligna, pouco antes do início da imunização.
O próprio presidente também foi muito além do que se podia imaginar para quem esperava dele um papel de liderança. No dia em que a Nação começava uma escalada rumo ao abismo, à vertigem de mais de um morto por minuto, essa foi a palavra do chefe de Estado: “Nós temos que enfrentar os nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”.
Na sequência, quem começou o mimimi foi ele: “Fui eleito para comandar o Brasil, espero que este poder me seja restabelecido. eu sou um democrata, criticam decisões que tomam contra mim e eu não reajo”, argumentou.
Soma-se a esse desastre verbal a circunstância econômica. O auxílio emergencial virá, menor do que o do ano passado. Compensações para a redução de jornada e salário serão feitas, também, mas inferiores O espaço fiscal para crédito a empresas em dificuldades tende a ser mais reduzido. Estas três variáveis significam que a economia ficará muito mais exposta à devastação da pandemia neste primeiro semestre do que ficou em 2020.
Tudo isso desgasta o presidente, cuja popularidade encolhe na pobreza sem auxílio e cuja rejeição cresce nos segmentos urbanos desesperados com a lentidão da vacinação. O normal, nessas circunstâncias, seria considerar as perspectivas políticas de Bolsonaro sombrias. Foi um combo parecido com esse que terminou por derrotar Donald Trump. Mas aqui não é assim.
Nada, por agora, retira a dianteira de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022, mas antes a condiciona. O presidente torna-se mais dependente de variáveis que não controla.
“O Bolsonaro presidente não tem muito o que entregar para o Bolsonaro candidato”, comentou Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Ipespe, experiente em pesquisas de opinião. O grande eleitor de Bolsonaro, mais decisivo do que o eleitor evangélico e conservador, é a oposição, mais precisamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O antipetismo ainda é mais relevante que o antibolsonarismo. Se Lula estiver no segundo turno contra Bolsonaro, a eleição presidencial parece resolvida a favor do presidente.
“Percebemos nas simulações que fazemos que, quando Lula é colocado na lista de candidatos, Bolsonaro cresce. Lula tem rejeição absolutamente cristalizada e acirra a polarização”, diz Lavareda.
O ex-presidente por ora está inelegível, dado que tem condenação por órgão colegiado, o que o enquadra na Ficha Limpa. A reversão desta restrição pelo Judiciário, contudo, está longe de ser improvável. A candidatura de Lula, mesmo fadada à derrota, é atraente para o PT. O partido talvez se preocupe mais em manter sua gorda fatia do fundo partidário e uma bancada expressiva no Legislativo do que tirar Bolsonaro do poder.
Se em vez de Lula o candidato petista for Fernando Haddad, o panorama fica um pouco menos risonho para a reeleição de Bolsonaro. “A personalidade política de Haddad está menos sedimentada para o eleitor. Embora ele tenha disputado em 2018, não ficou em evidência ao longo dos últimos anos e o eleitorado vai se modificando”, diz Márcia Cavallari, da Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), a empresa para onde migrou boa parte do corpo técnico do antigo Ibope.
As opções contra a polarização patinam. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), antagoniza Bolsonaro com todas as pontes com o eleitor de esquerda rompidas, depois das campanhas de 2016 e 2018. Também briga dentro do seu próprio partido. “Ele não tem a direita, não tem a esquerda e não tem o centro”, comenta Lavareda. O ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT) faz muito sucesso nas redes sociais, mas não sai do lugar. Essencialmente dialoga com um público fiel.
Para barrar o Fla X Flu entre Bolsonaro e PT, o mais factível seria o surgimento de uma novidade desestruturante, um fator de ruptura. Para Maurício Moura, do Instituto Ideia Big Data, que está permanentemente testando cenários para a eleição de 2022, a empresária Luiza Trajano tem potencial para exercer este papel. “Ela dá um passo além de ser uma simples novidade. É uma empresária, conhecida por ter lojas no Brasil inteiro com seu nome, que dificilmente se enquadra em um cenário de polarização”, comenta.
Em relação ao fator potencialmente disruptivo mais comentado, que seria uma candidatura do apresentador Luciano Huck, ela teria a vantagem de poder navegar em faixas do eleitorado nas quais ele tem dificuldades. Huck vai bem no eleitorado feminino, mais pobre, menos instruído, mais jovem, do Nordeste. É um eleitor semelhante à sua audiência. Luiza transita nesta faixa por inteiro, mas é capaz de entrar em um segmento de renda mais alta no Sudeste que não assiste o Caldeirão.
O ponto fraco de Luiza Trajano, caso ela se anime a se apresentar, é o fato de talvez chegar tarde demais. Tanto Lavareda, quanto Moura e Márcia Cavallari veem um cenário em 2022 adverso a entrantes de última hora.
“A atividade política hoje ganhou uma dinâmica inversa à que vínhamos tendo. Antes podia ser estratégico um candidato novo mas relativamente conhecido ter a menor campanha possível. Hoje a campanha precisa ser longa, para que dê tempo inclusive de se reagir a toda maré de informações negativas que podem surgir”, disse Moura.
“Não basta ser simpática e ter empatia, como Luiza Trajano tem. É necessário também ser vista como presidenciável. Huck faz este esforço há cinco anos e ainda não terminou este processo de construção”, comentou Lavareda.
Sem fato novo que surja a galope e com a improvável sociedade estabelecida com o PT, Bolsonaro parece livre para fazer qualquer bobagem e ainda assim ser reeleito. Da parte que cabe a si, e não à ajuda involuntária dos adversários, precisa ter atenção a dois limites: sua popularidade não pode baixar o patamar de 20% de aprovação e o mercado precisa seguir vendo-o como o mal menor. Do contrário até a conclusão do mandato está em risco.
Ruth de Aquino: Sem lockdown nacional, teremos 3 mil mortos por dia
Quem diz isso é o médico, neurocientista e professor catedrático Miguel Nicolelis. Sem 21 dias de lockdown nacional, o Brasil entrará numa “guerra explícita”, “um prejuízo épico, incalculável, bíblico”. E será já neste março. A pneumologista Margareth Dalcolmo receia que o mês seja lembrado como “o mais triste de nossas vidas”. A saída é lockdown ao estilo europeu: “Duas semanas ao menos. Zero circulação. Sem shopping, sem restaurante, sem BRT. A não ser serviços essenciais. Para reduzir a transmissão e desafogar hospitais, enquanto se produzem mais vacinas”.
Parece radical. Mas o Brasil é um dos poucos que jamais recorreram ao lockdown. Só jeitinho, embromação, apelo à consciência cívica. Países civilizados sabiam que não bastava pedir empatia a uma população instruída. Fecharam. A única forma de salvar milhares de vidas era o lockdown temporário, com auxílio emergencial aos mais pobres para ficar em casa. Toque de recolher, agora, é uma medida cosmética, porque o vírus circula muito mais durante o dia. O BRT lotado é um viveiro de Covid.
No desespero, enfermos são transferidos para outras cidades em busca de ar. Jovens caem doentes. As novas variantes do vírus são mais contagiosas e mais letais. Os anticorpos de alguém que já teve Covid são nove vezes menos eficientes para combater a nova variante amazônica. Governadores choram diante dos frigoríficos da morte. Não adianta ter mais leitos apenas. Não tem mais médico nem enfermeiro.
Em julho, Nicolelis previu 200 mil mortos até o fim do ano, se não fizéssemos testagem e isolamento social. Alarmista? Atingimos essa marca na primeira semana de 2021. Nicolelis deixa muito claras as opções para o Brasil. Lockdown. Lockdown. Lockdown. E, claro, vacinação em massa. No ritmo atual, ditado pela incompetência política, diplomática e logística do governo, só em dois anos e meio todos os adultos estariam imunizados.
Em fevereiro, capitais como o Rio pararam de vacinar. Por falta de imunizante. Foram sete meses de conversa de Pazuello com a Pfizer. Agora, o ministro se confunde com datas e até de estado. A história das negociações de vacinas no governo Bolsonaro será enquadrada um dia como crime de guerra. Fomos vítimas de barganhas de preço, atritos diplomáticos e burocracias.
Nicolelis disse à edição brasileira do El País: “John Barry, o maior historiador norte-americano de pandemias, escreveu que, mesmo com a ciência moderna, o que decide o destino de uma sociedade na pandemia é a decisão política, a opção política dos líderes de defender a população. Por isso você é eleito, para liderar mesmo nos momentos em que a coisa correta a ser feita é impopular”.
Temos um simulacro de presidente que despreza máscaras e vacinas. Derrama palavrões, cloroquina e armas. Um líder covarde que culpa governadores, prefeitos e a mídia. “Criaram pânico, né? O problema está aí, lamentamos”. Diante dos atuais 260 mil mortos, mais uma ofensa hoje às famílias que perderam : “Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?” Até que o senhor seja deposto.
O Congresso, cúmplice, festejava sem máscara há dias e agora encena um minuto de silêncio. O Supremo age por espasmos. E por isso a população jamais entendeu a gravidade da pandemia. Só os cientistas alertam, mas são persona non grata no governo. O alerta da Fiocruz esta semana é dramático. Não há mais tempo.
Mas o Brasil tem estrutura para imunizar 1 milhão de pessoas por dia. Usando drive-thrus, escolas, ginásios, postos. Apelando para as Forças Armadas. Vejo jovens militares de farda camuflada vacinando civis nos Estados Unidos. Entendem de guerra. Essa é uma guerra biológica. Não sejam, aqui, soldados de Bolsonaro nessa matança.
Engajem-se na vacinação. Se o mundo nos ajudar mandando vacinas, poderemos imunizar 2 milhões por dia. A palavra de 2021 é “colapso”. Colapso da vida e de uma nação. Se Bolsonaro temia um Brasil vermelho, agora o mapa está ficando roxo. Roxo de vergonha e luto.
Bernardo Mello Franco: Chega de mimimi
Nem a morte de 261 mil brasileiros é capaz de extrair alguma humanidade de Jair Bolsonaro. No pior momento da pandemia, o capitão voltou a ostentar desprezo pelo sofrimento alheio. “Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”, debochou ontem, em Goiás.
As duas frases sintetizam a visão do presidente sobre a tragédia. Nas palavras dele, os esforços para conter a doença não passam de “frescura”. Quem usa máscara tem “medinho do vírus”. Quem respeita as regras de distanciamento é “frouxo” e “covarde”.
Obcecado por afirmar sua masculinidade, o capitão diz que é preciso enfrentar o vírus “como homem, não como moleque”. “Tem que deixar de ser um país de maricas!”, esbravejou, em outro comício contra o isolamento social.
Com o termo “mimimi”, o presidente tenta desmerecer as críticas a seu comportamento irresponsável. A gíria foi adotada pela militância bolsonarista para ironizar minorias e grupos oprimidos. Quem protesta contra o racismo é “vitimista”. Quem contesta a homofobia é “mimizento”.
Por essa lógica, também é “mimimi” reclamar de um governo que ignora a ciência, deixa pacientes sem oxigênio e sabota a negociação de vacinas. Ontem o capitão chamou de “idiota” quem reivindica a compra de imunizantes para todos. “Só se for na casa da tua mãe!”, acrescentou.
A pergunta “Vão ficar chorando até quando?” expõe Bolsonaro em estado puro: um político que despreza a vida e celebra a morte.
Em 28 anos no Congresso, ele se notabilizou por exaltar torturadores e dizer que a ditadura “matou pouco”. Quando a Justiça ordenou buscas por ossadas de desaparecidos no Araguaia, enfeitou o gabinete com um adesivo que dizia “Quem procura osso é cachorro”. Agora, ele achincalha os parentes das vítimas da Covid-19.
Bolsonaro não vai mudar. Enquanto permanecer no cargo, continuará a atentar contra a saúde pública e a desrespeitar as famílias enlutadas.
Hoje completa um mês o pedido de impeachment apresentado por médicos como Gonzalo Vecina e José Gomes Temporão. O documento lista dezenas de crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente na pandemia. Pressionar a Câmara a aceitá-lo é uma forma de transformar a indignação em ação.
O Estado de S. Paulo: Definição de grade de programação da Globo pode acelerar decisão de Huck sobre 2022
Apresentador se equilibra entre o calendário de longo prazo estabelecido pelo TSE e uma possível definição na esfera profissional, em meados deste ano
Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo
Em seu cálculo para uma possível candidatura à Presidência da República em 2022, o apresentador e empresário Luciano Huck se equilibra entre o calendário de longo prazo estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e outro mais curto envolvendo uma decisão na esfera profissional. O apresentador da TV Globo tem dividido sua agenda entre a produção do Caldeirão do Huck, principal atração dos sábados da emissora, 'lives' na internet para debater o cenário nacional, encontros com líderes políticos e empresariais e artigos para a imprensa.
Diante desta atuação em múltiplas frentes, dirigentes partidários e operadores do mercado publicitário aguardam sinais mais claros sobre as intenções do apresentador. Este sinal pode vir até junho deste ano, quando a TV Globo deve definir sua futura grade de programação. O prazo é o mesmo projetado por políticos que mantêm interlocução com Huck para que o apresentador comece a marcar posição no tabuleiro eleitoral.
Com o anúncio do fim do Domingão do Faustão – em dezembro deste ano, quando vencer o contrato do apresentador Fausto Silva -, a indefinição sobre o futuro dos domingos na grade Globo é hoje o principal foco de debate entre os profissionais de mídia das agências, que são os responsáveis por definir a distribuição das verbas dos anunciantes. Huck é considerado um sucessor natural de Fausto Silva nas tardes de domingo. Publicitários ouvidos em caráter reservado pelo Estadão dizem que as pretensões´políticas de Huck estão causando um "rebuliço no mercado" porque a Globo tem poucas "pautas inéditas" para apresentar na grade de 2022 devido à pandemia.
O principal patrocinador do programa Caldeirão do Huck é a rede Magazine Luiza, da empresária Luiza Trajano, que também vem sendo assediada por partidos para entrar na disputa presidencial em 2022. O patrocínio, porém, vale até junho deste ano. Se renovar o contrato, ele valerá até junho de 2022. Isso significa que, caso se filie a um partido em abril, no prazo estabelecido pelo TSE, Huck entraria na política no meio da vigência de um dos principais contratos da Globo e teria que deixar o comando do programa.
Procurada, a assessoria de imprensa da Globo não se manifestou. Segundo fontes do mercado publicitário, as tabelas de preços de patrocínios e comerciais costumam mudar a partir de abril e os anunciantes encaram 2022 como uma grande incógnita.
Precoce
Na cena política, a leitura é que o processo eleitoral de 2022 foi antecipado pelo presidente Jair Bolsonaro, pelo PT, que colocou o "bloco na rua" com Fernando Haddad, por João Doria (PSDB) e Ciro Gomes (PDT) – que se movimenta para construir uma frente de centro esquerda alternativa ao PT com Rede, PSB e PV. "Está havendo uma aceleração do processo eleitoral. Ele (Huck) deve se decidir até o meio do ano e a grade da Globo é a antessala dessa decisão", disse o ex-deputado Roberto Freire, presidente do Cidadania, um dos partidos que cortejam o apresentador.
O presidente do PSB, Carlos Siqueira, evita falar em nomes, mas afirma que o partido também busca um "outsider" para disputar o Palácio do Planalto ano que vem. "Estamos com o radar ligado na busca por um nome que unifique as forças sociais", afirmou. Sobre o processo de escolha do nome, o dirigente afirmou que o "ideal" é que ocorra até meados de 2021.
No cálculo para uma eventual candidatura ao Palácio do Planalto são levadas em conta por aliados de Huck fusões de legendas e um arranjo que sustente a proposta de um centro liberal e democrático, capaz de se contrapor à polarização entre bolsonaristas e petistas. Desde o ano passado, ao menos quatro partidos já sondaram o global.
Com o DEM fragmentado e mais governista, uma opção que passou a ser avaliada com atenção extra por aliados do apresentador é o PSB. As conversas ocorrem desde o ano passado e têm sido estimuladas pelo prefeito do Recife, João Campos (PSB), e por sua namorada, a deputada federal Tabata Amaral (SP), que está rompida com seu partido, o PDT. Tabata tem relação próxima com Huck e foi a ponte entre ele e Campos. Os dois jovens políticos integram o RenovaBR, grupo de renovação e formação política que tem o apoio do apresentador.
Huck tem subido vem subindo o tom contra o governo Boslonaro em suas falas. Na segunda-feira, 1, ele disse que é preciso tirar "um entulho do meio da sala", ao se referir à atuação do governo federal diante da pandemia do novo coronavírus. Na fala, o potencial candidato à Presidência em 2022 não citou o nome do atual ocupante do Planalto.
Em outro evento promovido na quinta-feira, 04, pelo RenovaBr, Huck criticou "o não diálogo" no Brasil ao formular uma pergunta ao governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que é apontado como potencial candidato do PSDB ao Palácio do Planalto. "A sensação que eu tenho, Eduardo, é que falta o adulto na sala, sabe? E você a meu ver tem sido uma voz ouvida no cenário nacional hoje em dia, uma voz ponderada, uma voz defendendo a sensatez no trato da gestão pública. E acho que esse é o melhor caminho."
Procurada, a assessoria do apresentador não respondeu.
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