eleições 2022
Bernardo Mello Franco: Genocídio com outro nome - CPI recua, mas enumera provas contra Bolsonaro
Índios não foram convidados nem para a sessão que ouviu parentes de vítimas da pandemia
Bernardo Mello Franco / O Globo
Em quase seis meses de trabalho, a CPI da Covid ouviu 68 pessoas em depoimentos transmitidos ao vivo na TV. Os senadores questionaram políticos, militares, empresários e lobistas. Mas não deram voz a um único representante dos povos indígenas.
Os índios não foram convidados nem para a sessão que ouviu parentes de vítimas da pandemia. Isso ajuda a explicar o tratoraço que removeu a acusação de genocídio do relatório final da CPI.
O texto do senador Renan Calheiros sugeria o indiciamento de Jair Bolsonaro pela prática do crime, tipificado na lei brasileira e no Estatuto de Roma. Também seriam enquadrados o presidente da Funai, Marcelo Xavier, e o secretário especial de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva.
As propostas de indiciamento não significavam que os três seriam condenados. Mas retirá-los do relatório significa absolvê-los antes da abertura de uma investigação formal.
A CPI enumerou diversas ações e omissões do governo que transformaram os povos indígenas em alvo fácil para o coronavírus. Bolsonaro chegou a vetar 16 pontos de uma lei que o obrigava a proteger as aldeias. Negou-se a fornecer água potável, comida e material de higiene. O capitão ainda iludiu os índios com a distribuição de remédios ineficazes. E resistiu a incluí-los no grupo prioritário da vacinação, o que só ocorreu por ordem judicial.
Em parecer enviado ao Senado, a Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB apontou “graves indícios da prática do crime de genocídio”. O texto original de Renan concordava com a tese. “O que distingue a morte de centenas de indígenas da morte de centenas de milhares de concidadãos é, fundamentalmente, a intenção de submeter esse grupo específico da população ao risco de contágio. Atitudes deliberadas do governo ajudaram a produzir esse efeito”, escreveu o relator.
Na reta final da CPI, os senadores Omar Aziz e Eduardo Braga articularam a retirada da acusação de genocídio. Eles se elegem pelo Amazonas, onde vigora a máxima de que índio não dá voto. Militares, ruralistas e pastores evangélicos costumam endossar o discurso anti-indigenista do Planalto.
Para evitar uma derrota, Renan cedeu à pressão horas antes de ler do relatório. O presidente da Funai, delegado da PF, e o secretário de Saúde Indígena, coronel do Exército, livraram-se de qualquer tipo de indiciamento. No caso de Bolsonaro, o crime de genocídio foi trocado por crime contra a humanidade.
Apesar do recuo, o documento preservou 77 páginas que podem complicar o capitão num eventual julgamento no Tribunal Penal Internacional. O texto mostra que ele já perseguia e discriminava os índios antes da pandemia. Depois passou a sabotar as medidas que poderiam protegê-los.
“O estímulo à presença de intrusos nas terras indígenas e a negligência deliberada do governo federal em proteger e assistir os povos originários foram aliados do vírus, produzindo efeitos combinados”, afirma o relatório. “Com relação aos indígenas, o governo tratou o vírus não como um risco, mas como uma oportunidade”, conclui.
As marcas do genocídio ainda estão lá, mesmo que seja com outro nome.
Merval Pereira: Não aprenderam, nem esqueceram
Outro ponto a se destacar no livro de Edmar Bacha é a negociação parlamentar para se chegar ao Plano Real
Merval Pereira / O Globo
Diante da crise que a cada dia se aprofunda no país, favorecida pela irresponsabilidade fiscal do presidente Bolsonaro e pela submissão das convicções do ministro da Economia Paulo Guedes às ambições políticas, tem importância didática relembrar as disputas da equipe que implantou o Plano Real com as forças políticas e econômicas que sustentavam a hiperinflação brasileira àquela altura.
É o que faz o economista Edmar Bacha, membro da Academia Brasileira de Letras, em seu recém lançado livro “No País dos Contrastes”, do selo História Real. Como dizia outro economista de renome, Roberto Campos, “o Brasil nunca perde a oportunidade de perder uma boa oportunidade”, frase citada por Bacha ao relembrar o Programa de Estabilização enviado ao Congresso no final de 1993 quando Fernando Henrique era ministro da Fazenda, que propunha uma série de reformas na revisão constitucional que estava prevista para cinco anos depois da promulgação da Constituição de 1988.
Constavam lá temas que ainda hoje estão inconclusos, como o “federalismo fiscal”, o “realismo orçamentário”, a “reforma tributária”, a “reforma administrativa”, eliminação dos monopólios estatais e reservas de mercado, reforma previdenciária. Houve avanços, como o fim do monopólio da Petrobras ou o início da reforma da Previdência, ainda hoje inconclusa. Mas perdemos quase 30 anos sem dar solução definitiva a questões que já eram conhecidas, e ainda hoje esbarram em interesses corporativos ou fisiológicos.
Outro ponto a se destacar no livro de Edmar Bacha é a negociação parlamentar para se chegar ao Plano Real. Apelidado de “senador”, pelo tempo que dedicava a conversas com parlamentares no próprio Congresso, Bacha revela detalhes de enfrentamentos delicados resolvidos com recuos e avanços, sem que tenham sido necessárias trocas de favores não republicanos, como assistimos já há algum tempo, com o Centrão envolvido em mensalões, petrolões e outros escândalos.
Ele relembra algumas frases que ouviu durante essas negociações que revelam muito bem o pensamento médio do parlamentar brasileiro. Desde “você é PHD e coisa e tal, mas não ache que pode nos enganar. Aqui, o mais bobo foi eleito” a “na barganha política, o relógio zera todo dia. Nada dê hoje para obter algo em troca somente no dia seguinte”.
Outro membro da equipe do Plano Real, o economista Winston Fritsch, que foi Secretário de Política Econômica, escreveu um belo artigo recentemente no Globo (“A única via”) em que analisa as causas da perda de governabilidade do presidencialismo de coalizão, e o que chama de “irrelevância da fulanização da discussão da sucessão”.
Para ele, a solução passa por um pacto de governabilidade entre, citando o ex-ministro da Fazenda Rubem Ricupero, "o centro socialmente progressista e a esquerda democraticamente renovada". Winston Fritsch admite, porém, que esse pacto é de difícil consumação “pois o que diluiu os partidos tradicionais no mundo pós-moderno foi exatamente a perda da representatividade política dos agentes tradicionais que definiam o espectro político real entre centro-direita democrática e esquerda, e a consequente volta da direita, num mundo ainda crescentemente desigual mesmo nos países ricos”.
O pacto que exemplifica a vitória da política é o de Moncloa, na volta da Espanha à democracia depois da ditadura de Franco, mas Fritsch ressalta que ele se baseava num “mundo de sindicatos e patrões dos anos 70”. Um Pacto de Moncloa 2.0 teria que ser inventado, mas ele acha que fazer uma versão “à brasileira” é mais fácil, pois “a agenda da governabilidade aqui é infinitamente mais simples do que o original. Moncloa tinha 700 páginas. O nosso caberia em uma”. Winston Fritsch acha que a emergência climática e outras ameaças de externalidades globais reais e urgentes, como pandemias, “impossíveis de serem tratadas sem cooperação multilateral, acabarão com o surto de nacionalismo que é a força de que se alimenta a direita pós-moderna, uma forma de tribalismo político revivido com a ajuda das novas redes de comunicação”.
Infelizmente, como os Bourbons, nossos políticos “não aprenderam nada, nem esqueceram nada”.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/nao-aprenderam-nem-esqueceram.html
Presidenciáveis: Debate, revigoramento da democracia e o futuro do país
Discussão de temas fundamentais poderia ajudar a revigorar a democracia brasileira
José Eduardo Faria / Blog Horizontes Democráticos
Não fosse o candidato que disputará a reeleição, em 2022, conhecido por sua ignorância, pela compulsão à mentira, pelo desprezo ao diálogo construtivo e pela obsessão em desqualificar adversários, os debates entre os candidatos à presidência da República poderiam recolocar na ordem do dia alguns temas esquecidos, como, por exemplo, os relativos à capacidade organizadora, indutora e administrativa do Estado. Como esses temas são fundamentais para o futuro do País, sua discussão poderia ajudar a revigorar a democracia após a deterioração e a polarização do debate público que marcaram a vida política após o pleito de 2018.
Um dos temas mais importantes é a ideia de planejamento, o que exige a definição de objetivos, a fixação de metas, a formulação de indicadores, o estabelecimento de estratégias de longo prazo e a coordenação das ações necessárias. A ideia de planejamento é fundamental, dados os efeitos sociais dramáticos decorrentes da política de austeridade fiscal sem critérios sociais adotada por este e pelo governo que o antecedeu. Trata-se de uma política que, por estar focada somente na solvência do poder público, promoveu cortes orçamentários sem escalas de prioridade e sem consideração de suas repercussões sociais.
Ao ampliar o alcance da política de privatizações, convertendo em negócio privado o que até então eram determinados serviços públicos, essa política hiper-responsabilizou cada cidadão pelo seu destino, independentemente de sua condição social. A premissa era de que cada cidadão dependeria de suas capacidades, de seu empenho e de seus méritos, o que, no fundo, acaba culpando os mais desvalidos por sua situação. E como isso ocorreu num contexto de reformas trabalhistas, de enxugamento de direitos sociais e de baixas taxas de crescimento econômico, o resultado foi darwinista. Ou seja, preservou o poder dos que já tinham autonomia econômica, financeira e patrimonial e excluiu os que já estavam marginalizados.
Para reverter esse cenário de agravamento das desigualdades, uma vez que essa híper-responsabilização reduz dramaticamente a capacidade dos cidadãos de controlarem os fatores que determinam sua situação pessoal e social, o planejamento é fundamental. Contudo, para que uma política de planejamento seja posta em pratica, é preciso que os candidatos apresentem seu projeto de poder para o País e que tenham consciência de que parte de seus esforços, em matéria de planificação, somente oferecerá resultados no governo do sucessor daquele que for eleito em 2022.
Outro tema não menos importante diz respeito ao modo como os candidatos encaram as funções do poder público, a regulação das atividades socioeconômicas e a atuação dos agentes econômicos privados. Esse tema implica a distinção entre função pública, por um lado, e negócio, por outro. Como dizia Rolf Kuntz, que considero até hoje meu professor de filosofia política, embora seja possível analisar uma função pública em termos de eficiência e de rentabilidade financeira, esses critérios não podem ser determinantes para sua manutenção. No plano político, a ideia de função pública envolve a noção de responsabilidade. E, se as atividades na prestação de um serviço público podem ser transferíveis, a responsabilidade não pode. Por isso, concluía ele, a questão politicamente importante é determinar o que é ou não é a responsabilidade estatal.
Nas duas ou três últimas gestões presidenciais, falou-se muito a respeito disso. No entanto, os dirigentes governamentais se comportaram de modo bastante contraditório. Os mais recentes pareceram desconhecer até mesmo que, em determinadas áreas da máquina administrativa, somente o poder público tem autoridade efetiva para decidir e regular. Igualmente, pareceram ignorar que um dos aspectos básicos da implementação e execução de políticas públicas diz respeito, justamente, aos meios e instrumentos públicos.
Por causa desse desconhecimento e da incapacidade de compreender a diferença entre público e privado, esses dirigentes se imiscuíram de modo abrupto no livre jogo de mercado, tentando controlar preços e interferindo desastrosamente na administração das políticas de tarifas e preços. Com isso, passaram por cima de atos jurídicos perfeitos, desprezando assim o fato de que garantias contratuais são inerentes ao Estado democrático de Direito. Ao agir desse modo, enfraqueceram a segurança jurídica, que é fundamental para que o País possa atrair os investimentos de que necessita para retomar o crescimento.
Esses governantes também se revelaram incapazes de diferenciar funções que são intrínsecas do poder público – e, portanto, não intransferíveis, das funções governamentais que podem ser executadas por meio de convênios com a iniciativa privada. Neste caso, especificamente, o problema foi que não souberam conjugar a lógica do lucro privado (já que os empresários concessionários de determinados serviços públicos encaram a concessão como negócio), com os objetivos de prestação de serviços públicos, que são de interesse de toda a sociedade. Não compreenderam que o público é mais do que a interação das ações privadas, o que leva à distinção entre Estado e mercado. Esqueceram-se de que o próprio livre jogo de mercado necessita de uma ordem legal que ultrapasse a perspectiva particular.
Associado aos demais, um terceiro tema envolve a questão do tempo, que é de longo prazo em matéria de planejamento, e de curtíssimo prazo, com relação ao funcionamento dos mercados financeiros. À medida que as novas tecnologias de comunicação propiciaram as decisões em tempo real, tomadas on-line, e os investimentos no setor industrial passaram a depender cada vez mais de emissão de ações, de bancos de investimento e de fundos de pensão, os mercados financeiros ganharam enorme poder de pressão sobre os governos e os bancos centrais dos Estados.
A história recente revela que os capitais financeiros se tornaram hegemônicos no campo da economia, a ponto de influenciar e – até de capturar – o braço monetário dos Estados. Baseando-se nas premissas do máximo de lucro no menor período de tempo possível, e com o máximo de segurança e o menor risco igualmente possível, os mercados financeiros levaram os Estados a perder progressivamente o horizonte de longo prazo. Dito de outro modo, com o avanço da globalização econômica, que restringe a autonomia nacional para definir seus próprios impostos e seus mecanismos regulatórios, dada a liberdade que os capitais têm para cruzar fronteiras, os mercados impuseram essas premissas como critérios aferidores de rentabilidade e atratividade dos investimentos.
Por operar basicamente no horizonte de curto prazo, perseguindo ganhos correntes crescentes e se protegendo somente de riscos imediatos, os mercados financeiros levaram as decisões alocativas dos Estados a ficarem distantes da sociedade, não sendo mais resultantes – ainda que indiretamente – de escolhas coletivas por meios democráticos. Desse modo, à medida que as escolhas coletivas foram sendo substituídas por escolhas seletivas dos mercados financeiros, a capacidade de planejamento dos Estados foi ficando progressivamente comprometida.
Este é um dos dilemas que os presidenciáveis têm de enfrentar e que tem de ser discutido nos debates eleitorais. Como disse acima, para um país tão desigual e excludente como o Brasil, o planejamento é fundamental para a reorganização da economia, propiciando a remoção dos gargalos estruturais que impedem uma distribuição de renda mais equitativa e acesso a serviços públicos, principalmente nas áreas de educação e saúde – condições necessárias, ainda que não suficientes, para propiciar inclusão socioeconômica.
Um último tema, entre outros não menos importante, diz respeito à formulação de uma política externa em um mundo de incertezas globais – algo que foi desprezado por um governo que chegou até a afirmar, por meio de seu chanceler, que não haveria problema algum caso o país se tornasse um “pária” nas relações internacionais. Política externa envolve uma discussão sobre a afirmação ou renúncia às interconexões globais após a pandemia, especialmente por causa da interdependência do comércio e da produção de fármacos, nos quais os países avançados se especializavam em produtos sofisticados de alta tecnologia, vendendo-os para mercados mais remuneradores, como os países desenvolvidos e em desenvolvimento, enquanto países tecnologicamente menos avançados e com baixo custo de produção forneciam peças, equipamentos e remédios mais simples.
A excessiva dependência de bens intermediários e a concentração de sua produção na China foram uma armadilha para as cadeias globais de valor, que são redes complexas que propiciam vantagens de custos baixos, alta escala e flexibilidade espacial. Esses processos de produção fragmentados e espacialmente espalhados em vários continentes, com diferentes estágios localizados em distintos países mostraram sua vulnerabilidade quando a Covid atingiu a China e o governo destinou sua produção para atender à demanda interna, restringindo suas exportações, apoiando fornecedores internos e deixando de cumprir suas obrigações contratuais com os demais países. Em resposta, as chancelarias dos países que ficaram sem receber o que haviam contratado passaram a ver na produção local de vacinas uma forma de defesa de seus respectivos interesses nacionais.
Ao lado de questões fundamentais, como desenvolvimento sustentável financiado pela emissão dos chamados “títulos verdes e sociais”, ação climática, segurança alimentar, comércio internacional e tecnologias fundamentais, a política externa agora também envolverá a discussão sobre o multilateralismo num mundo pós-Covid, num contexto de crescente rivalidade entre China e Estados Unidos. Envolve, igualmente, discussões sobre como neutralizar riscos geopolíticos daí advindos, que podem abrir caminho para tensões internacionais.
Esses são alguns temas fundamentais que presidenciáveis têm de debater, para que o País possa revigorar sua democracia e os cidadãos tenham plena condição de escolher em quem votar. Contudo, pelo perfil do candidato que disputará a reeleição, com seu círculo de assessores primatas, civis e militares, esse debate poderá não ocorrer. E, caso essa previsão não se confirme, esse debate, infelizmente, correrá o risco de acabar em picadeiro de circo por quem, no exercício do poder, vem confundindo a presidência da República com o banco da Praça da Alegria.
(Publicado simultaneamente em Estado da Arte, em 24 de outubro de 2021; https://estadodaarte.estadao.com.br/jose-eduardo-faria-debates-democracia/)
Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/o-debate-entre-presidenciaveis-o-revigoramento-da-democracia-e-o-futuro-do-pais/
Eleições 2022: Terceira via se torna bandeira majoritária de generais
Oficiais veem risco de País repetir erros que levaram à estagnação política na Argentina e defendem alternativa à disputa Lula-Bolsonaro
Marcelo Godoy / O Estado de S.Paulo
Romper a polarização e impedir que o Brasil siga o exemplo da Argentina é a preocupação que generais do Exército expõem, atualmente, aos seus interlocutores. Após o voto majoritário para Jair Bolsonaro, em 2018, os generais defendem a necessidade de consolidar uma candidatura da terceira via, pois acreditam que a vitória de um dos candidatos que encarnam a polarização – Luiz Inácio Lula da Silva ou Bolsonaro – estenderia por mais um ou dois mandatos um cenário de conflitos, com a piora do ambiente político.
Acrescentar ao antipetismo o abandono da aposta em Bolsonaro é um cenário que ganha cada vez mais adeptos na caserna. Essa é a análise da maioria dos generais da ativa e da reserva consultados nas duas últimas semanas pelo Estadão.
O exemplo argentino, onde, na avaliação militar, governos de esquerda e de direita se sucedem, destruindo o que antecessores fizeram, é citado para descrever o que pode acontecer no Brasil, com paralisia econômica e decadência social. Os generais veem o País como uma nação de moderados, apesar da visibilidade dos “extremos”.
A maioria dos generais ouvidos participou dos governos de Michel Temer e de Bolsonaro. Dois aceitaram fazer declarações públicas: os generais Carlos Alberto Santos Cruz e Francisco Mamede de Brito Filho. O primeiro ocupou a Secretaria de Governo em 2019, no mesmo período em que Brito Filho trabalhou na Educação. “Romper a polarização atual é importante para que o País possa reconquistar um nível mínimo de consenso político e de diálogo social, que são essenciais ao desenvolvimento nacional e ao bom funcionamento de qualquer democracia”, disse Brito. Para ele, é preciso conter o “sentimento de ódio que vem desumanizando a sociedade”.
Santos Cruz é parte da esperança militar na terceira via. Ele afirma ser preciso “afastar as duas opções que já tiveram sua oportunidade”. “E deu no que deu.” Para ele, uma foi marcada por escândalos, corrupção, demagogia e pela “destruição da democracia com o mensalão”. A outra se caracterizaria pelo “despreparo, desrespeito pessoal, funcional e institucional, ignorância, boçalidade, irresponsabilidade, desinformação, manipulação da opinião pública, falta de liderança e por destruir a democracia com um ‘mensalão de última geração’, o tal orçamento secreto”.
Cruz repete os colegas ao dizer ser necessário um “outro governante que restaure o respeito, a honestidade, o combate à corrupção e a união nacional”. “É preciso interromper o acesso ao poder de um bando viciado em dinheiro público.”
Os militares escutam críticas à ação de colegas no governo, como dos generais Eduardo Pazuello, que ocupou a Saúde, e Rocha Paiva, na Comissão de Anistia. O Exército quer se dissociar do governo e do desastre da gestão da pandemia. Não esquece episódios, como a participação de Pazuello em um comício e a demissão do comandante Edson Pujol. Seu substituto, o general Paulo Sérgio de Oliveira, evita entrevistas para não criar atritos.
Mesmo assim, muitos ainda apoiam Bolsonaro. “É preciso admitir que o apelo de cunho demagógico a ideias conservadoras por parte do atual governo, aliado à política de distribuição de benesses e cargos a uma numerosa parcela de militares (mais de 6 mil) e parentes de militares, tem conseguido cooptar um segmento significativo de seguidores no âmbito da família militar”, disse Brito.
Ele resume o pensamento dos colegas para 2022. “Cabe a todos os comandantes, em todos os níveis, e não apenas os das Forças Armadas, mas os de todas as forças de segurança do País, garantir a condução do processo eleitoral pelas instituições democráticas e a subsequente posse do candidato eleito democraticamente.”
Dissociar-se de Bolsonaro surge como necessidade para quem apoiou o governo e pensou que seria possível controlar o presidente. Embora ainda haja quem diga que, se é ruim com ele, pior seria sem, diante da perspectiva de uma reeleição difícil, cada vez mais militares lembram que Bolsonaro é apenas um capitão.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,terceira-via-se-torna-bandeira-majoritaria-de-generais,70003878216
A direita, o centro e a esquerda no “dia do fico” de Paulo Guedes
A sexta-feira, 22 de outubro, promete ficar conhecida, na crônica política, como o “dia do fico” do ministro Paulo Guedes
Paulo Fábio Dantas Neto / Blog Democracia e Novo Reformismo
A primeira das interpretações possíveis - aquela que mais diretamente aciona a intuição e os sentidos de quem assistiu à bizarra entrevista coletiva de ontem à tarde – é a de um canastrão ébrio, delirante, inconsciente do seu script. O ex-posto de conveniência de um chefe mais aventureiro do que ele, que de há muito não se abastece com ele e sequer passa por perto dele, posa, tal qual um apóstolo de religião extinta ou um poeta de língua morta, de guardião de um teto de gastos imaginário enquanto se desnuda ensopado pelo aguaceiro político e fiscal que lhe tirou o prumo, a equipe e o que lhe restava de dignidade. Patético agonizar de um paciente terminal, ao qual não faltou uma cena que lembra outra. Em maio de 2020, o então ministro da Saúde, Nelson Teich, também em coletiva, ouviu perplexo, da boca de um repórter, a notícia de uma declaração de Bolsonaro que desmoralizava o que ele, ministro, acabara de afirmar. Foi constrangedor comparar sua cara de traído, derradeiro sabedor da situação em que se metera, com o riso zombeteiro do general Pazuello, seu futuro sucessor, divertindo-se com a saia justa do condenado. Pois foi do mesmo sarcasmo o sorriso de Bolsonaro quando Guedes errou, ontem, o nome do novo auxiliar que anunciava na cena do “fico”. Sem noção do próprio papel e do lugar subordinado que ocupa, o ministro jactava frases baluartistas sobre um país inexistente e supunha um “acordo” seu com o presidente, a quem não obedece, mas com quem negocia.
Passado o impacto da impressão que acionou a intuição da agonia pública e indigna de Paulo Guedes, apareceu lugar para um raciocínio mais ajustado à imagem do dia do fico. Dela decorre uma segunda linha de interpretação do episódio e do processo em que ele se insere, a qual, pelo que se pode notar, faz, até aqui, mais fortuna na cobertura da imprensa. Para o bem de poucos e felicidade particular dos que não tem noção do povo e da nação - vítimas reais da pobreza e doença adensadas pela perversidade de um desgoverno - o presidente fez um afago no ministro que é o seu elo com o mundo da economia. Pressionado pelo desastre das bolsas e do câmbio, de um lado e pelo apetite patrimonialista de sua base congressual, de outro, Bolsonaro pisou no freio com os políticos para prestigiar seu ministro, o qual, em retribuição, reviu a suposta inclinação a pedir demissão. Supõe-se que o mercado raciocina que ruim com Guedes, pior sem ele. Nada que signifique perigo do centrão perder a condição objetiva de aliado preferencial do Presidente, na hora do “vamos ver”. É adiamento de um desfecho, o que por si só mostra a simultânea fragilidade da situação política do governo e do próprio Bolsonaro, premidos por um caos econômico, uma crise social e uma alta rejeição popular. Que dizer do futuro de um governo para o qual o ébrio da banca ainda é uma âncora?
O contraste entre as duas interpretações é pouco relevante, se comparado à situação de desgaste que nenhuma delas consegue ocultar. As reações de Bolsonaro e Guedes à adversidade que os põe na defensiva são, igualmente, de terceirizar responsabilidades. Bolsonaro sempre apontou o dedo para o isolamento social provocado pelos governadores e pelo Judiciário; Guedes lembra que inflação é assunto do BC, que precisa “correr atrás”. Anestesiado por angústias de curto prazo, Guedes forja um discurso por um “ajuste fiscal mais brando, com abraço social mais longo”. Ao BC cabe aumentar juros para conter a inflação que afeta o povo. Inflexão ao social útil à satisfação da banca. A situação permite uma terceira interpretação, segundo a qual Paulo Guedes e políticos do centrão lutam por restos, em meio a escombros, sendo Bolsonaro menos árbitro e mais refém dessa disputa.
A esse respeito, a coluna de Andrea Jubé (“Não tem bala de prata para a economia - Valor Econômico, 22.10.21) traz abordagem original do atual contexto pré-eleitoral cuja fonte é o economista e consultor político Mauricio Moura, fundador do Instituto Ideia Big Data. A controvérsia que ele abre com as previsões predominantes em análises de cenários para 2022 instiga a reflexão. Para Moura, o grau de dificuldades de Bolsonaro para obter a reeleição justifica que ele, apesar de ocupar, hoje, o segundo lugar nas pesquisas, seja considerado como “terceira via”, sendo Lula e um candidato, ainda oculto, da centro-direita, as vias mais prováveis de estarem presentes no segundo turno. Considera que o prazo de um ano é apertado para se recuperar uma economia que, no momento, produz problemas sociais (desemprego, inflação, pobreza, fome, fechamento de pequenos negócios) em níveis de gravidade comparáveis aos de 1988. A menção àquela conjuntura nos lembra de que na eleição de 89 o legado econômico-social do governo Sarney teve rejeição quase unânime, entre duas dezenas de candidatos presidenciais.
Ao lado disso - e em conexão lógica com isso – Moura salienta os índices de ruim e péssimo quase consolidados na marca de 55% e um dado, talvez o mais importante para o contexto, que aqui se discute, de disputa política em torno do auxílio social, encarado como uma espécie de tábua de salvação do governo. A má notícia para Bolsonaro seria que apenas dez por cento dos eleitores que consideram o governo regular (grupo no qual repousa, em tese, algum potencial de crescimento para ele) estão nas classes D e E. Se essa informação é precisa, fica uma certa impressão de que ela não justifica tanto barulho na atual queda de braço entre Guedes e o centrão. Fica no ar, como complemento dessa terceira interpretação, a sensação de que o conflito público foi aquecido para que dessa vez não haja dúvidas sobre o pai da criança do auxílio Brasil. Turbina-se uma crise “entre a política e a economia” (disjunção funcional ao apoliticismo reinante) para não haver divisão de louros entre Executivo e Legislativo, esse comparecendo – ao contrário do ocorrido com o auxílio emergencial de 2020 – apenas com o carimbo formal. Sendo tema de acirrada controvérsia, o auxílio adquire também valor simbólico de opinião pública, podendo afetar o comportamento eleitoral de bem mais gente do que seus beneficiários diretos. Não à toa sobraram farpas de Guedes ao Senado de Rodrigo Pacheco, cujo vagar na votação de alterações no IR teria obrigado o governo a conceber o mix alternativo que soma à PEC dos precatórios o auxílio Brasil a vulneráveis e, de quebra, a caminhoneiros. Pode-se negar tudo a Bolsonaro menos o reconhecimento do seu faro apurado para rivais.
Mas a realidade desafia as fabulações. Uma espécie de tempestade perfeita aguarda Bolsonaro na esquina, pois há a incompetência gerencial do governo e a propensão do presidente a se dirigir primordialmente ao seu grupo de eleitores mais fiel. Cético quanto à sustentabilidade de fases “moderadas” de Bolsonaro, o mesmo Maurício Moura o vê repetindo o erro que desgraçou Trump. Por outro lado, diz que se Bolsonaro conseguir se manter à frente de todas as candidaturas do centro e assim chegar ao segundo turno contra o PT (o que se pode dar também, caso o centro não se apresente razoavelmente unificado), ganharia competitividade no segundo turno, porque o antipetismo voltará a aflorar, fazendo Bolsonaro ser, outra vez, beneficiado pelo voto plebiscitário.
Ler essa última reflexão de Moura, trazida por Jubé, fez-me experimentar um temor que se achava aplacado, há meses, em relação ao risco de reeleição de Bolsonaro. Se hoje, ele pode ser “terceira via” porque tende a não chegar ao segundo turno, a condição para isso se confirmar é haver política inteligente na oposição de centro (para deslocá-lo do segundo turno) e na oposição de esquerda, para, em caso de fracasso do centro, adotar um discurso mais amplo para contemplá-lo e assim evitar a polarização extremada que pode devolver Bolsonaro ao páreo. Esse é um perigo que o país e a democracia não podem correr, por desagregação do centro, ou pela estreiteza da esquerda, ou pelas duas coisas.
Nesse sentido preocupam certos fios desencapados que se mostram em projetos de candidaturas excessivamente autárquicos e personalistas e, também, na gana de espetáculo que ameaça a credibilidade e a consequência dos resultados da CPI do Senado. Se um senso de centro político moderador não tirar de tempo esses fios, um festival de tiros no pé pode dar a Bolsonaro saídas que hoje não tem. Algumas das imprudências podem ter como alvo justamente inviabilizar a agregação de uma oposição de centro. Isso interessa objetivamente a Lula, que tem parceiros no centro e na direita para ajudá-lo a ominar o centro, por se imaginar imbatível num segundo turno contra Bolsonaro. Convém pensar em como agirá o eleitor conservador comum (majoritário no eleitorado) diante da perspectiva do PT retornar ao governo. Dependendo do tom da campanha lulista, mesmo decepcionado com o ‘mito”, esse eleitor pode olhar para o Bolsonaro de carne e osso que emergir, por exemplo, do auxílio Brasil e usar, na urna, o metro usado em 2018. Claro que o PT não pode se anular ou se imolar por causa disso. Mas na sua busca legítima de chegar ao segundo turno não precisa confundir tanto os inimigos.
Nenhum cuidado é demasiado quando se trata de bloquear o caminho ao reagrupamento do bloco reacionário que elegeu Bolsonaro em 2018. O ex-deputado Rodrigo Maia, por exemplo, atualmente secretário do governo de São Paulo, está certo ao dizer que o adversário do centro, a ser deslocado do segundo turno, deve ser Bolsonaro e não Lula. Nada a opor a essa tese geral. Mas o discurso se contradiz e por isso é pouco veraz ao bater continência ao governador paulista. Parece que o adversário real de Maia é a centro-direita, onde granjeou desafetos. Eixo que terá boa chance eleitoral se unificado, o que será mais difícil se Doria vencer as prévias do PSDB. Maia quer aliança preferencial com o PDT, subestimando, talvez, a relevância do campo do qual ele próprio provém. Como se Doria pudesse existir fora da direita, indo do centro à esquerda, o que não é real.
É um discurso que, além de agradável a Doria, pode ser útil, ou neutro, para se eleger deputado no Rio, mas pouco agregador para a eleição presidencial. É cada dia mais claro que, para ser competitiva e deslocar, de fato, Bolsonaro do segundo turno, uma aliança teria que ser do centro (PSDB, MDB, PV, Cidadania) com o PSD e o União Brasil. Seria bom o PDT estar nela também, mas todos sabem que esse partido só fará aliança se na cabeça estiver Ciro Gomes, candidato carente de prestígio entre partidos da direita, embora (ou até porque) corteje seus eleitores. Se houvesse a hipótese de o PDT puxar o tapete de Ciro para celebrar uma aliança sem a cabeça da chapa seria para apoiar Lula e não alguém do centro ou centro-direita, muito menos Doria.
Claro que tudo isso pode mudar em um ano, mas a possibilidade que hoje parece ainda haver de uma agregação ao centro que desminta a previsão de um segundo turno sangrento entre bolsonarismo e lulismo é outra: está em Eduardo Leite adotar postura menos evasiva, ser menos artificial e genérico no discurso, conseguir ganhar as prévias do PSDB e ser, quem sabe, um vice politicamente representativo numa chapa encabeçada por alguém do campo liberal- conservador, como Rodrigo Pacheco, por exemplo.
Não se trata aqui de gostar ou não dessa composição (particularmente vejo, entre os dois, pouca diversidade de atitude e estilo), mas de ver que é a opção que parece sobrar, a uma terceira via, para ter alguma cara de frente política. Ainda que com a ressalva de que sobre a estratégia de Gilberto Kassab em filiar Pacheco ao PSD e lançá-lo candidato paira a suspeita de que é jogo combinado com Lula para o segundo turno. Aliás, boataria mais afoita tenta tirar a bucha do balão antes que ele se acenda e suba, espalhando até a ideia de que Pacheco poderia ser vice numa chapa com o petista. A ordem natural das coisas é outra, pois Pacheco parece querer embicar sua nave no exato momento em que o “fico” de Paulo Guedes sinaliza o prolongamento de uma batalha intensa pelos recursos materiais envolvidos no fundo público que o governo gerencia (ou ao menos deveria). Dessa batalha chapa-branca fatalmente perdedores serão expelidos e o presidente do Senado tem perfil sereno, tolerante e acolhedor, propício a virar imã e não a ser imantado. A ver.
Como nada isso está combinado com os eleitores, Pacheco, se vier a ter em torno de si um arco de alianças amplo, poderia virar agente, em vez de novo solvente da terceira via. Embora tenha longa estrada a percorrer em busca de relevância eleitoral para o seu nome, ele tem cancha, poder de articulação e meios institucionais, caso performances de prima-donas, às vezes histriônicas, do trio que comanda a CPI da pandemia não prejudiquem a credibilidade do Senado como possível pista de decolagem de uma candidatura moderada.
Diante de óbices, até aqui não superados, para que Luiz Mandetta convença deputados do União Brasil (principalmente os egressos do ex- PSL) a admitirem lançar um candidato presidencial sério, aceitando assim repartir a farta cota do partido no fundo partidário, Pacheco, pelo PSD, parece ser opção mais à mão para o tal projeto de terceira via, ainda que carregada de incerteza sobre os passos subsequentes que poderão ser dados por ele, em diferentes direções. Isso deve ser ressalvado, não porque lhe falte discurso ou compromisso democráticos para eventualmente ser uma opção também voltada ao centro. Mas porque interlocuções que ele mantém, a partir da presidência do Senado, emprestam contorno mais enigmático ao desenho do arco político que pode reunir. Entre ser vice de Lula e candidato de uma direita governista dissidente, tudo, a princípio, é possível.
Nesse sentido, Mandetta seria caminho menos oblíquo e mais próximo ao perfil desejado por quem busca agregar um centro democrático com mais cara de oposição. Suas chances de vingar como opção agregadora dependem, no entanto, do processo adquirir andamento mais incisivo e ousado, no sentido de formulação de uma plataforma social democrática, porque, embora provenha da centro-direita, tem pendor a um discurso social, ainda inconcluso, mas perceptível nos movimentos de caráter unitário que ele tem feito até aqui.
Afora Pacheco ou Mandetta, opções aparentemente mais agregadoras, há um arquipélago de jogos solteiros, como os de Ciro Gomes, João Doria e Datena, para não falar do de Sergio Moro, esses dois últimos outsiders estranhos a qualquer centro. Em jogos mais personalistas é que mora, no caso do centro, o risco acenado na análise de Maurício Moura.
Por fim, vale prestar atenção ao que se passa (ou deixa de passar) no território da esquerda. Estranha a quietude que, por vezes, emana dessas paragens. Há certa acomodação à coadjuvância mesmo diante de temas que lhe são caros, como a pauta social. Parece que, resolvido o quem e, uma vez estando esse quem confortavelmente aclamado em pesquisas, transcorre hiato inercial antes que se defina “o que” e “o como” fazer as coisas e de comunicá-los ao país. O discurso de Lula é reiterativo, abaixo do seu potencial de mobilização política e de intervenção em cada cena. Peço licença à memória de Moraes Moreira para dizer que nesse tique, nesse taque, nesse toque, nesse (pouco) pique Lula leva de roldão o PT e, assim, candidato e partido ficam, perigosamente, reféns de uma fala de configuração plebiscitária, quase maniqueísta, quando ecos da trajetória do ator – especialmente os de 2002 - permitem esperar algo mais animado e complexo.
O tom meio nostálgico contamina e congela as falas dos partidos da oposição de esquerda, não só a do PT. Até Boulos recuou da ousadia positiva da sua campanha municipal e voltou a repetir jargões de esquerda negativa. O PSB, é verdade, captou e integrou alguns pontos fora dessa curva conservadora, como Freixo, Flávio Dino, Tábata Amaral e outros, que tensionam o arco de uma promessa renovadora. Mas o tom geral, mesmo entre quadros mais afeitos ao diálogo político e nele educados, é o que se vê na fala do deputado Molon, um desses quadros e atual líder da oposição na Câmara. Colocado diante do desafio concreto de dizer o que a oposição quer aprovar no caso do auxílio Brasil e suas conexões com a PEC dos precatórios, as mudanças no Imposto de Renda e por aí vai, perde-se na retórica. Sabe que “não vai por aí”, mas não consegue indicar por onde se deve ir. Num momento em que não se pode usar meias palavras para dizer que se deve votar, sim, o auxílio aos mais vulneráveis, isso é dito, ou de passagem, ou num repicar de cifras descomprometido com a exequibilidade. Falta admitir, com todas as letras, o limite fiscal, assumir medidas heterodoxas imediatas como exigências da emergência social, acenando com atitudes de contenção a médio e longo prazos. E resistir à tentação do udenismo de esquerda, que aponta emendas parlamentares e negociação política em geral como vilãs, sem dizer o que e como seria o uso “republicano” do inevitável furo no teto de gastos.
Esses e outros limites fazem a atitude da esquerda ser menos positiva na apresentação de proposições, atendo-se à torcida para que seu porta-voz chegue às urnas com a aprovação popular que atualmente tem. Dessa torcida faz parte torcer pelo fracasso prévio de uma terceira via, cujo papel, caso se construa, será tirar Bolsonaro do páreo, ainda no primeiro turno. Poderia ser objetivo nacional, se o diálogo entre forças democráticas fosse maior.
*Cientista político e professor da UFBa
Fonte: Blog Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/10/paulo-fabio-dantas-neto-direita-o.html
Na última década, 64% dos generais foram nomeados para cargos políticos
Segundo levantamento do GLOBO, maioria das nomeações ocorreu sobre a presidência de Bolsonaro
Bernardo Mello e Jan Niklas / O Globo
RIO — O Alto Comando do Exército, que configura o topo da hierarquia militar, também vem representando — especialmente no governo Bolsonaro — um estágio que antecede a obtenção de cargos políticos. Levantamento do GLOBO com os promovidos ao Alto Comando na última década mostra que, de 33 generais hoje na reserva, 21 — isto é, 64% ou aproximadamente dois em cada três — foram nomeados para funções de confiança, cuja remuneração se acumula à aposentadoria militar. A maioria das nomeações ocorreu sob a presidência de Jair Bolsonaro, e depois de esses generais esgotarem seu ciclo de promoções no Exército.
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Na prática, as nomeações configuram uma espécie de “porta giratória”, permitindo o retorno a cargos públicos para oficiais compulsoriamente retirados do serviço ativo, por esgotarem o prazo de permanência no Alto Comando. Dos 21 generais, 17 receberam seu primeiro cargo fora da estrutura militar depois de terem ido à reserva. Entre as exceções nomeadas quando ainda eram da ativa, dois são ministros de Bolsonaro: Walter Braga Netto (Defesa) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência). Metade dos egressos do Alto Comando em cargos de confiança foi nomeada a partir de 2019. Especialistas avaliam que houve uma “exacerbação” da presença no governo de militares do topo da hierarquia.
Politização
O Alto Comando é formado pelos 17 generais de quatro estrelas da ativa, que podem ficar até quatro anos nesse estágio hierárquico. Por ser o último degrau do Exército, é obrigatória a passagem à reserva após esse prazo. No levantamento, O GLOBO desconsiderou cargos inseridos na estrutura das Forças Armadas, como os de chefe do Estado-Maior e de ministro do Superior Tribunal Militar (STM), bem como em estatais, fundações e autarquias com finalidade militar, casos da Imbel e da Fundação Habitacional do Exército. Também não foram contabilizados cargos eletivos, como o do vice-presidente Hamilton Mourão.
— Em que pese a qualificação dos generais, a exacerbação de cargos ocupados por eles não é boa nem para a corporação, nem para a sociedade. Ela traz antagonismos políticos para uma instituição, o Exército, que deveria ser funcional — avalia Eurico Figueiredo, ex-diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), que desenvolveu pesquisas em cooperação com a Escola de Comando e Estado Maior do Exército (Eceme).
Entre os generais que passaram pelo Alto Comando, quatro já figuraram no primeiro escalão do governo federal, e quatro ocuparam a presidência ou cargos de direção em estatais. Um exemplo de ambos os casos é o general Joaquim Silva e Luna, promovido à quarta estrela em 2011, e que passou à reserva em 2014. Silva e Luna foi ministro da Defesa por oito meses, no governo Temer, nomeado no início do governo Bolsonaro para a direção-geral de Itaipu e, em abril deste ano, assumiu a presidência da Petrobras.PUBLICIDADE
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Em abril, uma portaria do Ministério da Economia permitiu que militares inativos que também ocupem cargo comissionado ou eletivo ultrapassem o teto remuneratório da administração federal, de R$ 39 mil.
Cristina Serra: Uma CPI para a história
O relatório da comissão vai estarrecer historiadores e as gerações futuras
Cristina Serra / Folha de S. Paulo
As descobertas da CPI da Covid no Senado trazem fortes elementos a indicar a duração do bolsonarismo entre nós. Que outro presidente foi acusado de crimes contra a humanidade no exercício do cargo, sem estar em guerra com outros países ou em guerra civil, e, ainda assim, permaneceu no poder e com base social de apoio significativa, como mostram as pesquisas?
A gargalhada de Flávio Bolsonaro ao tomar conhecimento do relatório também é um lembrete sinistro de que o bolsonarismo terá muitos herdeiros, mesmo que Bolsonaro não se reeleja, fique sem mandato, seja processado e preso. Infelizmente, essa corrente política veio para ficar. Por quanto tempo? Difícil saber, mas é certo que não vai se desintegrar como poeira cósmica, porque se ampara em traços fundadores da sociedade brasileira: violência, desapreço à vida, banalização da morte.
O documento nos confronta com o horror que seres humanos são capazes de produzir. E isso é o mais perturbador. O mal em grande escala foi produzido por seres humanos, não por monstros. São pessoas de índole monstruosa, mas são pessoas, de carne e osso, como eu e você.
Que bom seria se o mal fosse produzido apenas por monstros do cinema. Mas, repito, o mal em quantidade industrial foi perpetrado por pessoas. O presidente do país, ministros, autoridades, políticos, servidores públicos, sabujos e capachos em geral, empresários, médicos"¦ Além de terem contribuído para a mortandade, zombam dela.
Zombaram no começo da "gripezinha", zombaram da asfixia em massa, zombaram de um suicídio, zombarão sempre, porque é da sua natureza fazer e propagar o mal.
O relatório da CPI vai estarrecer historiadores e as gerações futuras. Eles irão se perguntar: como o Brasil elegeu Bolsonaro? A pergunta mais difícil e incômoda de responder, porém, será: como os brasileiros o mantiveram no poder mesmo depois de tudo o que fez e/ou deixou de fazer? Carregaremos esse horror para o resto das nossas vidas.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/10/uma-cpi-para-a-historia.shtml
Bolsonaro pensa que é preciso colocar 'dinheiro na veia do povo' para ganhar a eleição
O teto morreu. Só não foi enterrado porque não há outra âncora fiscal para ficar no lugar
Adriana Fernandes / O Estado de S.Paulo
Podem dizer o que quiserem. O teto de gastos morreu. Só não foi enterrado porque no momento não há outra âncora fiscal para ficar no lugar, e o governo (Centrão) precisa sustentar a narrativa enganosa de que o teto está vivo para não piorar a crise econômica.
É falsa a versão do presidente Jair Bolsonaro de que não houve furo no teto e que o aumento de gastos será feito dentro das regras orçamentárias.
Não foi uma revisão do teto com discussão ampla sobre a eficácia ou não dessa regra, criada há apenas cinco anos.
O que ocorreu foi uma manobra casuística para conseguir quase R$ 90 bilhões de espaço para gastar mais nas eleições. Querem furar, mas querem dizer que gostam do teto… E buscam ainda mais licença para gastar no programa eleitoral do presidente.
O teto vem segurando muitas tentativas de ampliação de gastos. Os técnicos que lidam no dia a dia da gestão do Orçamentotêm absoluta convicção de que, se tirassem o teto, as despesas explodiriam.
Quem participa das reuniões da Junta de Execução Orçamentária (JEO), colegiado em que a equipe econômica e a Casa Civil decidem as prioridades do Orçamento, fica horrorizado com as manobras e dribles que vem se tentando emplacar por ali nos últimos tempos.
Apesar de ter essa barreira, a mudança na regra incluída na PEC dos precatórios representou um turning point de ruptura do teto e da política econômica, virada que só era esperada para o início de 2023, já no próximo governo. Não tem mais nenhuma credibilidade.
O teto se mostrou incapaz de entregar o que prometeu: as escolhas das melhores prioridades de políticas públicas. Há apagão em muitas áreas e abundância em outras, como nos gastos dos militares. Na escassez do limite de despesas imposto pelo teto, instalou-se o feudalismo fiscal, termo tão bem cunhado pela procuradora de Contas de São Paulo Élida Pinto.
O ponto central de toda essa crise em torno do Auxílio Brasil, da ruptura do teto e da debandada da equipe de Paulo Guedes é que o presidente e as lideranças do Centrão tiraram a máscara e estão ignorando a reação nervosa do mercado.
A avaliação no Palácio do Planalto é de que é preciso ganhar a eleição de 2022 e, para isso, será necessário colocar “dinheiro na veia do povo”.
Apesar de toda a boataria de nomes do Centrão para suceder o ministro, Bolsonaro deu apoio a Guedes porque ele está jogando o mesmo jogo. O ministro ficou para ajudar a remar até a reeleição. Ao lado do presidente, que foi até o Ministério da Economia, Guedes não só negou que tenha pedido demissão como deu seu recado: “Peço compreensão. Vamos trabalhar até o fim do governo”.
*É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,adriana-fernandes-bolsonaro-eleicao-de-2022-teto-de-gastos-auxilio-brasil,70003877455
Bolívar Lamounier: Piada pronta, ideias fixas
Na AL, o clássico absoluto é o de que o sistema presidencialista de governo é o único que se coaduna com nossa ‘índole’
Bolívar Lamounier / O Estado de S. Paulo
Tem-se dito que o Brasil é o país da piada pronta, e exemplos disso não faltam; mas não nos esqueçamos de que somos também mestres em ideias fixas.
Piadas prontas não fazem mal a ninguém, ao contrário das ideias fixas, que podem causar sérios danos. Destas, na América Latina, o clássico absoluto é o de que o sistema presidencialista de governo é o único que se coaduna com nossa “índole”. Certa vez ouvi um presidente latino-americano dizer com toda seriedade que o presidencialismo é irremovível porque expressa a ideia do “chefe”, uma necessidade do inconsciente popular que remonta às comunidades indígenas de séculos atrás. No Brasil, desde a proclamação da República, os adeptos desse sistema não se cansam de afirmar que a concentração das duas funções, chefia de Estado e de governo, numa entidade unipessoal, o presidente, assegura a estabilidade do regime democrático e confere unidade aos programas de governo. Consumado o golpe militar encabeçado pelo marechal Deodoro, o Brasil não tinha como retornar ao parlamentarismo do Império, porque as regiões exigiam a Federação e porque, em tal hipótese, o sucessor de D. Pedro II na chefia do Estado seria uma mulher, ainda por cima casada com um conde estrangeiro.
Nos primeiros anos do regime de 1891, toda uma geração de intelectuais influenciados pelo fascismo em ascensão concordou com Rui Barbosa por ter ele elaborado uma Constituição presidencialista, mas lhe desceram o cacete por ter escolhido um modelo “fraco”, o dos Estados Unidos, por mero instinto de imitação. Queriam uma ditadura presidencial.
Deixemos, porém, de lado a República Velha e vejamos o que tem sido o nosso presidencialismo desde aqueles tristes primórdios. Em meu livro Da Independência a Lula e Bolsonaro, recentemente reeditado pela Editora FGV, citei este parágrafo do celebrado mestre Maurice Duverger, adepto de uma atenuação do presidencialismo: “O sistema presidencial (puro) é intrinsecamente propenso à instabilidade. É o que evidencia toda a América
Latina. O sistema presidencial jamais funcionou a contento a não ser nos Estados Unidos. Noutros países, ele degradou-se em presidencialismo – vale dizer, em ditadura”. Penso que o mestre francês seria menos benévolo mesmo em relação aos Estados Unidos, se tivesse testemunhado o confronto de 2016 entre Hillary Clinton e Donald Trump e o desempenho deste na presidência.
Mas o melhor exemplo da relação entre presidencialismo e estabilidade é, com certeza, a Argentina, país que logrou a proeza de regredir ao subdesenvolvimento após atingir um alto grau de riqueza. Reproduzo, aqui, o registro de Carlos H. Waisman, um destacado estudioso da história de seu país: “De 1930 até o restabelecimento da democracia em 1983, a Argentina sofreu seis portentosos golpes militares (1930, 1943, 1955, 1962, 1966, e 1976), e numerosos outros de menor importância. Naquele período, o país teve 25 presidentes. Excluindo a ditadura de Perón, que durou dez anos (19461955), foram, portanto, 24 presidentes em 38 anos, ou seja, governos com uma duração média de 1,6 ano! Estabilidade para ninguém botar defeito.
O ciclo brasileiro de governos militares (1964-1985) não chegou a tanto, mas enganase quem se atém à superfície dos acontecimentos, esquecendo-se da instabilidade que lavrou continuamente dentro da corporação militar durante aqueles 21 anos. O marechal Costa e Silva não acatou as diretrizes de seu antecessor, o marechal Castelo Branco, e se impôs como candidato. Quando faleceu, em 1969, o Alto Comando recorreu a um golpe sem rebuços, impedindo a posse do vice, deputado Pedro Aleixo, legitimamente eleito pelos critérios que a própria corporação militar antes estabelecera, e instalou no
Planalto o general Emílio Garrastazu Médici. A sucessão deste pelo general Ernesto Geisel foi, digamos assim, tranquila, graças ao detalhe de que seu irmão, Orlando Geisel, era então o titular do Ministério da Guerra. Mas o próprio Ernesto Geisel foi obrigado a sobrestar um golpe que seu ministro da Guerra, general Sylvio Frota, começara a articular contra ele. Para demitir Sylvio Frota, Ernesto Geisel deixou de lado as formalidades e disse-lhe na lata: “O cargo é meu”. Geisel precisou também aparar arestas na caserna quando decidiu delegar ao general João Figueiredo a incumbência de encerrar o ciclo militar.
Uma das muitas diferenças relevantes entre os dois sistemas de governo é a de que a única fórmula legítima de que o presidencialismo dispõe para afastar do cargo a pessoa que concentra as duas funções, chefe de Estado e de governo, é o sempre traumático impeachment, que requer a demonstração de “crime de responsabilidade”, conceito que só uma minoria da sociedade compreende. O parlamentarismo, para recorrer ao voto de não-confiança, só precisa demonstrar que o titular do cargo é incompetente ou corrupto, ou não conta com o respeito do Congresso. Dilma Rousseff, por exemplo, poderia ter sido afastada em três semanas, poupando-nos todo aquele tormento.
*Sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,piada-pronta-ideias-fixas,70003876909
Marco Antonio Villa: Bolsonaro e a extrema direita
Voto de protesto, em 2018, acabou sendo canalizado para candidaturas que ocultavam a perspectiva reacionária
Marco Antonio Villa / Revista IstoÉ
A extrema-direita brasileira veio para ficar. Nada indica que seja um fenômeno passageiro. Pelo contrário, sempre esteve presente nas bordas do sistema político. Não era levada a sério, era motivo de riso e de desprezo. Eventualmente obtinha algum êxito eleitoral, mas em momento algum ditou os rumos do País, de um estado ou, sequer, de um município.
Os acontecimentos da segunda década deste século permitiram que o que era considerado uma excrescência se transformasse em um ator importante na cena política. Vale ressaltar que o extremismo nativo tem tinturas de nazifascismo combinado com o velho reacionarismo brasileiro. Em meio ao processo, que nasceu nas ruas, do impeachment de Dilma Rousseff, os extremistas, de forma oportunista, entraram no vácuo e ocuparam um espaço que não era deles. E isto ficou claro quando das eleições de 2018 acabaram sendo eleitos parlamentares de extrema-direita em quantidade nunca vista na história republicana.
Tudo indica que nas próximas eleições deverá ocorrer uma sensível alteração na composição dos parlamentos, especialmente. E o espaço da extrema-direita estará bem reduzido. O voto de protesto, em 2018, acabou sendo canalizado para candidaturas que, sob a capa democrática, ocultavam a perspectiva reacionária. O fracasso, neste ano, das mobilizações bolsonaristas, demonstraram que a tendência é de acentuada diminuição da extrema-direita no primeiro plano da cena política. O desgaste do governo Bolsonaro colabora, em muito, para isso. Mas o agravamento da crise econômica é um importante fator. Deve também ser recordado que o extremismo não conseguiu produzir intelectuais orgânicos e estruturas permanentes de intervenção, como partidos e organizações de massa. A ação da extrema-direita, neste sentido, sem organização e planejamento, apontou para um esgotamento das mobilizações. Não se imagina que até, no mínimo, o início do processo eleitoral de 2022, possa ocorrer manifestações tais quais as de Sete de Setembro. É provável que os extremistas concentrem sua atuação na construção de candidaturas que possam manter o espaço que conquistaram em 2018. Nada indica que isso possa ocorrer. A tendência é um sensível enfraquecimento da extrema-direita, mas a sua permanência no processo político eleitoral como força política minoritária, e sempre perigosa ao Estado Democrático de Direito.
Fonte: Revista IstoÉ
https://istoe.com.br/bolsonaro-e-a-extrema-direita/
Marcus Pestana: Prévias, o centro e o futuro do país
A questão posta hoje é: quem disputará o segundo turno com Lula?
Marcus Pestana / O Tempo
Ainda que tenhamos doze longos meses pela frente até as eleições presidenciais no Brasil, o debate sobre as candidaturas e o que representam, ganha cada vez mais força nos bastidores políticos, na imprensa e nas redes sociais.
Lula usufrui de seu recall e presença política, para acumular forças, cativar apoiadores e aguardar os desdobramentos, tendo aparentemente presença segura no segundo turno, embora em política nada seja definitivo.
A questão posta hoje é: quem disputará o segundo turno com Lula? Bolsonaro fez um recuo tático depois do 7 de setembro, moderou sua polarização radical diária e busca alternativas para o Auxílio Brasil e conquistas governamentais, que possam reverter sua significativa perda de apoio. Ciro Gomes prossegue sua caminha um tanto solitária em torno de seu carisma pessoal e das ideias materializadas em seu livro “Projeto Nacional: o dever da esperança”.
Mas as novidades no cenário estão surgindo na órbita do chamado centro democrático. A fusão do Democratas com o PSL, dando lugar ao União Brasil, foi um importante fato. Sérgio Moro voltou a ser assediado e ter seu nome colocado em campo. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se movimenta claramente como alternativa nas eleições presidenciais.
Já o PSDB, que liderou este bloco político de 1994 a 2018, está se reinventando ao realizar inéditas e inovadoras prévias partidárias, radicalizando a democracia interna e alcançando os objetivos traçados por sua direção, Bruno Araújo à frente: construir democraticamente a unidade partidária; aumentar o grau de conhecimento nacional de seus pré-candidatos; mobilizar ativamente seus militantes e lideranças; e, começar a lapidar um programa de governo para o futuro do país. O primeiro debate entre Arthur Virgílio, Eduardo Leite e João Dória, promovido pelos jornais O GLOBO e VALOR, no último dia 19 de outubro, alcançou grande repercussão. Reuniões com os pré-candidatos em todos os estados têm reunido centenas de pessoas, como há muito não se via. As prévias ocorrerão no dia 21 de novembro.
Na falta de melhor nome a imprensa apelidou esta candidatura potencial de terceira via ou de centro democrático. Na verdade, não houve batizado porque não houve ainda nascimento de uma aliança política. Os termos não me parecem felizes e adequados. Terceira via carrega um sentido defensivo de negação de outras duas vias – Lula e Bolsonaro – e não um sentido afirmativo de uma alternativa para o país. O termo “centro” confunde-se com o de “Centrão” muito difundindo e carregando significados diversos. Talvez o melhor seria algo como “Via Democrática”, “Campo Democrático” ou “Alternativa Democrática”, já que o que une estas forças é a defesa da democracia e da liberdade: política, econômica, social e individual, numa convergência entre o social-liberalismo, verdes, social democracia e o socialismo democrático.
Trata-se de rechear de significado a alternativa, traduzindo para a sociedade de forma clara, pedagógica e eficiente, quais são as “utopias”, posturas, os sonhos, projetos e programas, que diferenciam uma possível candidatura presidencial das já postas no cenário.
A publicação do PSDB “O BRASIL pós-pandemia” e os debates do seminário “UM NOVO RUMO PARA O BRASIL” promovido pelo Cidadania, Democratas, MDB e PSDB, dão boas pistas para este esforço.
*Presidente do Conselho Curador ITV – Instituto Teotônio Vilela (PSDB)
Fonte: O Tempo
https://www.otempo.com.br/politica/marcus-pestana/subscription-required-7.5927739?aId=1.2559487
Brasil em queda livre: imagem e participação nacional na política externa
A sensação é de que o Brasil está virando as costas para o mundo e se recusando a entrar na brincadeira
Renata Bueno / Plural Curitiba
O mundo conta atualmente com mais de 190 países que se relacionam de forma pensada e planejada, de acordo com seus interesses e objetivos. Para esse planejamento, que ocorre tanto em nível nacional quanto internacional, damos o nome de política externa. Uma espécie de jogo que ninguém é capaz de vencer sozinho e tem o intuito de oferecer mais qualidade de vida a todos os participantes.
Para estar apto a jogar é preciso diplomacia e reconhecimento internacional, duas características bastante presentes na história do Brasil e que premiam os países mais bem colocados com a vantagem de exercer um papel cada vez mais importante no sistema político, com facilidade de compra e venda de matéria-prima e acesso a novas tecnologias. Entretanto, a percepção do Brasil no âmbito mundial vem sofrendo uma grande decadência.
Devido às inúmeras riquezas e recursos naturais, o Brasil poderia facilmente ocupar um lugar de protagonismo mundial. Porém, hoje, quando falamos em grandes grupos internacionais, não vemos quase nenhuma participação brasileira. A sensação é de que o Brasil está virando as costas para o mundo e se recusando a entrar na brincadeira, como uma criança mimada. E para piorar, poucos líderes internacionais têm demonstrado interesse em se aproximar do Brasil, visto que o país não aparenta ser um bom aliado.
Mas por que essa decadência na imagem do Brasil?
Primeiramente, quero deixar claro que não acredito que o erro seja somente do governo, que claramente peca em diplomacia e planejamento, mas também de seus eleitores. Precisamos entender o porquê dessas escolhas para conseguir mudar a imagem do Brasil no exterior. Afinal, por mais que muitos pensem que não, há uma relação direta entre política internacional e hábitos populacionais. A pandemia foi um grande exemplo de como a internacionalização faz parte do nosso dia a dia.
Além da crise sanitária, o Brasil vem há mais de ano sofrendo com falta de água e queda de energia em diversas regiões do país, dois temas diretamente interligados às discussões de política externa. E mais do que nunca, neste cenário pós-pandemia, a sustentabilidade ganhou espaço na agenda das grandes potências mundiais, não como um padrão a ser alcançado, mas sim como uma estratégia de melhoria contínua dentro de cada setor da economia.
Agora, cabe ao Brasil tentar se adequar, não só como governo, mas como população em geral, dentro dos termos que vão de encontro com um futuro sustentável. Mais do que carros elétricos, precisamos de incentivo governamental para adequação das práticas diárias dos brasileiros e alinhamento com os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), da ONU. O Brasil precisa ganhar confiança no cenário mundial e a sustentabilidade pode ser definitivamente um grande caminho.
*Renata Bueno é advogada internacionalista e política brasileira. Foi eleita vereadora de Curitiba pelo Cidadania no ano de 2009 e, mais tarde, entre 2013 e 2018, atuou como deputada do Parlamento da República Italiana pela União Sul-Americana dos Emigrantes Italianos.
Fonte: Plural Curitiba
https://www.plural.jor.br/artigos/brasil-em-queda-livre-imagem-e-participacao-nacional-na-politica-externa/