eleições 2022
Moro defende aumento de auxílio e faz aceno ao PSDB
Ex-ministro participou de reunião com a bancada do Podemos e falou sobre a PEC dos precatórios
Lauriberto Pompeu / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro (Podemos) subiu o tom do discurso de campanha ao Palácio do Planalto e criticou os governos de Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seus principais adversários. Moro esteve nesta terça-feira, 23, no Senado e, ao lado da bancada do Podemos, partido ao qual se filiou recentemente, defendeu a proposta alternativa à PEC dos precatórios.
“É perfeitamente possível realizar o incremento do Auxílio Brasil sem derrubar o teto de gastos”, afirmou Moro, numa referência PEC que abre caminho para a criação do novo programa social. “É possível conciliar responsabilidade social com responsabilidade fiscal.”
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Ao mesmo tempo em que atacava o governo, o ex-juiz da Lava Jato fazia acenos a outros partidos. De olho em uma aliança com o PSDB, Moro minimizou, por exemplo, os conflitos nas prévias presidenciais dos tucanos.
"O PSDB é um grande partido", elogiou. "Tem que respeitar. Eles vão tomar a decisão no tempo deles", disse. Os governadores João Doria (São Paulo), Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio concorrem na eleição interna que vai escolher o candidato do PSDB ao Planalto.
O resultado das prévias estava previsto para ser divulgado no domingo, 21. Problemas no aplicativo de votação, porém, obrigaram o partido a suspender a consulta. A intenção é que as eleições sejam concluídas até o próximo domingo, 28.
Após se reunir com integrantes do Podemos, Moro destacou que a proposta alternativa da PEC dos precatórios, de autoria dos senadores Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), José Aníbal (PSDB-SP) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) permite a criação do Auxílio Brasil "sem rombo" nas contas públicas.
"O Podemos não pode compactuar com o desemprego dos trabalhadores brasileiros e gerar situações ainda mais difíceis, sob o argumento de que isso seria necessário para combater a pobreza", observou o ex-ministro.
Não faltaram críticas ao PT. “O teto de gastos, quando foi criado, em 2016, resultou em uma imediata queda dos juros. Isso impulsionou a recuperação da economia que vinha da recessão criada pelo governo do Partido dos Trabalhadores", afirmou Moro.
A entrada do ex-ministro na pauta econômica marca a estratégia de sua pré-campanha para evitar sua associação somente com o combate à corrupção. Recentemente, Moro anunciou que o economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, é seu conselheiro econômico.
Quando era juiz da Lava Jato, Moro personificou o discurso antipolítica. Agora, ele tenta equilibrar sua atuação no julgamento de casos de corrupção com a recente entrada na vida partidária. O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou Moro parcial na condenação do ex-presidente Lula.
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PEC dos Precatórios: relatório de Bezerra é novo abalo nas instituições fiscais do país
PEC dos Precatórios agora está dando uma pedalada tripla, avalia analista do Senado
Álvaro Gribel / O Globo
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, vai apresentar amanhã o seu texto final sobre a PEC dos Precatórios. Mas pontos da proposta circularam entre senadores nesta terça-feira. O que mais chama atenção nas mudanças do senador é o forte abalo na Lei de Responsabilidade Fiscal: o governo ficará dispensado de apresentar compensação para aumento de gastos com programas de transferência de renda. Ou seja, poderá subir o Auxílio Brasil o quanto quiser, desde que dentro do teto, sem ser obrigado a cortar despesas ou apresentar as fontes de custeio.
Na visão do analista do Senado e especialista em contas públicas Leornado Ribeiro, a PEC dos Precatórios agora está dando uma pedalada tripla. Adia o pagamento de precatórios, criando uma bola de neve em dívidas, altera a regra do teto de gastos, permitindo mais gastos no ano eleitoral, e burla a necessidade de compensação para aumento de gastos sociais, dentro da LRF.
- A proposta dá um calote nos precatórios, aumenta casuisticamente a fórmula do teto de gasto e pedala na LRF. É a consolidação do abalo nas instituições fiscais, inclusive alcançado agora a LRF, que, a meu ver, é até mais importante do que o teto, porque disciplina todo o arranjo fiscal do país - afirmou.
Em nota, o PSD, partido do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e a segunda maior bancada da Casa, avisou que pedirá vista após a leitura do relatório de Bezerra, na sessão de amanhã pela manhã na CCJ. O que incomodou os senadores foram não só as mudanças sem negociação, mas o fato de saberem das alterações pela imprensa. O PSD também anunciou que terá reunião com Bezerra nesta quarta-feira à tarde para discutir o texto.
Nos governos do PT, os investimentos foram excluídos da necessidade de compensação dentro da LRF. Isso abriu caminho para que vários tipos de despesas dentro do PAC fossem excluídos da regra fiscal, ajudando a minar a confiança de investidores no país. Agora, o governo Bolsonaro abre uma nova brecha de enfraquecimento da principal regra fiscal fo país.
Fonte: Míriam Leitão / O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/pec-dos-precatorios-relatorio-de-bezerra-e-novo-abalo-nas-instituicoes-fiscais-do-pais.html
PL diz que filiação de Bolsonaro ocorrerá na próxima terça-feira (30/11)
O presidente está sem partido desde novembro de 2019, quando deixou o PSL
Ingrid Soares / Correio Braziliense
O Partido Liberal (PL) divulgou nesta terça-feira (23/11) uma nota confirmando que o presidente Jair Bolsonaro se filiará ao partido na próxima terça-feira (30/11). “A filiação do Presidente Bolsonaro ao PL será oficializada no próximo dia 30, 10h30, em reunião a ser realizada em Brasília, nas dependências do complexo Brasil 21”, diz a nota
“A definição é produto do encontro que, na tarde de hoje, 23, reuniu o presidente da República e o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto”, diz outro trecho. Mais cedo, Bolsonaro afirmou que a filiação ao PL “está quase fechada”.
Bolsonaro relatou que tem mantido conversa com Valdemar Costa Neto, presidente da sigla, falou sobre a viagem aos Emirados Árabes e do adiamento da filiação ao partido. “Tenho conversado com o Valdemar Costa Neto. Eu tava lá na região do Golfo quando pedi para ele adiar a filiação, que seria dia 22. Faltava acertar o maior diretório do Brasil, que é São Paulo. Ele tem um compromisso lá com o vice-governador e tinha que arranjar uma maneira, sem quebrar a palavra dele, de resolver esse assunto. Está praticamente resolvido. Eu converso com ele nos próximos dias e quem sabe a gente… está quase fechado, mas na política só está fechado depois que fecha”.
Valdemar Costa Neto recebeu carta branca para acertar filiação
Após recuo de Bolsonaro na última semana, os senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Wellington Fagundes (PL-MT) anunciaram que o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, recebeu carta branca para acertar os detalhes para "o casamento" entre o partido e o presidente da república.
Um dos pontos que causou discordância entre Bolsonaro e o PL são os apoios estaduais. Em SP, por exemplo, o partido estava fechando apoio a Rodrigo Garcia (PSDB), vice do governador João Doria (PSDB), um dos maiores rivais do presidente. O acordo deve encerrar também tentativas de apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por parte de Valdemar.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/11/4965364-pl-diz-que-filiacao-de-bolsonaro-ocorrera-na-proxima-terca-feira-30-11.html
Felipe Salto: Os custos da confusão fiscal e a PEC dos Precatórios
O esforço de zerar o déficit e produzir um superávit necessário para que a dívida estacionasse seria de R$ 450 bilhões
Felipe Salto / O Estado de S. Paulo
A PEC dos Precatórios foi aprovada pela Câmara dos Deputados e tramita no Senado. A mudança no cálculo do teto de gastos e o calote nos precatórios levariam à perda de credibilidade, à insegurança jurídica e, como um tiro pela culatra, ao aumento do endividamento público. Parte da fatura já está sendo paga.
Os juros previstos para os próximos dez anos a partir de 2022, tomando-se a curva a termo (que indica as taxas exigidas pelo mercado em diferentes prazos), estão em 12% ao ano. Isto é, o custo para o Tesouro Nacional tomar emprestado do mercado (quando emite títulos) para financiar suas despesas poderá ser muito alto por um bom tempo.
Para ter claro, há cinco meses, esse custo era precificado em torno de 7% (prazo de um ano), em pouco mais de 8% (cinco anos) e em 9% (dez anos). O aumento das taxas para 12% reflete a subida do prêmio exigido pelo risco. Diante de incertezas crescentes, quem tem poupança (o mercado) exige maior remuneração (juros) para comprar títulos públicos.
Se o governo tivesse receitas tributárias suficientes para pagar suas despesas, inclusive os juros da dívida, só precisaria emitir títulos para substituir os que estivessem vencendo. Ocorre que ele está no vermelho. Neste caso, brincar com fogo é ainda menos recomendável. Mesmo assim, aí está a PEC dos Precatórios.
A perda de credibilidade tem custos imediatos. Os agentes econômicos interpretam que o calote nos precatórios (despesas obrigatórias) poderia transbordar para outras áreas. Por que não dar calote em salários ou previdência e, assim, abrir mais espaço para outras despesas? Trata-se de pedalada: o Estado se financiando em cima de terceiros (os precatoristas, neste caso).
O custo aparece nos juros, como já mostrei, mas também na taxa de câmbio, porque a atratividade do País ao capital estrangeiro diminui, afetando o preço do dólar medido em reais. Consequentemente, bate na inflação, pois tudo o que se compra de fora fica mais caro. Por fim, afeta o crescimento econômico, sobretudo pelos juros mais altos e pela perda de previsibilidade, veneno na veia do investimento produtivo.
Aliás, a insegurança jurídica associada ao calote dos precatórios deve ser destacada. Combina-se à mudança do cálculo do teto, que subiria por uma inflação mais alta, desde 2017, abrindo espaço fiscal de R$ 93 bilhões para 2022. Criase, ainda, uma bola de neve nos precatórios, pois as despesas não pagas se somariam aos calotes dos anos seguintes, criando um passivo superior a R$ 850 bilhões até 2026.
Se o governo e o Congresso quisessem aumentar o Bolsa Família, um programa bem avaliado dentro e fora do País, poderia: 1) cortar despesas de custeio em R$ 11 bilhões; 2) corrigir a contabilização dos precatórios do Fundef/fundeb (educação), abrindo espaço de R$ 16 bilhões; e 3) direcionar metade das emendas parlamentares para o social, amealhando mais R$ 8 bilhões. O total, de R$ 35 bilhões, permitiria dobrar o valor do programa fixado na proposta de Orçamento para 2022.
A inflação ajudou a melhorar as receitas e a dívida pública por um tempo. Essa ilusão de melhora foi enaltecida por alguns irresponsáveis. É óbvio que isso despertaria a sanha por novos gastos. Não os sociais, necessários. “Ora, se está sobrando, vamos gastar!” Alertei, neste espaço, sobre isso. Entre agosto e setembro, a dívida bruta do governo geral já voltou a aumentar, de 82,7% para 83% do Produto Interno Bruto (PIB). Os pagamentos de juros estão subindo à razão de quase 40% em relação a setembro de 2020. Inflação não resolve nada. Nunca resolveu.
Com juros a 12% e inflação na casa de 6% (hoje está acima de 11% pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC), os juros reais seriam de 6% ao ano. Se o crescimento econômico ficar em 2%, em média, e a dívida pública rodear os 86%, num horizonte de três a quatro anos seria preciso produzir um superávit nas contas do governo de 3,4% do PIB para que a dívida estacionasse. O déficit deverá ficar em torno de 1% do PIB em 2022. Esse esforço de zerar o déficit e produzir o superávit acima calculado representaria R$ 450 bilhões.
Eis o custo mais escancarado desta confusão fiscal. Ainda há tempo para reverter parte dos danos. Assim como os juros subiram rapidamente, podem descer. Isso dependeria, entre outros fatores, de reverter a PEC dos Precatórios e fazer o dever de casa.
Os cinco anos da IFI. A Instituição Fiscal Independente (IFI) completará cinco anos no próximo dia 30. A IFI conquistou credibilidade e, hoje, colabora como mecanismo de freio e contrapeso típico dos regimes democráticos. A imprensa cita seus trabalhos, em média, duas vezes ao dia. A Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) incluiu a IFI brasileira no rol de instituições monitoradas. Os números da IFI são usados para contrapor os cenários do governo e avaliar os custos das decisões de política econômica. Há, ainda, trabalho pela frente. Como um bom cão de guarda, seguiremos alertando sobre as ameaças à responsabilidade fiscal. Vida longa à IFI e parabéns à equipe!
*É Diretor-executivo da IFI e responsável por sua implantação
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,os-custos-da-confusao-fiscal,70003905658
Merval Pereira: Bolsonaro, refém do Congresso
Com as emendas impositivas, inclusive as de relator, o Congresso faz uma espécie de autogestão
Merval Pereira / O Globo
O presidente Bolsonaro chegou a uma encruzilhada na sua relação com a base parlamentar, em especial com os partidos do Centrão, mas também com o PSD de Gilberto Kassab, que trabalha para montar um partido tão forte que seja impossível ignorá-lo na composição de um futuro governo, que, ele garante, não será de Bolsonaro.
Um exemplo recente do desentendimento com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, ainda está na retórica, mas pode ser pólvora no relacionamento. Lira foi a um seminário em Lisboa organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), idealizado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, e aderiu à tese do semipresidencialismo, que Gilmar defende há muito tempo.
Nesse tipo de governo, o presidente da República, eleito pelo voto direto, compartilha o governo com o primeiro-ministro, eleito pelo Congresso. Disse Lira numa palestra: “A previsão de uma dupla responsabilidade do governo, ou de uma responsabilidade compartilhada do governo, que responderia tanto ao presidente da República quanto ao Parlamento, pode ser a engrenagem institucional que tanto nos faz falta nos momentos de crises políticas mais agudas”.
Na primeira afirmativa, não houve a definição de um marco temporal para a eventual adoção do novo sistema de governo, e Bolsonaro sentiu cheiro de queimado. Lira, mais adiante, contemporizou, explicando que, se aprovado, o semipresidencialismo só poderia entrar em vigor na eleição presidencial de 2026. Nem precisava, pois já passou o prazo de um ano antes da eleição para mudar regras eleitorais.
Mas Bolsonaro não engoliu e até hoje reclama. Disse a seus seguidores ontem: “É uma coisa tão idiota que não dá nem para discutir”. Mas estava tão irritado com a ideia, mesmo para seu sucessor, que a comparou a “jogar fora das quatro linhas” e ameaçou combater os defensores da ideia, “o mesmo grupo de interesseiros de sempre”, na mesma medida, isto é, fora da Constituição.
O episódio, mesmo sem consequências concretas, demonstra que o presidente é refém do Centrão, em especial do presidente da Câmara, Arthur Lira, que faz o que quer. As críticas que Bolsonaro recebe são de outras vias — a sociedade protesta, a imprensa denuncia —, mas os políticos estão todos alinhados. Com o Centrão majoritário, Bolsonaro não tem lugar de fala, tem de aceitar o que o grupo quer e recebe favores quando os interesses coincidem.
O Congresso está muito independente do governo, não no sentido de defender teses e de se posicionar autonomamente em relação aos grandes temas nacionais, mas no de ter decisões próprias em vários assuntos. A situação piorou com a atuação mais destacada do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, potencial candidato a presidente do PSD de Kassab.
Agora, Bolsonaro nomeou um ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Raimundo Carreiro, para a embaixada em Portugal, abrindo no tribunal uma vaga para a indicação do Senado. Bolsonaro quer um aliado a mais no TCU e pretende nomear seu líder do governo, Fernando Bezerra. Mas o presidente do Senado tem outro candidato, o senador mineiro do PSD Antonio Anastasia. A senadora Kátia Abreu, do PP, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, também está na disputa, mas Bolsonaro não quer nenhum dos dois.
O presidente, no entanto, não controla esse processo, assim como não consegue obrigar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) a sabatinar André Mendonça, seu indicado para o STF. Pacheco, que pressionava o presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre, a marcar a sabatina, agora tem uma razão também para boicotar Bolsonaro, que realmente está refém de deputados e senadores.
Sempre o governo controlou o Congresso por meio dessas verbas secretas e otras cositas más. Mas, com as emendas impositivas, inclusive as de relator, o Congresso faz uma espécie de autogestão. Mesmo que ele esteja bem posicionado nas pesquisas eleitorais, a expectativa de poder de Bolsonaro vem caindo na visão dos políticos. Por isso, a dificuldade para conseguir a décima legenda é grande. Ele faz exigências como se fosse o Bolsonaro de 2018, mas o de 2022, no momento, não está bem na foto.
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Na coluna de domingo, sobre a diversidade na Academia Brasileira de Letras, não citei um registro histórico importante: entre 2016 e 2017, a ABL teve seu segundo presidente negro, o professor e escritor Domício Proença Filho.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/refem-do-congresso.html
Brasil é a democracia com mais aspectos em declínio do mundo
País teve piora em oito indicadores como liberdades civis e liberdade de expressão, segundo relatório do IDEA
DW Brasil
O Brasil é a democracia que registrou piora no maior número de fatores que medem a qualidade do regime democrático nos último cinco anos. Foram retrocessos em oito aspectos, entre eles liberdades civis, independência do Judiciário, integridade da imprensa e liberdade de expressão.
Os dados estão em relatório divulgado ontem (22/11) pelo Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA, na sigla em inglês), sediado em Copenhague. O IDEA é uma organização intergovernamental apoiada por 34 países e dedicada ao estudo e à avaliação da democracia. O relatório se baseia no acompanhamento de 16 fatores relacionados ao funcionamento adequado de regimes democráticos.
Segundo os pesquisadores do IDEA, o Brasil teve melhoria consistente de seus indicadores nas décadas de 1990 e "sobretudo" na de 2000, tendência que começou a apresentar sinais de desgaste em 2013, quando houve as Jornadas de Junho, e entrou em queda em 2016, ano do impeachment de Dilma Rousseff. O relatório afirma que a piora dos indicadores foi "exacerbada" com a posse de Jair Bolsonaro, em 2019.
O documento dá destaque a iniciativas e declarações de Bolsonaro que questionaram o sistema eletrônico de votação e a atuação do Supremo Tribunal Federal. O relatório diz que o presidente "testou explicitamente as instituições democráticas brasileiras, acusando ministros do Tribunal Superior Eleitoral de se prepararem para conduzir atividades fraudulentas relacionadas às eleições de 2022 e atacando a mídia".
Queda começou em 2016 e se exacerbou com Bolsonaro, mas instituições mostraram resiliência, diz instituto.
O IDEA registra ainda que o presidente "alegou que as eleições poderiam ser canceladas a menos que ele fosse alterado" e "declarou que não iria obedecer determinações do Supremo Tribunal Federal, que conduz um inquérito contra ele por espalhar notícias falsas sobre o sistema eleitoral no país."
Ao lado de Polônia, Benin e Iêmen
O relatório informa que o Brasil foi um dos quatro países monitorados que teve declínio na qualidade do controle do seu governo, um dos quesitos importantes para o bom funcionamento de democracias, que reúne os fatores "efetividade do Parlamento", "independência do Judiciário" e "integridade da imprensa". Além do Brasil, tiveram piora nesse quesito a Polônia, o Benin e o Iêmen.
O texto ressalta que diversos fatores democráticos do Brasil ainda estão em nível superior ao da média da América Latina, devido aos esforços do país para consolidar sua democracia nas décadas passadas. "Seu bom desempenho anterior torna possível que a qualidade democrática do país se reduza sem que ele perca seu status de democracia. Isso demonstra, por um lado, que a democracia brasileira, apesar de ter sofrido anos de retrocesso democrático e queda acentuada em seus indicadores, é resiliente em muitos aspectos, o que é essencial para a reversão do processo atual", afirma o texto.
O relatório também aponta melhoria em alguns aspectos, especialmente em termos de inovações democráticas no Brasil, e cita como exemplo a criação de observatórios para monitorar as compras e ações do governo relacionadas ao enfrentamento da pandemia de covid-19.
Tendência mundial de retrocesso
O processo de erosão democrática enfrentada pelo Brasil é compartilhado por diversas outras nações, em meio ao aumento da desigualdade, da crise de representação partidária e da difusão de notícias falsas em redes sociais.
Desde 1975, quando o IDEA começou a monitorar esses fatores, a década passada foi a que teve o maior de número de países sofrendo deterioração democrática, e a lista de países inclui potências geopolíticas e econômicas como os Estados Unidos e a Índia.
Em 2020, pela segunda vez em vinte anos, o número de países que registrou declínio da qualidade de sua democracia foi maior do que os que registraram melhora.
Um dos aspectos do declínio democrático é o questionamento cada vez maior da lisura de processos eleitorais. As acusações infundadas do então presidente dos Estados Unidos Donald Trump de que as eleições americanas de 2020 teriam sido fraudadas influenciou comportamentos semelhantes em líderes do Brasil, México, Mianmar e Peru, entre outros países, segundo o relatório.
Na União Europeia (UE), três países-membros registraram declínio na qualidade da sua democracia em 2020: a Hungria, comandada pelo primeiro-ministro ultranacionalista Viktor Orbán, a Polônia, governada pelo partido populista Lei e Justiça, que está contestando princípios básicos da UE, e a Eslovênia, cujo primeiro-ministro Janez Janša tem tendências crescentemente autocráticas.
Desde 2015, cinco países perderam o status de democracia, segundo o IDEA: Benin, Costa do Marfim, Honduras, Sérvia e Turquia.
A entidade afirma que "os últimos dois anos desde nosso último relatório não foram bons para a democracia" e que as conquistas alcançadas quando a democracia tornou-se o regime de governança predominante no mundo "agora estão em uma situação precária como nunca antes". "Esta é a hora para as democracias serem ousadas, inovarem e se revitalizarem", disse o secretário-geral do IDEA, Kevin Casas-Zamora, em um comunicado.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/brasil-%C3%A9-a-democracia-com-mais-aspectos-em-decl%C3%ADnio-do-mundo/a-59903888
Andrea Jubé: Os tucanos no divã e o labirinto de problemas cada vez maior
Moro vai bem nos 100 metros, mas completa a maratona?
Andrea Jubé / Valor Econômico
Depois que esgotarem as reuniões sobre tecnologia e por que falhou o aplicativo de votação pelo celular, os caciques do PSDB deveriam se revezar no divã para analisar por que insistem na autossabotagem, um dos obstáculos para a almejada volta ao poder.
Seria hora de ouvir Sigmund Freud (1856-1939), que se dedicou ao tema em ensaio de 1916, com o sugestivo título “Os que fracassam no triunfo”. Numa síntese breve e imperfeita, o pai da Psicanálise analisa neste texto exemplos de personagens que sentem alívio se o objeto de desejo não é alcançado. Porque se atingissem o sucesso, não saberiam o que fazer com aquilo.
O partido que controlou a inflação e estabilizou a moeda com o Plano Real, e governou o país por oito anos, está se embrenhando cada vez mais num labirinto de problemas.
A pane no aplicativo de votação é a ponta do iceberg ante situações mais dramáticas. As trocas de acusações em tom cada vez mais elevado entre os postulantes à vaga de presidenciável - os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que polarizaram a disputa -, testam a capacidade do partido de se unir no final.
E se o partido não se unir, não será capaz de liderar o centro democrático na corrida por uma vaga no segundo turno, caso não se desfaça a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Enquanto tucanos se engalfinham nas prévias, outros próceres da sigla veem com inquietação a ascensão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro nas pesquisas sobre a sucessão presidencial.
Levantamento do Paraná Pesquisas divulgado ontem mostrou que o ex-juiz, recém filiado ao Podemos, desponta com percentuais que variam em torno de 11% em diferentes cenários. Foi o primeiro nome da terceira via a bater a marca dos dois dígitos.
Um tucano com a ficha de filiação assinada há mais de 15 anos, vê com perplexidade Moro avançar sobre território do PDSB. Um de seus principais aliados é o senador Álvaro Dias (Podemos-PR), que foi o líder mais longevo da bancada tucana na função. Moro também recrutou para a equipe o economista Edmar Bacha, um dos idealizadores do Plano Real.
“Na corrida de 100 metros Moro está bem, mas é preciso ver se ele completa a maratona”, desafiou este tucano, aliado de Leite. Alega que Moro tem alta rejeição em vários segmentos do eleitorado, assim como Bolsonaro, Lula, e Doria. Enquanto Leite, por ser menos conhecido, é pouco rejeitado.
Recostando-se no divã, este líder tucano diz que uma das mazelas do PSDB é a insistência em impor uma espécie de “supremacia paulista”, associada à “falta de humildade” e “diálogo” com o restante do país.
A disputa fratricida ora protagonizada por Doria e Leite remonta à escolha dos presidenciáveis da legenda desde a sucessão de Fernando Henrique Cardoso em 2002, a partir de quando o diretório paulista teria operado, reiteradamente, para impor suas escolhas para a eleição presidencial.
Com exceção de 2014, nos pleitos anteriores, os postulantes tucanos à Presidência foram egressos do diretório paulista: José Serra em 2002 e 2010, Geraldo Alckmin em 2006 e 2018. As reclamações dos outros diretórios são de que, a partir de 2006, a legenda já dispunha de outros nomes competitivos, como o ex-governador do Ceará Tasso Jereissati, e o então governador de Minas Gerais, Aécio Neves.
A ironia nesse processo seria de que o tucano que bateu na trave da vitória não foi um paulista, e sim o mineiro Aécio Neves. Mesmo assim, ele só conseguiu a vaga de presidenciável porque se elegeu presidente do PSDB em 2013, e assumiu as rédeas do partido.
Em 2014, ele obteve 48,3% dos votos válidos contra 51,6% da petista Dilma Rousseff, perdendo por pouco mais de 3 milhões de votos (dados do Tribunal Superior Eleitoral).
Antes de Aécio, o melhor desempenho dos tucanos na polarização contra o PT havia sido de José Serra contra Dilma em 2010. O paulista alcançou 43,9% dos votos válidos, contra 56% da petista. Nos pleitos de 2002 e 2006, os presidenciáveis tucanos não alcançaram sequer 40% dos votos. Em 2018, ante o tsunami Bolsonaro, Geraldo Alckmin amargou 4,76% dos votos válidos.
A derrocada de Alckmin coroou uma fase de revezes do PSDB que remonta a 2017, quando denúncias de corrupção atingiram Aécio Neves, e teve como epílogo as duas prisões de outro líder do partido, o ex-governador do Paraná Beto Richa em 2019.
Enquanto trocam bicadas e se esfacelam em público, os tucanos deveriam voltar para seus ninhos, fazer uma pausa para autorreflexão, e avaliar uma mudança de rota. A sucessão de erros sugere que o caminho de volta ao poder é para o outro lado. Ou senão, Freud explica.
Lula
Além de se reunir com chefes de Estado e de governo da Espanha, França e Alemanha na última semana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou com pesos pesados do PIB europeu. Na sexta-feira, Lula reuniu-se com CEOs de empresas espanholas que investem no Brasil, como Santander, Telefónica, Mapfre, e Iberdrola, da área de gás e energia elétrica. O evento ocorreu na sede da confederação das empresas espanholas (CEOE).
Segundo fontes do PT, Lula ouviu mais do que falou. Os executivos espanhóis relataram preocupação com a escalada inflacionária, a complexidade tributária e a insegurança jurídica no Brasil, e reafirmaram que a vulnerabilidade da Amazônia compromete novos investimentos no país. Lula, por sua vez, teria relembrado realizações de seu governo, e o seu compromisso em combater a fome, gerar empregos e recuperar a imagem do Brasil no exterior.
Antes, na quarta-feira (17), Lula esteve com executivos da Renault e da Dassault na solenidade em que foi homenageado pela revista Politique Internationale, no hotel George V, em Paris.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/os-tucanos-no-diva.ghtml
Elio Gaspari: Propaganda transforma Planalto em casa da sogra
Palácios brasileiros passaram a ser tratados como propriedade privada há pouco tempo
Elio Gaspari / O Globo
O capitão mandou pendurar um painel de 10 metros por 2,5 no saguão do Palácio do Planalto. Chama-se “Brasil acima de tudo” e faz seu gosto. Bolsonaro também quer privatizar a Petrobras. É seu direito defender a ideia, tomando as providências que a lei determina. Não é seu direito, contudo, tratar o prédio onde trabalha como propriedade privada. Se o Instituto do Patrimônio Histórico não serve para proteger a arte do palácio presidencial, seria melhor fechá-lo.
Os palácios brasileiros passaram a ser tratados como propriedade privada há pouco tempo. Getulio Vargas pouco mexeu no Catete ou no Laranjeiras. No Alvorada de JK, a sala de jantar era iluminada por lâmpadas fluorescentes que arruinavam a maquiagem das senhoras. No governo de FHC, colocou-se uma grande escultura de madeira no jardim do Alvorada. Com a chegada de Lula, a peça foi retirada e acabou num galpão. No lugar, entrou um canteiro de flores vermelhas com a forma da estrela do PT. No Planalto, Nosso Guia instalou um pequeno museu com peças de sua vida. Lula se foi, e com ele a estrela de flores e o museu.
O presidente americano Ronald Regan comparou o palácio da “Alvarado” ao QG de uma companhia de seguros. Bolsonaro já havia exposto no saguão do Planalto, onde pôs o painel, as roupas que ele e sua mulher Michelle usaram no dia da posse. Elas continuam lá, afastadas.
Essas manifestações de falso gosto histórico ou artístico são bregas e constrangedoras. Os museus brasileiros conservam peças que poderiam ser emprestadas ao Planalto. Aquelas paredes não são molduras de painéis de propaganda política.
Os retirantes que somem
Saiu o primeiro dos dois volumes da biografia de Lula, escrita pelo jornalista Fernando Morais. Perto da metade de suas 468 páginas ocupam-se com minuciosas descrições de suas prisões, a de 2018, como ex-presidente, e a de 1980, como líder sindical.
É o livro de um biógrafo que gosta do seu personagem, circunstância que o enriquece. Em um parágrafo, ele conta a partida de Dona Lindu, em 1952, com seis crianças na caçamba de um caminhão do interior de Pernambuco a Santos. Lula tinha sete anos. Essa viagem de 13 dias teve algo de épico, sem conforto, com quase nenhuma comida e já foi contada muitas vezes. Dona Lindu e seus filhos estão imortalizados no Recife, num monumento aos retirantes nordestinos da época. Plantado num parque que leva o nome da matriarca, foi projetado por Oscar Niemeyer.
A história tem suas trapaças. Faltam no monumento aos retirantes, e em quase todas as descrições da viagem, Dorico, irmão de Lindu, a mulher, Laura, e mais suas duas crianças. Eles também vieram no pau-de-arara. Quando chegaram a Santos, foi Dorico quem chamou o táxi que os levou ao endereço de Aristides, o pai de Lula. Trabalhando como estivador, vivia com Mocinha, a prima de Lindu, com quem viera de Pernambuco. Isso foi revelado há anos pela jornalista Denise Paraná em seu excepcional “Lula, Filho do Brasil”.
Morais fez duas referências nominais a Dorico, ambas mostrando que, anos depois, Dona Lindu e seus filhos moraram num quarto nos fundos de seu bar, em São Paulo.
A ausência de Dorico e sua família no monumento do Recife e nessa parte da história do garoto Luiz Inácio é um aspecto da vida dos retirantes dos anos 50. É a presença do ausente, aquele migrante que acaba engolido pela História, mesmo que seu sobrinho tenha sido presidente da República por dois mandatos.
O Touro de Ouro
Se o monumento a Dona Lindu, do escultor Abelardo da Hora, é uma homenagem ao andar de baixo, o Touro de Ouro que papeleiros puseram diante da Bolsa de Valores é um monumento à falta de imaginação do andar de cima de Pindorama. É um eco da escultura semelhante colocada em frente à Bolsa de Wall Street.
Madame Natasha lembra que no Brasil, e em português, touros nada têm a ver com Bolsas. Em Wall Street, o touro, “bull” em inglês, designa um mercado que o bicho joga para cima com seus chifres. Já um mercado em queda é chamado de “bear” (urso) porque empurra suas presas para baixo.
O touro de Wall Street é de bronze, com a cor do metal. O touro paulista é de fibra de vidro, pintada de dourado. De ouro era Baal, a divindade pagã que Moisés destruiu quando desceu do Monte Sinai.
Enquanto o Touro de Ouro foi para a frente da Bolsa, o urso dava o ar de sua graça e os papéis caíram abaixo da marca de novembro do ano passado.
O recado de Leite
Seja qual for o resultado da prévia tucana, o governador gaúcho, Eduardo Leite, deixou sua marca no debate presidencial. Anunciou que é contra a reeleição de presidentes, governadores e prefeitos. Tem autoridade para isso porque não disputou a reeleição em Pelotas, foi para o sereno e dois anos depois elegeu-se governador do Rio Grande do Sul.
Lula foi contra a reeleição, até que chegou sua hora. Bolsonaro também prometeu não disputá-la.
Todos os males da vida nacional, do descontrole dos gastos ao toma-lá-dá-cá, têm raízes estruturais e são ossos duros de roer. Só a reeleição pode ser cancelada com uma desambição exemplar e um ato parlamentar.
Nunes Marques, o quieto
Desde que chegou ao Supremo Tribunal Federal, o ministro Kassio Nunes Marques tem sido visto como uma figura silenciosa e dissidente, com jeito de penetra. Ele se tornou um discreto articulador nas escolhas do Planalto para o preenchimento de vagas no Judiciário.
Nisso ele é um mestre, tanto que chegou à Corte como um verdadeiro azarão.
Pesadelo diplomático
Depois que Bolsonaro foi aos Emirados Árabes para andar de motocicleta enquanto Lula era recebido como um chefe de Estado na Europa, um pesadelo diplomático assombra o Planalto. É a possibilidade dele ir aos Estados Unidos no ano que vem.
Se Lula se encontrar com metade das vítimas das caneladas do bolsonarismo, repetirá o êxito do périplo europeu.
Pastore tem sorte
O economista Affonso Celso Pastore, que está no círculo de colaboradores de Sergio Moro, sabe economia e passou pela presidência do Banco Central (1983-1985) com biografia imaculada, e é também uma pessoa de sorte.
Em 1982, quando participava de uma reunião do FMI em Toronto, saiu para almoçar e pediu ostras. Mordeu uma coisa dura e achou que tinha quebrado um dente.
Era uma pérola.
Um ano de Pix
As coisas podem dar certo. O Banco Central comemorou discretamente um ano de funcionamento do aplicativo Pix.
Sem marquetagens, mentiras ou pixulecos, ele já atendeu 104 milhões de pessoas, movimentando R$ 4 trilhões.
Teve falhas e foram corrigidas, pode melhorar e o BC está trabalhando nisso.
Missão para Mourão
Se o general da reserva Hamilton Mourão for um homem caridoso e tiver uma brecha na agenda, bem que poderia ir a Washington para almoçar com sua colega Kamala Harris.
Poderia explicar-lhe o que deve fazer para continuar viva numa Casa Branca habitada por um presidente cercado por fofoqueiros que não têm o que fazer e, se tivessem, seriam incapazes de enfiar um prego numa barra de sabão.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/propaganda-transforma-planalto-em-casa-da-sogra-25285090
Luiz Carlos Azedo: Disputa autofágica entre tucanos dificultará alianças futuras
O racha no PSDB está escrito nas estrelas, qualquer que seja o vencedor
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
As prévias do PSDB são uma novidade na política partidária brasileira, inclusive por concederem um protagonismo inédito aos filiados e mandatários da legenda, que sempre resolveu suas disputas por meio de acordos de cúpula costurados pelas suas lideranças históricas, entre as quais o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o senador José Serra (SP) e o senador Tasso Jereissati (CE). No domingo, serão as bases partidárias — filiados, vereadores e prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores e governadores — que escolherão o candidato tucano à Presidência, entre os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) e o ex-prefeito de Manaus Artur Virgílio (AM). Mas é uma disputa fratricida, que dificultará sua unificação e a atração de aliados tradicionais nas eleições de 2022.
O racha no PSDB está escrito nas estrelas, qualquer que seja o vencedor. Nas últimas semanas, o governador João Doria fez uma ofensiva partidária que o levou a quase todos os estados e promoveu uma disputa, homem a homem, na qual até os vereadores de pequenas cidades foram abordados pessoalmente por seus emissários. Por isso, agora, é o favorito, mas não por larga margem. Muitas lideranças tucanas apoiam Eduardo Leite, que teria até 37% dos votos já assegurados nas prévias.
Arthur Virgílio, uma liderança histórica, dá sinais de que reserva para si o papel de pacificador do partido. Nem Doria nem Leite decolaram nas pesquisas eleitorais, o que acirra o conflito. A dissidência do ex-governador Geraldo Alckmin, cada vez mais próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fragiliza Doria. O ponto forte do governador gaúcho, Eduardo Leite, é o fato de ser uma novidade na cena nacional e ter apoio de lideranças tucanas tradicionais, inclusive em São Paulo. Player na disputa interna, o deputado Aécio Neves (MG), por exemplo, que apoia Leite, já ensaia uma dissidência séria, após as prévias, arrastando a seção mineira em outra direção, caso Doria seja o escolhido.
O governador paulista é um obstinado. Tanto na eleição para a Prefeitura de São Paulo quanto na disputa do Palácio dos Bandeirantes, Doria largou bem atrás dos concorrentes. Em 2015, era uma novidade na política, com um perfil muito mais liberal do que social-democrata, na verdade, um outsider na política tradicional. Ficou dois anos na prefeitura da capital e, depois, disputou o Palácio dos Bandeirantes, embarcado na onda que levou Bolsonaro ao poder, como a maioria dos candidatos tucanos, o que explica a ambiguidade das bancadas do PSDB no Congresso em relação ao governo Bolsonaro.
Pandemia
Com a pandemia, Bolsonaro e Doria se digladiaram diariamente, por causa da política de isolamento social e das vacinas, o que desgastou a imagem de ambos na opinião pública. Bolsonaro apostou na “gripezinha” e na “imunização de rebanho” e quebrou a cara. Doria adotou a política de isolamento social e resolveu o problema da produção de vacinas, mas acabou desgastado por causa da “chatice” de suas entrevistas coletivas, apesar das advertências de tucanos mais escolados nessas disputas.
Resultado: apesar de ser o grande artífice da vacinação em massa no Brasil, com milhões de brasileiros beneficiados pelo imunizante produzido pelo Instituto Butantan, a CoronaVac, até agora, Doria não conseguiu capitalizar eleitoralmente esse feito. Chamado de “coxinha” pelos petistas e “calça apertada” pelos bolsonaristas, virou um “chato” para muitos eleitores. Agora, tenta resgatar a imagem de bom gestor para alavancar sua candidatura presidencial. Nada disso, porém, o abala. Doria acredita que sua candidatura se imporá pela competência administrativa e pelo posicionamento claramente liberal, como nas duas eleições que venceu.
Eduardo Leite é suave, sai do Sul com um discurso liberal na economia e identitário nos costumes; conversa com todo mundo e tem no portfólio uma gestão fiscal competente, num estado estrangulado por antigas dívidas. Caso vença as prévias, terá mais facilidades para fazer alianças e disputar os votos do Sul do país, a base mais robusta de Bolsonaro. Mas seu caminho não será tão livre como antes, por causa da candidatura do ex-ministro Sergio Moro (Podemos). A tendência de Leite, caso perca as prévias, não é concorrer à reeleição. Tentará fazer o sucessor e se preparar para 2026. Sua ambição é a Presidência, mesmo que a candidatura seja adiada.
Bolsonaro ainda não tem votos no Senado para colocar de pé Auxílio Brasil
Levantamento aponta que há, neste momento, ao menos 39 senadores contrários à PEC dos Precatórios
O Governo Jair Bolsonaro corre contra o tempo para conseguir a aprovação da PEC dos Precatórios no Senado, onde tem se deparado com frequentes perdas de apoio. O líder do Governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), foi escolhido como o relator da proposta para tentar costurar um acordo com seus colegas, na tentativa de amenizar o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados. Apelidada de PEC do Calote, a proposta prevê o não pagamento imediato de parte das dívidas judiciais do Executivo e a destinação de parte desses recursos para o Auxílio Brasil, o programa assistencialista eleitoreiro criado para substituir o Bolsa Família e dar sobrevida a Bolsonaro nas urnas em 2022.
Para ser aprovado, o projeto precisa do apoio de três quintos dos senadores —49 entre 81. Hoje, já há ao menos 39 que se declaram contrários à proposição e 42 ou não se manifestaram ou são favoráveis, conforme levantamento feito pela reportagem junto às bancadas. Oficialmente, contudo, o Planalto calcula que tem entre 50 e 52 apoiadores. De qualquer maneira, a margem é reduzidíssima.
Cálculos da Instituição Fiscal Independente, um órgão do Senado, mostram que a PEC abriria um espaço fiscal de 92,9 bilhões de reais no Orçamento do próximo ano. Esse valor seria dividido da seguinte maneira: 46,9 bilhões de reais seriam gastos com o Auxílio Brasil, 21,5 bilhões de reais com despesas já previstas nos gastos e mais 24,5 bilhões de reais no outras despesas não planejadas até o momento, como reajuste para o funcionalismo público —anunciado por Bolsonaro há dois dias— ou o pagamento de emendas parlamentares. É um falso espaço fiscal, já que os precatórios deixariam de ser pagos em 2022, mas teriam de ser pagos nos anos seguintes. É uma bomba que Bolsonaro, com o possível aval do Congresso, deixará para os próximos Governos.
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Há dois pontos principais que dificultam a votação. Um deles é o fato de que o Auxílio Brasil é um programa temporário, enquanto seu antecessor, Bolsa Família, era permanente. Além disso, falta clareza na destinação dos recursos que serão obtidos com o calote aos precatórios. “Estamos construindo um entendimento e estou otimista quanto a ele”, diz o relator Coelho.
“Da maneira como está, não tem votos para aprovar no Senado”, alerta a líder da bancada feminina, Simone Tebet (MDB-MS). Pela previsão governista, o projeto será levado à comissão de Constituição e Justiça no Senado no próximo dia 23, e ao Plenário no dia 30 de novembro. O projeto tem de ser aprovado antes do Orçamento Geral da União, que deve ser votado antes do início do recesso parlamentar, marcado para 22 de dezembro. Se houver qualquer modificação na peça aprovada pela Câmara, ela precisa retornar para análise dos deputados. Há a perspectiva de um esforço concentrado na primeira semana de dezembro para votar propostas emperradas no Congresso.
Quando aprovou a proposta na Câmara, o Governo Bolsonaro abriu os cofres das emendas do relator —apelidadas de orçamento secreto— para convencer os deputados. Agora, com a proibição pelo Supremo Tribunal Federal do dispositivo, tecnicamente denominado RP9, a Administração terá de ceder em partes do texto. É nesse sentido que o emedebista Coelho negocia com três senadores que apresentaram PECs paralelas: Alessandro Vieira (Cidadania-SE), José Aníbal (PSDB-SP) e Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).
O trio, que oscila entre o apoio e a oposição a Bolsonaro em questões fiscais, tributárias e administrativas, costurou nesta quarta-feira uma proposta conjunta de alteração da PEC. Nela, preveem que o Auxílio Brasil se tornaria um programa permanente, além de extinguir dois tipos de emendas, a do relator (RP9) e a de comissão (RP8). “É preciso pensar em alternativas que encerrem de vez com o absurdo aprovado pela Câmara dos Deputados, focando nos problemas que o Brasil enfrenta, de verdade, no Orçamento”, diz Vieira.
A proposta também mantém o teto de gastos intacto e prevê destinar 99 bilhões de reais para auxílios assistenciais de 400 reais que beneficiariam até 21 milhões de cidadãos. “Podemos ter responsabilidade social sem cometer nenhuma irresponsabilidade fiscal”, declarou Guimarães.
Mapa da exclusão
Com o fim do Bolsa Família, o PT, principal partido de oposição ao Governo, apresentou nesta quarta-feira um levantamento em que demonstra quantas pessoas deixaram de receber ajuda do Governo. A comparação é entre o auxílio emergencial, pago até o mês passado, e o Auxílio Brasil, que passou a ser pago nesta semana graças a um remanejamento orçamentário.
Segundo dados levantados pelas bancadas do PT no Senado e na Câmara junto ao Ministério do Desenvolvimento Social, 24,8 milhões de brasileiros deixaram de receber os 400 reais referentes ao Auxílio Brasil. Em 2021, ao menos 39,3 milhões de brasileiros receberam o auxílio emergencial. A redução foi de 63%. O Estado mais impactado pelo corte no benefício foi São Paulo, onde 77% dos que recebiam o auxílio emergencial deixaram de receber o Auxílio Brasil.
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-11-18/bolsonaro-ainda-nao-tem-votos-no-senado-para-colocar-de-pe-auxilio-brasil.html
O que alcançaram os movimentos anti-Bolsonaro?
Lideranças consideram que movimentos antigoverno que floresceram em 2020 contribuíram para desgaste de Bolsonaro
Malu Delgado / DW Brasil
George Floyd acabara de ser assassinado nos Estados Unidos, e a primeira onda da pandemia atingia seu pico no Brasil, entre devaneios antidemocráticos do presidente Jair Bolsonaro e a falta de compromisso federal com o combate à covid-19. Ao final do primeiro semestre de 2020 floresceram no país os primeiros movimentos sociais mais organizados contra Bolsonaro.
Mais de um ano depois, alguns deles se desintegraram e não sobreviveram às dificuldades de manter uma coesão durante a pandemia. Ainda assim, lideranças que ajudaram a formar frentes de resistência a Bolsonaro consideram que importantes vozes da sociedade ecoaram mais claramente e se fortaleceram, conseguindo ao menos deter absurdos extremos do atual governo e contribuindo para o desgaste e aumento da rejeição ao presidente.
"Não tenha dúvida de que o índice de rejeição que Bolsonaro tem hoje diz respeito fundamentalmente à ação dos movimentos. Se não fosse toda essa mobilização geral, prevaleceriam só as fake news de Bolsonaro, para quem todas as desgraças brasileiras são responsabilidade de outros", disse à DW Brasil Douglas Belchior, liderança da UNEafro Brasil e membro da Coalizão Negra Por Direitos, criada ao final de 2019. Para Belchior, os movimentos sociais resistiram, cada um a seu modo, e agiram dentro de seus limites.
Ações, unificadas, segundo ele, ajudaram a combater a tese antivacina que prosperava no governo Bolsonaro, intensificando a pressão internacional. Foram também essas vozes da sociedade civil, em especial a da Coalizão Negra, que forçaram a manutenção do auxílio emergencial em 2021, evitando que a miséria e a fome se alastrassem ainda mais pelo país.
"Esses movimentos sociais atuaram e pressionaram a opinião pública e as mídias. Não haveria o desgaste nacional e internacional de Bolsonaro sem isso", sentencia Belchior.
"Com racismo, não haverá democracia"
Estamos Juntos, Somos 70% e Basta! são exemplos de movimentos que surgiram com uma bandeira comum, a luta em favor da democracia numa reação contra atos do atual governo que esses segmentos consideraram atentados contra contra direitos, civilidade e tolerância. No entanto, para Belchior, a morte de George Floyd acendeu também o alerta no país contra o racismo.
O manifesto da Coalizão Negra Por Direitos, escrito em 2020 em paralelo a esses outros movimentos que se expandiam, adotou a seguinte frase como lema: "Enquanto houver racismo, não haverá democracia".
"Uma das primeiras ações do governo Bolsonaro foi tentar derrubar a lei de cotas raciais. O movimento negro fez uma atuação em conjunto", lembra Belchior.
"Para o maior segmento da sociedade brasileira [a população negra], o risco à democracia não é novo. Onde é que tem democracia com a polícia estourando as quebradas e as favelas como sempre fez? Onde é que tem democracia com 800 mil pessoas presas, 40% delas sem julgamento?", questiona Belchior.
Ele considera que a Coalizão Negra talvez seja o único movimento social hoje no Brasil com atividade orgânica – ou seja, organizado na ponta, pela população diretamente atingida –, algo que talvez só se assemelhe ao Movimento dos Sem Terra (MST) da década de 90.
"A gente surge [após a eleição de Bolsonaro] para fazer uma dinâmica política que os brancos sempre fizeram em nosso nome. Onde o movimento negro era a ausência? Nos espaços de poder, no parlamento e em fóruns internacionais. Eram sempre os brancos falando em nosso nome. Mas a história dá uma pirueta e nos obriga a usar essa força de rede também na ponta."
Fim da espiral do silêncio da maioria
Ex-banqueiro e empresário, Eduardo Moreira é um dos nomes mais conhecidos do movimento Somos 70%. Ele enfatiza, no entanto, que nunca alimentou o próprio ego, evitando se colocar como dono do movimento ou utilizá-lo como instrumento de poder. "Sou apenas um dos 70%", pontua.
O empresário considera que o movimento foi extremamente bem-sucedido e ainda tem ecos. O objetivo do Somos 70% era extremamente simples, e muitas vezes não foi compreendido, diz.
"Vivemos no Brasil a espiral do silêncio durante um tempo. As pessoas ouviam 30% [da população que apoia Bolsonaro] falando e se intimidavam. Não só por serem a única voz que aparecia, mas por ser também uma voz muito ameaçadora, que difamava. A ideia dos Somos 70% foi só lembrar as pessoas de que podem falar, e lembrar que elas eram a maioria. Tentavam me botar numa saia justa e perguntavam: mas o [Sergio] Moro faz parte dos 70%? Se ele não é favorável a Bolsonaro, faz. Isso é simplesmente uma estatística. Não é abaixo-assinado. Ninguém pode escolher ser contra Bolsonaro e não estar nos 70%", afirma.
Para Moreira, as atuais pesquisas de intenção de votos confirmam o desgaste de Bolsonaro e são resultado da expressão da maioria. Influente nas redes sociais, o empresário postou recentemente fotos ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de Ciro Gomes, que é pré-candidato à Presidência pelo PDT.
"O Somos 70% tinha esse poder de não estar vinculado a nenhum partido político e não ter um compromisso de uma aliança. Normalmente, quando uma pessoa acaba se envolvendo em um movimento específico, se ela conversa com o Lula não pode falar com o Ciro, porque escolheu um lado. Eu sempre defendi a arena do debate. Luto pelo direito de debater. Luto pelo direito de discutir."
A voz minoritária e agressiva que calou a maioria sucumbiu, e agora a percepção geral no país é outra, diz Eduardo Moreira. O movimento, diz ele, "tomou vida própria" e o conceito de Somos 70% foi incorporado pela sociedade. Algumas estatísticas revelam isso, aponta, como o fato de 70% dos brasileiros rejeitarem a flexibilização do porte de armas; 67% acreditarem que a corrupção vai aumentar, e os mesmos 67% rejeitarem a aproximação de Bolsonaro ao Centrão. Além disso, 75% dos brasileiros acham que a democracia é o regime mais indicado, e 78% afirmam que o regime militar foi uma ditadura – todos esses dados de pesquisas recentes feitas pelo Instituto Datafolha.
O ex-banqueiro acredita que o cenário econômico caótico desmascarou a incompetência do ministro da Economia, Paulo Guedes. No entanto, Moreira não crê que haverá impeachment de Bolsonaro, por falta de interesse de grupos políticos à esquerda e à direita. A despeito da acomodação da classe política, ele vê o "antibolsonarismo consolidado".
Resposta da classe artística, Estamos Juntos perdeu fôlego
"No mesmo dia eu recebi um telefonema do Douglas Belchior, da UNEafro, e outro do Luciano Huck. Se os dois enxergaram naquele movimento um ponto de encontro, era sinal de que muita gente cabia ali", relata o escritor e roteirista Antonio Prata, um dos que ajudaram a organizar o movimento Estamos Juntos.
A principal ação do movimento em 2020 foi publicar um enorme
manifesto nas páginas dos principais veículos de imprensa do país, fortalecendo princípios democráticos. O Juntos reuniu assinaturas de intelectuais e políticos de diferentes espectros ideológicos em favor da democracia.
Antonio Prata considera que naquele momento, maio do ano passado, reunir assinaturas de economistas à direita e à esquerda num mesmo manifesto foi um feito relevante. Segundo ele, no auge da pandemia era impossível colocar as pessoas nas ruas, mas havia um forte sentimento, sobretudo entre setores culturais, de que era necessário formular uma ação rápida e contundente contra o atual governo, que flertava com a ideia de golpe institucional.
O movimento Estamos Juntos ganhou adesão significativa da classe artística e se espalhou como rastro de pólvora. Foram criados milhares de grupos de WhatsApp por todo o país. No entanto, hoje, os criadores do Juntos já nem fazem mais parte desses grupos, e a discussão se perdeu. Ainda assim, o escritor considera que o movimento teve um significado relevante na conjuntura de 2020.
Prata pondera que há dificuldades quase intransponíveis quando se reúnem pessoas com pensamentos muito divergentes num único movimento, como foi o caso do Juntos. Além disso, a pandemia dificultou uma organização mais efetiva, acrescenta.
"Mas pra mim deu muito mais a ideia de que é possível fazer coisas do que é impossível", sintetiza. "Não tentaria reavivar aquilo. É muita gente diferente, cabeças diferentes. Não é a turma de ninguém. Não tem um grupo com pensamento e origem parecidas. Há outros caminhos [de resistência ao governo], mas foi ótimo, abriu muitas portas, contatos", acrescenta o escritor.
"Movimentos sofrem síndrome da paixão", diz filho de Herzog
Filho do jornalista Vladimir Herzog, morto na ditadura militar, o engenheiro Ivo Herzog também aderiu à onda de protestos contra Bolsonaro, mas tem uma visão bastante crítica, e amarga um pessimismo diante da apatia da sociedade brasileira.
"Eu realmente me engajei no Estamos Juntos, em meados de maio. Acho que esses movimentos sofrem da síndrome de paixão. É muito fácil se apaixonar, só que paixão tem data de validade. Não perdura. O que perdura é o amor. A paixão a gente mergulha, para de fazer tudo o que está fazendo, mas passa. Isso explica muitoesses movimentos, de maneira geral", diz.
Segundo ele, esses movimentos ganharam fôlego a partir de uma sequência de eventos negativos para o governo no ano passado, como a saída de Sergio Moro do governo, as trocas sucessivas no Ministério da Saúde, a falta de respostas na pandemia e a "flagrante intenção de Bolsonaro de atentar contra a democracia".
Para ele, o movimento Estamos Juntos cresceu muito rapidamente, o que desestrutura qualquer iniciativa. Além disso, pontua, por envolver muitas "celebridades", houve uma guerra de egos nos bastidores do movimento que prejudicou as articulações. "É isso. Perdeu o foco, se perdeu nas discussões, se queimaram pontes. Foi uma paixão avassaladora. Normalmente paixão dura dois anos. Aquela durou dois meses."
Herzog afirma que os pressupostos do movimento eram interessantes e que ele sempre insistiu na necessidade de manter uma ação suprapartidária. Defender nomes e partidos, sustenta, gera distanciamento, e não aproximação. "Nossa luta é contra esse obscurantismo, todo esse processo em que começamos a andar para trás, desde o governo Temer, na verdade", completa.
Empobrecimento democrático
Para Herzog, é pouco provável que a sociedade civil consiga se articular de forma efetiva em 2022 contra Bolsonaro.
"Estou muito descrente. O que vai acontecer é que vamos entrar em 2022 gastando 10% do nosso tempo brigando com Bolsonaro e 90% brigando entre a gente, para ver quem vai ser o cara [candidato à Presidência]. E não vai se discutir conteúdo."
Ainda assim, Ivo Herzog acha que Bolsonaro não se reelegerá, mas o Brasil perderá a chance de debater coletivamente uma proposta de país.
"Não existe uma casa no Brasil para se debater as ideias. Os partidos políticos não são mais isso. Estão atrás de pessoas que tragam votos. Não interessa se o cara usa suástica ou a estrela de Davi. É uma loucura, e o eleitor com um mínimo de consciência se afasta deste processo", lamenta.
Para ele, o fato de o ex-presidente Lula ser "a mesma solução política há 30 anos" é sinal do empobrecimento democrático do Brasil.
"Claro que o Lula de 1989 não é o Lula de hoje, mas é uma loucura você pensar que é o mesmo cara. É desanimador. E olha as alternativas postas... Não dá para pensar no PSDB que faz Bolsodoria. O braço direito do [Geraldo] Alckmin em São Paulo era o [ex-ministro do Meio Ambiente] Ricardo Salles", critica.
Há décadas, conclui Herzog, "o Brasil normaliza o absurdo". "Não vejo ninguém fazendo uma reflexão bem estruturada para esse país."
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/o-que-alcan%C3%A7aram-os-movimentos-anti-bolsonaro/a-59837165
Viagens de Bolsonaro e Lula ao exterior antecipam 'queda de braço' eleitoral
Jair Bolsonaro e Lula miram tanto o público externo quanto o eleitorado brasileiro nas viagens, segundo análise de especialistas
Leandro Prazeres / BBC News Brasil
Nesta semana, dois potenciais candidatos às eleições de 2022, o presidente Jair Bolsonaro, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), estão cumprindo uma intensa agenda de viagens ao exterior.
Bolsonaro faz uma visita oficial a países árabes. Lula, por sua vez, está na Europa, onde foi recebido por lideranças de centro-esquerda. Especialistas em relações internacionais ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que as duas viagens, ainda que de forma não intencional, servem para "medir as forças" de cada um na arena internacional.
Bolsonaro embarcou na sexta-feira (12/11) para uma viagem de uma semana a três países do mundo árabe: Emirados Árabes Unidos, Catar e Bahrein. Na sua agenda, Bolsonaro participou da Expo Dubai 2020, uma feira internacional onde o Brasil tem um pavilhão, encontros com empresários, políticos e com o rei do Bahrein, Hamad bin Isa Al Khalifa.
Já o ex-presidente Lula começou sua viagem na quinta-feira (11/11) com destino a quatro países da Europa: Alemanha, Bélgica, França e Espanha. Durante o tour, o ex-presidente se encontrou com líderes da centro-esquerda europeia como o provável novo chanceler alemão, Olaf Scholz, que é líder do Partido Social-Democrata, com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, que é do Partido Socialista, e, em Bruxelas, Lula discursou no Parlamento Europeu.
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que as viagens revelam diferenças gritantes como as imagens que ambos tentam passar, mas também mostram uma preocupação com o público interno, especialmente a pouco mais de um ano das eleições de 2022.
Duelo de imagens
Para o professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Guilherme Casarões, Bolsonaro e Lula travam um duelo na esfera internacional e tentam projetar duas bastante distintas.
"Essa viagens são uma medição de forças, sim. De um lado, o atual presidente vai ao Oriente Médio e adota o discurso de que está em busca de investimentos para o país. É a imagem do presidente mercador. Do outro, Lula volta à Europa com um discurso de estadista, tentando mostrar ao exterior que o Brasil tem alternativas seguras para um futuro pós-Bolsonaro", afirmou.
A professora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG) Fernanda Cimini, também vê diferenças nas imagens que Bolsonaro e Lula tentam passar durante suas viagens.
Ela explica que Bolsonaro aproveita a viagem para vender a narrativa de que, apesar das críticas que vem recebendo nesta área, sua política externa estaria conseguindo atingir seus objetivos.
"As imagens são muito simbólicas. Quando Bolsonaro aparece sendo recebido por líderes do mundo árabe, com seus trajes típicos, tenta vender a imagem um presidente que consegue o respeito de líderes fortes com quem ele pode se sentir mais alinhado. Do outro lado, Lula tenta se posicionar como alguém com quem a comunidade internacional pode dialogar", explicou.
Reconstruir pontes versus Isolamento
Nas últimas semanas, o atual presidente foi duramente criticado por sua atuação tímida na reunião do G20, em Roma, e por sua ausência à COP 26, em Glasgow, no Reino Unido.
A decisão de não ir à conferência do clima contrastou com a tradição que o Brasil vinha tendo nos últimos anos de se posicionar como uma potência verde. Analistas afirmam que a política externa do Brasil vem conduzindo o país a um isolamento.
O governo, por outro lado, se defende afirmando que o país continua relevante na esfera internacional.
Mais uma vez, as viagens de Bolsonaro e Lula, segundo os especialistas, evidenciam as diferenças entre os dois em relação à política externa. Enquanto Lula estaria tentando "reconstruir pontes" de olho em 2023, Bolsonaro estaria refém da agenda adotada nos últimos anos.
Para o professor de Relações Internacionais da UFMG, Dawisson Belém Lopes, os destinos e a agenda de Bolsonaro refletem o seu isolamento diplomático.
"Essa viagem é, em certa medida, expressão de um certo estreitamento de possibilidades diplomáticas do Brasil neste momento. Brasil não tem relações de nível e fluídas nem com os Estados Unidos e nem com a China. Com os europeus, há problemas que se arrastam desde o início dessa gestão presidencial. O Brasil de hoje tem poucas opções", disse o professor.
Ao analisar o roteiro de Lula, o professor diz que a viagem pode ser vista como uma tentativa de "reconstruir pontes" do ex-presidente com a comunidade internacional.
"O que Lula está fazendo é uma tentativa de reconstruir pontes, de pavimentar o seu caminho para janeiro de 2023. Ele sabe que precisa de pontes com o exterior e começa por onde deveria começar, que é pela Europa, porque é lá que ele encontra um terreno mais fértil, especialmente entre líderes da centro-esquerda", explicou.
A pesquisadora do Wilson Center em Washington e professora da FGV, Daniela Campello, enfatiza o contraste entre as opções de Bolsonaro e de Lula.
"A ida de Bolsonaro ao Oriente Médio é reflexo claro da falta de espaço do Brasil na esfera internacional. Apesar de o presidente afirmar defender a democracia, ele obviamente não se manifesta sobre os regimes políticos dos países que está visitando. Por outro lado, Lula está discursando no Parlamento Europeu, está falando com prêmio Nobel de economia (Joseph Stiglitz)", disse Daniela.
Foco nas eleições
Apesar de esse "duelo" estar ocorrendo no cenário internacional, o centro da disputa entre Bolsonaro e Lula é, obviamente, as eleições de 2022. Nenhum dos dois confirmou oficialmente que será candidato, mas pesquisas de intenção de voto mais recentes colocam os dois na liderança do pleito do ano que vem. Nesse contexto, os especialistas afirmam que os movimentos feitos lá fora deverão refletir internamente.
Fernanda Cimini, da UFMG, diz que, a partir de agora, tudo o que os dois fizerem pode ou será usado como material para as eventuais campanhas de 2022.
"A política internacional também é um campo onde sobre o qual se dá a disputa eleitoral. Então, a partir de agora, viagem pra Europa, pro Golfo Pérsico, pro Nordeste, tudo será usado na disputa. A percepção de sucesso dessas viagens vai ser material de campanha, com certeza", afirmou.
Para Guilherme Casarões, a principal demonstração de que essa batalha no exterior tem foco doméstico é a forma como as militâncias tanto de Lula quanto de Bolsonaro estão abordando as viagens em seus grupos.
"De um lado, os petistas estão exaltando a forma como Lula está sendo recebido por lideranças europeias. Seria uma demonstração de que o Brasil pode voltar a ser respeitado internacionalmente. Do outro, os bolsonaristas estão enfatizando como o presidente estaria buscando investimentos ao Brasil", disse o professor.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/11/4963674-como-viagens-de-bolsonaro-e-lula-ao-exterior-antecipam-queda-de-braco-eleitoral.html