eleições 2022

O que ensina a Venezuela

A presença de militares na política tem custos altos e reversão difícil

Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo

Mais de uma vez, ao desfechar ataques desvairados às instituições que garantem a democracia no país, Bolsonaro invocou o "meu Exército", sugerindo que conta com o apoio das Forças Armadas para levar a cabo seus intentos liberticidas.

Até aqui, parece haver antes farolagem do que fundamento nessas falas. Ainda assim, é nítido que desde a ditadura de 1964-1985 os militares brasileiros nunca estiveram tão perto de cruzar a linha que separa seu papel constitucional do engajamento aberto na disputa política.

A história nunca se repete ao pé da letra; e experiências de outros países costumam viajar mal. Ressalvas feitas, há muito que aprender com o artigo do cientista político americano Harold Trinkunas "As Forças Armadas Bolivarianas da Venezuela: medo e interesse face à mudança política", recém-publicado pelo Woodrow Wilson Center de Washington.

O estudo trata da politização das instituições militares sob Hugo Chávez e Nicolás Maduro e de sua subordinação aos governos populistas da dupla.

De um lado, isso implicou na doutrinação ideológica nas academias militares, em sistemas de promoção e atribuição de missões que favoreceram o oficialato leal ao chavismo; na reestruturação das Forças com a inclusão formal da Milícia Bolivariana diretamente afeta ao presidente; e no fortalecimento de um vasto sistema de contrainteligência militar que vigia os suspeitos de deslealdade ao regime. De outro lado, vieram as recompensas.

Em especial sob Maduro, militares ocuparam o centro do poder. Comandam ministérios, governam estados e controlam setores econômicos estratégicos, como parte da indústria petrolífera, a mineração de ouro e a distribuição de alimentos. Gerem também o multimilionário comércio de armas com a Rússia e a China. E não é propriamente um segredo em Caracas que oficiais de alta patente têm parte com o tráfico internacional de drogas e o contrabando de mercadorias.

Maduro, ele sim, diz a verdade ao proclamar que o politizado Exército do país é seu. E este, cúmplice do desastre nacional que o populismo chavista promoveu, compartilha com o autocrata a responsabilidade pela destruição de uma democracia que já foi forte o suficiente para vencer a guerrilha revolucionária e ficar ao largo da onda de autoritarismo que sufocou a região nos anos 1960-70.

Acima de tudo, os fuzis são hoje o principal obstáculo para a Venezuela voltar por meios pacíficos à normalidade democrática. Por atraente que possa parecer aos brasileiros desiludidos com o sistema, a presença dos militares na política tem custos altos e reversão difícil.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/08/o-que-ensina-a-venezuela.shtml


Um amortecedor avariado para as ambições do poder

Inclusão do presidente nem inquérito no Supremo demonstra que Ciro tomou posse como um amortecedor com avarias

Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico

O novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, já começou por reduzir as expectativas que cercam sua missão. Definiu-se como o “amortecedor” da República em seu discurso de posse. É assim que quer ser lembrado neste momento de “grandes trepidações”, um ministro capaz de “reduzir as tensões para uma viagem mais serena”.

Com o epíteto, o ministro já baixou as expectativas de quem projetou, com sua posse, uma pauta governista destravada no Congresso para criar as condições à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Ciro Nogueira poderia ter escolhido o acelerador ou o catalisador, mas preferiu o mecanismo que não avança, nem processa. Só amortece. No melhor das hipóteses, também a queda.

Apesar de comprometê-lo menos, o epíteto já se mostrou falso desde a posse. Do Poder com o qual as relações com o Executivo estão mais crispadas, o Judiciário, não havia um único representante na posse da Casa Civil. Pelo menos não que merecesse ter sido citado nas nominatas dos três discursos da cerimônia - de Nogueira, do agora ministro da Secretaria-Geral, Luis Eduardo Ramos, e de Bolsonaro.

Mais do que o embate da semana em torno da urna eletrônica, a ausência estaria explicada, minutos depois da cerimônia, com a aceitação, pelo ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, da notícia-crime do Tribunal Superior Eleitoral contra Bolsonaro. Pelos ataques ao sistema de votação do país, o presidente será incluído no inquérito das “Fake news” por calúnia, difamação, incitação ao crime, apologia ao crime, associação criminosa e denunciação caluniosa.

Não é o primeiro inquérito a investigar Bolsonaro. O presidente já é alvo de investigação por interferência na Polícia Federal. A aceitação da notícia-crime só comprometerá Bolsonaro se for aceita como denúncia pelo Procurador-Geral da República ou pela Câmara dos Deputados. A inclusão do presidente, porém, faculta ao inquérito a produção de provas que podem vir a constranger até mesmo leões de chácara do porte de Augusto Aras e Arthur Lira. Isso porque este inquérito está nas mãos do irrefreável Moraes.

Tampouco havia quaisquer representantes do Tribunal de Contas da União, Corte que, naquele mesmo momento decidiu, por cinco votos a três, pela abertura de inquérito contra o ex-ministro da Saúde, hoje secretário de Assuntos Estratégicos, Eduardo Pazuello. Bolsonaro fez questão de citá-lo em seu discurso para que não pairem dúvidas de que continua sob sua proteção.

Ciro parece ter incorporado o amortecedor porque não há extintor de incêndio que chegue para o governo do capitão. Basta ver o que Bolsonaro fez com a nominata dos parlamentares. O presidente citou os cinco governadores presentes (RJ, GO, AC, AM e DF), os ministros, os presidentes da Câmara e do Senado, lideranças governistas no Congresso e, na hora de mencionar o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), acrescentou: “Cada vez menos forte, ainda bem”. Abriu os braços para mostrar que se referia à redução das medidas abdominais do senador, mas voltou a reforçar o duplo sentido da fala ao dizer que Alcolumbre, que permanece aliado de seu sucessor, “o deixou”.

Ex-negociador das emendas da base governista, Alcolumbre é um dos símbolos das fogueiras que ardem no Congresso contra o presidente. Bolsonaro quer o Centrão para aprovar suas pautas eleitoreiras, enquanto o bloco quer tirar dele a execução das emendas parlamentares e o fundão eleitoral. Como diz o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um dos mais combativos integrantes da CPI da Pandemia, a posse de Nogueira não resolve os problemas de Bolsonaro no Congresso mas os do Centrão no governo.

Como não há posse grátis, a pressão contra o bloco foi exemplificada no vazamento do depoimento em que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) disse à Polícia Federal que ouvira de Pazuello a menção a Lira, aliado de Ciro Nogueira, como um dos que o pressionava, com ameaças, por repasses.

A panela de pressão em que se transformou a base governista foi exemplificada pelo próprio Lira, ao se posicionar sobre a contenda da semana em torno do voto impresso. Ele repassou, de cima do muro, a pressão do presidente por sua aprovação, alegando que a Câmara já o havia aprovado em 2015 e que o Senado o represa desde então.

Quando este texto já tiver sido fechado, terá tido início a votação da tríade de mudanças com as quais Lira pretende tornar a adesão do Centrão ao presidente mais imune ao julgamento do eleitor, com a reforma do código eleitoral, a mudança no sistema eleitoral e, finalmente, a menos provável delas, o voto impresso.

Um velho observador da cena política de Brasília compara as atribuições do Centrão na Casa Civil àquelas assumidas por Eliseu Padilha quando o então vice-presidente Michel Temer tomou posse na Secretaria de Relações Institucionais com a missão de coordenar as demandas de parlamentares. Foi ali que começou o mapeamento de cargos e emendas que resultaria no placar de 367 votos favoráveis ao impeachment.

A reprodução deste modelo, porém, enfrentaria, a sobrevivência do aparato de informantes montado pelos generais do Palácio. Na Casa Civil, por exemplo, coabitam com Ciro um time de militares egressos das áreas de informações do Exército que chegaram com Ramos no Palácio e de lá não saem. É sobre eles que recaem, por exemplo, as suspeitas da CPI sobre o monitoramento de seus integrantes.

As pressões mais mal administradas são aquelas que desaguam no Orçamento, onde o ministro Paulo Guedes tenta puxadinhos extra-teto para infinitas ambições, como é o caso da proposta de emenda constitucional dos precatórios. O epíteto de caloteiro, porém, ao contrário de todos aqueles investigados por Moraes, tem um efeito imediato na deterioração do ambiente econômico.

Nem tudo se resolve com dinheiro. A posse de Ciro Nogueira na Casa Civil só aumenta o número de adesistas a disputar o metro quadrado das inaugurações. Não basta aprovar e executar as emendas, tem que contemplar os parlamentares que as originaram nos eventos destinados ao confete político. São tantos os que querem subir, em especial em enclaves de fartura como a Codevasf, que os palanques acabarão por ruir. E não haverá amortecedor que dê conta.


Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/um-amortecedor-avariado-para-as-ambicoes-do-poder.ghtml


Parcelamento de precatórios pode ampliar a folga do teto de gastos em 2022

Proposta, que gerou reações no mercado e entre governadores, favoreceria Bolsonaro com verba extra em ano eleitoral; medida tem potencial de baixar a dívida dos precatórios em R$ 7,8 bi e deve chegar hoje ao Congresso

Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A proposta do governo para parcelar o pagamento de precatórios (valores devidos pelo poder público após sentença definitiva na Justiça) pode ampliar a folga para novos gastos em 2022. A medida deixaria a despesa com as dívidas judiciais R$ 7,8 bilhões menor do que o previsto para este ano – um espaço novo e que poderá ser direcionado a outras áreas.

Os valores constam em esclarecimentos prestados pelo próprio governo sobre o texto que foi enviado pelo Ministério da Economia ao Palácio do Planalto, onde a proposta passa por ajustes e revisões finais.

Na prática, a conta mostra que a proposta vai além de disparar um “míssil” contra o “meteoro” dos precatórios, como disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao tratar do problema. Ao reduzir a despesa total com os precatórios de um ano para o outro, a medida cria espaço fiscal adicional para o governo acomodar outros gastos em ano eleitoral. O presidente Jair Bolsonaro tem planos para reforçar a política social e incentivar a geração de empregos para tentar estancar sua perda de popularidade e impulsionar sua campanha à reeleição.

A PEC que está sendo elaborada pelo governo deve chegar hoje ao Congresso e já sofre resistências porque deixará credores da União, incluindo empresas e governos estaduais, na fila de espera por anos a fio. Neste ano, o governo estima que o gasto com precatórios ficará em R$ 55,4 bilhões. Em 2022, sem a PEC, a despesa subiria a R$ 89,1 bilhões.

A proposta do governo é fixar duas regras de parcelamento das dívidas judiciais. Para débitos acima de R$ 66 milhões, a possibilidade de pagar em dez prestações anuais seria permanente. Para débitos de R$ 66 mil a R$ 66 milhões, valeria uma regra temporária (até 2029) que permitiria o parcelamento nas mesmas condições sempre que o gasto total com precatórios fique superior a 2,6% da receita corrente líquida.

No esclarecimento do governo, é informado que as duas regras juntas devem reduzir o comprometimento com despesas em R$ 41,5 bilhões, na comparação com o valor inicialmente previsto. Com isso, a despesa com precatórios em 2022 ficaria em R$ 47,6 bilhões – R$ 7,8 bilhões a menos que o programado para 2021.

Segundo uma fonte da área econômica, a diferença “abre espaço para qualquer coisa” e poderia até se aproximar a R$ 10 bilhões, mas os números ainda podem ser recalculados. Antes mesmo do estouro do problema dos precatórios, já havia pressão pela concessão de reajustes a servidores públicos e ampliação de investimentos.

‘Fatura’

Nos bastidores, há também a avaliação de que a negociação pela aprovação da PEC pode acabar gerando uma “fatura” de promessas de emendas aos parlamentares que votarem de forma favorável à iniciativa. O espaço seria crucial para acomodar esses interesses.

As emendas também poderiam, nesse caso, servir como forma alternativa de os parlamentares irrigarem seus redutos com recursos em ano eleitoral, considerando que muitos Estados serão atingidos pelo parcelamento dos precatórios.

Dos R$ 89 bilhões em dívidas judiciais, pelo menos R$ 16,6 bilhões têm governos estaduais como credores. A Bahia, governada por Rui Costa (PT), tem sozinha R$ 8,7 bilhões a receber de precatórios da União em 2022. Com a aprovação da PEC, o valor pago à vista cairia a R$ 1,3 bilhão. PernambucoCearáMaranhão e Paraná também estão entre os potenciais afetados. A maior parte é governada por opositores de Bolsonaro.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=zWVDg2

Como mostrou o Estadão/Broadcast, os Estados se mobilizam numa ofensiva no Congresso para evitar o parcelamento dos precatórios devidos pela União. Por trás desse imbróglio, há um cálculo político do governo federal de não querer encher o caixa de governadores adversários em ano de eleição, sobretudo no Nordeste.

Com o espaço adicional no Orçamentoalgumas fontes do governo têm considerado que a criação do chamado Fundo Brasil, a ser abastecido com recursos de privatizações e venda de ativos e que poderia bancar despesas fora do teto de gastos (que limita o avanço das despesas à inflação), seria algo secundário e pode até acabar caindo durante a tramitação no Congresso. O foco principal seria o parcelamento dos precatórios.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,parcelamento-de-precatorios-pode-ampliar-a-folga-do-teto-de-gastos-em2022,70003800696


TSE desmente Bolsonaro e diz que PF 'nunca' comunicou fraude nas eleições

Presidente disse em programa de rádio que relatório da instituição levantava suspeita de invasão das urnas eletrônicas

Monica Bergamo / Folha de S. Paulo

O Tribunal Superior Eleitoral voltou a contestar, na madrugada desta quinta (5), declarações feitas por Jair Bolsonaro sobre a vulnerabilidade do sistema eleitoral.

presidente afirmou, em um programa da rádio Jovem Pan, que o próprio TSE teria reconhecido que um hacker invadiu seu sistema interno. A admissão teria sido feita em um inquérito da Polícia Federal
De acordo com Bolsonaro e o deputado, isso mostraria a fragilidade das urnas eletrônicas.

O inquérito, no entanto, não conclui que houve fraude no sistema eleitoral em 2018 ou que poderia ter havido adulteração dos resultados, ao contrário do que disse o mandatário.

De acordo com a Corte, "o próprio TSE encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude".

Em uma nota, o tribunal afirma que o episódio, que ocorreu em 2018, ​"foi divulgado à época em veículos de comunicação diversos. Embora objeto de inquérito sigiloso, não se trata de informação nova".

Segundo o tribunal, "o acesso indevido, objeto de investigação, não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018. Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu".

Cabe ainda acrescentar, diz a nota divulgada pelo TSE, "que o código-fonte é acessível, a todo o tempo, aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado".

O tribunal volta a reiterar "que as urnas eletrônicas jamais entram em rede. Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração".

E é taxativo: "Por essa razão, é possível afirmar, com margem de certeza, que a invasão investigada não teve qualquer impacto sobre o resultado das eleições".

Em sua participação no programa da rádio, Bolsonaro reagiu ao fato de ser agora investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) e no TSE por 11 crimes e chegou a afirmar: "Olha, eu jogo dentro das quatro linhas da Constituição. E jogo, se preciso for, com as armas do outro lado".

Leia a íntegra da nota divulgada pelo TSE:

"Em referência ao inquérito da Polícia Federal que apura ataque ao seu sistema interno, ocorrido em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral esclarece que:

1. O episódio de 2018 foi divulgado à época em veículos de comunicação diversos. Embora objeto de inquérito sigiloso, não se trata de informação nova.

2. O acesso indevido, objeto de investigação, não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018. Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu.

3. Cabe acrescentar que o código-fonte é acessível, a todo o tempo, aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado.

4. Cabe reiterar que as urnas eletrônicas jamais entram em rede. Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração. Por essa razão, é possível afirmar, com margem de certeza, que a invasão investigada não teve qualquer impacto sobre o resultado das eleições.

5. O próprio TSE encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude.

6. De 2018 para cá, o cenário mundial de cybersegurança se alterou, sendo que novos cuidados e camadas de proteção foram introduzidos para aumentar a segurança de todos os sistemas informatizados."


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2021/08/tse-desmente-bolsonaro-e-diz-que-pf-nunca-comunicou-fraude-nas-eleicoes.shtml


Luiz Carlos Azedo: A marcha inglória

Bolsonaro está pedindo para ser impedido de disputar as eleições ou mesmo ser afastado do cargo, por atitudes que atentam contra o Estado de direito democrático

Talvez o título mais adequado da coluna fosse A marcha da insensatez, inspirado no livro quase homônimo da escritora Barbara W. Tuchman sobre decisões erradas dos governantes, contra seus próprios interesses, pelos mais diversos motivos, como na Guerra de Troia, na reforma protestante, na independência dos Estados Unidos e na Guerra do Vietnã. Sempre houve momentos em que a razão foi impotente diante da ideologia e dos interesses mais mesquinhos. Parece ser o que está acontecendo no país, sob o protagonismo do presidente Jair Bolsonaro, que tenta impor sua vontade ao Congresso e ao Judiciário, ou apenas criar um pretexto para lançar o país num abismo político-institucional.

Em razão de seus sucessivos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), com acusações sem provas contra o sistema de votação em urna eletrônica, o que já havia provocado uma dura reação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Alexandre de Moraes acolheu notícia-crime encaminhada por unanimidade por aquela Corte ao Supremo Tribunal Federal (STF), e decidiu incluir o presidente Jair Bolsonaro no chamado inquérito das fake news. A apuração levará em conta os ataques feitos pelo presidente às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral do país. O inquérito foi aberto em março de 2019, pelo então presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, para investigar notícias fraudulentas, ofensas e ameaças aos integrantes da mais alta magistratura do país.

Nas suas lives, entrevistas e postagens nas redes sociais, segundo a decisão de Moraes, Bolsonaro pode ter cometido um rosário de crimes: calúnia (art. 138 do Código Penal); difamação (art. 139); injúria (art. 140); incitação ao crime (art. 286); apologia ao crime ou criminoso (art. 287); associação criminosa (art. 288); denunciação caluniosa (art. 339); tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito (art. 17 da Lei de Segurança Nacional); fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social (art.22,I, da Lei de Segurança Nacional);incitar à subversão da ordem política ou social (art. 23, I, da Lei de Segurança Nacional); dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral (art. 326-A do Código Eleitoral).

O ministro Moraes presidirá o TSE nas eleições. O presidente da República está pedindo para ser impedido de disputar as eleições de 2022 ou mesmo ser afastado do cargo, por atitudes que atentam contra o Estado de direito democrático, ao desafiar à legislação vigente e aos ministros do Supremo. Não se sabe se o presidente da República vive uma crise de ansiedade, por causa do peso das suas responsabilidades, do mau desempenho do governo e da perda de popularidade, o que pode levar a um surto psicótico, ou se faz um audacioso cálculo político, para precipitar uma grave crise institucional antes das eleições, diante da ameaça de derrota eleitoral cada vez mais iminente, isto é, uma virada de mesa.

Conjuntura
Diante de tanta subjetividade envolvida nas atitudes do presidente da República, o melhor a fazer é examinar os cenários e a correlação de forças que podem nos conduzir ao desfecho dessa crise entre Bolsonaro e a maioria dos integrantes do Supremo. Como na Teoria da Relatividade, porém, o tempo da Justiça não é o mesmo da política e da economia. O ambiente internacional não é favorável a um golpe de Estado no Brasil, principalmente durante o governo do presidente Joe Biden, nos Estados Unidos, país com o qual temos relações amplas, históricas e multifacetadas. Há sim, no mundo, uma onda autoritária, mas somos um país do Ocidente. Bolsonaro vive às turras com os chineses; a Rússia não é uma parceira privilegiada do governo brasileiro, embora o presidente da República tenha certa simetria política com o líder russo Vladimir Putin.

No plano interno, Bolsonaro perde o apoio do stablishment econômico e institucional, que também não está interessado no “quanto pior, melhor”. Sua política econômica garroteia as possibilidades de recuperação eleitoral, porque o cobertor está curto: a atividade econômica se recupera, mas a inflação provoca elevação de juros e freia a geração de empregos; o governo tenta implementar uma política de compensação social, mas sacrifica os contratos, pedalando os precatórios, o que cria insegurança jurídica e reduz investimentos privados. No plano político, tornou-se prisioneiro do Centrão, que vai apoiar o governo até as eleições; o projeto de reeleição, não necessariamente, depende da situação eleitoral de cada estado.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-marcha-ingloria

William Waack: Bolsonaro e as nossas agonias

Não há consenso em como lidar com a atração do presidente pelo abismo

Os personagens políticos que conquistaram o poder, não importa o método, e por mais tempo lá ficaram, também não importa como, são os que menos sofreram da doença que acomete Jair Bolsonaro. É o conhecido fenômeno da autossugestão, pela qual a concepção de mundo do doente vira uma crença mística tão enraizada a ponto de que nada o convence de que possa estar errado. 

Esse diagnóstico é amplamente compartilhado hoje em Brasília nas mais variadas esferas dos poderes, incluindo a volátil instância dos caciques políticos do Centrão e passando por quase todos os ministros do STF e tribunais superiores, além de parte relevante do Alto Comando do Exército. As divergências surgem quando se trata de definir como lidar com o bravateiro. 

Bolsonaro não parece levar em conta fatores reais de poder, pois acha que foi imbuído de missão divina e apenas o Todo-Poderoso decide. Talvez essa concepção de mundo ajude a entender o fato de ele não ter conseguido chegar a dois instrumentos clássicos para qualquer golpe: organização política de massa e/ou capacidade de exercer violência armada. E ter perdido (até mesmo entregado) considerável parte do poder de seu cargo para o Legislativo e o Judiciário. 

Assim, para os atores políticos “racionais” nas instâncias acima mencionadas surge como completamente irracional o contínuo esforço de Bolsonaro rumo à ruptura institucional, pois o mundo real da relação das forças de poder indica que disso sairia ele como o principal perdedor. Na verdade, com sua estatura derretendo em todos os sentidos, já é o grande derrotado, mas não é assim que ele se vê. 

Como lidar, então, com esse personagem que parece movido por uma inexorável atração pelo abismo? Entre altos oficiais das Forças Armadas detecta-se o sentimento de que não vão segui-lo na loucura, mas não estão agindo para impedi-lo. Depois de contínuas afrontas, o Judiciário deu passos concretos para contê-lo, mas o tempo consumido por inquéritos no TSE e no STF é muito mais longo do que o tempo da política. E o PGR não acha que cabe a ele virar a República de pernas para o ar. 

Na política, que é a esfera decisiva, dividem-se os caciques do Centrão entre os que ainda acham possível tutelar Bolsonaro, sobretudo depois da mudança na Casa Civil, e os que desistiram dessa ambição que ninguém de fora da família conseguiu realizar. É uma rachadura que por enquanto não se amplia, pois, no cálculo cínico desses agentes, os poderes conquistados pelo Centrão não mudam caso “caia a ficha” e Bolsonaro modere o comportamento. E ficam do mesmo jeito caso o presidente continue desprezando os conselhos que está recebendo e prossiga piorando a briga com o Judiciário. 

No fundo, o que todos estão fazendo é esperar que as coisas se resolvam por si mesmas. Não existe nos círculos de poder econômico e político uma disposição clara – nem coordenação nem liderança nem a “massa crítica” política necessárias – para precipitar qualquer ação de afastamento de Bolsonaro, por mais que aumente a percepção de que ele está causando severos danos ao regime democrático, à população e ao País. 

É o que torna possível a esse personagem político seguir padecendo nessa evidente agonia interior, trazida por conspirações e fantasmas que alimentam impulsos incontroláveis – e que passou a ser a agonia de todos nós, a agonia das lives patéticas, das frases desconexas no cercadinho de bajuladores, dos raciocínios tortuosos em entrevistas, das mentiras descaradas, da omissão diante dos fatos, da ausência de compaixão, solidariedade, interesse público, projeto de futuro. 

A principal agonia talvez seja a de constatar que Bolsonaro não reúne mais condições de realizar qualquer grande transformação, a não ser provocar uma tragédia. A boa notícia é que em história nada é inevitável. 

*JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN


Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-e-as-nossas-agonias,70003800678


Novo texto do voto impresso reduz poder do TSE e busca ‘efeito imediato’ de mudanças

Relator do projeto, deputado Filipe Barros protocola novo parecer sobre a medida; proposta deve ser analisada pela comissão especial da Câmara

Camila Turtelli / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Às vésperas de a proposta de adoção do voto impresso ser analisada pela comissão especial do Congresso, o relator do projeto, deputado Filipe Barros (PSL-PR), protocolou nesta quarta-feira, 4, um novo parecer sobre a medida. A nova versão ganhou um dispositivo para reduzir o poder do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas investigações sobre processos de votação e outro para permitir que eleitores possam acompanhar a contagem manual dos votos na seção eleitoral. Há ainda uma alteração que, segundo especialistas, derruba a regra de que as mudanças só poderiam ocorrer um ano após aprovadas, ou seja, as mudanças teriam validade imediata e para as eleições de 2022

O novo texto tem previsão de ser analisado pela comissão especial nesta quinta-feira, 5. Caso seja aprovado, vai ao plenário da Casa onde, para seguir para o Senado, precisa do apoio, em dois turnos, de três quintos dos parlamentares (mínimo de 308 votos favoráveis). A movimentação do governo sobre o assunto ocorre no mesmo dia em que o presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que confia no sistema atual das eleições, mas que há espaço para debater o assunto no Congresso, porque, segundo ele, uma parcela da população não teria a mesma avaliação

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As mudanças apresentadas por Filipe Barros também se dão no momento em que o presidente da República, Jair Bolsonaro, eleva o tom nas críticas ao presidente do TSE, ministro Luis Roberto Barroso, e nos ataques à democracia, instituições e autoridades, colocando em suspeição a realização das eleições no ano que vem caso a medida não seja implementada no Brasil. 

No novo texto, Barros determina que investigações sobre o processo de votação devem ser conduzidas de maneira “independente” da autoridade eleitoral e que esse trabalho tem que ficar a cargo da “Polícia Federal, sendo a Justiça Federal de primeira instância do local da investigação o foro competente para processamento e julgamento, vedado segredo de justiça”, diz o texto. Ao Estadão/Broadcast, o parlamentar afirmou que o dispositivo é “para garantir investigações céleres e isentas”. 

Barros também retirou um artigo da versão anterior que dizia que o TSE editaria normas e adotaria medidas necessárias para assegurar o sigilo do exercício do voto. O deputado fez ainda mudanças para garantir que qualquer pessoa possa acompanhar a apuração manual dos votos, apesar de não estar detalhado como isso ocorreria. 

“A apuração consiste na contagem dos votos colhidos na seção eleitoral, pela mesa receptora de votos, publicamente por meio da presença de eleitores e fiscais de partidos, imediatamente após o período de votação e gera documento que atesta o resultado daquela seção eleitoral”, diz o texto. “Apuração tem que ser pública. É ato administrativo. Apuração secreta só em ditaduras”, disse Barros. 

Anualidade

Atualmente, qualquer mudança no processo eleitoral só pode começar a valer se tiver sido aprovada até no máximo um ano antes das eleições. É a chamada regra da anualidade. Essa norma está prevista na Constituição em um trecho que diz: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.” 

Barros quer acrescentar um adendo a esse trecho: “A lei que verse sobre a execução e procedimentos dos processos de votação, assim como demais assuntos que não interfiram na paridade entre os candidatos, tem aplicação imediata”. 

Para técnicos legislativos, esse acréscimo pode flexibilizar a regra da anualidade e fazer com que qualquer mudança aprovada em cima da hora passe a valer. Barros discorda. “Estamos só deixando mais claro o entendimento do próprio STF e TSE, que aquilo que for relacionado a procedimento não precisa respeitar a anualidade e que essa regra só vale para o que puder gerar uma desigualdade entre os candidatos”, disse o deputado.

O texto prevê ainda que todos os programas de computador utilizados nos processos de votação devem estar com seus códigos permanentemente abertos para consulta pública na internet. 

Prevê ainda que o transporte dos registros impressos de voto até a sede das autoridades estaduais eleitorais ficará a cargo das forças de segurança pública ou das Forças Armadas e, após serem entregues, a responsabilidade pela custódia caberá à respectiva autoridade estadual eleitoral. Barros determina que os registros impressos de voto deverão ser preservados pelo prazo de cinco anos contado a partir do dia seguinte da proclamação do resultado. 

‘Corujão’

Antes da discussão sobre o voto impressão, a Câmara decidiu se debruçar sobre o sistema eleitoral. Os deputados marcaram para as 22h30 desta quarta-feira uma reunião na comissão especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com a mudança do sistema proporcional, atualmente usado, para o Distritão. O horário da reunião é incomum. A proposta tem apoio de parlamentares da atual legislatura e costura-se um acordo de bastidores para a aprovação, mas caciques de partidos médios e grandes fazem pressão contra o modelo.

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Lira indica apoio a voto impresso e fala em ‘auditagem mais transparente’


Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,novo-texto-do-voto-impresso-reduz-poder-do-tse-e-busca-efeito-imediato-de-mudancas,70003800358


Empresários e intelectuais lançam manifesto de apoio ao processo eleitoral

Documento diz que Brasil terá eleições e seus resultados serão respeitados; afirma ainda que sociedade não aceitará aventuras autoritárias

Sérgio Roxo/ O Globo

SÃO PAULO - Um grupo de mais de 200 empresários, economistas e intelectuais divulgará nesta quarta-feira uma manifesto de apoio ao processo eleitoral brasileiro em resposta aos ataques do presidente Jair Bolsonaro à urna eletrônica e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso.

O texto diz que o "Brasil terá eleições e os seus resultados serão respeitados". Afirma também que a  "sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias". Assinam o documento, entre outros, os empresários  Luiza Trajano (Magazine Luiza), Guilherme Leal (Natura) e Roberto Setúbal (Itaú); os economistas  Armínio Fraga, Pérsio Arida e André Lara Resende; os líderes religiosos Dom Odilo Sherer (cardeal arcebispo de São Paulo) e Monja Coen; os médicos Raul Cutait, Drauzio Varella e Margareth Dalcomo; os ex-ministros José Carlos Dias, Pedro Malan, Paulo Vanuchi e Nelson Jobim; e os professores universitários Luiz Felipe de Alencastro e Candidato Mendes de Almeida.

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"Apesar do momento difícil, acreditamos no Brasil. Nossos mais de 200 milhões de habitantes têm sonhos, aspirações e capacidades para transformar nossa sociedade e construir um futuro mais próspero e justo. Esse futuro só será possível com base na estabilidade democrática", afirma o manifesto.

O texto ainda ressalta que "o princípio chave de uma democracia saudável é a realização de eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos". "A Justiça Eleitoral brasileira é uma das mais modernas e respeitadas do mundo. Confiamos nela e no atual sistema de votação eletrônico", afirma.

Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV-Direito São Paulo e um dos idealizadores do manifesto, diz que o documento é uma resposta após a fala  de Bolsonaro na segunda-feira em que o presidente atacou o presidente do TSE e o acusou de prestar um desserviço ao país. Por meio de grupos de diálogo já existentes, os signatários decidiram pela elaboração do manifesto. 

— Queremos mostrar que a sociedade não considera normal o presidente atacar instituições que estão exercendo a sua função. É importante que os mais diferente setores estejam unidos na confiança na Justiça e no processo eleitoral.PUBLICIDADE

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Sundfeld destaca que o signatários possuem diferentes visões políticas e são oriundos das mais diversas atividades profissionais.  O grupo, segundo ele, reconhece um risco para a democracia e está disposto a defendê-la.

Ainda de acordo com o professor, o manifesto é apenas o primeiro passo. A expectativa é que a Congresso enterre o projeto que institui o voto impresso, mas, se isso não ocorrer, uma das possibilidades debatidas é questionar a constitucionalidade do texto.


Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/apos-ataques-de-bolsonaro-empresarios-intelectuais-lancam-manifesto-de-apoio-ao-processo-eleitoral-25141289


Bolsonaro critica Moraes e ameaça com 'antídoto fora da Constituição'

Presidente fez declarações sobre a sua inclusão no inquérito das fake news em entrevista a rádio, após apelo por equilíbrio feito por novo ministro da Casa Civil

Ricardo Della Coletta / Folha de S. Paulo

Numa nova escalada na crise institucional aberta com o Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reagiu nesta quarta-feira (4) à sua inclusão como investigado no inquérito das fake news e disse, em tom de ameaça, que o "antídoto" para a ação não está "dentro das quatro linhas da Constituição".

"Ainda mais um inquérito que nasce sem qualquer embasamento jurídico, não pode começar por ele [pelo Supremo Tribunal Federal]. Ele abre, apura e pune? Sem comentário. Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está, então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição", disse Bolsonaro, em entrevista à rádio Jovem Pan.

A crítica de Bolsonaro se refere ao fato de o inquérito das fake news —e a sua inclusão nesta quarta como investigado— ter sido aberto de ofício, e não a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República).

No caso do inquérito das fake news, a abertura ocorreu por decisão pelo então presidente do STF Dias Toffoli e posteriormente referendado pelo plenário da corte.

A inserção de Bolsonaro como alvo da investigação, por sua vez, ocorreu a pedido do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso.

A ameaça de agir fora dos limites constitucionais foi repetida em outras ocasiões na entrevista.

"O meu jogo é dentro das quatro linhas [da Constituição]. Se começar a chegar algo fora das quatro linhas, eu sou obrigado a sair das quatro linhas, é coisa que eu não quero. É como esse inquérito, do senhor Alexandre de Moraes. Ele investiga, pune e prende? É a mesma coisa".

Em outro momento, ele disse: "Estão se precipitando. Um presidente da República pode ser investigado? Pode. Num inquérito que comece no Ministério Público e não diretamente de alguém interessado; esse alguém vai abrir o inquérito, como abriu? Vai começar a catar provas e essa mesma pessoa vai julgar? Olha, eu jogo dentro das quatro linhas da Constituição. E jogo, se preciso for, com as armas do outro lado. Nós queremos paz, queremos tranquilidade. O que estamos fazendo aqui é fazer com que tenhamos umas eleições tranquilas ano que vem."

Bolsonaro concedeu a entrevista ao lado do deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que institui o voto impresso. O projeto é defendido por Bolsonaro, que tem lançado suspeitas e questionamentos sobre sistema eletrônico de votação.

O presidente tem afirmado, sem apresentar provas, que as últimas eleições presidenciais foram fraudadas. Ele também alega que as urnas eletrônicas são vulneráveis a adulterações —afirmações que o TSE rechaça.

Na entrevista desta quarta, Bolsonaro voltou a alimentar a tese falsa de que ele teria sido eleito em primeiro turno.

O presidente venceu o segundo turno das eleições de 2018, numa disputa com Fernando Haddad (PT). O resultado final foi 53,13% para o atual presidente contra 44,87% para o petista.

"Eu volto a dizer, pelo meu sentimento, pelas minhas andanças pelo Brasil, pelo que aconteceu: nós ganhamos disparado no primeiro turno", declarou.

Na entrevista, Barros apresentou o que ele diz ser um inquérito em que o próprio TSE teria reconhecido que um hacker invadiu o sistema interno do tribunal.

De acordo com Bolsonaro e o deputado, isso mostraria a fragilidade das urnas eletrônicas

Em uma rede social, o presidente da comissão especial que analisa a PEC do voto impresso, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), afirmou que os documentos apresentados por Barros e por Bolsonaro "possuem conteúdo grave e a situação exige uma investigação séria". "É de interesse de todos que zelam pela democracia", escreveu.

Folha recebeu, na semana passada, o inquérito citado na entrevista e consultou diversos especialistas e uma pessoa envolvida na investigação, que foram unânimes: o inquérito não conclui que houve fraude no sistema eleitoral em 2018 ou que poderia ter havido adulteração dos resultados, ao contrário do que disse o mandatário.

Bolsonaro também desferiu novos ataques contra Barroso, a quem chamou de mentiroso.

TSE

Em nota à imprensa, na madrugada desta quinta (5), o TSE disse, em referência ao inquérito da Polícia Federal que apura ataque ao seu sistema interno em 2018, que o episódio foi divulgado na época em vários veículos de comunicação e não representou qualquer risco à integridade das eleições.

"Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu", afirma a nota.

O TSE diz também que o código-fonte é acessível aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. "Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado", diz o tribunal.

Na nota, o TSE reafirma que as urnas eletrônicas não entram na rede. "Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração".

"O próprio TSE encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude", aponta o tribunal na nota à imprensa.

Segundo o TSE, de 2018 para cá novas camadas de proteção foram incluídas no cenário mundial de cybersegurança, o que aumenta a segurança dos sistemas informatizados.

"Por fim, e mais importante que tudo, o TSE informa que os sistemas usados nas eleições de 2018 estão disponíveis na sala-cofre para os interessados, que podem analisar tanto o código-fonte quanto os sistemas lacrados e constatar que tudo transcorreu com precisão e lisura", finaliza a nota.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/bolsonaro-acusa-inquerito-de-moraes-de-ilegal-e-ameaca-antidoto-fora-das-4-linhas-da-constituicao.shtml


Coronel Blanco diz à CPI da Covid que visava negociar vacinas para mercado privado

Ex-assessor da Saúde é apontado como intermediador da reunião em que suposto pedido de propina

Andre de Souza e Melissa Duarte / O Globo

BRASÍLIA — Em depoimento à CPI da Covid no Senado, nesta quarta-feira, o coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde, afirmou que visava negociar vacinas para o mercado privado e não para o Ministério da Saúde. Ele é suspeito de ter intermediado um encontro onde houve o susposto pedido de propina para a compra de vacina.

Segundo o policial militar Luiz Paulo Dominguetti, que dizia representar a empresa Davati Medical Supply, Blanco estava no jantar em que o PM alega ter recebido a proposta de propina de Roberto Dias, ex-diretor de Logística da pasta, por uma suposta venda de imunizantes da AstraZeneca ao governo federal. O coronel é apontado como intermediador da reunião, que ocorreu em um shopping de Brasília. O ex-assessos da Saúde abriu uma empresa poucos dias antes da conversa, o que levantou suspeitas no colegiado.

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Blanco disse à CPI que foi procurado em fevereiro, quando já não tinha mais cargo comissionado no Ministério da Saúde por uma pessoa chamada Odilon relatando haver uma empresa, a Latin Air, com doses de vacina do laboratório AstraZeneca para entrega imediata. O representante seria Luiz Paulo Dominguetti. Trata-se do PM que, em junho, deu uma entrevista relatando haver cobrança de propina no Ministério da Saúde para negociar vacinas.

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Blanco mostrou mensagens de Whatsapp trocadas com Dominguetti. Segundo o coronel, eles estavam negociando vacinas para iniciativa privada, e não para o Ministério da Saúde, órgão do qual já estava desligado.

A compra de vacinas pela iniciativa privada chegou a ser defendida pelo governo e parte do Congresso, e foi aprovada, mas com uma série de condicionantes. Na prática, não chegou a haver compra de vacinas por empresas.

O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), destacou ainda que a ideia começou a ser debatida em 18 de fevereiro, depois do primeiro contato entre Blanco e Dominguetti. O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que o coronel Blanco poderia ter informação privilegiada na época, o que ele negou.

O coronel também prestou solidariedade às vítimas da Covid-19 e disse que ele próprio ficou internado por 12 dias em razão da doença.

O coronel confirmou a versão do ex-diretor de Logística do Ministério da saúde Roberto Ferreira Dias de que foi ele, Blanco, quem levou Dominguetti para um jantar num restaurante de Brasília. Roberto disse que estava tomando um chope com um amigo quando eles chegaram lá sem o seu conhecimento.

Ele disse ainda que, enquanto esteve no jantar com Dominguetti e Roberto Dias, não houve pedido de propina. Dominguetti afirmou que houve cobrança, enquanto Roberto nega. Blanco afirmou que tinha conversado antes com Roberto Dias e este lhe contou que estaria no restaurante. O militar negou que tenha informado Roberto previamente que levaria Dominguetti.

Ao Ministério da Saúde, foram oferecidas doses da AstraZeneca que seriam disponibilizadas por outra empresa, a Davati.

Contradição entre depoimentos

O coronel disse que a intenção era, com isso, conseguir que Dominguetti marcasse um encontro com Roberto Dias no Ministério da Saúde. Segundo Dominguetti, o ex-diretor de Logística cobrou propina nesse encontro. Roberto Dias nega.

Em depoimento prestado em 15 de julho na CPI, Cristiano Carvalho, representante da Davati no Brasil, disse que tratou de "comissionamento" com o coronel Blanco e outras pessoas. Nesta quarta-feira, o militar negou.

— Eu jamais fiz qualquer pedido de comissionamento ou de vantagem — disse o coronel.

Omar Aziz perguntou então que benefício ele teve com isso.

— Nenhum — respondeu o coronel Blanco.— Zero? — insistiu Omar.— Nenhum — repetiu o depoente.

— Meu Deus! O senhor é muito bondoso. O senhor está fazendo isso sem (receber) nada. O senhor deveria ter feito isso com a Pfizer, a CoronaVac... — ironizou o presidente da CPI.

— A CoronaVac, a Pfizer e a Janssen queriam ter tido toda essa facilidade — afirmou Randolfe Rodrigues em seguida.

Na terça-feira, ao ser perguntado por Randolfe sobre o preço das vacinas oferecidas ao Ministério da Saúde, o reverendo Amilton Gomes de Paula respondeu:

— A Latin Air era US$3,97; depois, veio a Davati, US$3,50, que, depois, passou para US$17,50, e, depois, abaixou para US$11.

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Há contradição entre os dois depoimentos. Enquanto o reverendo citou a negociação com o Ministério da Saúde, o coronel da reserva disse que trabalhava em prol do mercado privado.

Coronel nega intermediação

Marcelo Blanco disse que, depois de ter saído do Ministério da Saúde, ele manteve contato com algumas pessoas que ficaram na pasta. Mas negou que tenha mantido influência no ministério.

— Dos militares, são aqueles amigos pessoais meus, de anos. E com algumas pessoas, a gente mantém interlocução, porque tem uma relação amistosa. Graças a Deus, tive o privilégio de conhecer muita gente no Ministério da Saúde. E sempre fui muito recebido. Desde que cheguei lá foram elegantes comigo — afirmou o depoente.

O coronel Blanco também negou que o tempo que passou no Ministério da Saúde tenha conferido alguma vantagem para a atuação profissional dele depois de ter saído da pasta.

Coronel Blanco negou que tenha facilitado a intermediação da compra de vacinas da AstraZeneca.

— A pessoa me pediu uma agenda. Eu falei: “Peça direto ao diretor”.

Em seu depoimento, Cristiano Carvalho disse Dominguetti lhe contou que haveria um comissionamento para o "grupo do tenente-coronel Blanco". Nesta quarta-feira, o militar negou a existência do grupo.

O coronel Blanco afirmou que o cargo que ocupava no Ministério da Saúde não impunha nenhum tipo de quarentena ao deixar a pasta.

Líder da Bancada Feminina, Simone Tebet (MDB-MS) pediu acareação para ver “quem mente menos ou quem mente mais”. Também sugeriu o pedido de embargo de declaração ao ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), para verificar se o depoente pode ser preso em caso de falso testemunho, já que ele possui um habeas corpus concedido pela Corte.

Em junho de 2021, o Ministério da Saúde publicou portaria em que determinou que o general da reserva Ridauto Fernandes deveria ser substituto do então diretor Roberto Dias em caso de afastamento. Até aquele momento, quem ocuparia o cargo seria o coronel Blanco, exonerado cinco meses antes, em 18 de janeiro.

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— Isso é materialmente impossível, é claramente um erro — afirmou coronel Blanco.

Ele nega que tenha substituído Dias no período. Coronel Blanco foi nomeado em 4 de maio de 2020 e designado como substituto em outubro do mesmo ano.

Deputados tumultuam depoimento

Logo em seguida, as perguntas de Renan foram interrompidas por Randolfe, que questionou um deputado governista presente na sessão por fazer insultos à CPI. Além disso, pediu que Reinhold Stephanes Junior (PSD-PR) fosse retirado da sessão, por tumultuar o depoimento.

— Deputado, algum problema? Vossa Excelência aqui gravou um vídeo, se referindo a essa CPI.

— Qual é o problema? — rebateu, no fundo da sala.

— O problema é que Vossa Execlência praticou ainda há pouco um ato de desacato a essa comissão — respondeu o vice-presidente da comissão.PUBLICIDADEhttps://cee70a9ef8e0ae98884aeb2a29c0d6b6.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Randolfe pediu que o parlamentar se identificasse e indagou sua autoridade para estar presente ali.

— O senhor não pode desrespeitar essa Comissão Parlamentar de Inquérito, não pode atuar dessa forma e eu pedirei para os seguranças daqui do Senado tomarem as devidas providências sobre Vossa Excelência. (..) Eu quero pedir para a Polícia Legislativa autuar esse parlamentar.

— Continua o modus operandi do governo — comentou Renan.

A comissão vai notificar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e cogita acionar o Conselho de Ética.

O ex-assessor da Saúde chegou ao Senado por volta das 9h, mas a sessão começou com 1h20 de atraso. Após o início da sessão, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) mencionou o poder de a comissão analisar o abuso do direito de não autoincriminação, como ocorreu no caso da diretora da Precisa, Emanuela Medrades.

Logo no início do depoimento, o ex-assessor disse ter uma "trajetória ilibada" e currículo para assumir o cargo na Saúde. O coronel diz ter sido procurado por Dominguetti, e mostrou uma troca de mensagens feita em fevereiro. Segundo o GLOBO apurou, o principal argumento de Blanco à CPI será de que ele foi enganado pelo PM. O policial se anunciava como um representante comercial que poderia vender ao Brasil 400 milhões de doses da vacina Astrazeneca, mas não tinha nem sequer autorização do laboratório.

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O militar admite que, após ser procurado por Dominguetti, em fevereiro, viu a oportunidade de negociar os imunizantes para a iniciativa privada. Na época, ele já tinha deixado o cargo de assessor na Saúde. Blanco abriu uma consultoria três dias antes do jantar com o policial e, cerca de um mês depois, incluiu atividades ligadas à área da saúde no escopo das atividades da empresa.

Blanco tem um Habeas Corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que lhe permite ficar em silêncio durante seu depoimento à comissão. A decisão foi dada em meados de julho pelo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, para que o depoente fique isento de responder perguntas que possam lhe incriminar. No entanto, ao GLOBO, o tenente-coronel disse que responderá aos senadores.


Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/ao-vivo-coronel-blanco-diz-cpi-da-covid-que-visava-negociar-vacinas-para-mercado-privado-nao-com-ministerio-da-saude-25139940


A reforma vale-tudo de Lira

Vera Magalhães / O Globo

Política quase nunca é feita de boas intenções. Ela é praticada em bases bem mais pragmáticas que isso. A falta de apoio do Congresso à obsessão de Jair Bolsonaro pelo voto impresso, portanto, não se deve a nenhuma consciência por parte dos parlamentares de que é preciso zelar pela democracia, mas ao fato de eles considerarem essa cruzada uma bobagem e saberem que a urna eletrônica é segura — afinal, foram eleitos por ela.

Assim sendo, melhor gastar tempo, energia e conchavos com as próprias prioridades, em vez de se engajar na de Bolsonaro.

Eis que no minuto 1 da volta do recesso se materializa na Câmara, pronto para ser enfiado goela abaixo da sociedade, um calhamaço de mais de 900 artigos revogando toda a legislação eleitoral e, sob o pretexto de unificar tudo num Código Eleitoral, aproveitando para passar um tratoraço na fiscalização do uso de dinheiro público para campanhas e para o custeio dos partidos e para censurar as pesquisas, entre outras atrocidades.

O projeto patrocinado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e assinado por uma correligionária, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), é mais um exemplo de um expediente que vai se tornando corriqueiro na Câmara sob o comando do deputado alagoano: os projetos surgem do nada e são rapidamente votados, para que não dê tempo de a imprensa denunciar todos os seus aspectos e de a sociedade se articular.

É, também, uma mostra de por que Lira se mantém impávido segurando qualquer pedido de impeachment de Bolsonaro, não importa o que ele faça: ele já comanda uma fatia expressiva do Orçamento, colocou dois aliados no Planalto e vai aprovando medidas (fundão eleitoral, mudança na lei de improbidade administrativa e, agora, o Código Eleitoral do vale-tudo) de sua agenda pessoal sem ser importunado pelo Executivo. Manda na pauta da Câmara, a despeito do gasto sem precedentes feito pelo governo Bolsonaro (e o fim da mamata?) com agrados ao Centrão.

A reforma na legislação eleitoral proposta pela porta-voz de Lira usa do mesmo negacionismo propalado por Bolsonaro em relação às urnas eletrônicas para censurar a divulgação de pesquisas às vésperas do pleito. Quer que institutos divulguem uma tabela de acertos (!) em levantamentos anteriores, ignorando a obviedade estatística de que pesquisas são fluidas, mostram tendências e que, principalmente no Brasil, algumas eleições apresentam curvas que se modificam às vésperas das eleições.

Em relação aos gastos dos cada vez mais fornidos fundos públicos, o partidário e o eleitoral, a regra na reforma de Lira é o libera geral: até transporte de eleitor passará a ser passível apenas de multa.

Mecanismos para garantir equidade na distribuição desses mesmos recursos, como a determinação de que mulheres e negros sejam contemplados de forma proporcional, vão para as cucuias.

A Justiça Eleitoral perderá mecanismos para aprovar resoluções que disciplinem as eleições e terá menos tempo para analisar prestações de contas de campanha. E ainda cabe muita bizarrice em 372 páginas feitas sob medida para perpetuar os mesmos, graças a muito dinheiro público, e para impedir renovação de fato na política.

A presença de Arthur Lira no comando da Câmara é um desses legados deletérios do bolsonarismo para as instituições. Sob seu comando, ainda que haja soluços pragmáticos, como a reação às ameaças de Braga Netto ou o enterro da PEC do voto impresso, eles sempre se darão sob a lógica de que há outra agenda, igualmente contrária ao interesse público e ao aprimoramento do processo democrático, à espreita.

Pobre do país que tem de se fiar num Congresso comandado por interesses desse tipo para (quem sabe) frear os pendores golpistas de um presidente da República disposto a tudo para se manter no poder.


Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/reforma-vale-tudo-de-lira.html


Comandante da Aeronáutica procura Gilmar e nega apoio a golpismo

É a primeira sinalização direta dos militares ao Supremo em meio à crise com Bolsonaro

Igor Gielow / Folha de S. Paulo

Na primeira sinalização direta da cúpula militar ao Supremo Tribunal Federal em meio à crise entre Jair Bolsonaro e o Judiciário, o comandante da Aeronáutica convidou o decano da corte para um almoço nesta terça-feira (3).

No cardápio servido no Comando da Aeronáutica, a negação de apoio a qualquer aventura golpista no país e a reafirmação de alguns pontos pelos quais os militares têm sido criticados.

Não foi uma conversa qualquer. O brigadeiro Carlos Almeida Baptista Jr. é visto como o mais bolsonarista dos três novos chefes militares que assumiram após a crise militar que derrubou todos os comandantes e o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, em abril.

E Gilmar personifica o tribunal mais criticado reservadamente pelos comandantes Brasil afora, que consideram a corte excessivamente poderosa e dada a tolher o trabalho do Executivo.

A conversa foi cordial, segundo conhecidos dos dois comensais. Procurado, Gilmar não quis falar sobre o encontro. A assessoria de Baptista Jr. ainda não respondeu a um pedido de comentário.

O encontro foi combinado por um amigo em comum dos dois do Clube da Aeronáutica, em Brasília, onde Gilmar costuma jogar tênis.

O tom cordato e os temas gerais do almoço traziam subjacentes a tensão aguda entre Judiciário e Executivo.

Bolsonaro está em guerra com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que reagiu abrindo uma investigação sobre suas acusações de que as urnas eletrônicas são objeto de fraude e ameaça de empastelar a eleição do ano que vem se o voto impresso não for aprovado.

O tribunal também enviou cópia da infame live promovida pelo presidente na quinta passada (29) para defender seus pontos sem prova para o Supremo, sugerindo a investigação de Bolsonaro no inquérito das fake news tocado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Os militares estão no meio da confusão. O ministro Walter Braga Netto (Defesa), ao negar que tivesse feito em privado a mesma ameaça que Bolsonaro fizera publicamente contra as eleições, divulgou nota no dia 22 de julho chamando de legítimo o desejo pelo voto impresso.

Ele não está sozinho. A cúpula militar, no geral, concorda com isso. Mas vários de seus integrantes consideraram o teor da nota dispensável, ainda mais porque ele remetia a uma publicação anterior, tão ou mais explosiva.

Em 8 de julho, Braga Netto divulgou uma nota dura contra o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM).

O parlamentar havia citado, ao comentar o fato de que havia vários militares sendo investigados por suspeitas na gestão do Ministério da Saúde pela comissão, o "lado podre das Forças Armadas".

No dia seguinte, Baptista Jr. concedeu uma entrevista ao jornal O Globo reafirmando a nota, subscrita por ele e pelos dois outros chefes de Forças, e aumentando o tom de ameaça. "É um alerta. Exatamente o que está escrito na nota. Nós não enviaremos 50 notas para ele (Aziz). É apenas essa", disse.

O próprio Gilmar reagiu à ofensiva fardada. "Não é função das Forças Armadas fazer ameaças à CPI ou ao Parlamento. Pelo contrário, as Forças Armadas têm o poder e o dever de proteger as instituições", disse então à rádio CBN.

O teor da fala de um oficial da ativa alarmou o mundo político, identificando nela uma perigosa associação entre quem detém monopólio da força e as pregações golpistas quase diárias do presidente Bolsonaro.

Mesmo entre alguns chefes militares a entrevista foi considerada excessiva, mas não por seu teor, com o qual concordam. O uso do "lado podre" remete à "banda podre", termo aplicado às milícias integradas por policiais no Rio e em outros estados.1 6

Aquilo magoou as Forças, Baptista Jr. disse a Gilmar no encontro, segundo conhecidos de ambos. O fato de eventualmente haver fardados envolvidos em falcatruas não conspurcaria as Forças de forma orgânica, sustentou.

Na própria entrevista ao Globo, o brigadeiro havia repetido o que se ouve usualmente na cúpula fardada, que malfeitos são punidos e há severidade. Isso é por vezes contradito na atuação vista como corporativa da Justiça Militar, contudo, o que reflete uma tendência das Forças de resolver problemas intramuros, sem transparência.

O ministro do Supremo fez ponderações acerca da impropriedade do debate sobre o voto impresso como está sendo feito, implicando a urna eletrônica em fraudes inexistentes. Fez a defesa do sistema eleitoral brasileiro.

O almoço certamente não irá apaziguar de todo a relação entre militares e o Judiciário, que era mediada por Azevedo quando era ministro —ele havia servido como assessor da presidência do Supremo sob Dias Toffoli. Mas se insinua como um marco no ambiente cheio de crispação atual.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/comandante-da-aeronautica-procura-gilmar-e-nega-apoio-a-golpismo.shtml