eleições 2022

Cidadania age para firmar federação e candidatura à presidência

Em entrevista ao CB. Poder, Roberto Freire deu detalhes sobre os planos para solidificar a candidatura

Denise Rothenburg / Gabriela Chabalgoity / CB Poder / Correio Braziliense

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, trabalha com dois projetos no horizonte. O primeiro, é consolidar a pré-candidatura do senador Alessandro Vieira (SE) à Presidência da República — embora admita que, faltando aproximadamente um ano para a corrida eleitoral, há tempo suficiente para se trabalhar várias alternativas no campo da chamada “terceira via”. O segundo é construir uma federação de partidos em torno da legenda, que busca partidos com os quais tenha afinidades — como Rede e PV — para viabilizar aquilo que pode ser o embrião de uma nova agremiação. A seguir, confirma os principais pontos da entrevista que Freire concedeu ao CB.Poder, uma parceria entre o Correio Braziliense e TV Brasília, que foi ao ar ontem.

O que fará o Cidadania diante de regras mais rígidas de sobrevivência para 2023?
A federação precisa ser entendida não como uma alternativa à coligação. Tem uma outra característica: ela é muito mais embrião de futuro partido do que mera coligação. Na coligação, acabou a eleição, cada um vai para o seu lado. Na federação, não — é um partido durante, pelo menos, a legislatura. Isso é processo de fortalecer partidos, até porque a pulverização nas casas legislativas é excessiva — isso dificulta governos, dificulta a própria atividade legislativa. Embora o Cidadania tenha superado a cláusula de desempenho de 2018, ela vai aumentar. Então, precisamos ter um certo cuidado.

Ou seja, a federação de partidos é feita durante a eleição e continua valendo durante toda aquela legislatura?
Sim. Não pode haver separação, então vai ter que ter muito mais convergência do que divergência. Você não aguenta quatro anos se não houver um movimento, uma sinergia, de integração. Não pode ser algo que vai aos trancos e barrancos porque você pode perder, inclusive, respeito diante da sociedade. Não é a cláusula de desempenho que tem que indicar qual é o meu caminho. Meu caminho tem que ser de construção de uma alternativa política. Por isso, o Cidadania só admite discutir federação com quem tem identidade com o Cidadania.

Sobre a discussão do Cidadania em relação à federação com a Rede e o Partido Verde, já tem alguma decisão nesse sentido?
Nós conversamos, um tempo atrás, sobre a possibilidade de uma fusão com a Rede, até mesmo antes da eleição, e com o PV. O PV não quis e nem conversou. Com a Rede, quase tivemos uma fusão, lá em 2018. Não me parece que a Rede tenha mudado de posição, acho que quer continuar tentando sobreviver como partido, independentemente de superar ou não a cláusula de barreira. Mas, o PV, que não quis a fusão, já olha com outro olhar. Como federação, imagina que pode ser uma alternativa.

O Cidadania já lançou uma pré-candidatura à Presidência da República, para 2022, o senador Alessandro Vieira (SE). Ele vai ser candidato mesmo ou é um nome que está ali para discutir mais à frente?
Desde o lançamento o compromisso do Cidadania é de trabalhar pela unidade. É chamada a alternativa do campo democrático e que a imprensa usa muito com o nome de “terceira via”. Ótimo se essa unidade estiver em torno do Alessandro. Mas se tiver outro nome que agregue mais, o Cidadania não será nenhum obstáculo em relação a isso. Não é apenas para derrotar Bolsonaro ou Lula.

É possível vencer a polarização?
Claro, estamos muito distantes da eleição. Há de se diminuir as surpresas porque parece que o recuo que (o presidente Jair) Bolsonaro teve que fazer acalmou aquela ânsia de agredir os Poderes da República. O cenário não está definido.

O PSDB dificilmente deixará de ter candidato à Presidência. Gilberto Kassab que afirmou que o PSD também terá. Ciro Gomes (PDT) falou que a candidatura está certa. Como fica a união do centro?
Mais de um ano antes das eleições há um movimento de partidos políticos discutindo uma candidatura única. Em nenhuma outra sucessão presidencial teve isso. O bloco democrático está tentando discutir um salto para o futuro. Essas duas forças políticas que se polarizam (Bolsonaro e Lula) são duas forças que não compreendem a nova realidade.

O país passa por uma crise grave na economia e o senhor vê alguma saída a curto prazo?
O Congresso atuou bem na pandemia, juntamente com governadores e prefeitos. Se não fosse por eles, teríamos vivido uma tragédia ainda maior do que essa que está aí. É importante salientar que, há algum tempo, nós do Cidadania defendemos o impeachment. Mesmo que (o vice-presidentre Hamilton) Mourão não seja nenhuma grande alternativa, para fazer a transição seria muito melhor do que a continuidade que está se anunciando com Bolsonaro.

* Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4953735-cidadania-age-para-firmar-federacao-e-candidatura-a-presidencia.html


Luiz Carlos Azedo: “Já ganhou” preocupa Lula

Devido ao peso do Estado e à máquina do governo, petista avalia que Bolsonaro ainda não estaria fora da disputa

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está em Brasília para conversar com todo mundo, ou melhor, “com quem queira conversar com ele”, destaca o deputado Carlos Zaratinni (PT-SP), que ontem participou da conversa do líder petista com as bancadas de deputados e senadores da legenda. Acompanhado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, Lula também se encontrou com os governadores do PT no Nordeste: Camilo Santana (Ceará), Fátima Bezerra (Rio Grande do Norte), Rui Costa (Bahia) e Wellington Dias (Piauí). Também estiveram na reunião a vice-governadora do Sergipe, Eliane Aquino, e o senador Jaques Wagner (PT-BA).

Domingo à noite, Lula teve um encontro com o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), acompanhado do senador Humberto Costa (PT-PE), em mais um passo para consolidar a aliança com o PSB, cujas negociações estão muito adiantadas. Esqueçam o apoio dos caciques do MDB ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Amanhã, Lula jantará na casa do ex-senador Eunício de Oliveira (CE) com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, o ex-presidente José Sarney, os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), e os ex-senadores Edison Lobão (MDB-MA) e Romero Jucá (MDB-RR).

Na conversa de ontem com os parlamentares petistas, Lula traçou a linha de suas conversas. Primeiro, não existe “já ganhou”. Devido ao peso do Estado e à capacidade de influência política da máquina do governo, avalia que o presidente Jair Bolsonaro ainda não estaria fora da disputa — pode se recuperar e se reeleger. Obviamente, o petista faz essa avaliação olhando para o final do seu primeiro mandato, quando teve dificuldades para se reeleger em razão dos escândalos do mensalão e dos dólares na cueca de um petista, às vésperas do primeiro turno. Em 2006, teve que disputar o segundo turno com o tucano Geraldo Alckmin.

Segundo, Lula não vai reinventar a roda. Pretende apresentar propostas baseadas nas realizações de seu governo, que lhe garantiram alta aprovação no final do segundo mandato, que agora pretende resgatar. A desconstrução das políticas públicas por Bolsonaro, de certa forma, facilita a comparação entre os dois governos, ainda mais num cenário com alta da inflação, fome e desemprego.

Terceiro, nada de radicalização. Lula orientou as bancadas petistas a não embarcarem no discurso de ódio e focar a narrativa na questão social, no aumento das desigualdades e injustiças sociais. Sua intenção é apresentar um programa eleitoral com propostas para melhorar a vida do povo, não entrar na polarização ideológica. Por isso mesmo, não contem com o PT para o impeachment de Bolsonaro.

Adversário ideal

O jantar com os velhos aliados do MDB foi encomendado pelo próprio Lula, durante encontro com Eunício Oliveira, no Ceará. Não existe um assunto específico, mas a conversa a entre esses velhos políticos gira sempre em torno de um assunto: a conquista e/ou manutenção do poder. Com um pé no governo e outro na oposição, as bancadas do MDB derivam para o ex-presidente, principalmente no Norte e Nordeste, embora a senadora Simone Tebet (MS) seja pré-candidata a presidente da República e o presidente da legenda, Baleia Rossi (SP), tenha uma aliança forte com os tucanos em São Paulo, tão robusta que a legenda herdou a Prefeitura da capital com a morte do ex-prefeito Bruno Covas.

No momento, o maior temor de Lula é o surgimento de uma candidatura de terceira via que possa deslocar Bolsonaro do segundo turno, caso o governo continue derretendo. Por seu turno, o presidente só não considera Lula o adversário ideal porque o petista é favorito nas pesquisas e ameaça ser eleito já no primeiro turno. Entretanto, Bolsonaro ainda aposta no antipetismo para ganhar as eleições. Todas as pesquisas mostram que ele também teria dificuldades de se reeleger numa disputa de segundo turno com outros candidatos.

A um ano das eleições, o terceiro colocado nas pesquisas de opinião continua sendo o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, que continua às turras com os petistas. O governador paulista João Doria (PSDB) continua patinando nas pesquisas. Sua candidatura subiu no telhado, porque o governador gaúcho Eduardo Leite vem recebendo apoios internos importantes. Ninguém sabe qual será o desfecho das prévias tucanas, marcadas para novembro. Essa indefinição estimula outras pré-candidaturas, como as do ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), ambos do DEM, e a do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que vem se destacando na CPI da Covid.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-ja-ganhou-preocupa-lula

Tudo é incerto em 2022, porque a maioria do Brasil é de desinteressados e/ou indecisos

Não custa lembrar que Lula tem muito esqueleto no armário, e Bolsonaro coleciona desastres

Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo

O desconhecido empresário Romeu Zema virou governador de Minas, um dos três principais Estados do País, em quatro dias. Com 43% de indecisos, o eleitorado rejeitava tanto Antonio Anastasia, por representar o PSDB de Aécio Neves, quanto Fernando Pimentel, que concorria à reeleição pelo também vulnerável PT. Os indecisos descobriram Zema, do Novo, num debate na terçafeira anterior às urnas. De quarta a domingo, ele disparou de 5% para 41% e venceu a eleição.

Se Romeu Zema é ou não um bom governador, e a quantas andam sua gestão e aprovação, são outros 500, mas os tucanos usam essa história de 2018 para defender com unhas e dentes que uma “terceira via” entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula é não apenas possível como bastante provável, com muita chance de chegar ao segundo turno e vencer. Até por isso Lula corre atrás de MDB, PSD, PP e PSB.

As pesquisas de hoje cristalizaram a dianteira confortável de Lula e um quarto do eleitorado com Bolsonaro, mas, segundo os tucanos, esse cenário estático só parece irreversível para quem não tem experiência de pesquisas e eleições. “Não é (irreversível). O importante é se há ou não espaço para o sentimento essencial que uma candidatura representa. Se há, o eleitor encontra essa candidatura”, diz o ex-deputado Marcus Pestana, de Minas, um dos coordenadores das prévias de novembro do PSDB.

O governador Eduardo Leite (RS) tem o apoio de Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Minas, Bahia, Ceará, Alagoas, Paraíba e Amapá. O também governador João Doria (SP) tem São Paulo, Pará, DF, Tocantins e Acre. Ainda faltam 13 Estados e o que vale não é o número de diretórios, mas de eleitores. São Paulo, sozinho, tem 32% dos votos.

Para os tucanos, e não só para eles, mas para especialistas em política, terceira via é quase sinônimo de candidatura do PSDB, que venceu as eleições presidenciais em primeiro turno em 1994 e 1998 e disputou o segundo turno em todas as quatro seguintes (2002, 2006, 2010 e 2014), até ficar fora em 2018, com a polarização feroz entre o PT e Bolsonaro.

Na semana passada, enquanto o experiente senador Tasso Jereissati (CE), ex-governador e ex-presidente nacional do PSDB, desistia das prévias em favor do novato Leite, Doria jantava com Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Sérgio Moro (sem partido). Os três são vivamente a favor de um nome de centro, mas, assim como Doria está amarrado às prévias tucanas, Mandetta depende da fusão DEMPSL e a Moro interessa menos disputar a Presidência e mais resgatar o legado da Lava Jato.

Vez ou outra, pingam nomes, como o do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do DEM, que está nas mãos de Gilberto Kassab, do PSD; o próprio Zema, que precisa encorpar em casa, ou seja, em Minas; João Amoêdo, que não une nem o Novo; e os senadores Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania), que ganharam muita visibilidade na CPI da Covid e têm como bandeira o combate à corrupção, mas estão mais para vices do que para cabeças de chapa.

Correndo por fora, Ciro Gomes (PDT) é bom de palanque, tem o recall de três eleições presidenciais e um marqueteiro top, João Santana, que criou o “Lulinha Paz e Amor”. Ciro, porém, não tem para onde crescer, porque atrai desconfiança. A esquerda está com Lula e a direita olha para ele e vê um esquerdista.

Não custa lembrar que Lula tem muito esqueleto no armário, Bolsonaro coleciona desastres e, tal como em 2018, em Minas, metade do eleitorado ainda está, ou completamente alheio, focado na covid, no desemprego e na inflação, ou muito desconfiado com os dois favoritos. Logo, o que há hoje são incertezas e muita água vai rolar a partir de janeiro, com a definição de nomes, partidos, estratégias e um cenário desconhecido: o pós-pandemia.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tudo-e-incerto-em-2022-porque-a-maioria-do-brasil-e-de-desinteressados-eou-indecisos,70003859832


A um ano das eleições, TSE abre código-fonte da urna eletrônica

Desde que foi instituído, há 25 anos, nunca houve nenhuma comprovação de fraude do sistema eletrônico de votação

DW Brasil

Para fazer frente a fake news que colocam em xeque a credibilidade da urna eletrônica brasileira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) antecipou para esta segunda-feira (04/10) a tradicional cerimônia em que o código-fonte do sistema eleitoral é aberto a interessados.

Isso significa que representantes da sociedade civil podem verificar, conferir, checar e testar o funcionamento das linhas de programação que fazem o software das urnas eletrônicas coletar e apurar os votos dos eleitores brasileiros. Por norma, o TSE abre o código 180 dias de cada pleito, e a realização do evento um ano antes das próximas eleições presidenciais é algo inédito.

Outra diferença é que, ao contrário das edições anteriores, em que apenas representantes de partidos políticos, do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) puderam acompanhar o processo, desta vez foram convidadas também entidades como as Forças Armadas, a Polícia Federal, universidades, integrantes da Comissão de Transparência das Eleições — órgão criado pelo TSE — e autoridades de entidades internacionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Idea Internacional e a União Interamericana de Organismos Eleitorais (Uniore), além de ministros do TSE. 

Segundo informou o TSE, todos os interessados em participar precisavam manifestar interesse prévio, para garantir a organização.

"Abrir o código-fonte significa dar acesso aos comandos primários de um software, que são programados por quem faz sua engenharia. Significa dar acesso a esse script que o software executa. É como mostrar a casa de máquinas para as pessoas verem como funciona o programa", contextualiza o jurista Leopoldo Soares, professor de Direito Eleitoral da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

No código-fonte está tudo o que o programa é capaz de fazer. "A partir da análise dele, é possível eliminar qualquer hipótese de malícia, tudo o que não esteja ali descrito", afirma Soares. "Há quem alegue que é possível fraudar a urna eletrônica para que quando se digite o número X, apareça na tela o número X, mas o voto seja computado para o candidato Y. Para que isso aconteça, é preciso haver um comando específico no software. Abrir o código significa possibilitar essa verificação."

"O código-fonte é a linguagem de programação em seu estado bruto", define o jurista Henrique Neves da Silva, ex-ministro do TSE e atual presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral. "Ou seja, [com a abertura aos interessados] a Justiça Eleitoral permite que sejam analisados todos os comandos e linhas do programa."

"A regra previa o acesso ao código seis meses antes da eleição, mas por causa do tumulto que tem sido causado aí nos últimos meses, colocando em dúvida a lisura do processo eleitoral, a honestidade e a transparência da urna eletrônica, a Justiça Eleitoral resolveu antecipar", acrescenta o jurista Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral. 

"Quem quiser criticar, reclamar, desconfiar, tem agora a melhor oportunidade para investigar isso. Vai ter acesso ao código-fonte e vai poder criticar tecnicamente", diz Rollo. "Porque a Justiça Eleitoral não quer fofoca, quer críticas técnicas, construtivas. E se alguma dessas críticas for correta haverá tempo para corrigir eventuais falhas, eventuais problemas."

O sistema de votação eletrônico

O sistema de votação eletrônico brasileiro foi desenvolvido em 1995 por uma comissão que unia pesquisadores e técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), de São José dos Campos. No ano seguinte, a votação já ocorreu por meio das urnas em 57 municípios, mas foi apenas no ano 2000 que todo o território nacional usou o sistema. 

Diversos mecanismos de segurança foram desenvolvidos para garantir a lisura do processo e, ao mesmo tempo, auditorias que se fizerem necessárias. Atualmente, são mais de 30 "lacres", entre códigos criptográficos e protocolos de segurança. E a urna funciona completamente off-line, também para ficar protegida de tentativas de invasão — somente após a votação, os resultados de cada uma delas são transmitidos, via rede, para a apuração consolidada. 

"O funcionamento off-line é um dos pontos que garantem a segurança", afirma Soares. "Sem conexão à internet, a urna não pode sofrer nenhum ataque hacker, nada que venha pela rede. Dito isso, qual seria a única vulnerabilidade? Uma malícia no programa que processa os votos. Daí essa possibilidade de verificação do código-fonte é o que fecha a conta da segurança do sistema."

"A análise completa dos programas permite verificar a sua funcionalidade e certificar a ausência de qualquer código malicioso", completa o ex-ministro Neves da Silva. 

Transparência ampliada

O TSE não esconde que está preocupado em enfatizar, justamente para combater fake news e teorias conspiratórias, que o processo é transparente e correto. O evento desta segunda-feira foi chamado de abertura do "Ciclo de Transparência Democrática - Eleições 2022". Oficialmente, o tribunal divulgou que está "reafirmando o compromisso com o fortalecimento da democracia brasileira e com os eleitores e as eleitoras do Brasil".

"A proposta de antecipação do evento de acesso aos sistemas eleitorais desenvolvidos pelo TSE se justifica com o intuito de aperfeiçoamento das boas práticas e da necessidade de se ampliar a transparência do processo eleitoral, especialmente quanto ao processo de desenvolvimento e auditabilidade do sistema eletrônico de votação", ressaltou o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE.

"O fato de o TSE abrir o processo mais cedo significa que a Justiça Eleitoral está preocupada em demonstrar para a sociedade que não há nada secreto na elaboração do programa", pontua Rollo. "Ao permitir o acesso ao código, a Justiça Eleitoral mostra como é feito [o software] e que não existe a mínima possibilidade de fraude. O objetivo é dar total transparência."

Na resolução do tribunal que aprovou essa antecipação do processo, as justificativas são o aumento da transparência e o aprimoramento do processo eleitoral. "Isso me parece bastante pertinente", avalia Soares. “A despeito dos ataques à urna eletrônica e das afirmações de que ela não seria segura, um sistema sempre comporta aprimoramento."

“[A antecipação, contudo] vem como resposta a esse conjunto de ataques generalizados à votação eletrônica. O TSE resolveu responder normativamente e juridicamente a esses ataques ampliando o prazo e dando mais possibilidades de averiguação", completa o jurista.

"Justamente para ter argumento, se lá na frente alguém aventar alguma hipótese de fraude. O tribunal terá como responder que não só houve a possibilidade de verificar o código-fonte como o período para isso foi ampliado."

Desde que foi instituído no Brasil, há 25 anos, nunca houve nenhuma comprovação de fraude do sistema eletrônico de votação. "A urna eletrônica brasileira é 101% segura", comenta Rollo.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/a-um-ano-das-elei%C3%A7%C3%B5es-tse-abre-c%C3%B3digo-fonte-da-urna-eletr%C3%B4nica/a-59400980


Elio Gaspari: Quem protegeu a Prevent?

Na quarta-feira deverá comparecer à CPI da Covid o doutor Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho, diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS). Ele poderá contar o que fez diante das denúncias do comportamento da Prevent Senior durante a pandemia. A primeira suspeita de que havia fogo debaixo daquela fumaça veio do próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em abril de 2020, quando ela tinha no acervo 58% dos mortos de São Paulo. O dono da operadora chamou-o de “irresponsável” e, pelo que se viu, colocou sua empresa debaixo da asa do Planalto, maquiando mortes, empurrando cloroquina e ameaçando médicos com retórica de miliciano.

O que a ANS fez? A autossatanização da Prevent tem no seu bojo uma competição empresarial, e a Agência a conhece muito bem. Nesse mercado há de tudo: portas giratórias, capilés e jabutis em medidas provisórias. A Justiça guarda pelo menos duas delações premiadas de uma empresa corretora de planos que concordou em pagar R$ 200 milhões de multa.

Durante os dias da Lava-Jato, chegou-se a especular que os procuradores voltassem seus olhos para a privataria da saúde. Quando apareceu a lista de operadoras de planos entre os patrocinadores das palestras de um deles, viu-se que rendiam pelo menos “R$ 10 mil limpos”. A Lava-Jato olhou para outros lados.

A Prevent é um caso em si, e seus maganos estão sofrendo pelo que fizeram, mas a ANS sabe muitos mais. Basta lembrar que foi ela que obrigou as operadoras de planos a cobrirem os custos dos testes para o vírus. Até a terceira semana de março do ano passado havia operadoras se recusando a fazê-lo. Até agosto, quando os mortos passavam de 90 mil, alguns planos continuavam negando cobertura aos testes sorológicos. Só a ação da ANS os levou a mudar de conduta.

De Pedro@gov para Fabio.Jatene@edu

Prezado doutor Jatene,

Escrevo-lhe por sugestão de meu médico, o conde de Motta Maia, do nosso velho amigo Louis Pasteur e de seu pai, o doutor Adib.

Na noite de 17 de novembro de 1889, quando uns militares me embarcaram como negro fugido, mandando-me para a morte no exílio, eu lhes disse: “Os senhores são uns doidos”.

Passou-se o tempo e vejo que, de tempos em tempos, nossa terra fica nas mãos de doidos. Em março do ano passado, vosmicê disse que 45 mil moradores de São Paulo seriam atingidos pela epidemia desse novo vírus. Foi um Deus nos acuda, como se o senhor fosse mais um doido. Na semana passada, os infectados da sua cidade passaram de 1,5 milhão. Os mortos foram 30 mil.

O doutor Pasteur horrorizou-se com os charlatães que empurravam cloroquina nos pacientes e pediu-me que vosmicê lembrasse aos seus colegas e a esse moço que governa o Brasil o que lhe aconteceu, lidando comigo, em 1884.

Ele pesquisava uma vacina contra a raiva. Aplicando-a em cães, havia dado resultado, mas era preciso testá-la em gente. Foi quando me escreveu, oferecendo-se para testá-la no Brasil. Pedia que eu a oferecesse a presos condenados à morte, no dia da execução. Tomariam a vacina. Se morressem, ficaria tudo igual. Se sobrevivessem, estariam livres. Eu lhe disse que no Brasil não aplicávamos mais a pena de morte, pois eu a comutava.

(Como bom dissimulador, estava desconversando, reconheço.)

Os doidos daí testaram a tal cloroquina sem informar aos pacientes, e o moço do governo fez propaganda do remédio até em reuniões de chefes de Estado.

Mesmo entristecido, sinto-me vingado: os senhores são uns doidos.

Atenciosamente,

Pedro de Alcântara.

Jango em Moscou e na China

Passados 60 anos, veio à tona o relatório do embaixador João Augusto de Araújo Castro, narrando a visita de João Goulart à China, em agosto de 1961. O texto é de 4 de setembro, quando a crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros já havia esfriado, com a solução do parlamentarismo que permitiria a posse de Jango.

Em 30 páginas, Araújo Castro conta a passagem da comitiva do então vice-presidente por Moscou e Beijing. No dia 25 de agosto, quando Jango já estava em Singapura, Jânio renunciou. Mais tarde, Araújo Castro viria a ser o último chanceler de Goulart e morreria em 1975, como embaixador do governo do general Médici em Washington.

O relatório de Araújo Castro mostra como os chineses tentaram forçar a transformação de um acordo interbancário num sinal de reconhecimento do governo de Beijing, com o qual o Brasil não tinha relações diplomáticas. Jango e Castro habilmente contornaram a manobra e acabou tudo bem.

Antes de chegar a Beijing, a comitiva de Goulart passou por Moscou, onde Jango se encontrou com o primeiro-ministro Nikita Kruschev e ouviu o seguinte: “Eu disse a Kennedy (o presidente dos Estados Unidos): Fidel Castro não é comunista, mas acabará sendo. Ele não tem alternativa.”

Kruschev tinha um viés fanfarrão, mas sabia do que estava falando.

Naqueles dias, os Estados Unidos já haviam rompido relações com Cuba, e a Casa Branca havia patrocinado uma fracassada invasão da ilha.

No dia em que Araújo Castro assinou seu relatório, Fidel mandou uma carta a Kruschev pedindo 388 mísseis de curto alcance. Era o início de uma negociação que evoluiu para a entrega de ogivas nucleares capazes de atingir os Estados Unidos e, um ano depois, levou o mundo para a beira da Terceira Guerra Mundial.

Valentia incompleta

A Universidade de Campinas cassou o título de doutor honoris causa que concedeu em 1973 ao então ministro da Educação, Jarbas Passarinho.

Coronel da reserva, Passarinho morreu em 2016. Ele mandou às favas os seus escrúpulos de consciência quando defendeu a edição do AI-5, em 1968. É direito de qualquer universidade conceder e mesmo cassar títulos de doutorado honoris causa, mas fazê-lo depois da morte do homenageado, é coisa meio girafa. A Federal do Rio de Janeiro cassou o título do presidente Emílio Médici em 2015, 20 anos depois de sua morte.

Seria o jogo jogado se as congregações das universidades divulgassem, junto com a cassação da honraria, quase sempre bajuladora, a lista dos professores doutores que a concederam. Afinal, nem Médici nem Passarinho pediram coisa alguma.

Sinal do Centrão

Jair Bolsonaro assumiu sabendo que não tinha base parlamentar além do cacife da Bolsa da Viúva. Fala em “bancadas temáticas”, uma espécie de cloroquina política.

Aninhando-se no Centrão, conseguiu a proeza de ver derrubados 12 de seus vetos num só dia.

O Centrão sentiu cheiro de queimado.

O repórter Lauro Jardim informa que Lula combinou um jantar para quarta-feira. Nele poderão estar, além do ex-presidente José Sarney:

Eunício de Oliveira, dono da casa, foi ministro das Comunicações de Lula.

Edison Lobão foi ministro de Minas e Energia de Lula e de Dilma Rousseff.

Jader Barbalho foi ministro da Previdência de Sarney.

Renan Calheiros foi ministro da Justiça de FHC.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/quem-protegeu-prevent-1-25222231


Sem conteúdo, Bolsonaro tem forma, caneta e dobra a aposta no negacionismo para 2022

O presidente Jair Bolsonaro jogou fora todo o conteúdo e os falsos compromissos, mas mantém a forma e a técnica que lhe deram a vitória em 2018: uma combinação de viagens por todo o Brasil com o uso maciço da internet. Basta sorrir, produzir vídeos, tirar selfies, e o gabinete do ódio e os robôs, inclusive os de carne e osso, fazem o resto.

Sem a facada, sem o discurso de 2018 e com uma coleção de desastres do governo, ele sabe que não sobrevive à realidade, à pandemia, à economia e a perguntas, sejam de jornalistas, sejam de adversários, e prefere multidões que não questionam nada, só gritam “mito”. Vai ter de fugir dos debates e entrevistas.

Pode simplesmente não aparecer e deixar os adversários falando sozinhos e se atacando uns aos outros, como em 2018. Antonio Carlos Magalhães, o ACM, dizia: “Reunião que eu não vou não vale”. Bolsonaro pode adaptar: “Debate que eu não vou não vale”. Mas os debates entre os outros serão uma saraivada de verdades contra ele.

Bolsonaro viajou todos os dias da semana passada. A Teotônio Vilela (AL), Teixeira de Freitas (BA), Boa Vista (RR), Belo Horizonte (MG) e Maringá (PR), do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, nome recorrente da CPI na compra de vacinas e na investigação de Bolsonaro por prevaricação. Barros, porém, tem peso no Centrão e no Paraná, junta gente para a campanha de Bolsonaro animar a turba “presencial” e a “virtual”.

Após 28 anos de política, para onde tragou três filhos, Bolsonaro casou por conveniência com o PSL (que lucrou com uma gorda bancada na Câmara e um gordo Fundo Partidário), mas saiu em novembro de 2019, não conseguiu criar o Aliança pelo Brasil e tenta o PTB, transmutado de trabalhista para integralista por Roberto Jefferson, ora preso, e o PP de Ciro Nogueira, da Casa Civil, e Arthur Lira, presidente da Câmara. Mas ele não quer entrar num partido, quer engolir o partido.

Assim como passou por uma dezena de siglas, antes do PSL, Bolsonaro também teve uma longa lista de nomes para sua vice em 2018: Janaina PaschoalMagno MaltaLuiz Philippe de Orleans e BragançaAugusto Heleno... Deu o general de quatro-estrelas Hamilton Mourão, mas tanto fazia e o desdém migrou da campanha para o governo.

Sem vice, sem partido, sem facada, sem nenhuma das bandeiras de 2018 e com o rastro de destruição na pandemia, no ambiente, na educação, na cultura, na política externa, nas relações federativas, no equilíbrio institucional, o que sobra para Bolsonaro dizer numa campanha? Que a economia está uma maravilha, os preços estão lá embaixo, a fome e a miséria não estão de volta?

E tem a CPI... O relatório final será anunciado ao Brasil e ao mundo nos dias 19 e 20, com dados, depoimentos, trocas de mensagens e 600 mil mortos, provando o quanto Bolsonaro trabalhou contra isolamento social, máscaras e vacinas e a favor de remédios comprovadamente ineficazes – em alguns casos, perigosos. Ou seja: como trabalhou a favor do coronavírus e contra a vida.

Pela guinada dos senadores e depoentes bolsonaristas na CPI, a estratégia é dobrar a aposta no negacionismo e na fantasia do comunismo, culpando governadores pela crise econômica, o Supremo pela inação dolosa do governo e insistindo na tese da “imunidade de rebanho”. A queda de contaminações, internações e mortes é resultado direto das vacinas, não dessa enganação, mas a verdade cristalina, reluzente, interessa ao real rebanho?

Assim, a reeleição não será fácil, porque é vazia de conteúdo, se sustenta só na forma e o que não falta à oposição é munição. Entretanto, a lição de 2018 não deve ser desprezada: o que conta não é a realidade, é a manipulação dela. E, agora, Bolsonaro tem o cargo, a caneta e um quarto da população anestesiada. Não subestimem Bolsonaro e seus estrategistas.

COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,sem-conteudo-bolsonaro-tem-forma-caneta-e-dobra-a-aposta-no-negacionismo-para-2022,70003858059


Sem conteúdo, Bolsonaro tem forma, caneta e dobra a aposta no negacionismo para 2022

Sem o discurso de 2018 e com uma coleção de desastres do governo, o presidente sabe que não sobrevive à realidade

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro jogou fora todo o conteúdo e os falsos compromissos, mas mantém a forma e a técnica que lhe deram a vitória em 2018: uma combinação de viagens por todo o Brasil com o uso maciço da internet. Basta sorrir, produzir vídeos, tirar selfies, e o gabinete do ódio e os robôs, inclusive os de carne e osso, fazem o resto.

Sem a facada, sem o discurso de 2018 e com uma coleção de desastres do governo, ele sabe que não sobrevive à realidade, à pandemia, à economia e a perguntas, sejam de jornalistas, sejam de adversários, e prefere multidões que não questionam nada, só gritam “mito”. Vai ter de fugir dos debates e entrevistas.

Pode simplesmente não aparecer e deixar os adversários falando sozinhos e se atacando uns aos outros, como em 2018. Antonio Carlos Magalhães, o ACM, dizia: “Reunião que eu não vou não vale”. Bolsonaro pode adaptar: “Debate que eu não vou não vale”. Mas os debates entre os outros serão uma saraivada de verdades contra ele.

Bolsonaro viajou todos os dias da semana passada. A Teotônio Vilela (AL), Teixeira de Freitas (BA), Boa Vista (RR), Belo Horizonte (MG) e Maringá (PR), do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, nome recorrente da CPI na compra de vacinas e na investigação de Bolsonaro por prevaricação. Barros, porém, tem peso no Centrão e no Paraná, junta gente para a campanha de Bolsonaro animar a turba “presencial” e a “virtual”.

Após 28 anos de política, para onde tragou três filhos, Bolsonaro casou por conveniência com o PSL (que lucrou com uma gorda bancada na Câmara e um gordo Fundo Partidário), mas saiu em novembro de 2019, não conseguiu criar o Aliança pelo Brasil e tenta o PTB, transmutado de trabalhista para integralista por Roberto Jefferson, ora preso, e o PP de Ciro Nogueira, da Casa Civil, e Arthur Lira, presidente da Câmara. Mas ele não quer entrar num partido, quer engolir o partido.

Assim como passou por uma dezena de siglas, antes do PSL, Bolsonaro também teve uma longa lista de nomes para sua vice em 2018: Janaina PaschoalMagno MaltaLuiz Philippe de Orleans e BragançaAugusto Heleno... Deu o general de quatro-estrelas Hamilton Mourão, mas tanto fazia e o desdém migrou da campanha para o governo.

Sem vice, sem partido, sem facada, sem nenhuma das bandeiras de 2018 e com o rastro de destruição na pandemia, no ambiente, na educação, na cultura, na política externa, nas relações federativas, no equilíbrio institucional, o que sobra para Bolsonaro dizer numa campanha? Que a economia está uma maravilha, os preços estão lá embaixo, a fome e a miséria não estão de volta?

E tem a CPI... O relatório final será anunciado ao Brasil e ao mundo nos dias 19 e 20, com dados, depoimentos, trocas de mensagens e 600 mil mortos, provando o quanto Bolsonaro trabalhou contra isolamento social, máscaras e vacinas e a favor de remédios comprovadamente ineficazes – em alguns casos, perigosos. Ou seja: como trabalhou a favor do coronavírus e contra a vida.

Pela guinada dos senadores e depoentes bolsonaristas na CPI, a estratégia é dobrar a aposta no negacionismo e na fantasia do comunismo, culpando governadores pela crise econômica, o Supremo pela inação dolosa do governo e insistindo na tese da “imunidade de rebanho”. A queda de contaminações, internações e mortes é resultado direto das vacinas, não dessa enganação, mas a verdade cristalina, reluzente, interessa ao real rebanho?

Assim, a reeleição não será fácil, porque é vazia de conteúdo, se sustenta só na forma e o que não falta à oposição é munição. Entretanto, a lição de 2018 não deve ser desprezada: o que conta não é a realidade, é a manipulação dela. E, agora, Bolsonaro tem o cargo, a caneta e um quarto da população anestesiada. Não subestimem Bolsonaro e seus estrategistas.

COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,sem-conteudo-bolsonaro-tem-forma-caneta-e-dobra-a-aposta-no-negacionismo-para-2022,70003858059


Elio Gaspari: Quem protegeu a Prevent?

A Prevent é um caso em si, e seus maganos estão sofrendo pelo que fizeram, mas a ANS sabe muitos mais

Elio Gaspari / O Globo

Na quarta-feira deverá comparecer à CPI da Covid o doutor Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho, diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS). Ele poderá contar o que fez diante das denúncias do comportamento da Prevent Senior durante a pandemia. A primeira suspeita de que havia fogo debaixo daquela fumaça veio do próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em abril de 2020, quando ela tinha no acervo 58% dos mortos de São Paulo. O dono da operadora chamou-o de “irresponsável” e, pelo que se viu, colocou sua empresa debaixo da asa do Planalto, maquiando mortes, empurrando cloroquina e ameaçando médicos com retórica de miliciano.

O que a ANS fez? A autossatanização da Prevent tem no seu bojo uma competição empresarial, e a Agência a conhece muito bem. Nesse mercado há de tudo: portas giratórias, capilés e jabutis em medidas provisórias. A Justiça guarda pelo menos duas delações premiadas de uma empresa corretora de planos que concordou em pagar R$ 200 milhões de multa.

Durante os dias da Lava-Jato, chegou-se a especular que os procuradores voltassem seus olhos para a privataria da saúde. Quando apareceu a lista de operadoras de planos entre os patrocinadores das palestras de um deles, viu-se que rendiam pelo menos “R$ 10 mil limpos”. A Lava-Jato olhou para outros lados.

A Prevent é um caso em si, e seus maganos estão sofrendo pelo que fizeram, mas a ANS sabe muitos mais. Basta lembrar que foi ela que obrigou as operadoras de planos a cobrirem os custos dos testes para o vírus. Até a terceira semana de março do ano passado havia operadoras se recusando a fazê-lo. Até agosto, quando os mortos passavam de 90 mil, alguns planos continuavam negando cobertura aos testes sorológicos. Só a ação da ANS os levou a mudar de conduta.

De Pedro@gov para Fabio.Jatene@edu

Prezado doutor Jatene,

Escrevo-lhe por sugestão de meu médico, o conde de Motta Maia, do nosso velho amigo Louis Pasteur e de seu pai, o doutor Adib.

Na noite de 17 de novembro de 1889, quando uns militares me embarcaram como negro fugido, mandando-me para a morte no exílio, eu lhes disse: “Os senhores são uns doidos”.

Passou-se o tempo e vejo que, de tempos em tempos, nossa terra fica nas mãos de doidos. Em março do ano passado, vosmicê disse que 45 mil moradores de São Paulo seriam atingidos pela epidemia desse novo vírus. Foi um Deus nos acuda, como se o senhor fosse mais um doido. Na semana passada, os infectados da sua cidade passaram de 1,5 milhão. Os mortos foram 30 mil.

O doutor Pasteur horrorizou-se com os charlatães que empurravam cloroquina nos pacientes e pediu-me que vosmicê lembrasse aos seus colegas e a esse moço que governa o Brasil o que lhe aconteceu, lidando comigo, em 1884.

Ele pesquisava uma vacina contra a raiva. Aplicando-a em cães, havia dado resultado, mas era preciso testá-la em gente. Foi quando me escreveu, oferecendo-se para testá-la no Brasil. Pedia que eu a oferecesse a presos condenados à morte, no dia da execução. Tomariam a vacina. Se morressem, ficaria tudo igual. Se sobrevivessem, estariam livres. Eu lhe disse que no Brasil não aplicávamos mais a pena de morte, pois eu a comutava.

(Como bom dissimulador, estava desconversando, reconheço.)

Os doidos daí testaram a tal cloroquina sem informar aos pacientes, e o moço do governo fez propaganda do remédio até em reuniões de chefes de Estado.

Mesmo entristecido, sinto-me vingado: os senhores são uns doidos.

Atenciosamente,

Pedro de Alcântara.

Jango em Moscou e na China

Passados 60 anos, veio à tona o relatório do embaixador João Augusto de Araújo Castro, narrando a visita de João Goulart à China, em agosto de 1961. O texto é de 4 de setembro, quando a crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros já havia esfriado, com a solução do parlamentarismo que permitiria a posse de Jango.

Em 30 páginas, Araújo Castro conta a passagem da comitiva do então vice-presidente por Moscou e Beijing. No dia 25 de agosto, quando Jango já estava em Singapura, Jânio renunciou. Mais tarde, Araújo Castro viria a ser o último chanceler de Goulart e morreria em 1975, como embaixador do governo do general Médici em Washington.

O relatório de Araújo Castro mostra como os chineses tentaram forçar a transformação de um acordo interbancário num sinal de reconhecimento do governo de Beijing, com o qual o Brasil não tinha relações diplomáticas. Jango e Castro habilmente contornaram a manobra e acabou tudo bem.

Antes de chegar a Beijing, a comitiva de Goulart passou por Moscou, onde Jango se encontrou com o primeiro-ministro Nikita Kruschev e ouviu o seguinte: “Eu disse a Kennedy (o presidente dos Estados Unidos): Fidel Castro não é comunista, mas acabará sendo. Ele não tem alternativa.”

Kruschev tinha um viés fanfarrão, mas sabia do que estava falando.

Naqueles dias, os Estados Unidos já haviam rompido relações com Cuba, e a Casa Branca havia patrocinado uma fracassada invasão da ilha.

No dia em que Araújo Castro assinou seu relatório, Fidel mandou uma carta a Kruschev pedindo 388 mísseis de curto alcance. Era o início de uma negociação que evoluiu para a entrega de ogivas nucleares capazes de atingir os Estados Unidos e, um ano depois, levou o mundo para a beira da Terceira Guerra Mundial.

Valentia incompleta

A Universidade de Campinas cassou o título de doutor honoris causa que concedeu em 1973 ao então ministro da Educação, Jarbas Passarinho.

Coronel da reserva, Passarinho morreu em 2016. Ele mandou às favas os seus escrúpulos de consciência quando defendeu a edição do AI-5, em 1968. É direito de qualquer universidade conceder e mesmo cassar títulos de doutorado honoris causa, mas fazê-lo depois da morte do homenageado, é coisa meio girafa. A Federal do Rio de Janeiro cassou o título do presidente Emílio Médici em 2015, 20 anos depois de sua morte.

Seria o jogo jogado se as congregações das universidades divulgassem, junto com a cassação da honraria, quase sempre bajuladora, a lista dos professores doutores que a concederam. Afinal, nem Médici nem Passarinho pediram coisa alguma.

Sinal do Centrão

Jair Bolsonaro assumiu sabendo que não tinha base parlamentar além do cacife da Bolsa da Viúva. Fala em “bancadas temáticas”, uma espécie de cloroquina política.

Aninhando-se no Centrão, conseguiu a proeza de ver derrubados 12 de seus vetos num só dia.

O Centrão sentiu cheiro de queimado.

O repórter Lauro Jardim informa que Lula combinou um jantar para quarta-feira. Nele poderão estar, além do ex-presidente José Sarney:

Eunício de Oliveira, dono da casa, foi ministro das Comunicações de Lula.

Edison Lobão foi ministro de Minas e Energia de Lula e de Dilma Rousseff.

Jader Barbalho foi ministro da Previdência de Sarney.

Renan Calheiros foi ministro da Justiça de FHC.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/quem-protegeu-prevent-1-25222231


Cristovam Buarque: A antifacada do ex-presidente Lula

Bolsonaro enfrentará o candidato mais preparado que o Brasil já teve em disputa. Além da popularidade, Lula traz experiência

Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles

Dificilmente Bolsonaro teria sido eleito, se a facada não o tivesse liberado de comparecer aos debates. Ele não resistiria aos questionamentos de candidatos mais preparados, como Haddad, Marina, Alckmin, Ciro. Em 2022, ele terá de participar e vai enfrentar o candidato mais preparado que o Brasil já teve em disputa eleitoral. Além da popularidade com que chega, Lula trás a experiência de cinco disputas presidenciais e oito anos de exercício da presidência, carregado de conhecimento e reconhecimento em todos os setores da vida nacional e internacional.

As tentativas de constrangê-lo por ter sido condenado e preso poderão beneficia-lo, ao mostrar que suas condenações foram anuladas e parecem perseguições. Certo constrangimento virá das provas de corrupção por membros e associados dos seus governos. Mas a maior dificuldade do Lula poderá vir de posições manifestadas por militantes e dirigentes de partidos ligados ao Lula, assustando eleitores com desconfianças em relação à equipe com a qual ele governará.

As recentes agressões contra a Deputada Tabata Amaral, por pessoas próximas ao Lula, fizeram ampliar este temor. Chega-se a imaginar o risco de Lula nomear pessoas com esta agressividade para cargos em seu governo. Assusta ainda mais, que as críticas à Deputada Tabata refletem posições com desvios de caráter e também com posições políticas reacionárias, negacionistas, contrárias às reformas para quebrar privilégios e destravar o progresso do país.

Ouve de pessoas ao seu lado, sem que ele se distancie delas, repetidas posições populistas em defesa de irresponsabilidade fiscal, que trariam dificuldades para os pobres e ameaçariam o funcionamento da economia. Apesar de que os dois governos Lula foram rigorosamente responsáveis do ponto de vista fiscal, seu silêncio diante de falas populistas de seus aliados levantam dúvidas sobre o comportamento de um novo governo seu.

O Lula é o mais preparado para os debates eleitorais, mas corre risco de ser constrangido por associação com pessoas e grupos de caráter machista, violento e reacionário. Em um momento em que a Confiança é um fator determinante, tanto eleitoral quanto econômico, a credibilidade do ex-presidente pode ser afetada, provocando um efeito contrário à facada que, em 2018, protegeu ao menos preparado, e agora prejudicaria ao mais preparado. Seria a anti facada do Lula, desferida por falas irresponsáveis e reacionárias de seus aliados.

*Cristovam Buarque foi senador pelo DF

Fonte: Blogo do Noblat/Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/a-anti-facada-por-cristovam-buarque


Paulo Fábio Dantas: Atos democráticos contrastam com os mil crimes de cada dia

Tendo os mil dias como pretexto inicial, as usinas de fake news voltaram a operar intensamente

Paulo Baía / Democracia e Novo Reformismo

Ainda não há número razoável de pesquisas para captar com segurança algum virtual efeito sobre a avaliação de imagem e sobre o nível de rejeição de Jair Bolsonaro que possa ter havido a partir de 9 de setembro, o dia da carta em que recuou da escalada golpista que culminara nos atos do dia 7. Seguiu-se uma distensão na sua atitude, o que levou parte dos analistas a supor que ele chamaria de volta à cena o Bolsonaro 2, mais contido e razoável. Afinal, era a conduta racional óbvia a seguir, diante da queda livre nos seus índices de popularidade e do isolamento político em que se metera. Amigos de fato (se é que os tem) devem ter lhe dito que valia, ao menos, testar a inflexão, para tentar reverter o desastre.

Parece que não haverá tempo para captar coisa alguma. A tal distensão logo se converteu em campanha eleitoral aberta (que em si mesma já é um delito), cenário propício para Bolsonaro voltar a ser o Bolsonaro de quase sempre. Tendo os mil dias como pretexto inicial, as usinas de fakenews voltaram a operar intensamente, elegendo alvos habituais de combate.  Comunismo, homossexuais, a China e - é claro - Lula e o PT voltaram a ser temas privilegiados de suas taras retóricas, que são a base “conceitual” das fakenews.

Poupo os leitores de previsões sobre efeitos dessa recaída em índices de pesquisa. É preciso notar, por outro lado que, pela enésima vez, se revela o lugar que eleições ocupam na escala de prioridades de Bolsonaro. Lugar complexo, que é de prioridade no seu texto, mas no subtexto a prioridade é o movimento contra elas, para esterilizá-las, se possível ensanguentá-las e, no limite, cancelá-las. A cada dia é menos crível que tenha sucesso, mas ele segue nessa toada, como é da sua natureza. Se sucumbir, apesar de sua vontade indômita, ou por causa dela, quer levar muitos consigo, se possível a humanidade toda.

Trata-se do exercício pleno de um direito de natureza superficialmente hobbesiano (direito a fazer tudo que seu apetite quiser, por meios que seu cálculo indicar). Em sua versão bolsonarista, esse suposto direito não conhece limite de qualquer lei, nem mesmo da primeira lei de natureza que Hobbes sugere como uma lei racional de autopreservação. Ela indicaria ao apetitoso celebrar alguma paz, por ver também nos demais o potencial egoístico e destrutivo que reconhece em si. Esse cálculo racional seguinte ao movimento (também “natural”) de fazer a guerra, faria, do” homem lobo do homem”, um sujeito racional, com senso de perigo, ainda que dotado de razão limitada, guiada por instinto. O lobo que nos sequestra, tosco, temerário e criminoso, ofende a complexidade do homem hobbesiano e segue, na ignorância de si e do mundo, instando um país a pular com ele na vertical do precipício, endereço oposto ao que pode nos levar a política, sua maior inimiga. 

É compreensível que uma sociedade assim sequestrada, como a do Brasil atual - onde vigora uma república democrática altamente inclusiva do ponto de vista eleitoral e governada num sistema presidencialista - resista institucionalmente, como corpo social e nacional (sociedade política e sociedade civil) e, ao mesmo tempo, busque, ao se constituir em eleitorado, sua salvação em quem encarne a ideia de política, na sua comunicação concreta com o cotidiano das pessoas comuns.  Felizmente os dois movimentos estão ocorrendo e mostram que o país não está inerte, apesar da dor. Da reação institucional e civil resultam o relativo isolamento político e a contundente rejeição popular a Bolsonaro. Sua tradução pré-eleitoral é, no momento, a confortável liderança de Lula nas pesquisas. Engana-se quem tiver a visão toldada por certas idiossincrasias de cunho partidário. Os dois fenômenos são complementares. São, respectivamente, as faces republicana e democrática de um só movimento de autopreservação do país. A face republicana (a reação institucional e politicamente unitária em defesa da democracia) é perene, conservadora, como um firmamento e é bom que assim seja. A face democrática (liderança de Lula nas pesquisas) é, por definição, mais dinâmica e, como as nuvens no firmamento, está sujeita a deslocamentos visíveis, sem comprometer o sentido geral do movimento.

Proponho que se analise, sob essa moldura, as manifestações contra Bolsonaro, marcadas para este sábado. Escrevo antes que tenham ocorrido, logo, evitarei previsões imprudentes sobre seu nível de sucesso ou insucesso, em termos de afluência de público e, também, ilações prévias sobre como os atores políticos diversos as interpretarão a partir da noite de hoje. Sobre o que é esperado (ao menos do ponto de vista lógico, que, como sabemos, não é o único ponto de vista válido numa conjuntura como essa) pode-se dizer apenas que quem está contente com Bolsonaro deve torcer para que fracassem e recepcionará de modo simpático qualquer versão, real ou fake, que constate o fracasso. Inversamente, quem está descontente com o que se vive no Brasil engrossará a manifestação e/ou torcerá por elas. Aqui também se deve reparar em textos e subtextos.

Há visível e meritório esforço para divulgar esses atos de modo amplo, digo mesmo plural, evitando-se sua apropriação prévia por esse ou aquele partido. Do mesmo modo evita-se realçar os aspectos eleitorais que, objetivamente, estão envolvidos no ambiente político em que se dá a iniciativa. Há um evidente contraste entre esse tom moderado e precavido e a despudorada apelação eleitoral da insólita “celebração” bolsonarista dos seus mil dias de catarse, respectivos aos mil dias que já dura o infortúnio, para a maioria da nação. Um Henrique VIII de fancaria, que já cercado de varões de sangue, não pode, contudo, obrigar o povo a aceitar essa herança. Por isso insiste em sacrificar eleições e tudo o mais que há de feminino ao nosso redor, em busca de entregar o futuro do país a milícias de machos toscos e sanguinários, que hoje formam um séquito para ele e seus rebentos numerados.

Haverá quem diga que nas aventuras golpistas e machas de Bolsonaro sobra autenticidade, quem sabe até sinceridade, enquanto em atos políticos liberal-democráticos a dissimulação é a marca. Sociedades sofrem muito até compreenderem que a política é dissimulação benfazeja, se vista sob o prisma da representação. É ela, a representação, que permite (e obriga) ao político agir na direção de algo mais, além do seu interesse particular. Ao se dirigir a um ato público perante cidadãos mobilizados, ou ao falar com o eleitor que se dirige à urna, o político democrático procura, seja por convicção ou por sobrevivência (e uma coisa não anula a outra), prestar atenção nas aspirações e interesses desse público e colocar seus próprios interesses e expectativas em interação com eles. Por isso, um potencial candidato contém sua “sinceridade” ao perceber que as pessoas comuns ainda não estão se preocupando centralmente com a eleição e sim com coisas que afligem mais objetivamente o seu cotidiano e que podem fazê-las protestar contra Bolsonaro. Mais adiante votarão em alguém, mas atrapalha quem quiser fazê-las decidir seu voto agora.

O mesmo político que tem esse senso de limites e sabe calibrar seus desejos na dose e proporção corretas em que possam ser compartilhados por quem, afinal, é o senhor do seu futuro político, também sabe que não está na mesma posição objetiva do cidadão comum e eleitor. Se confunde realmente a sua posição de representante com a dos representados, ele é um descompreendido que deveria estar em outro lugar diferente da política. Se não confunde e faz de conta que confunde essa não é uma dissimulação benigna porque deseduca. Ele dissimula e adia a exposição de suas motivações não em respeito à prioridade das motivações do eleitor, mas no intuito de confundi-lo, tentando ocultar sua condição de parte da elite política, ou de aspirante a essa condição. Uma das coisas mais importantes para a maturidade de uma república democrática é a compreensão realista, por parte dos cidadãos e cidadãs, de que ela não é o governo do povo, mas sim o governo de governantes escolhidos pelo povo e exercido através de mandatos e partidos.  Quem esconde isso dos seus eleitores pode se considerar democrata ou até sê-lo, em certo sentido. Mas será, principalmente, um demagogo.

Então que seja bem-vinda, no presente momento, a dissimulação das motivações eleitorais de políticos e partidos que apoiarem ou aparecerem nas manifestações de hoje. O país agradecerá por essa prioridade concedida à sua necessidade de protestar contra o que aí está. Mas isso não isenta o analista da conjuntura política de interpretar os movimentos dos vários atores políticos, pois eles, apesar de contidos pelas circunstâncias e limites da sua missão representativa, não podem e não devem deixar de agir estrategicamente. É exigência básica do ofício, que a sociedade deve fazer à elite política para que seja eficaz

Foi feliz a senadora Simone Tebet, ao se manifestar no modesto, mas significativo ato da Avenida Paulista, em 12 de setembro último.  Disse ela que ali estavam reunidos o centro e a direita democráticos, que em outubro seria a vez da esquerda e que ela acreditava ser possível, em novembro, todos estarem reunidos num ato só. A sabedoria da fala consiste em, ao mesmo tempo, pregar a unidade e reconhecer, de modo realista, a diversidade que faz a sua construção ser complexa e por isso exige um tempo político para ser veraz.

Pois bem, chegou o dia da esquerda se submeter ao teste das ruas. Por mais que ela tenha dividido, estrategicamente, a convocação dos atos com outras forças, essa sabedoria prática (política) não revoga o fato de que é ela, a oposição de esquerda, a mola propulsora da mobilização de hoje. Políticos de centro e de direita nada perderão se reconhecerem isso. Assim como não perderão se admitirem o que salta aos olhos, isto é, que a esquerda tem uma capacidade de mobilizar muito maior. Ir além do óbvio é dever de quem pensa. Tentar negá-lo é erro crasso de quem age. Ademais, qualquer iniciante em política sabe que isso não é predição de necessário sucesso eleitoral. Há vários exemplos de situações políticas em que mobilizações da esquerda nas ruas abriram caminho a soluções políticas de centro pelas urnas. São exemplos de sinergia positiva entre esquerda e centro. Outros exemplos, agora de sinergia negativa, ocorreram quando manifestações volumosas da esquerda (como a do “elle não”, a uma semana do segundo turno de 2018) ajudaram à agregação do eleitorado conservador em torno de um proto-fascista como Bolsonaro. Em parte, isso depende do tom e sentido da mensagem política emitida por um ato público. Na maioria das vezes dá em desastre dizer em público o que se diz sob o teto da sua cozinha.

Penso que os atos desse sábado estão distantes desse erro. As cozinhas mais importantes estão fechadas em público e se pretende que o ato transcorra no salão principal, onde a moderação é a regra. Mas principalmente os políticos de centro ou de centro-direita que a ele comparecerem não podem se iludir ou fazerem de conta que não sabem quem é o sujeito oculto das festas que se farão Brasil afora, mesmo se o anfitrião real, sabiamente, se fizer representar por terceiros e, no caso de São Paulo - o salão principal - pelo terceiro que o representou até na urna, mas que agora, ao que tudo indica, terá sua missão limitada ao eventos preliminares, ou eventos-teste, como esse de hoje. Treino é treino, jogo é jogo. A folha seca não precisa vir agora e a rigor não se sabe de quem ela partirá, na hora devida.

Se Lula está, ao que parece, se contendo em limites convenientes ao que pode vir a ser uma candidatura ampla, de envergadura maior que sua própria trajetória como personagem do campo da esquerda (ainda que tenha um dia dito não ser de esquerda, hoje isso poderia ser um sincericídio, mas pode deixar novamente de ser, daqui a pouco), a contenção que se espera de quem pode vir a ser seu parceiro conflitivo num eventual futuro palanque é a de quem sabe o terreno em que pisará hoje e por isso pisará devagarinho. São todos convidados a uma festa que tem dono, por mais que venha a ser uma festa ampla e aparentemente gratuita, com direito a assinaturas colegiadas no convite formal.

Há dois tipos de visitas indesejáveis e incômodas em qualquer festa, mesmo as feitas oficialmente para apenas protestar: o puxa-saco e o bicão. O primeiro quer mimetizar os anfitriões, ostentar afinidades e sintonias artificiais e com isso enche o saco e granjeia desprezo. O segundo disputa protagonismo, é capaz de querer fazer as honras da casa aos desavisados, aparecer como parceiro nos bem-feitos e/ou crítico dos malfeitos da família. Para esse aí o primeiro remédio – “dar gelo”, que pode funcionar melhor com puxa-sacos – pode não bastar e aí os anfitriões podem tratá-lo como penetra e chamar a segurança. 

Os que perseguem (no bom sentido) a terceira via não precisam proferir a palavra maldita. Cão que late não morde. Cabe ser educado na casa alheia, comportar-se como visita sensata, mas altiva, mesmo se convidada a se sentir em casa. E seguir trabalhando seu campo político para que chegue ao grau de agregação política e densidade eleitoral ao qual a esquerda chegou, não importa por quais caminhos ou com qual discurso ou programa. Importará sim, e muito, na hora de se dirigir ao eleitor, se o golpista que ocupa o governo já não oferecer perigo, nem de reeleição, nem de promover caos. Mas não nesse momento de ato unitário contra ele, quando o primeiro perigo saiu do horizonte, mas o segundo não.

*Cientista político e professor da UFBa.

Fonte: Blog Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/10/paulo-fabio-dantas-neto-gestos.html


Matheus Leitão: Como Bolsonaro está usando o seu, o meu, o nosso dinheiro

O Presidente usa recursos financeiros, humanos e físicos do governo para viabilizar sua reeleição. TSE e TCU estão com a palavra 

Matheus Leitão / Revista Veja 

Defensor de ditaduras, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta há alguns anos se confundir com o Estado brasileiro. A última moda dele é gastar (muito) dinheiro público para autopromoção, numa campanha eleitoral ilegal que se vale também da estrutura física e de recursos humanos do governo federal.

A repórter Ana Luiza Albuquerque, da Folha de S.Paulo, levantou que o contribuinte já gastou, pelo menos, R$ 2,8 milhões com as motociatas organizadas pelo presidente pelo país ao lado de seus apoiadores mais extremistas –aqueles que negam a existência da pandemia e defendem a generalização da posse e porte de armas, por exemplo.

A repórter Mariana Carneiro, de O Globo, revelou um documento em posse do Tribunal de Contas da União (TCU) que calculou em R$ 1,062 milhão o custo para o erário de apenas três motociatas (ocorridas no Rio, São Paulo e Chapecó).

O gasto público é muito maior porque Bolsonaro também envolve nos eventos de sua campanha eleitoral fora de época recursos do governo federal, como aeronaves, e também os próprios servidores públicos, como ministros e assessores, que são remunerados com o seu e o meu dinheiro, caro leitor, querida leitora.

Além disso, os eventos eleitorais do presidente demandam esforços e horas de trabalho de policiais militares e outros servidores públicos dos governos estaduais.

O presidente ainda tenta dar uma de malandro, evitando confirmar sua participação na eleição presidencial de 2022. Ele sempre diz que talvez possa ser candidato, inclusive nesses eventos. Bolsonaro chegou a dizer “se porventura eu for candidato”. Isso é um truque. Ele fala na condicional porque se confirmar a candidatura estará ainda mais claramente configurado o crime eleitoral.

Até porque, todo mundo já sabe que ele tentará a reeleição. Os vídeos, fotos e textos sobre suas motociatas também comprovam a irregularidade eleitoral.

Desde a campanha de 2018, Bolsonaro tenta se confundir com o Estado brasileiro. Um de seus primeiros movimentos nesse sentido foi o sequestro da bandeira nacional, que ele e seus asseclas decretaram que só pode ser empunhada por quem concorda com eles. Outro o sequestro da marca “Brasil”, que o governo inclui em todos os programas como agora no Auxílio Brasil com o qual ele tenta substituir o Bolsa Família. Isso quando não usa o verde e amarelo, como no Casa Verde e Amarelo que ele usou para tentar apagar a marca Minha Casa, Minha Vida.

Certa vez o presidente disse que ele mesmo é a Constituição do país, inadvertidamente remetendo a uma frase atribuída a Luís XIV, rei da França no início do século 18. Sobre os eventos eleitorais antecipados, o país precisa se preservar disso de alguma forma. Inclusive, proteger o dinheiro do contribuinte. O Tribunal Superior Eleitoral e o Tribunal de Contas da União estão com a palavra.

Fonte: Veja
https://veja.abril.com.br/blog/matheus-leitao/como-bolsonaro-esta-usando-o-seu-o-meu-o-nosso-dinheiro/


Lula une Paes e Molon e faz do Rio laboratório da estratégia para 2022

A corrida eleitoral de 2022 dispara em outubro

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

A corrida eleitoral de 2022 dispara em outubro, com o presidente Jair Bolsonaro investindo no contato direto com a população, o ex-presidente Lula focando nas articulações políticas com governadores e cúpulas partidárias e as forças de centro ainda incapazes de dar cara e corpo ao tão desejado e tão distante candidato de centro.

Bolsonaro passa mais tempo em aviões e palanques do que governando em seu gabinete e pode ser mais visto, fotografado e filmado do extremo norte ao extremo sul do que em Brasília. Inaugura qualquer coisa, em qualquer lugar. O que importa é repetir 2018 e cair nos braços do “povo” – o seu “povo”, diga-se.

Já Lula usa a lábia, o carisma e a experiência para definir um leque de apoios muito além do PT e das esquerdas e que, na prática, não deixa franjas para uma terceira via. Para ele, não basta inviabilizar um nome ao centro; é preciso garantir que o centro e a centro-direita não pulem no colo de Bolsonaro.

Em sua última visita ao Rio, Lula brindou o PT e a esquerda com duas pérolas de pragmatismo. A primeira: “Se há uma coisa que aprendi na política é que você só ganha se tiver 51%, senão perde. Com o que temos aqui nesta sala, não temos 51% e não vamos ganhar”. Tradução: ou a esquerda faz alianças com centro e centro-direita, ou ninguém vai a lugar nenhum, especialmente na principal base eleitoral de Bolsonaro.

A segunda pérola: Rio e Minas são os “swing states” das eleições no Brasil, ora indo para um lado, ora para outro. “Quem ganha no Rio e em Minas ganha a eleição”, concluiu Lula, que faz do Rio o grande laboratório da sua estratégia. O foco é o prefeito Eduardo Paes, que virou a maior liderança do Estado e deu um golpe de mestre, ao deixar de lado sua dianteira nas pesquisas para o governo e continuar na prefeitura.

Paes é homem-chave da estratégia de Lula, assim como Lula é central das articulações de Paes, que trocou o DEM pelo PSD e amarra um acordão: para o Guanabara, o neófito Felipe Santa Cruz, presidente da OAB nacional, e, para o Senado, o ex-adversário Alessandro Molon, deputado federal que saiu da Rede para o PSB. Uma aliança, até então improvável, entre a esquerda e a centro-direita. Pró-Lula, contra Bolsonaro.

É isso que Lula busca reproduzir pelo País afora, com um instrumento de grande utilidade: o PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab (SP) que, de esquerda, não tem absolutamente nada. Kassab anima a plateia lançando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (que, como Paes, deve ir do DEM para o PSD), enquanto nos bastidores articula de fato o apoio do partido a Lula. Assim como Paes no Rio, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, é do PSD e bem avaliado. A diferença é que ele deve concorrer ao Palácio da Liberdade.

Com Rio, Minas e PSD sob controle, Lula consolida sua força no Nordeste e tem jantar na próxima quarta-feira, em Brasília, com os mandachuvas do MDB, o ex-presidente Sarney, senadores e até o governador do DF, Ibaneis Rocha, que tem elos, mas não compromisso, com Bolsonaro.

Enquanto o PSDB se divide em torno das prévias entre os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) e os candidatos de centro esvaziam uns aos outros, Lula está lá na frente, comendo pelas bordas – e por dentro – o mingau do centro. E Bolsonaro é carregado por anticomunistas, negacionistas, conservadores e uma massa um tanto disforme. Tudo junto, isso soma um quarto das pesquisas.

Lembram? Só vence quem tem 51%. Hoje, ninguém tem. Mas terá quem trabalhar melhor, unir mais, convencer e tiver armas políticas. Não fuzis e revólveres, mas discurso para a economia, a miséria e mesmo a pandemia. Além de acenar com união e carisma, que nunca é demais.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lula-une-paes-e-molon-e-faz-do-rio-laboratorio-de-sua-estrategia-para-2022,70003856316