eleições 2022
Vera Magalhães: Depois do feriadão, só aborrecimento
Aborrecimentos podem até ficar longe dos olhos no feriado, mas têm data para bater à porta
Vera Magalhães / O Globo
Jair Bolsonaro curtiu a vida adoidado no feriado. Esteve em Aparecida, no Vale do Paraíba, já no último dia da intensa programação, mas seu espírito estava mais para Dia das Crianças que para louvar a Padroeira.
Hospedado no Forte dos Andradas, no Guarujá, litoral de São Paulo, andou de motoca pelas outras cidades litorâneas, lamentou não ter podido curtir a partida entre Santos e Grêmio pelo Campeonato Brasileiro — só porque, vejam só que absurdo, não quis se vacinar contra a Covid-19 — e ainda reclamou quando cobrado a respeito das 600 mil mortes pelo novo coronavírus no país que por acaso governa. “Não vim aqui para me aborrecer”, disse Jair num de seus animados rolés do feriadão.
Um vídeo que viralizou também no feriado das crianças, feito por um grupo de ativistas e replicado à exaustão, mostra um Jair com faixa presidencial e num gabinete-brinquedoteca. Arminhas de brinquedo, heróis que atacam o Congresso e, claro, uma motoquinha compõem a cena enquanto ele se irrita com a primeira-dama, Michelle, que insiste em chamá-lo enquanto ele “trabalha”. O vídeo termina com uma mensagem dura: “Lugar de criança não é na Presidência; o Brasil não é brinquedo”.
A pouca disposição do presidente ao trabalho pesado, à coordenação da equipe e a uma agenda estrita de deliberações vai ganhando espaço justamente no terreno em que o bolsonarismo pratica a narrativa política: as redes sociais e os aplicativos de mensagens.
Acontece que, goste o presidente motoqueiro ou não, os aborrecimentos podem até ficar longe dos olhos no feriado, mas têm data para bater à porta.
Bolsonaro não se dignou a dar uma palavra sobre a marca de 600 mil mortos na pandemia. Mas a CPI da Covid concluirá na próxima semana um relatório recheado de imputações de crimes a ele e a boa parte de sua equipe, a atual e a já defenestrada. O memorial às vítimas que ele insiste em ignorar como um estorvo a sua diversão será uma lembrança perene dos descalabros cometidos em nome do negacionismo em sua administração, sob seu comando falastrão.
Por mais que o ministro Paulo Guedes doure a pílula diante da imprensa americana, a inflação corrói não só o poder de compra dos brasileiros, mas a paciência deles com o presidente e sua equipe econômica.
Como soluções políticas e programas não brotam por geração espontânea, as soluções para os precatórios, para o pagamento do Auxílio Brasil, para o preço dos combustíveis e para a crise hídrica demandarão que o presidente arregace as mangas não para acelerar na estrada ou para fazer arminhas com as mãos em selfies com puxa-sacos, mas para tomar decisões de governo, vejam só que aborrecimento.
Da mesma forma, o guichê da política não está menos tumultuado. Enquanto Jair empinava a moto, dois dos poucos grupos que ainda lhe dão alguma sustentação, o Centrão e os evangélicos, batiam boca por causa da malparada discussão a respeito da indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal.
Os sinais dados pelo capitão e por seu time em relação ao escolhido para a vaga de Marco Aurélio Mello são contraditórios, e não são poucos os que veem um ensaio de mudança de planos nos arredores do Planalto. Ver tisnado o apoio que tem na cúpula do neopentecostalismo agora, com Silas Malafaia todos os dias berrando contra ministros no Twitter, é tudo o que um presidente com rejeição recorde não deveria pretender, mas Bolsonaro estava mais preocupado em pegar uma praia que em se chatear tendo de fazer articulação política, algo que desde a posse ele desdenha e que, mais recentemente, passou a confundir com compra de apoio — algo sempre volátil e sujeito, ora vejam, a inflação maior que a do gás de cozinha.
Luiz Carlos Azedo: Sem chance de dar certo
O salário vale menos e os mais pobres estão disputando ossos e sopas oferecidas por instituições de caridade. Como a economia desanda, a reeleição sobe no telhado
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Há três contingências do governo Bolsonaro que colocam em xeque sua continuidade. A primeira tem a ver com a política externa; a segunda, com a política propriamente dita; a terceira, com a economia. São situações criadas pelo próprio presidente da República, não por seus adversários. Decorrem de estratégias erradas. Vejamos: (1) a aposta na política ultraconservadora do presidente Donald Trump, com a eleição do democrata Joe Biden para a Presidência dos Estados Unidos, deixou o presidente Jair Bolsonaro sem um grande aliado no Ocidente e na contramão da política mundial, que é globalista; (2) a retórica golpista e a agenda ultraconservadora provocaram seu crescente isolamento político; (3) e a entrega do Orçamento da União ao Centrão inviabilizou a agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes. O resto são consequências.
O isolamento internacional do Brasil, ao contrário do que gostaria Bolsonaro, somente serviu para tornar o Brasil ainda mais dependente da China, nosso principal parceiro comercial. Não seria um grande problema, se a economia chinesa não sofresse os sobressaltos de uma economia capitalista, embora seu regime político seja uma ditadura comunista. No momento, o mercado financeiro internacional vive a expectativa de uma implosão da bolha imobiliária chinesa, de consequências imprevisíveis. A Sinic Holdings Group é mais recente empresa imobiliária chinesa em vias de dar um grande calote, aumentando a tensão criada pela gigante Evergrande, que atravessa momentos difíceis e tem uma dívida de US$ 300 bilhões (R$ 1,6 trilhão).
A Sinic comunicou à Bolsa de Hong Kong que espera não conseguir pagar um título de US$ 250 milhões com vencimento em 18 de outubro, o que pode gerar inadimplência cruzada, pois a empresa tem US$ 694 milhões em títulos e sofreu uma queda de 97% no valor de suas ações. A Modern Land (China) Co., outra incorporadora sediada em Pequim com US$ 1,35 bilhão de títulos em circulação, está pedindo três meses para quitar uma nota com vencimento em 25 de outubro. A Xinyuan Real Estate Co., que tem US$ 760 milhões de títulos, está propondo o que a Fitch Ratings considera uma troca de dívida problemática com vencimento na sexta-feira. A alta do preço do petróleo e a chamada crise dos contêineres, que corresponde a um apagão logístico, também são fatores que repercutem fortemente na desvalorização da moeda brasileira.
Calote e inflação
Na política, a situação é complicada porque a agenda econômica do Centrão não é a mesma do ministro da Economia, Paulo Guedes. A reforma administrativa subiu no telhado, ainda mais porque todo o pessoal do setor de segurança pública, com exceção dos policiais militares, rebelou-se contra a reforma. Policiais federais, policiais rodoviários, agentes penitenciários e policiais civis, que faziam parte da base bolsonarista, estão se insurgindo contra a reforma e fazem forte lobby no Congresso, como os demais servidores civis. Sem cortes nas despesas de pessoal, a opção do governo seria contingenciar as emendas ao Orçamento da União, que estão fora do controle do Executivo e são imexíveis. Quem controla esses investimentos em obras e serviços é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Com isso, o cobertor ficou muito curto para o governo aprovar o Auxílio Brasil, programa social no qual o presidente Bolsonaro aposta sua reeleição. A alternativa de calote nos precatórios (PEC 23) para financiar o programa que substituirá o Bolsa Família também enfrenta forte resistência.O engenhoso relatório do deputado Hugo Motta constitucionaliza o calote, ao ficar um limite anual para os precatórios e sentenças judiciais. O restante entraria na lógica do “devo, não nego; pago quando puder”, segundo o economista Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente(IFI), mantido pelo Senado. O limite proposto no relatório está baseado no valor pago em 2016 (R$ 30,7 bilhões) corrigido pela inflação. Assim, o pagamento de 2022 será de R$ 40,5 bilhões, em vez de R$ 89,1 bilhões.
Uma folga de R$ 48,6 bilhões no teto de gastos em 2022, para financiar a reeleição de Bolsonaro, não passa despercebida e impune pelo mercado. Além de gerar insegurança jurídica, ao virar a mesa nas regras do jogo entre o governo e seus credores, tem impacto direto na inflação, que voltou como nunca antes desde o lançamento do Plano Real. Os números são terríveis: 1,16% em setembro, 6,90% no ano e 10,25% em 12 meses. Luz, ovos, café, carne, frango e açúcar subiram de 20% a 47%. O salário vale menos e os mais pobres estão disputando ossos e sopas oferecidas por instituições de caridade. Como a economia desanda, a reeleição sobe no telhado.
Paulo Delgado: Pomar sem água. País precisa de normalidade
O Brasil precisa de normalidade sem fatos extraordinários, a vida comum das ações e emoções verdadeiras
Paulo Delgado / O Estado de S.Paulo
O mundo está cheio de cretinos e este número aumenta quanto mais se afasta de Montana. Se a piada do Velho Oeste norte-americano se aproximar do Brasil, este número também aumenta. Feliz, realizada, rica, suspensa acima da terra e livre de todas as leis, a política brasileira dominou os ambientes onde cada um só cuida de si. É como obra de arte que, para ser admirada, não pode ser compreendida.
O deslumbramento com o open tudo das engenhocas digitais, o liberalismo fora da costa à moda dos corsários, o bilionário de aplicativo, a tecnologia sem ciência a serviço da agressividade, a reforma que deixa restos do Estado patrimonial dispensado de obedecer às leis, a autarquia estatal milionária dos partidos políticos. Tudo sob gestão política e judicial oficiais e sua incapacidade de dizer não a não ter direitos. Tal beatitude estabeleceu esta forma de amizade com o cretinismo sem fronteira e noção de perigo.
A palavra “indefensável” saiu do vocabulário quando a elite dos Três Poderes regulou sua conduta por princípios próprios. O indesejável tornou-se irredutível e fez ruir o suporte que sustenta a admiração por um ideal na política.
A crise de recato que vivemos – a confusão entre conectar e conhecer, clicar e conversar, paraíso liberal e fiscal, informação e privilégio, somada à moral como prótese removível – envolve hoje as pessoas e as instituições que mais precisam de mudar, mas não aceitam mudança. Os que têm o poder de falar em nome de outros e se oferecem para ser admirados são os que mais andam enganando o Brasil. Por culpa deles todas as memórias estão virando uma coisa só. A de um país da elite errada e do legal indefensável.
Não funcionamos por princípios gerais de nação. E a administração pública parece dizer para as pessoas comuns relax, há outra maneira de viver no Estado. O responsável pela economia que investe fora do Brasil deveria se afastar da sua função. Como o magistrado na ativa que cobra por palestra sobre o que faz para instituição do próprio Estado deveria considerar pilhagem o honorário. Como parlamentar que forma o patrimônio da família com salário de seus funcionários. Ou ministro sem orçamento, que não pede para sair. Sempre foi assim, todos são assim. Não são piratas. É impossível desenrascar-se de vulgaridade tão trivial que é a benevolência do povo com o espírito de corsário de mandachuva brasileiro.
Com o discernimento embotado sobre a responsabilidade dos heróis atuais, melhor não apostar em outro funcionamento da política. A insatisfação do desejo que começa a se manifestar ainda não é o desejo de outra coisa desconhecida. Melhor não arrastar tudo para a psicologia ou a ideologia dos dois uns que se opõem. O caminho mais fácil na vida nem sempre é o melhor.
É o labirinto sem centro que faz os brasileiros indiferentes, confusos ou crédulos. Falta um líder daqueles a quem a prosperidade legítima dos outros não incomoda. Felizmente, é possível perceber que a espécie humana tem um secreto brasileiro que se fez, por discrição e cansaço, inútil à política. É a pessoa tranquila no cumprimento usual do dever, legal, ajuizada, humorada, livre, não se entusiasma com a crítica fácil interessada no sofrimento humano. Nem sai por aí na televisão enfiando a carapuça em uns e outros.
O brasileiro inútil presume a responsabilidade coletiva de todos pelo fracasso das nações. Ele sabe que muitos que vivem crises de gratificação em política normalmente são os responsáveis pela própria frustração.
Estamos, outra vez, às vésperas de uma eleição sem desassossego, charme, cuidado, com muitos engodos e suspiros. O real verdadeiro que é a felicidade humana não está em nenhum aplicativo ou rede social. Se a eleição for uma disputa de algoritmo, melhor se abster. É preciso reinventar a eleição, os partidos e seus candidatos, sabendo o que nos é permitido esperar. Uma coisa é certa, o Brasil não precisa de presidente personal. Menos ainda de quem acha que tudo é política, tudo é educável, tudo é diagnóstico, polícia e juiz. O Brasil precisa de água no seu pomar, normalidade sem fatos extraordinários, a vida comum das ações e emoções verdadeiras.
Todos os conectados já foram computados. É hora de buscar a maioria desbussolada, antipáticos a personalidades coativas que gostam de gente treinada, obediente e previsível. Alguém capaz de falar para os inúteis, sem obrigá-los a responder ou agir no sentido enfático como um exército de ativistas.
A honestidade no Brasil é um hábito, mais do que uma prática. Como se a ética fosse um dilema, não conduta. Os ligados acham que os bons são bobos por preferirem inteligência a maldade. Deixe estar.
Quem conseguir entender a política verá que os fatos e eventos que a envolvem são apenas interesse, ilustrações dos princípios dos próprios políticos. Não há mal nisso, é uma função necessária e relevante. O problema é quando por trás dos fatos não se encontram princípios. Tem sido a sina brasileira: viver o ridículo e a chateação de ser governado por vitorioso que despertou esperança e não se comportou à altura.
*SOCIÓLOGO. E-MAIL: CONTATO@PAULODELGADO.COM.BR
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,pomar-sem-agua,70003866071
Fator CPI tem potencial para impactar eleições de 2022
Comissão pedirá o indiciamento de dezenas de investigados, entre os quais o presidente Bolsonaro
Raphael Felice/ Correio Braziliense
A CPI da Covid completa, hoje, seis meses desde sua instauração. De lá para cá, houve um rol de depoimentos, quebras de sigilo e investigações, levado a cabo pela comissão, que conseguiu ocupar espaço de protagonismo no jogo político. O fim dos trabalhos ocorrerá no próximo dia 20, quando haverá a votação do relatório do senador Renan Calheiros (MDB/AL).
Nesta reta final, a cúpula do colegiado mudou o cronograma dos trabalhos. Desistiu da convocação, pela terceira vez, do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, cujo depoimento estava marcado para segunda-feira. Na data, ocorrerá a oitiva do médico pneumologista Carlos Carvalho e de parentes de vítimas do novo coronavírus.
No dia 19, Calheiros apresentará o relatório. Ele já antecipou que relacionou 37 investigados no parecer. Disse, ainda, que mais de 40 pessoas devem ser responsabilizadas no documento, entre elas o presidente Jair Bolsonaro. Segundo o parlamentar, a CPI não poderia “falar grosso na investigação e miar no relatório”.
Com a aprovação do parecer, a intenção é entregá-lo à Procuradoria-Geral da República (PGR) já no dia 21. O órgão terá 30 dias para decidir se dará prosseguimento às denúncias, pedirá o arquivamento ou definirá diligências. No dia 26, membros da CPI vão se reunir com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para protocolar um pedido de impeachment contra Bolsonaro.
De acordo com o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a cúpula do colegiado pretende levar o relatório, também, até o Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda. A Corte é responsável pelo julgamento de acusados de crimes contra a humanidade, como genocídio.
Conforme analistas, a CPI tem sido responsável por equilibrar o noticiário político, antes pautado por ações e ataques de Bolsonaro. Para eles, o ritmo do jogo político era, de certa forma, ditado pelo chefe do Executivo, que sempre se utilizou da política do enfrentamento e de cortinas de fumaça para tentar encobrir insucessos.
“Uma das grandes mudanças que a CPI trouxe na pauta política foi justamente o fato de ser capaz de ditar a pauta política. A comissão acabou tirando um pouco do protagonismo do presidente no cenário político, sendo ela mesma a produtora de notícias, a produtora de informações para a sociedade”, afirmou Valdir Pucci, professor e mestre em ciência política.
Com repercussão e força política própria, a CPI expôs informações que podem custar caro a Bolsonaro, como a demora para comprar vacinas contra a covid-19, a propaganda do chamado “tratamento precoce”, a revelação de que o Ministério da Saúde negociou imunizantes superfaturados e o escândalo recente com a Prevent Senior — segundo depoimentos ao colegiado, a operadora usava seus pacientes como cobaias em experimentos com substâncias como cloroquina, ivermectina, azitromicina e até ozônio no “tratamento” do coronavírus.
Com grande audiência — sendo constantemente um dos assuntos mais comentados nas redes sociais —, mesmo após o seu término, o fantasma da CPI deve continuar assombrando Bolsonaro durante a campanha eleitoral no ano que vem.
Para o cientista político André Rosa, o presidente pode ser impactado com algo parecido com o que sofreram petistas com relação à Operação Lava-Jato. “A CPI da Covid será objeto de grande repercussão nas eleições e também na formação das preferências do eleitor na hora da escolha do voto. Tal como a Operação Lava-Jato, que impulsionou a candidatura de Jair Bolsonaro, será a da covid-19 que proporcionará aos concorrentes o combustível da propagação de campanha negativa da gestão do atual presidente”, frisou.
Conforme Rosa, o relatório de Calheiros trará sérios problemas para a já abalada imagem do chefe do Executivo. “Os impactos na sociedade serão fragmentados entre os apoiadores do presidente e os seus dissidentes. Aos dissidentes, a certeza de um país mal gerido, que alcançou o nível inflacionário pré-Plano Real, alta fora da curva dos combustíveis e mais desigual”, listou. “Por fim, a CPI formaliza em um relatório o resumo de um dos piores governos da história do país.”
Queiroga
A decisão da cúpula da CPI de abrir mão da terceira convocação do ministro Marcelo Queiroga foi tomada porque senadores não acreditam que ele apresentaria informações capazes de contribuir com as investigações. Na semana passada, o titular da Saúde já havia respondido, por escrito, a questionamentos feitos pela comissão.
Os parlamentares preferem, então, focar no médico pneumologista Carlos Carvalho, professor da Universidade de São Paulo. Ele coordenou um estudo que refutou o uso de medicamentos, como a hidroxicloroquina, cloroquina e a azitromicina, em pacientes com covid-19. A pesquisa seria analisada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), órgão do Ministério da Saúde, mas acabou retirado de pauta. (Colaboraram Israel Medeiros e Tainá Andrade)
Para driblar Aras
Diante do alinhamento do procurador-geral da República, Augusto Aras, com o presidente Jair Bolsonaro, a CPI da Covid estuda formas de driblar uma eventual omissão da Procuradoria-Geral da República (PGR) para avançar com processos contra o chefe do Executivo e outros políticos com foro.
Uma das opções seria levar o processo adiante por meio de entidades privadas, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tem prerrogativa para encaminhar os indiciamentos diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Outra opção é entrar com uma ação penal subsidiária da pública, diretamente no STF — medida possível em caso de inércia do Ministério Público.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4955059-fator-cpi-tem-potencial-para-impactar-eleicoes-de-2022.html
Desastre da economia abala todos os segmentos do eleitorado de 2022
Nem o Plano Real resistiu a Jair Bolsonaro. A inflação bate na vida de todo mundo
Eliane Cantanhêde / O Estado de S.Paulo
Nem o Plano Real resistiu a Jair Bolsonaro. Após 28 anos do sucesso da maior obra de engenharia econômica do Brasil, a inflação volta ao cotidiano de pobres e ricos, assalariados e empresários e, principalmente, dos miseráveis que já não tinham o que comer e dar de comer aos filhos. Mais do que índices abstratos, o aumento da inflação, de 1,16% em setembro, 6,90% no ano e 10,25% em doze meses, bate na vida de todo mundo, ou seja, de todo eleitor.
A economia, a queda de emprego e renda, a disparada de preços e seus efeitos no dia a dia abalam todas as faixas do eleitorado. O salário continua o mesmo, caiu ou pode ter evaporado. Alguém teve aumento de 20%, 30%, 40% ou 50% nos últimos doze meses? Mas conta de luz, ovos, café, carne, frango e açúcar subiram de 20% a 47%. Pessoas disputando ossos, pelancas e restos de comida são de deixar o País, e cada um de nós, sem dormir.
A cesta básica encosta ou passa de 60% do salário mínimo, quando 70% da população acima de 16 anos vive em residências com renda de até três mínimos (50%, com renda de até dois). Esse universo estupendo de eleitores é o que mais diretamente sofre com o aumento do preço da comida, do botijão de gás e da conta de luz. E as famílias voltam a cozinhar em latões de lenha e a comer no escuro – quando há o que comer.
Isso atinge, por exemplo, os evangélicos, que se concentram fortemente na baixa renda e na baixa escolaridade. Mas nem é preciso decantar esse eleitorado por sexo, cor, escolaridade e religião para saber que ninguém, ninguém mesmo, pode estar feliz, satisfeito e querendo que as coisas fiquem como estão. Isso vale para centros urbanos e rurais, pequenas e grandes cidades.
Ampliando um pouco o leque para os que têm renda familiar acima de 10 salários mínimos, e mais capacidade de influenciar votos, aumentam os motivos de desencanto, para uns, ou de acirramento da rejeição, para outros. Além da conta de luz e dos preços nos supermercados, onde qualquer comprinha passa dos R$100,00, há o preço da gasolina, das passagens aéreas e até do dólar.
Como prefere o ministro Paulo Guedes, da Economia, já não dá para a empregada doméstica ir a Disney, o filho do porteiro estudar na universidade e, de quebra, para o papai e a mamãe sustentarem o seu carrinho. E eles nem têm muito para onde ir. Shopping? Restaurante? Tudo pela hora da morte.
A economia voltou com força para o centro das conversas até mesmo dos ricos, que reclamam da inflação (a deles, dos empregados e dos pobres em geral), dos quase R$ 7 da gasolina comum, da volta dos juros altos e... da rentabilidade dos seus investimentos, que perdem para a inflação e sacodem com bolsas e dólar.
Segundo Mauro Paulino, do Datafolha, a popularidade de Bolsonaro caiu e a rejeição subiu em todos os segmentos na última pesquisa, de 14 e 15 de setembro, com exceção de um: o de maior renda, incluindo empresários. Em menos de um mês, porém, a situação deteriorou, com aumento de gás, luz, gasolina, juros e dólar (que só convém aos exportadores). E se os mais ricos passarem a olhar para Paulo Guedes sem enxergar luz no fim do túnel?
O candidato Bolsonaro tem caneta BIC, avião presidencial, escalões precursores, comitivas, gabinetes paralelos e tratoraços para fazer campanha, mas já convive com 59% dos pesquisados dizendo que, nele, não votam de jeito nenhum. Até mais: votam em qualquer um que não seja ele, como agora se ouve com certa frequência.
O problema de Bolsonaro nem é mais, ou só, os 600 mil mortos de covid, o cheiro de queimado da Amazônia e os sucessivos vexames do Brasil no mundo. O maior de todos é outro: a economia, com inflação e deterioração das condições de vida.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-desastre-da-economia-abala-todos-os-segmentos-do-eleitorado-de-2022-do-miseravel-ao-rico,70003866082
Bolsonaro tem a maior carga eleitoral negativa desde a redemocratização
Eleições 2022: Índice dos que dizem não votar nele de jeito nenhum é de 59%, 15 pontos percentuais a mais do que em sua eleição, em 2018
Ranier Bragon / Folha de S. Paulo
A análise das pesquisas de intenção de voto realizadas pelo Datafolha nas oito eleições presidenciais ocorridas desde a redemocratização mostra que Jair Bolsonaro (sem partido) entra na disputa de 2022 com a maior carga eleitoral negativa da história.
O total do eleitorado que declara hoje que não votaria de jeito nenhum a favor da sua reeleição é de 59%, 21 pontos percentuais a mais do que seu principal adversário até agora na disputa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —com 38%.
A atual rejeição a Bolsonaro é, disparada, a maior medida pelo Datafolha na comparação com a dos presidentes que foram eleitos nas oito disputas anteriores, incluindo ele próprio em 2018.
Nunca o eleito, de 1989 a 2014, teve mais do que cerca de um terço do eleitorado declarando não votar nele de jeito nenhum.
Bolsonaro já havia batido esse recorde em 2018. Ele chegou à reta final da campanha com 44% de rejeição, mas conseguiu a vitória no segundo turno. Seu principal oponente, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), também amargava um índice negativo similar, 41%.
No segundo turno, Bolsonaro obteve 55,13% dos votos válidos, contra 44,87% de Haddad.
Se matematicamente a reeleição de Bolsonaro não ocorreria se a eleição fosse hoje, como mostra o Datafolha, resta a tentativa de mudança desse cenário nos 12 meses que ainda faltam para a disputa.
Também aí o histórico é majoritariamente desanimador para as pretensões do mandatário, embora em 2018 Bolsonaro tenha sido eleito sem contar com vários dos mecanismos até então imprescindíveis para uma eleição —partido, palanques regionais, tempo de propaganda na TV e rádio, marqueteiro e cofre de campanha robustos.
De 1989 —quando Fernando Collor foi o primeiro presidente eleito pelo voto direto após o fim da ditadura militar (1964-1985)— a 2018, só dois candidatos conseguiram reduzir de forma significativa, em torno de 10 pontos percentuais, a rejeição alta que tinham no início.
Foram eles Ulysses Guimarães (MDB) e Paulo Maluf (PDS), em 1989, mas isso de nada adiantou. O chamado "Senhor Diretas", apelido alusivo à sua fundamental participação na campanha Diretas Já, e o principal político vinculado à época à ditadura ficaram em sétimo e quinto lugares, respectivamente.
Apesar desse retrospecto, o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, afirma que essa alta e inédita rejeição tem como ser revertida, especialmente se houver uma percepção de melhora de vida entre os mais pobres.
"É um segmento numeroso, responsável numérico pela vitória de Bolsonaro em 2018, mas que foi abandonando essa opção e voltando para Lula ao longo da pandemia e das posturas do presidente. Esses eleitores são os mais pragmáticos. Se chegar algum dinheiro no bolso e comida na mesa, podem voltar a simpatizar com Bolsonaro", afirma Paulino.
O diretor do Datafolha lembra que por ora Lula está "muito tranquilo e confortável" por não sofrer grandes contraposições, mas mantém uma rejeição alta e consolidada (38%), devendo perder pontos quando a campanha se aproximar e os ataques dos adversários tomarem força,
A campanha eleitoral oficial só começa em meados de agosto do ano que vem, mas, na prática, já está a todo vapor no meio político. O primeiro turno das eleições ocorrerá em 2 de outubro de 2022.
De acordo com a última pesquisa do Datafolha, realizada nos dias 13, 14 e 15 de setembro, Lula estava na liderança da disputa, com 42% a 46% das intenções de voto, dependendo do cenário pesquisado, com Bolsonaro marcando 25%/26%, em segundo lugar. A margem de erro é de dois pontos para mais ou menos.
"Bolsonaro tem um caminho difícil pela frente e conta apenas com o exército das fake news e com o poder do Estado. Terá que mudar muito o comportamento e adotar medidas econômicas populares para reverter o quadro negativo atual", acrescenta Mauro Paulino.
De acordo com ele, uma possível terceira via precisaria de um posicionamento claro contra Lula e Bolsonaro que chegue à população mais pobre de forma convincente.
"Para isso precisa de um líder que concorra com o poder de comunicação e carisma que Lula e Bolsonaro demonstram diante de seus seguidores. O brasileiro vota pela emoção, preponderantemente. É preciso aplicar a linguagem popular sem parecer falso. Não vejo ninguém com esse convencimento natural entre os nomes colocados."
Márcia Cavallari, CEO do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), diz que o fato de Lula e Bolsonaro serem muito conhecidos torna muito mais difícil mudar a rejeição, porque ela é mais consolidada.
Ela ressalta que nas disputas estaduais e municipais essas oscilações são muito mais frequentes.
"Não é raro vermos governantes diminuindo a sua rejeição ao longo da campanha para governador e prefeito. Durante a campanha eleitoral, com a comunicação, eles conseguem mostrar as suas obras, as medidas adotadas, e com isso a rejeição diminui", afirma. "Nas eleições para prefeito de 2020 tivemos vários que diminuíram rejeição e melhoraram a avaliação ao longo da campanha e acabaram reeleitos."
Em junho, o Ipec pesquisou o potencial de voto e rejeição para cada possível candidato à Presidência em 2022, individualmente. Bolsonaro tinha 33% de potencial de voto (22% disseram que votariam nele com certeza e 11%, que poderiam votar) e 62% de rejeição.
Lula tinha um cenário inverso —61% de potencial de voto (48% com certeza e 13% dizendo que poderiam votar) e 36% de rejeição.
Em 1989, Collor, o então desconhecido governador de Alagoas, começou com uma rejeição baixíssima, de 11%, mas chegou às urnas com 30%. Mesmo assim conseguiu derrotar Lula no segundo turno.
Nas demais eleições, a maior rejeição numérica de um presidente eleito antes de Bolsonaro foi de Dilma em 2014, que chegou à reta final com 33% dos eleitores declarando que não votariam para sua reeleição de jeito nenhum.
VEJA A REJEIÇÃO DURANTE A CAMPANHA DOS PRESIDENTES ELEITOS
- 1989 - Fernando Collor (PRN) - 11% a 30% (de junho a novembro de 1989)
- 1994 - FHC (PSDB) - 12% a 17% (maio a setembro de 1994)
- 1998 - FHC (PSDB) - 25% a 21% (março a setembro de 1998)
- 2002 - Lula (PT) - 30% a 29% (nov.2001 a set.2002)
- 2006 - Lula (PT) - 30% (out.2005 a set.2006)
- 2010 - Dilma (PT) - 21% a 27% (dez.2009 a set.2010)
- 2014 - Dilma (PT) - 27% a 33% (out.2013 a set.2014)
- 2018 - Bolsonaro (PSL) - 33% a 44% (set.2017 a out.2018)
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/10/bolsonaro-chega-a-disputa-de-2022-com-a-maior-carga-eleitoral-negativa-desde-a-redemocratizacao.shtml
RPD || Alberto Aggio: O que setembro nos revelou?
Bolsonaro não conseguiu ampliar sua base de sustentação e aumentou ainda mais seu isolamento político
Dos meses do ano, agosto sempre foi, em termos políticos, o mais lembrado em razão de inúmeros acontecimentos, invariavelmente disruptivos, como o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Setembro jamais havia ganho, na memória coletiva, tamanho protagonismo com o mesmo teor. Mas este último mês de setembro foi bem diferente e mexeu com nossos nervos, fez palpitar corações e desafiou os mais competentes cérebros da análise política. O que setembro nos revelou?
Reconhecidamente, estivemos no limiar de uma grave ruptura institucional que poderia pôr a pique nossa jovem democracia. E o grande responsável por isso foi o presidente da República, Jair Bolsonaro, pela confrontação destrutiva que estimulou e conduziu contra as instituições da República, notadamente o Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro projetou e participou, no Dia da Independência, de atos antidemocráticos de massa em Brasília e São Paulo com o claro objetivo de confrontar o Poder Judiciário, rompendo o equilibro da República. Se essa ação produzisse os efeitos esperados a favor do presidente, estaria dado o sinal para o golpe de Estado.
Mas não foi o que aconteceu. A tentativa de golpe não prosperou. Os militares recolheram-se, depois da cerimônia oficial em Brasília, e as Polícias Militares dos Estados, controladas pelos governadores, mantiveram-se em suas funções ordinárias, garantindo a ordem.
Detalhadamente preparadas nas duas cidades mencionadas e também no Rio de Janeiro, Bolsonaro conseguiu mobilizar efetivamente milhares de pessoas. Obteve, nesse curso, o apoio de parte do empresariado e da militância de suas redes sociais. No entanto, as principais forças políticas do país não deram respaldo à escalada golpista comandada pelo presidente. Muito ao contrário, partidos políticos que relutavam em fazer oposição direta ao governo passaram a falar abertamente em impeachment. O principal setor social que havia declarado apoio, os caminhoneiros, dividiu-se. Vocalizando uma retórica exaltada, parte dele ainda tentou uma “greve” nos dias sucessivos, desestimulada pelo próprio presidente da República.
O golpe fracassou, dentre outras razões, porque Bolsonaro não conseguiu adesão suficiente para levá-lo a efeito. Quer porque o suposto braço armado do dispositivo golpista recuou ou efetivamente não se compôs, quer porque a mobilização de massas não correspondeu às expectativas. Ficou a impressão de uma radicalização despropositada e irresponsável; e, por fim, de um recuo amedrontado diante da ameaça real de abertura do processo de impeachment.
De toda forma, o episódio revela que Bolsonaro não conseguiu ir além dos apoiadores de sempre, e o recuo do presidente, com a Carta à Nação, deixou parte de seus apoiadores bastante insatisfeitos. O resultado é cristalino: Bolsonaro não conseguiu ampliar sua base de sustentação e aumentou ainda mais seu isolamento político. Poucos dias depois, pesquisas de opinião sancionaram essa avaliação. A imensa maioria da população brasileira repudiou a iniciativa do presidente em se antagonizar abertamente com as instituições da República, quase levando a uma ruptura institucional.
Ainda que com equalização diversa em cada um dos atores, foi a sociedade política, em representação delegada da sociedade civil, que agiu de maneira célere e responsável para estancar o dispositivo golpista, antes, durante e especialmente depois do 7 de setembro. Noticia a imprensa que, nos dias seguintes, produziu-se uma espécie de “concertação” entre atores representativos e diferenciados (STF e governadores, inclusos), mais militares de alta patente, todos preocupados em montar um dispositivo antigolpe capaz de atuar constitucionalmente contra Bolsonaro caso ele queira impedir a realização das eleições de 2022, não reconhecer os resultados ou tentar se antepor à posse do eleito em janeiro do ano seguinte[1]. Como se pode ver, a democracia brasileira aderiu oportunamente à campanha do “setembro amarelo”, mês dedicado ao combate ao suicídio.
“Mau soldado”, na definição do General Ernesto Geisel, setembro reiterou que Bolsonaro é péssimo articulador político e um presidente ainda pior. Se havia alguma inclinação analítica em compreender seu governo como “bonapartista”, o comportamento dos militares foi esclarecedor. Bolsonaro é um líder de espírito fascista incapaz de dar solidez e consequência a seu próprio movimento. É um iliberal que tem adotado ações corrosivas contra a democracia, desde o início do mandato, por meio de estratégias erráticas de “guerra de movimento” e “guerra de posição” sucessivas e superpostas.
Setembro termina com a desastrosa viagem a Nova York na qual Bolsonaro e a delegação brasileira apenas exercitaram o antidecoro, mentiram e despreocupadamente espalharam o vírus da Covid-19 pelos salões das Nações Unidas. Por aqui, felizmente, as instituições da democracia parecem ter resistido à fronda reacionária comandada pelo presidente. Qualquer projeção positiva do nosso futuro vai depender de uma compreensão consequente do que se passou neste setembro.
[1] NOBLAT, Ricardo. “Operação antigolpe já foi deflagrada para conter Bolsonaro”. Metropole, 20.09.2021; https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/operacao-antigolpe-ja-foi-deflagrada-para-conter-bolsonaro.
*Alberto Aggio é historiador, professor titular da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e responsável pelo Blog Horizontes Democráticos.
RPD || Alessandro Vieira: A CPI que fez a diferença
Comissão expôs erros e omissões graves da desastrosa atuação do governo Bolsonaro no combate à pandemia
À medida que a CPI da Pandemia se aproxima de seu término, aumenta, na mesma proporção, a cobrança por resultados práticos dos seis meses de depoimentos, quebras de sigilo e milhares de documentos colhidos, em um país que, a essa altura da tragédia, beira os 600 mil brasileiros mortos pelo coronavírus. Você já viu muitas CPIs atravessarem momentos históricos difíceis, mas certamente nunca testemunhou uma comissão parlamentar que fez tanto de fato pelo país - os porões que abriu, as portas que lacrou e, sem falsa modéstia, as vidas que salvou. A CPI tirou o foco do cercadinho e escancarou erros e omissões graves do Governo Federal. Ademais, descobriu indícios da existência de um mecanismo de favorecimento de empresas para desvio de recurso público operando dentro do Ministério da Saúde.
Já tivemos muitas comissões de inquérito, retratos de seus momentos políticos, da realidade do país. Algumas mornas, outras efervescentes. Algumas mero conchavo entre amigos - terminando em 'pizza' -, outras esmagadas pelos tentáculos do Estado. Mas nenhuma - e não tenho dúvida em cravar isso - como a CPI da Pandemia. Uma CPI realizada na era das tecnologias da informação e comunicação e da efervescência das redes sociais, que de forma inédita tem de lidar com o gabinete das fake news, mas também com a checagem de fatos em tempo real. Estamos chegando aos derradeiros dias de trabalho, da CPI das CPIs, como já foi consagrada. E o que lhe garante esse título é o volume de erros, omissões, irregularidades e evidências de crimes de corrupção que estão sendo desvendados à medida que ainda se vive a Pandemia, e que a cada dia novos fatos se revelam.
Mais de 600 mil brasileiros perderam suas vidas – pais, mães, irmãos, amigos, que não retornarão. Algumas ceifadas por falta de vacinas, outras por falta de orientação e comunicação acerca de medidas não farmacológicas e tantas outras pela falta de políticas concretas de gestão e contensão e propagação do vírus. Não há precedente para tal massacre - ainda mais turbinado por um esquema corrupto e desumano, em diversos escalões e com diferentes fardamentos. Mas a CPI da Covid também reflete uma ruptura no que considero ser um momento particularmente baixo da degradação da atividade parlamentar, com o esforço do Executivo para reduzir as Casas Legislativas a um entreposto de emendas e cargos. A CPI da Covid é, mesmo em meio a esse cenário hostil, uma luz no fim do túnel para o povo, mostrando que, mesmo em tempos sombrios, ainda que em menor número, existem pessoas sérias que pensam no Brasil e que lutam pela justiça, pela ciência e pela verdade.
Foram desafios marcantes. Graças ao equilíbrio de seus líderes, e membros mais combativos, a CPI terminará seus trabalhos sem se desviar do caminho. Muito claramente, narramos, ao longo desses meses, um enredo terrível - longe de poder ter um final feliz. Além da omissão fatal do Governo Federal, comprovada nos depoimentos que convocou e documentos que analisou, a CPI expôs a vergonhosa atuação do presidente e de seus subordinados, ele que favoreceu a disseminação da epidemia causada pelo novo coronavírus, sendo incapaz de proteger seu povo - que continua enterrando centenas de brasileiros por dia. Pior: isso não foi casual, foi deliberado, baseado numa crença negacionista, anticiência e antivacina.
A CPI expôs um governo sem um pingo de empatia com seu povo, com os hospitais lotados e os cemitérios cheios passando longe das agendas das autoridades. A CPI seguiu o dinheiro, e o mau-cheiro, chegando aos mais altos escalões da República. Internações, intubações, dores lancinantes, cadáveres em carros frigorífico, covas coletivas, sequelas de todo tipo, tomaram o noticiário, mas não entraram nos amplos salões do Planalto - e de muitos de seus equivalentes locais. Tivemos, tragicamente, o pior governo do mundo contemporâneo no pior momento de nossa história administrativa recente. Com base em provas documentais e depoimentos, a CPI mostra que o governo não foi só inepto, é ganancioso, favorecendo a disseminação da epidemia e o enriquecimento de empresários e políticos aliados. Despejando toda sua ignorância, despreparo, ideologia, ambição, e misturando jalecos com fardas, transformou a política de saúde pública em um genocídio.
Quanto mais avançamos, mais desafios tem a comissão para que a sociedade, num novo momento, por meio de seus mecanismos legais, dê prosseguimento ao que não será possível concluir agora. Por seu tempo de vida, e por nossas próprias limitações, a CPI não conseguirá investigar todos os âmbitos de corrupção. Não acabaremos com a escuridão. Mas certamente teremos jogado muita luz sobre muitas realidades ocultas. E aberto espaços novos para o exercício da cidadania. Nossos frutos estarão espalhados por quem sabe, outras CPIs - spin-offs depois da nossa última temporada - investigações do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, da Polícia Federal. E, especialmente, em nossas consciências, valores e práticas.
__Esse texto é uma homenagem póstuma a um amigo que, no meio da pandemia, perdemos para a Covid. E que, presente em nossas vidas, nos animou a enfrentar o que enfrentamos. Dor e saudade, Senador Major Olímpio. Um Brasil melhor vai nascer, muito graças a seu espírito.
*Alessandro Vieira é senador da República (Cidadania-SE). Integra o Movimento Acredito e o RenovaBR. Pautou sua campanha política no combate à corrupção e é um dos senadores que mais se destacaram nas sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.
RPD || Octavio Amorim Neto: Bolsonaro, militares e democracia
Governo Bolsonaro tem nos militares um de seus pilares, constituindo base de apoio e instrumento de intimidação
Para compreender as relações entre Bolsonaro, os militares e a democracia, é necessário identificar a fórmula governativa do atual presidente.
Trata-se de uma presidência em minoria no Congresso e na população e que governa para essa minoria, excluindo de forma enfática e hostil amplos setores da sociedade. Além disso, a ênfase das políticas públicas implementadas pela gestão Bolsonaro está na distribuição de bens privados para a referida minoria, em detrimento da distribuição de bens públicos. O melhor exemplo da falta de interesse por bens públicos encontra-se no descaso com a saúde e a educação.
Todavia, a formação de um governo minoritário hostil às maiorias e pouco afeito à provisão de bens públicos não é suficiente para resolver a equação de governabilidade de um presidente numa democracia, pois tal governo seria frágil e vulnerável demais, podendo rapidamente ser removido. A equação se resolve com a mobilização de seus apoiadores radicais contra as instituições e a ameaça frequente de uso das Forças Armadas – “o meu Exército” – contra opositores.
Portanto, sob Bolsonaro, os militares se tornaram um dos pilares do governo, uma vez que constitutem base de apoio, fonte de quadros administrativos e instrumento de intimidação da oposição e das instituições de controle.
Ao longo de toda a presidência de Bolsonaro, a probabilidade de ameaça de uso dos militares para intimidar opositores tem sido uma função da fraqueza do chefe de Estado. Quanto mais fraco no Congresso ou na opinião pública, mais a ameaça é feita.
O auge das tentativas de vergar as instituições com a ameaça do uso da força se deu no dia 10/08/2021, quando houve, por ordem do presidente, desfile de veículos de combate em Brasília – justamente no dia em que o Congresso votaria – e derrotaria – o principal item do programa da extrema-direita bolsonarista, a proposta de emenda constitucional que restabelecia o voto impresso.
Um dos aspectos mais impressionantes do referido desfile foi o fato de os veículos de combate pertencerem à Marinha. Esta era considerada, até então, a Força mais distante politicamente de Bolsonaro. Assim, com o desfile de 10 de agosto, o presidente completou o trabalho de entrelaçamento da imagem das três Forças a seu governo, uma vez que a Aeronáutica – sobretudo a partir da posse, em março de 2021, do Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior como comandante da FAB – também passara a ser vista como outra Força intimamente ligada ao bolsonarismo.
O Exército é e sempre foi o principal esteio político de Bolsonaro dentro das Forças Armadas. Sua imagem está indelevelmente ligada à do presidente – trata-se, afinal, do “meu exército”, nas palavras do chefe de Estado –, não obstante os esforços envidados pelo ex-comandante, General Edson Pujol, e pelo atual, General Paulo Sérgio de Oliveira, de separar a caserna da política.
Apesar do entrelaçamento, o Alto Comando das três Forças deve estar insatisfeito com a confusa e ambígua situação em que se encontram, apesar de todos os benefícios materiais que lhes trouxe o atual governo. Afinal de contas, os comandantes da Marinha, Exército e Força Aérea têm rechaçado a ideia de golpe de Estado.
Ou seja, as Forças Armadas brasileiras estão caminhando sobre uma corda bamba esticada entre a rejeição a aventuras golpistas e a lealdade que devem a Bolsonaro como comandante-em-chefe. E a corda está trepidando cada vez mais, ao sabor das ameaças feitas pelo presidente. A situação vai continuar assim até o final do atual governo.
As Forças Armadas precisam de ajuda civil para descerem da corda – e do lado da democracia. Por isso, a aprovação da emenda à Constituição proibindo militares do serviço ativo de exercerem cargos civis, proposta pela Deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), é passo fundamental, uma vez que eliminará um dos principais meios pelos quais Bolsonaro logrou confundir ativa com reserva e associar os quartéis à sua presidência.
Octavio Amorim Neto é professor Titular da EBAPE/FGV
RPD || Reportagem Especial | Covid-19 pode se tornar endemia e continuar entre pessoas em menor escala
Especialistas fazem alerta sobre possibilidade de nova situação da doença no Brasil e no mundo
Cleomar Almeida, da equipe da FAP
Classificada ainda como pandemia principalmente por causa da baixa cobertura vacinal da população do Brasil e do mundo, com menos da metade das pessoas imunizadas, a infecção pela covid-19 pode evoluir para um quadro de endemia, com a circulação do vírus em escala menor e de forma sazonal. A situação gera alerta de pesquisadores e profissionais da saúde sobre a necessidade de atenção contínua em torno da doença.
O alerta já havia sido feito lá atrás, em maio de 2020, pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS), que sinalizou que o fim da pandemia não significaria necessariamente a erradicação da covid-19, já que poderia passar a se comportar como mais uma entre as várias enfermidades endêmicas com as quais os seres humanos tiveram que aprender a conviver em seu cotidiano.
Membro titular da Academia Nacional de Medicina e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), o médico José Augusto da Silva Messias ressalta que a covid-19 tem grandes chances de evoluir para situação de endemia, assim como a dengue, principalmente no nordeste, e a febre amarela, na Amazônia Legal.
“Não podemos dizer ainda que o Sars-CoV-2 já é uma endemia, mas tem grande chance de se tornar, apesar de ainda ser problema mundial”, afirma Messias, que também é diretor do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (Nesa) da Uerj. “Como é vírus de transmissão respiratória, tem grande chance de poder ficar endêmico”, assevera.
Professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC-UFBA) e pesquisadora do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia), Maria Glória Teixeira diz ser possível que a covid-19 ainda permaneça entre as pessoas.
“No caso do novo coronavírus, quando se fala que ela [covid] vai ficar endêmica, quer dizer que, possivelmente, ela vai continuar circulando entre as pessoas, mas em níveis bem mais baixos do que no início ou quando todo mundo estava suscetível à doença”, destaca a pesquisadora do Cidacs em alerta publicado pela Fiocruz.
A diretora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva e professora de medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Ana Cláudia Fassa, alerta que a vacinação, apesar de eficiente para prevenir casos graves, não tem o mesmo desempenho para evitar casos leves, o que mantém o vírus circulando.
Em situação endêmica do coronavírus, de acordo com Ana Cláudia, será necessário manter algumas medidas preventivas e aprimorar os serviços de vigilância sanitária e epidemiológica para barrar eventuais novos surtos.
Vacinação
A presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações do Distrito Federal, Cláudia Valente, também acredita que o mais provável é que a pandemia evolua para uma endemia. Ela acredita que a vacinação em massa possibilitará a volta de certa normalidade, mas, conforme acrescenta, é necessário que ao menos 90% da população esteja plenamente vacinada.
Os principais fatores apontados por especialistas que tornam ainda incerto o futuro da pandemia são as dúvidas sobre o tempo em que permanece alta a imunidade das pessoas já vacinadas ou que tiveram a doença; a necessidade ou não de uma dose de reforço para o conjunto da população; e o risco de novas variantes resistentes às atuais vacinas.
Todos os reflexos do coronavírus podem impactar ainda mais no sistema de saúde, para além da falta de leitos que marcou a falta de assistência a pacientes desde o início da pandemia, tanto em hospitais públicos quanto em privados, no país. Isso pode fazer com que as unidades se sobrecarreguem por novas demandas pós-covid.
“Tem potencialmente um número [de doentes] que pode impactar no sistema de saúde nos próximos meses ou anos. Essa é a preocupação de resiliência do sistema de saúde, no público ou no privado”, afirma o médico Mário Dal Poz, professor titular do Instituto de Medicina Social (IMS) da Uerj, um dos autores da revista Política Democrática impressa que tem como título Impactos da pandemia no SUS e será lançada neste mês pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
Médica infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sylvia Lemos destaca a necessidade de incorporar ao cotidiano algumas práticas adotadas em meio à pandemia do novo coronavírus que podem contribuir em um possível cenário em que a doença se torne endêmica.
“Eu acho que teremos que nos habituar com o uso de máscaras em algumas situações pelos próximos anos, mas ela, sozinha, não adianta. Ela não pode ser tocada com as mãos sujas, então precisa haver um estímulo para que as pessoas passem a higienizar as mãos com água e sabão com mais frequência, assim como a utilizar o álcool gel”, diz a médica em texto da Fiocruz.
Por outro lado, segundo a médica, as pessoas precisam ter mais cuidado onde tocam. “A gente sabe que o vírus pode ficar no plástico, na madeira, no papelão. E outra coisa é o distanciamento físico, que é muito importante, mas é difícil, principalmente em comunidades periféricas”, acentua.
Cleomar Almeida é graduado em jornalismo, produziu conteúdo para Folha de S. Paulo, El País, Estadão e Revista Ensino Superior, como colaborador, além de ter sido repórter e colunista do O Popular (Goiânia). Recebeu menção honrosa do 34° Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e venceu prêmios de jornalismo de instituições como TRT, OAB, Detran e UFG. Atualmente, é coordenador de publicações da FAP.
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Janio de Freitas: Os ossos da eleição
O principal figurante de 2022 ainda está silencioso: é o aumento da pobreza
Jânio de Freitas / Folha de S. Paulo
A pobreza aumenta, voraz, na horizontal e na vertical. Desta vez, com a pandemia como terceiro impulso, sem por isso evitar que os dois outros sejam talvez mais fortes do que nunca. O governo Collor foi um desastre criminoso, com a bondade solitária de sucumbir a meio do mandato, e nem desta Bolsonaro é capaz. Muito menos o será para deter o crescente empobrecimento. E ainda há o descaso histórico de todas as formas de poder, público e privado, diante do crime irreconhecido que é a injustiça social. Vírus, desgoverno, indiferença também são Os Três Poderes.
Entre as características da economia brasileira há muitos componentes importantes que jamais têm a honra de uma referência, ao menos, na prolixidade dos economistas propagados nas telas e nos papéis. Um bom exemplo é a correção salarial, na verdade, um acelerador da pobreza existente e da indução de empobrecimento. A regra básica dada a essa concessão dos poderosos foi não corrigir jamais.
Exceto nos anos chamados pelo reacionarismo de lulopetistas, e apesar do empenho de Sarney e Itamar, as incontáveis correções foram fixadas abaixo da correção de fato. Sem esquecer que a inflação declarada, como o PIB, é outra falcatrua antissocial, perceptível em ida a qualquer dependência do comércio usual.
O noticiário se empolga: “A volta do emprego”. Mas, logo, “Empregos informais são 75% do total”. Três em cada quatro. E chamar de emprego a atividade informal é um dos muitos eufemismos consagrados no jornalismo, para agrado adivinhe de quem. Assim como salário não é renda, falsificação verbal oficializada, atividade informal não é emprego, é trabalho informal. Nele não há o empregado, nem o patrão.
O crescimento da informalidade é sinal de maiores dificuldades nas famílias alimentadas por recebimentos insuficientes, sejam quais forem. É indicador que valeria como advertência, para problemas do futuro e necessidade premente de ação governamental. Não no Brasil. Mesmo a corrida aos ossos despejados, para a guerra contra a fome, causou mal-estar ou indignação muito maiores mundo afora do que aqui, onde não faltou mais revolta com a exibição de ossos e catadores do que a realidade que os uniu, como antes fizeram os cães.
Entre os que se aventuram a formar o elenco das eleições presidenciais de 2022, o principal figurante ainda está silencioso: é o aumento da pobreza, que já chegou aos ossos, os despejados e os próprios, e não terá quem a socorra até lá. O auxílio de fins eleitorais, esperança de Bolsonaro, não dura um mês dos tantos a esperar. Quem sabe, outra vez em vão.
Negócios de quadrilha
O encontro de um segundo plano de saúde aplicador do falso tratamento de Covid, em dezenas de milhares de clientes, é uma revelação e o seu inverso. Ambos com gravidade criminosa.
De uma parte, o segundo caso obriga a constatar crimes médicos como empreendimento expandido, e não exclusivo da Prevent Senior. Com isso, vão muito além de concordâncias entre tal criminalidade e o governo, constituindo ampla quadrilha de corrupção científica e comercial da medicina. Com extensões na Presidência por via do “gabinete ódio”, no sistema de vigilância e regulação das práticas de seguro saúde e de medicina, no Conselho Federal de Medicina, na Agência Nacional de Saúde Suplementar, em várias secretarias do Ministério da Saúde e em diversos ramais da vigarice comercial. Aí não houve boa-fé, nunca. Só interesses materiais.
De outra parte, chega-se aos 600 mil morte com a certeza, agora, de que esse número é uma estimativa ainda mais precária. Além das subnotificações já pressentidas no cômputo em curso, a segunda seguradora sugere outras. Como suscita a existência de mais seguradoras e serviços médicos onde também foi adotado o falso tratamento, com decorrências letais adulteradas.
Descobrir outro caso revelou quanto e como se desconhece, mesmo com a CPI tão bem sucedida, dos horrores da pandemia e da parte, neles, criada pelo bolsonarismo.
Bem apropriados
A defesa postada por Paulo Guedes, no caso de sua firma em paraíso fiscal para driblar impostos brasileiros, estava escrita em inglês. Muito apropriado, sem dúvida, mas de imensa falta de compostura pessoal e de respeito, até agressiva, por parte de um ministro ao país.
O nome COR, dado pelo presidente do Banco Central à sua firma de fuga de capital para o exterior, homenageia o avô. São as iniciais, invertidas, de Roberto de Oliveira Campos. Considerada a finalidade da firma, é homenagem muito justa. Até por todas as suas manipulações serem em inglês e em dólar.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/10/os-ossos-da-eleicao.shtml
Hélio Schwartsman: O tribalismo inviabiliza a democracia?
Ele não impede um país de se democratizar, mas exige adaptações
Hélio Schwartsman / Folha de S. Paulo
Li em vários artigos que os EUA fracassaram em implantar uma democracia viável no Afeganistão porque desconsideraram o caráter tribal do país. Não afirmo que essa análise esteja errada, mas é preciso qualificá-la.
Socorro-me aqui de "The WEIRDest People in the World", de Joseph Heinrich, livro que já comentei. São poucas as nações que lograram desenvolver uma psicologia não tribal, isto é, mais pautada pela crença no individualismo, no livre-arbítrio e na universalidade das leis do que ditada por sistemas de lealdades familiares. O fenômeno, também designado como psicologia "weird" (acrônimo inglês para "ocidental, educado, industrializado, rico e democrático"), é característico da Europa ocidental e de algumas de suas ex-colônias e pouco representativo da média da humanidade.
Não é difícil identificar indivíduos e populações "weird" através de testes como um em que se pergunta se a pessoa testemunharia contra um amigo que tivesse cometido um crime. Povos "weird" aceitam essa ideia. A lei, afinal, é para todos. Já os de mentalidade mais tribal tendem a vê-la como uma traição aos deveres da amizade. A psicologia "weird" está na base de instituições como a democracia, além do avanço das ciências e o rápido crescimento econômico.
As coisas se complicam quando verificamos que alguns países, como Japão e Coreia do Sul, embora conservem a psicologia não "weird", se tornaram democracias ricas. A China não pegou a parte da democracia, mas é potência econômica e científica. Como explicar isso? Segundo Heinrich, esses países já tinham uma longa experiência com Estados fortes, que estimulavam a educação formal. Também não tiveram pruridos em adotar hábitos e instituições copiados do Ocidente, que serviram, se não para eliminar, ao menos para reduzir a influência da lógica de clãs em suas sociedades.
O tribalismo não impede um país de se democratizar, mas requer adaptações.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/10/o-tribalismo-inviabiliza-a-democracia.shtml