eleições 2022
Eliane Brum: O rompimento do mundo dos humanos
Como a apreensão religiosa da realidade destrói a linguagem e ameaça o enfrentamento de nossa própria extinção
No princípio era o verbo. A frase que abre o primeiro capítulo do Evangelho de João e remete à criação do mundo, assim como também faz o Gênesis, é a mais famosa da Bíblia. A ideia de que o mundo é criado pela palavra, porém, é tão estruturante que está presente em outras religiões, para muito além das fundadas no cristianismo. Como humanos, a linguagem é o mundo que habitamos. Basta tentar imaginar um mundo em que não podemos usar palavras para dizer de nós e dos outros para compreender o que isso significa. Ou um mundo em que aquilo que você diz não é entendido pelo outro, e o que o outro diz não é entendido por você, para alcançar o que é ser reduzido a sons porque as palavras perderam seu significado e, portanto, se tornaram fantasmagorias. Quando uso a palavra “dizer” não significa apenas falar, porque a gente se diz com palavras, de várias maneiras para além da fala. Mais ainda do que o mundo que habitamos, a palavra é o que nos tece. Aquilo que chamamos mundo é uma trama de palavras.
O que acontece então quando a palavra é destruída e, com ela, a linguagem?
Essa é a experiência do bolsonarismo, nome dado no Brasil a um fenômeno que se dissemina no planeta, ganhando em outros países nomes de outros déspotas. Os personagens que emprestam nomes locais ao fenômeno são importantes e, em cada país, há particularidades. Mas o fenômeno precede aqueles que o encarnam e, infelizmente, irá além deles. É neste contexto que busco interpretar o Nobel da Paz dado a dois jornalistas que lutam pela busca da verdade contra ditadores eleitos que têm na destruição da palavra seu principal meio para alcançar e se perpetuar no poder.
Eliane Brum: Como funciona o golpe de Bolsonaro
A filipina Maria Ressa está proibida de sair de seu país, já foi presa duas vezes e pagou fiança outras sete por combater com jornalismo o governo de Rodrigo Duterte. Ela é editora do site de reportagem investigativa Rappler. O russo Dmitri Muratov dirige o jornal Novaia Gazeta, que ousa confrontar com fatos o regime de Vladimir Putin. Desde 2001, seis repórteres do jornal foram assassinados. A escolha de dar o Nobel a esses dois jornalistas que são símbolos da resistência contra a opressão em seus países é uma declaração da importância da imprensa para a democracia. O Nobel, prêmio que destaca aqueles que colaboraram para o bem comum, representa o conceito de humanidade consolidado ao longo do século 20. Como bem comum e democracia se tornaram uma espécie de irmãos siameses no mundo do pós-guerra, um prêmio a jornalistas no Nobel da Paz faz todo sentido. Mas em que momento chega esse prêmio à imprensa, na conturbada terceira década do século 21?
A justiça da premiação a esses dois jornalistas é inegável. A escolha de valorizar a imprensa como pilar da democracia e, assim, valorizar a busca das verdades, assim mesmo no plural, e a importância dos fatos, num momento em que um e outro estão corroídos, também. A questão é: quem escuta?
Se jornalistas são atacados e desqualificados, se outros são presos e outros ainda executados é porque a imprensa ainda tem impacto sobre a sociedade. Suspeito, porém, que estamos chegando, pelo menos no Brasil, a um momento ainda mais grave. Para uma parte da população, a imprensa já não importa em nada. Todas as iniciativas de expor a mentira das chamadas fake news, entre elas as agências de checagem, são muito importantes. Mas são muito importantes apenas —ou pelo menos principalmente— para aqueles que respeitam os fatos e já sabem que aquelas notícias são falsas. Para todos os outros, já houve uma decisão prévia de que tudo o que a imprensa publica é falso. Esta é a razão pela qual em golpes como o de Jair Bolsonaro não é necessário censura, como aconteceu em ditaduras passadas, já que para essa parcela da população nada que seja estampado nas manchetes dos jornais vai colar.
Isso não significa que os jornalistas deixarão de correr riscos. Como o governo Bolsonaro mostrou, os ataques são necessários para manter o apartheid político ativo. Se forem contra jornalistas mulheres, melhor ainda, na medida em que a misoginia e o machismo rendem votos para Bolsonaro. É importante que a base de seguidores seja mantida em estado de ódio constante e seja lembrada, também de forma constante, que a imprensa “só diz mentiras”. A estratégia torna mais fácil fabricar “fatos alternativos” como se verdade fossem. “Fatos alternativos” são impossibilidades lógicas. São também mentiras facilmente desmontáveis, como as agências de checagem demonstram toda vez. Mas, se uma parte da população não lê nem vê nem escuta, de que adianta?
O que está em jogo é algo mais profundo: uma mudança na forma de apreensão da realidade, que confronta os pilares que forjaram a imprensa e o funcionamento da sociedade moderna. Por uma série de razões, o verbo que progressivamente passou a mediar uma parcela significativa das pessoas na sua relação com a realidade é “acreditar”. Não mais os verbos iluministas do duvidar, investigar, testar, confrontar, comparar etc. Mas acreditar. É uma mediação religiosa da realidade, determinada pela fé. A crença se antecipa aos fatos, e assim os fatos já não importam. É como se as pessoas passassem a ler a realidade da mesma forma que leem a Bíblia. Esta é a razão que determina a crise da imprensa, da ciência e de outros fundamentos que constituíram a modernidade, baseados na investigação e no questionamento constante, para os quais a dúvida é que move o processo de apreensão da realidade e de construção do conhecimento sobre o mundo.
É claro que essa mudança tem relação com o crescimento de um determinado tipo de religião, no Brasil marcadamente a expansão do neopentecostalismo de mercado, através de denominações religiosas produzidas por essa fase ainda mais predatória do capitalismo. Na minha interpretação, porém, a mediação da realidade pela fé é (não só, mas) principalmente sintoma da transfiguração do planeta pela crise climática. Ainda que a maioria das pessoas não seja capaz de nomear os impactos dessa monumental mudança em suas vidas, todos estão sentindo que o mundo que conhecem se desfaz debaixo dos pés. Mesmo para aqueles que a vida cotidiana sempre foi muito dura, a dureza desconhecida é ainda mais brutal do que a conhecida. No desamparo, em que também as instituições se desfazem, resta crer. E resta crer mesmo para aqueles não religiosos, no sentido estrito. E resta crer não apenas numa religião, mas em uma realidade que, se não é real no sentido de corresponder aos fatos, se torna real para quem nela acredita. Nesta proposição, a mediação da realidade pela crença seria uma adaptação à emergência climática que, em vez de enfrentá-la, a agrava.
Como já escrevi mais de uma vez, os ditadores eleitos que alcançaram o poder pelo voto a partir da segunda década do século são vendedores de passados que nunca existiram porque não têm futuro para oferecer, já que as forças que representam são as principais responsáveis pela alteração do clima e da morfologia do planeta. No caso de Jair Bolsonaro, principalmente os setores do agronegócio predatório e da mineração. A aliança alcançada no bolsonarismo entre agronegócio, mineração, corporações transnacionais de agrotóxicos e produtos ultraprocessados e grandes pastores do neopentecostalismo de mercado não é um acaso. Em comum, essas forças buscam seguir avançando sobre a natureza e lucrando num momento em que são confrontadas pela corrosão do planeta. No Brasil, especialmente pela destruição da Amazônia, que pode chegar ao ponto de não retorno nos próximos anos. Mas também a destruição persistente de outros biomas e de seus povos, como o Cerrado e o Pantanal.
Só a mediação da realidade pela crença pode garantir a continuidade da exploração e do lucro pelas grandes corporações capitalistas num momento em que o planeta superaquece devido a suas ações. É por isso que parte dos executivos de corporações transnacionais toleram a companhia pouco refinada dos pastores de mercado e principalmente de uma criatura tosca como Jair Messias Bolsonaro, que tem levado a crença como ativo político ao paroxismo. A palavra “seguidores”, tomada emprestada das seitas e religiões pelas redes sociais, tornou-se sinalizadora de um fenômeno na política em que mesmo os ateus se comportam como crentes. Pela tomada da política pela mediação religiosa, ironicamente a mais famosa frase bíblica foi traída. No princípio era o verbo. Mas então o verbo passa a ser sistematicamente destruído como projeto de poder.
Nessa fase, portanto, ainda é necessário bater na imprensa e trabalhar para a desqualificação de jornalistas. Talvez numa segunda fase já não será mais preciso, na medida em que a imprensa poderá seguir importante, mas apenas para uma bolha, e com dificuldades cada vez maiores para penetrar em universos além dela. Este é hoje o grande desafio do jornalismo e do mundo que produziu a imprensa como a conhecemos.
As próximas eleições quase certamente ampliarão o fosso no mundo dos humanos. A ótima reportagem sobre o avanço do Telegram entre a extrema direita global, publicada no jornal O Globo, aponta a estratégia em acelerada execução. Sem representação legal no país nem moderação de conteúdo, o Telegram não respondeu às tentativas de contato da Justiça brasileira. Com grupos para até 200 mil pessoas e canais com capacidade ilimitada de inscritos, o Telegram é o mundo perfeito para a propaganda em massa sem a necessidade de atender à legislação dos países. Subverte, em nome da “liberdade de expressão”, o próprio conceito de liberdade de expressão, em que limites precisam ser respeitados para que o crime não se imponha. No Telegram, por exemplo, circulam livremente vídeos com pornografia infantil, assim como armas são comercializadas sem nenhuma normatização e fiscalização.
A partir das denúncias do uso ilegal do WhatsApp na campanha de Bolsonaro, em 2018, o aplicativo de mensagens de Mark Zuckerberg tomou algumas medidas para impedir ou pelo menos controlar minimamente a disseminação de fake news para uso eleitoral. Como alternativa para a eleição de 2022, Bolsonaro passou a apostar então no Telegram: na semana passada, seu canal no aplicativo bateu a marca de 1 milhão de seguidores. Fundado em 2013 na Rússia pelos irmão Nikolai e Pavel Durov, com sede em Dubai, nos últimos anos o Telegram teria mudado de jurisdição várias vezes para escapar de qualquer regulação. Os auxiliares de Bolsonaro hoje trabalham arduamente para construir na plataforma uma base de crentes políticos capazes de levá-lo à reeleição. Donald Trump, por sua vez, depois da criminosa invasão do Capitólio, foi banido das redes sociais Twitter e Facebook, por meio das quais propagava suas mentiras e insuflava seus seguidores. Seu ex-conselheiro, Jason Miller, lançou então neste ano uma nova rede social, a Gettr. Em setembro, Miller foi recebido por Bolsonaro no Palácio do Alvorada.
É na internet que está sendo forjada uma realidade sem lastro nos fatos. Neste ato em processo, os pilares do mundo que conhecíamos são corroídos. Entre eles, a imprensa, a ciência e a democracia. É importante fazer a ressalva de que obviamente não vivíamos num mundo maravilhoso que foi corrompido por homens do mal. A democracia nunca chegou para todos. É notório que grande parte da população brasileira viveu na arbitrariedade das forças policiais mesmo após a redemocratização do país e também sem acesso a direitos básicos. O mesmo vale para outros países, inclusive para as parcelas pobres de países considerados ricos, como o brutalmente desigual Estados Unidos.
No Brasil, a imprensa —branca, majoritariamente liberal, liderada preferencialmente por homens e com posições ocupadas pelos filhos da classe média que puderam chegar à universidade e, mais recentemente, aos MBAs nos Estados Unidos e na Europa— nunca representou a diversidade da sociedade brasileira, deixando largas camadas fora dela e dando diferentes valores à vida humana. Basta ver o espaço dado à morte dos ricos (e brancos) e à dos pobres (e pretos), à vida dos ricos (e brancos) e à dos pobres (e pretos). Só recentemente, por pressão externa, a imprensa tem aberto espaço aos negros, maioria da população, e começado a se abrir para a diversidade de gênero. Vale dizer ainda que, disposta a defender seus lucros e interesses, no Brasil as principais famílias que dominam a mídia impediram o avanço do debate da regulamentação da imprensa como se fosse um atentado à liberdade de expressão e, assim, uma grande parte das concessões públicas de TV é usada (e abusada) pela mais nefasta doutrinação religiosa disseminadora de teorias conspiratórias e anticientíficas.
A ciência tampouco escapa de um olhar crítico. É responsável direta pela emergência climática, processo de alteração do clima e da morfologia do planeta iniciado na Revolução Industrial e acelerado no século 20. Sem contar que fez muitas promessas que não foi capaz de cumprir —e ainda faz. Em países como o Brasil, em que a educação é uma tragédia jamais enfrentada com o investimento necessário, a maior parte da população não é capaz de compreender a ciência que impacta a sua vida e jamais houve preocupação suficiente de seus agentes para mudar esse estado geral de ignorância por falta de acesso à informação científica inteligível.
Isso não significa, porém, que a democracia, a imprensa e a ciência sejam menos do que essenciais para a criação de um futuro em que possamos viver. Com todas as suas falhas, omissões e exclusões, esses três pilares conectados são parte do melhor que a humanidade produziu. É (também) com muita ciência, obrigatoriamente contando com o conhecimento ancestral de povos-natureza, como os indígenas, que temos alguma chance de enfrentar o superaquecimento global e a monumental perda de biodiversidade. É também dentro da própria imprensa que têm surgido as melhores críticas à imprensa. A melhor forma de enfrentar os problemas da imprensa é com jornalismo da melhor qualidade, feito com rigor e honestidade. Ampliar a democracia é também o melhor caminho disponível para enfrentar sua crise. E, num momento de ecocídios em curso, é preciso ampliá-la também para outras espécies.
Durante séculos, em diferentes sociedades e línguas, é importante lembrar, a linguagem serviu —e ainda serve— para manter privilégios de grupos de poder e deixar todos os outros de fora. Quem entende linguagem de advogados, juízes e promotores, linguagem de médicos, linguagem de burocratas, linguagem de cientistas? A maior parte da população foi submetida à violência de propositalmente ser impedida de compreender a linguagem daqueles que determinam seus destinos. E então surgem criaturas como Jair Bolsonaro e outros que falam na língua que são capazes de entender. E mentem na língua que entendem. E dizem que é ótimo não entender nada sobre quase tudo. Parte da população decide, como reação, dar a pior resposta à sua exclusão fazendo e exercendo a exaltação da ignorância. Criam sua própria bolha de linguagem e passam a excluir todos os outros. É estúpido, mas é uma reação. Afinal, por séculos poucos se importaram que grandes parcelas das populações do planeta ficassem de fora da linguagem em que suas vidas eram decididas.
Ressalvas feitas, o momento é brutal. É na brutalidade do que vivemos que o Nobel da Paz dado a dois jornalistas pode ser interpretado como o grito desesperado de quem assiste a pilares como a imprensa desabarem. Não porque a imprensa deixará de existir, mas porque poderá ter impacto apenas sobre uma parte da população —o que é diferente do passado recente, em que também era feita e controlada por uma minoria, mas tinha impacto sobre o conjunto da sociedade. Trata-se em parte de uma reorganização dos espaços de poder, mas feita da pior maneira possível e, em grande medida, falsa, já que corrói a possibilidade de qualquer transformação real. Ao final, os principais beneficiados são minoritários e os mesmos de sempre, razão pela qual Bolsonaro continua no poder apesar de todos os seus crimes. Em um mundo em transtorno climático, as grandes corporações decidiram sacrificar parte de seus aliados históricos para manter um sistema que colocou a espécie diante da possibilidade de extinção.
Esse é o abismo do qual nos aproximamos. Estamos à beira de algo com a magnitude do rompimento da linguagem que une os humanos, para além das diferenças de língua: uma parcela da população global aderindo a uma realidade falsificada, mas que, pela adesão, passa a se tornar real. Tudo indica que as eleições de 2022, no Brasil, serão o laboratório de ensaio dessa nova fase da crise da palavra, para muito além do que se entende por polarização. Ao romper a linguagem com a qual é possível se encontrar, aquela que compartilha de uma base de significados de consenso baseado em evidências, sejam elas objetivas ou subjetivas, estamos diante de um fenômeno inédito. Num planeta em colapso climático, em que mais do que nunca é necessária uma linguagem comum para determinar o comum pelo qual lutar, a humanidade parece se dividir em duas gigantescas bolhas impermeáveis uma a outra.
Lutar pelo futuro é lutar no presente para que as palavras voltem a encarnar, permitindo uma linguagem comum. Não como antes, mas uma em que realmente caibam todas as gentes e suas diferenças, tornando o debate das ideias possível para a criação de conhecimento e de ação baseada em conhecimento. O que tínhamos não era justo e nos trouxe até esse momento limite. Para seguirmos existindo, teremos que ser melhores do que fomos e criar uma sociedade capaz de viver em paz com todas as forças de vida do planeta. Se o princípio é o verbo, o fim pode ser o silenciamento. Mesmo que ele seja cheio de gritos entre aqueles que já não têm linguagem comum para compreender uns aos outros.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de oito livros, entre eles Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro (Arquipélago) e Banzeiro òkòtó, Uma Viagem à Amazônia Centro do Mundo (Companhia das Letras). Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-10-14/o-rompimento-do-mundo-dos-humanos.html
Ascânio Seleme: Ciro x Lula, a guerra prematura
Imaginem se o quadro seria o mesmo se no palanque da Avenida Paulista Gleisi e Haddad tivessem dado as mãos a Ciro
Ascânio Seleme / O Globo
Todo mundo no PT sabia que seria difícil evitar um confronto com Ciro Gomes, mas também não se esperava que partissem do próprio PT as pedradas que desencadeariam a tormenta. O ideal era que o confronto ocorresse apenas na campanha, talvez nos debates, na propaganda de TV, nas entrevistas dos candidatos. Mas, não, os ataques que ajudam a desmontar a história alternativa que o partido pretendia contar sobre os seus quatro mandatos no governo do Brasil foram iniciados depois das agressões da militância petista a Ciro na manifestação do dia 2 de outubro. Era tudo o que ele precisava e queria. Imaginem se o quadro seria o mesmo se no palanque da Avenida Paulista Gleisi e Haddad tivessem dado as mãos a Ciro.
A estratégia agora no PT, com o leite derramado prematuramente, é evitar danos maiores. A primeira ordem do comando, de não responder a eventuais ataques, caiu antes mesmo de ser implementada. A afirmação de que Lula contribuiu de maneira decisiva para o impeachment de Dilma, que passou anos falando mal dela e de seu governo, foi prontamente respondida por Dilma. E, mais grave, pelo próprio Lula, que mordeu a isca. Falou, de maneira inapropriada para um momento grave como este, que Ciro deve ter sequelas no cérebro em razão da Covid, mas não fez referência direta à acusação de que falava mal de Dilma. Talvez para não ser pego na mentira, vai que alguém gravou.
Os ataques de Ciro são de quem conhece muito bem Lula e o PT. Quando partem de Bolsonaro ou de seus aliados, as investidas têm muito menor eficiência do que quando disparadas por gente que já foi de dentro. Ciro foi da casa, sabe muito bem com quem está lidando, conhece concretamente os métodos petistas e percebe cada dissimulação, todas as tergiversações. Mais grave, Ciro sabe se expressar. Bolsonaro, não. E Ciro tem agora João Santana, outra fonte inesgotável de informações que podem complicar muito a candidatura petista até a eleição do longínquo outubro de 2022.
Aliás, o tempo é outro problema para o PT. Se serve para Lula viajar e negociar alianças ao centro e à direita, serve também para aos poucos ir manchando sua aura de político perseguido, desmanchando a imagem de um homem indefeso que foi fustigado, condenado e preso por um juiz politicamente comprometido e um Ministério Público corrupto e interesseiro. O manto de santo com que se vestiu Lula pode virar farrapos numa campanha tão longa.
Teoricamente, esta ainda era a hora para se pressionar com todas as forças democráticas pelo impeachment do presidente, denunciado por mais de 30 crimes de responsabilidade. Foi o PT que minou a causa ao abandoná-la. Logo o PT que pediu o impeachment de todos os presidentes não petistas desde a redemocratização. Ninguém escapou da saga petista, nem mesmo o acima de qualquer suspeita Itamar Franco. Contra todos se empenhou e mostrou seus dentes. Já com o Bolsonaro, apesar do discurso inicial, aquietou-se porque, por seus cálculos corretos, com ele no páreo fica mais fácil a eleição de Lula.
Lula foi chamado de corrupto, arrogante e egocêntrico. Dilma de incompetente. Sobre o PT, Ciro disse ver um grupo de fanfarrões e hipócritas neoliberais. Difícil dizer o que dói mais na alma petista, ser chamado de corrupto ou de neoliberal. Deixando à parte todos os conhecidos exageros retóricos de Ciro Gomes, o fato é que o PT ao longo dos anos foi se transformando de um partido socialista-marxista em um agrupamento de esquerda social democrática, o que não é ruim, absolutamente, até ser hoje de centro-esquerda, como ensinou o professor Fernando Haddad.
Falta um ano para eleição, tempo demais nos cálculos petistas para ficar vendo seu telhado ser ameaçado pela chuva de pedras que já começou a pingar. A ordem de não reagir a Ciro Gomes terá de ser atendida, sob pena de Lula perder a polarização que pretende exclusiva com Bolsonaro. De sua parte, Ciro sabe que é improvável tirar Lula do segundo turno. Seu objetivo é dividir a esquerda até onde conseguir e caminhar sobre os votos do centro para alijar Bolsonaro da disputa final. Também aí terá de ralar muito. De qualquer forma, a guerra prematura à esquerda está aberta e pode ser útil aos demais.
Comprando polêmica 1
A decisão do senador Davi Alcolumbre de não pautar a indicação de André Mendonça para a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado faz parte do jogo político. A prerrogativa do presidente de indicar nomes para o Supremo Tribunal Federal não significa que automaticamente sua indicação passará. Primeiro, tem que ser pautada pelo presidente da CCJ, depois aprovada pela Comissão e depois pelo plenário. Todas estas etapas são políticas e devem ser negociadas. Se a nomeação fosse automática, não precisava da avaliação do Senado. Alcolumbre tem razão e direito legal de sentar sobre a indicação da mesma forma que Arthur Lira senta sobre mais de cem pedidos de impeachment do presidente Bolsonaro. E, já que estamos tratando do terrivelmente evangélico Mendonça, Alcolumbre tem razão de sobra.
Comprando polêmica 2
Está bem que a pauta do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, é um horror. Seus métodos de ação são ainda mais escabrosos e obscuros. O homem inventa uma pauta de manhã e à tarde a coloca em votação. Essa prática vai acabar, junto com o fim do mandato de Bolsonaro. Mesmo assim, não dá para dizer que jogar um pouco mais de luz e mais controle sobre o Ministério Público é ruim. O que faltou foi oportunidade. E debate.
Comprando polêmica 3
A possibilidade de se criar federações de partidos pode ser útil à democracia brasileira. Reduzir o número de agremiações políticas ajuda a combater o partidarismo de aluguel. E, como força que a federação perdure quatro anos, permite ajustes, entendimentos e acordos para além das eleições. O que é muito bom.
Tolinho
O governo está soprando por aí que, pelos seus cálculos, a candidatura de André Mendonça ao STF será derrotada se chegar ao plenário do Senado. Tolinho. Fosse verdade, já teria trocado o nome para não passar vexame. Seu alvo é Alcolumbre, a quem a turma palaciana deve considerar um poço de ingenuidade.
Sem estratégia
Jair Bolsonaro e Paulo Guedes provaram esta semana que, além da falta de apreço, não têm qualquer estratégia em relação à Petrobras. O presidente, reclamando que sobre ele caem todas as responsabilidades dos males do Brasil, disse que até quando a gasolina sobe a culpa é dele. E falou que isso cansa e já está até pensando em privatizar a companhia para se livrar do abacaxi. O ministro, por sua vez, propôs vender ações da Petrobras toda vez que o preço dos combustíveis subir e distribuir o dinheiro obtido entre os mais pobres. Vai ver que é isso mesmo o que ele quer. Até o fim do governo, diante das sucessivas desvalorizações do Real e dos consequentes aumentos da gasolina, Guedes privatizaria a estatal. Mas claro que não é assim que se toca assunto tão importante. Falar o que dá na telha, sem estudo, sem análise, com argumentos paupérrimos, apenas confirma o que já se sabe de ambos. São dois irresponsáveis contumazes.
Coreia bem piorada
Quantos brasileiros se inscreveriam no jogo proposto na série coreana “Round 6”? Para quem não sabe, trata-se do maior fenômeno de audiência da Netflix da temporada, onde 456 homens e mulheres desesperados, pobres e endividados, sem perspectivas, topam participar de um jogo de vida e morte para ganhar um mega prêmio em dinheiro. Na Coreia, 95% têm pelo menos o equivalente ao segundo grau completo. No Brasil, bom, por aqui, num jogo semelhante, as filas de inscrição dobrariam esquinas.
Pobre e velho
O motorista fechou o apressadinho que havia buzinado para ele, forçando que parasse o carro. Abriu então a janela e disparou: “Está com pressa? Da próxima vez passa por cima, seu velho”. “Você devia ter vergonha deste carro. Aposto que ganha 15 mil por mês, seu velho, pobre!”. O outro, incrédulo com o que ouvira, até em razão do conceito de pobreza do ofensor, respondeu: “Vai se vacinar, Bolsonaro”. Bastou para o “jovem” persegui-lo por três quadras, ameaçando bater, fechando o seu carro em manobras arriscadas e chamando-o seguidamente de velho e pobre. Mais bozo, impossível.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/ciro-lula-guerra-prematura-25238877
Evandro Milet: O jeito político de dizer as coisas é diferente
Com contorcionismo, esperteza e muitas vezes de forma divertida, políticos de diferentes épocas e matizes ideológicos criaram seus próprios códigos e maneiras de definir a realidade
Evandro Milet / A Gazeta
O mundo político tem seus próprios códigos e maneiras de definir situações, algumas vezes com contorcionismos, outras com esperteza e outras até divertidas. Quando apanhados em situações comprometedoras e pressionados pela imprensa, políticos costumam alegar ser notícia requentada, ou uma ilação sem base, jogo político, manobra de adversários ou interesse eleitoral. Mas sempre explicando que as contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas.
Se são confrontados com opções para o futuro ou cenários de crise, a saída é fazer como Marco Maciel, político pernambucano, quando tentavam cercá-lo, que dizia, em tom suave e enigmático: “É muito difícil falar sobre hipóteses, embora em política não se possa excluir hipótese alguma” ou “Fique atento, pode acontecer tudo, inclusive nada”.
A decantada esperteza mineira é outra fonte de inúmeras histórias e Tancredo Neves participa de várias, como a ocasião em que, eleito Governador de Minas, foi abordado por um correligionário ansioso e oferecido lhe perguntando o que deveria responder à sua base que lhe indagava se seria nomeado secretário. A resposta é uma aula: “Diga que foi convidado e não aceitou”. Também com origem na política mineira, uma reunião deve ser feita só quando o assunto estiver resolvido, nunca deixe seus inimigos sem saída e só se envia carta quando já se sabe a resposta . Isso é seguido na prática política em geral.
Quando um governante quer convidar alguém para um cargo, costuma sondar indiretamente o escolhido por um intermediário camuflado. O convite só acontece se a sondagem tiver resposta positiva. Essa esperteza não é só mineira. O ex-presidente argentino Juan Perón ensinava: “Quando quiser algo, nunca o proponha. Faça com que os outros o proponham, oferecendo, inclusive, certa resistência.”
“A política tem de ser entendida não pela racionalidade do ser humano, mas pela natureza humana, da qual a razão é apenas uma parte, e de jeito nenhum a mais importante”, afirmava o pensador conservador inglês Edmund Burke. Talvez por isso Benjamin Franklin ensinava que, quando você quiser convencer, fale de interesses em vez de apelar à razão. Em um filme sobre a revolução francesa, Robespierre diz a Danton: “cidadão Danton, não se faz política como está nos livros”.
A figura do adversário é predominante, muitas vezes transformado em inimigo na luta pela sobrevivência política, e pode levar a afirmações pesadas como a do poeta alemão Heinrich Heine: “Devem-se perdoar os inimigos, mas não antes que eles sejam enforcados”. Ou a do político britânico Alan Clark: “Não há amigos verdadeiros na política. Nós somos todos tubarões andando em círculos, esperando uma gota de sangue para aparecer”.
Ulysses Guimarães dizia que “se reconciliar com um antigo inimigo é comum, porém difícil é explicar para a família. Você conta em casa tudo que ele fez com você, mas esconde o que você fez com ele”.
A eleição é um momento crítico, mas há histórias de respostas rápidas e cortantes. Um cidadão desafiou Benjamin Disraeli (1804-1881), ex- primeiro-ministro britânico: “Eu, antes de votar no senhor, voto no diabo”. Resposta de Disraeli: “O.K., mas se o seu amigo não se apresentar, conto com seu voto”.
Muitas vezes se reclama de alguma posição, mas como disse um político francês, “não é que os políticos não saibam o que fazer. Eles não sabem como se reeleger se fizerem o que precisa ser feito”.
Escolher equipe pode ser um problema. Getúlio Vargas, conformado com a composição que teve que fazer, certa vez não se conteve : “Metade do meu ministério é totalmente incapaz, a outra metade é capaz de qualquer coisa.” Porém, algumas verdades são incontestáveis. Por exemplo, segundo Maquiavel, “o primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que tem à sua volta”. Alguns não têm jeito e Millôr Fernandes foi na mosca em relação a alguns deles: “Chegou ao limite da própria ignorância. Não obstante, prosseguiu”.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/o-jeito-politico-de-dizer-as-coisas-e-diferente-1021
'Todos subestimam Bolsonaro: assim ele virou presidente e pode ser reeleito'
Para Creomar de Souza, oposição se fragmenta ao subestimar força do presidente, o que deve facilitar sua ida ao segundo turno, com chances de vitória
Mariana Schreiber / BBC News Brasil
A ideia de dar um segundo mandato ao presidente Jair Bolsonaro hoje é rejeitada pela maioria da população, segundo diferentes pesquisas eleitorais. Esses mesmos levantamentos mostram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como favorito para vencer a disputa presidencial do próximo ano.
Apesar disso, o cientista político Creomar de Souza, professor da Fundação Dom Cabral e fundador da consultoria política Dharma, avalia que Bolsonaro se mantém um candidato competitivo, com chances de permanecer no Palácio do Planalto em 2023.
Em entrevista à BBC News Brasil, ele lembra que o presidente mantém nas mãos a "chave do cofre", ou seja, recursos para tentar reverter sua impopularidade com políticas de governo, como o aumento de transferências de renda, seja com a prorrogação do auxílio emergencial ou a ampliação do Bolsa Família.
Além disso, acredita que "o canal paralelo de comunicação" construído por Bolsonaro e seus apoiadores por meio de grupos de WhatsApp e Telegram terão novamente papel importante na eleição, como forma de divulgar mensagens favoráveis ao presidente e "destruir reputações" de adversários. Para Souza, mesmo narrativas que pareçam pouco convincentes para parte da população podem cativar eleitores.
"O desemprego, o retorno da fome, a inflação: tudo isso gera uma enorme dificuldade para Bolsonaro. O que o presidente tem feito é jogar a conta da inflação no (discurso do) 'fique em casa durante a pandemia'. Me parece ser uma manobra muito difícil, mas não é uma manobra que não possa colar", afirma.
"Não podemos trabalhar com a ideia de que o eleitor é invulnerável a percepções que nós não consideremos objetivas da realidade. Temos que lembrar que, no fim das contas, muita gente tomou cloroquina e outros medicamentos que não tinham comprovação científica alguma. Isso acontece", reforça.
Para o professor, o cenário de 2018 está se repetindo agora, com uma ampla subestimação do potencial do presidente.
"Todo mundo subestima o Bolsonaro. O Lula subestima o Bolsonaro. Quem está com o Bolsonaro subestima o Bolsonaro. Quem quer fazer terceira via subestima o Bolsonaro. E uma característica bem importante do Bolsonaro como persona política é o fato de que ele chegou onde está com todo mundo o subestimando", lembra.
"Assim ele chegou à Presidência da República. Assim ele vai finalizar provavelmente o mandato sem impeachment, e assim ele pode inclusive ser reeleito", acrescenta.
Na sua visão, ao subestimar Bolsonaro, a oposição tende a se fragmentar, gerando um cenário mais favorável para o presidente estar no segundo turno, com chances de se reeleger.
"Em algum sentido, essa fraqueza aparente do Bolsonaro dá a impressão de que qualquer outro candidato pode derrotá-lo, e esse é o principal vetor que impede a construção de qualquer tipo de coalizão", ressalta.
"Essa é a melhor chance do Bolsonaro. Quanto mais fragmentada for essa oposição, quanto mais candidatos existirem, melhor pro Bolsonaro, porque o Bolsonaro tem uma base concentrada de votantes. Se os (demais) votos estiverem muito diluídos em outros nomes, ele está no segundo turno", diz ainda.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - A alta rejeição de Bolsonaro medida nas pesquisas eleitorais tem indicado um caminho difícil para o presidente em 2022. Ele continua sendo um candidato competitivo com chances de se reeleger?
Creomar de Souza - O presidente ainda é competitivo por duas razões. A primeira delas está no campo bem tradicional da política: tem a chave do cofre. E quem tem a chave do cofre pode criar mecanismos, instrumentos, pra reverter percepções negativas sobre si mesmo. Isso não significa dizer que presidente é favorito ou ganharia a eleição com a fotografia que temos hoje. Mas o fato é: hoje o presidente conseguiria estar muito provavelmente no segundo turno. E isso não pode ser menosprezado.
A segunda razão que acho muito importante vem de um elemento mais novo da política, que tem muito impacto a partir de 2018 e acredito que terá muito impacto também em 2022: o presidente foi muito bem-sucedido em construir um canal paralelo de comunicação, se utilizando de WhatsApp e de Telegram de forma que, até onde eu sei, não há outra liderança política utilizando isso de maneira tão eficaz.
E a gente precisa lembrar de alguns dados. Por exemplo, uma pesquisa da consultoria Mckinsey mostra que o Brasil é o quarto país mais plugado à internet. Todo mundo usa WhatsApp, a ponto de quando tem algum problema no WhatsApp as pessoas confundem com queda de internet. Então, isso gera um impacto em termos de jogo político e eleitoral que não é desprezível.
O presidente da República e seus apoiadores têm um canal muito bem construído de construção de informações e de percepções e de destruição de reputação de inimigos. Então, em uma eleição que tem tudo pra ser altamente tumultuada, que caminha pra ter dois protagonistas (Bolsonaro e Lula) que são antagonistas e que despertam muitas paixões positivas e negativas, essa conjuntura gera um caldeirão que acaba diminuindo o componente de uma eleição que seria normal ou racionalizada.
Isso acaba sendo muito bom pro Bolsonaro em específico. Quanto mais raivosa for a eleição, melhor para ele. Porque a gente tem certeza de que os apoiadores do Bolsonaro vão às urnas. A gente não tem certeza se os eleitores nem-nem, que não sejam nem Bolsonaro nem Lula, vão comparecer à cabine de votação.
E tem outras variáveis como por exemplo o voto envergonhado. Aquelas pessoas que não dizem nas pesquisas que votam em Bolsonaro (mas na urna votam). Então, é importante levar todos esses elementos em consideração quando tentamos estabelecer uma compreensão responsável do processo eleitoral e não meramente aquilo que se deseja que seja o processo eleitoral.
BBC News Brasil - Os grupos de WhatsApp e Telegram são canais em que Bolsonaro se comunica com uma base mais fiel e radicalizada. A princípio, esse público não é suficiente para elegê-lo. Qual a importância de ter essa base radicalizada e o que ele precisa fazer pra conquistar apoio fora dela?
Souza - Creio que tem dois elementos importantíssimos nessa construção da persona política do Bolsonaro. A gente vai ter um Bolsonaro do WhatsApp, do Telegram, o Bolsonaro do YouTube, que fala para a base. E essa base é muito importante porque é o ponto de partida dele, a base que pode empurrá-lo ao segundo turno.
De outro lado, teremos um outro Bolsonaro que vai tentar ser mais palatável pra determinados pedaços da sociedade. E aqui tem um elemento que não se pode esquecer: a sociedade brasileira é em grande parte composta por pessoas conservadoras.
E onde essas duas linhas se encontram? Na junção entre a capacidade que os grupos de WhatsApp e Telegram tenham de produzir conteúdo e de manter essa base de apoio agregada, e o fato de que alguns desses conteúdos sejam palatáveis o suficiente pra atingir os concorrentes de Bolsonaro do ponto de vista eleitoral, como requentar as denúncias do Lula acerca de corrupção, falar de alguma característica de caráter do Ciro Gomes, ou fazer algum tipo de ataque a um outro candidato, como Eduardo Leite (governador do Rio Grande do Sul pelo PSDB), João Dória (governador de São Paulo pelo PSDB), (ex-ministro da Saúde, do DEM, Luís Henrique) Mandetta, quem quer que seja.
O entroncamento desses dois elementos me parece criar uma lógica e uma ação que o grupo do presidente hoje acredita que seja o suficiente pra requentar alguns elementos da narrativa de 2018, sobretudo a ideia de que Bolsonaro é um mártir diante de um sistema que é muito corrupto, que é muito pouco engajado na transformação do país, e ele pode usar isso com um mix de "olha, mesmo diante de todas essas dificuldades, nós entregamos algumas reformas".
Nesse aspecto, ele tem tido grande apoio do (presidente da Câmara dos Deputados) Arthur Lira (PP-AL), mas de outro lado tem-se uma dificuldade pra que se avance no Senado. Por exemplo, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) deixou muito claro que a reforma do Imposto de Renda não vai avançar e que o governo tem outras alternativas pra prorrogar o auxílio emergencial que não envolvam necessariamente rebatizar o Bolsa Família.
BBC News Brasil - O governo não conseguiu até o momento criar um programa para substituir o Bolsa Família, ao mesmo tempo que desemprego e inflação seguem altos. A economia e a atuação do governo na pandemia são fatores que dificultam a reeleição?
Souza - Sendo bem pragmático, eu creio que a pandemia não será o principal tema da eleição. A vacinação vai avançar, devagar os casos tendem a se reduzir e talvez a gente não tenha (em 2022) uma grande reflexão sobre o que foi a pandemia, sobre o papel do governo. Talvez o timing nesse aspecto da pandemia vai ser mais gentil com Bolsonaro do que foi com (o ex-presidente americano Donald) Trump por exemplo. O Trump entrou no processo eleitoral no meio da tempestade da pandemia. O Bolsonaro vai conseguir se distanciar disso.
Agora, o desemprego, o retorno da fome, a inflação: tudo isso gera uma enorme dificuldade para Bolsonaro. O que o presidente tem feito é jogar a conta da inflação no "fique em casa durante a pandemia". Me parece ser uma manobra muito difícil, mas não é uma manobra que não possa colar. Não podemos trabalhar com a ideia de que o eleitor é invulnerável a percepções que nós não consideremos objetivas da realidade. Temos que lembrar que, no fim das contas, muita gente tomou cloroquina e outros medicamentos que não tinham comprovação científica alguma. Isso acontece.
É uma estratégia que existe desde o primeiro dia de governo: tudo aquilo que é bom é sempre responsabilidade do Bolsonaro, e tudo que está errado ele sempre transfere o ônus. O presidente vai tentar terceirizar o ônus para os governadores e pros concorrentes políticos que foram favoráveis a medidas mais restritivas durante a pandemia.
A questão é: vai colar? Isso depende da capacidade que o governo tem de por dinheiro na mão das pessoas, principalmente dos mais pobres, que são os que decidem a eleição. Vai depender de conseguir reativar o auxílio emergencial (previsto para acabar em outubro) ou ampliar o Bolsa Família.
BBC News Brasil - A vitória do presidente em 2018 é em boa parte atribuída ao antipetismo, que teria levado pessoas moderadas a votar em Bolsonaro. Esse fator perdeu força agora, dificultando a reeleição?
Souza - Me parece que o antipetismo é uma força de longa duração, assim como o petismo. O sistema político brasileiro da redemocratização é povoado por partidos fisiológicos, os partidos não são orgânicos. Você não vê uma pessoa na rua entusiasmada com uma bandeira do MDB ou do DEM, por exemplo. Já os partidos que são mais orgânicos em sua maioria são nada competitivos. E você tem uma exceção: o PT conseguiu se construir como um partido orgânico e competitivo.
Isso gerou dois elementos muito importantes. O primeiro é dentro do DNA do PT uma lógica de hegemonia. O PT quer ser um partido hegemônico. E os militantes do partido acreditam piamente que tenham direito a essa conquista hegemônica porque são o partido mais orgânico da República.
O segundo elemento é que, como não há uma cultura de vida partidária na sociedade civil como um todo, você desperta encantamento e estranhamento. Esse estranhamento se cristalizou numa lógica de antipestismo que vem mesclada com reminiscências de conservadorismo da sociedade, da ideia de que o PT é um partido comunista e coisas do gênero, que são anteriores até ao próprio partido.
Então eu creio que, assim como o petismo conseguiu sobreviver, saiu ferido mais saiu vivo de toda essa crise que vem de 2013 até 2016, o antipetismo é uma força de permanência.
A questão é que hoje tem um antipetismo que está cristalizado no Bolsonaro, mas esse anti bolsonarismo está cristalizado no PT? Talvez essa seja a pergunta de um milhão de dólares pra eleição do ano que vem. Um cenário que no segundo turno teremos Lula contra Bolsonaro não será uma eleição de escolha positiva, será uma eleição em que a rejeição vai dizer mais que a aceitação. Com o retrato que nós temos hoje, provavelmente o Bolsonaro tem um problema, que é o fato de que ele tem mais rejeição que o Lula (segundo as pesquisas atuais).
O antipetismo é uma força de longa duração e o PT trabalha muito pouco com a ideia de reduzir essas arestas. Acaba, em algum sentido, sendo cômodo também para o partido trabalhar com a ideia de que eleitores que não gostam dele são moralmente não comprometidos com uma transformação social. Assim, os coloca em um ponto de vilania. Isso é parte do processo também.
BBC News Brasil - A principal aposta dos potenciais candidatos da terceira via hoje parece ser o derretimento de Bolsonaro e a possibilidade de uma dessas alternativas disputar o segundo turno com Lula. É um cenário provável ou estão subestimando o presidente?
Souza - Eu creio que todo mundo subestima o Bolsonaro. O Lula subestima o Bolsonaro. Quem está com o Bolsonaro subestima o Bolsonaro. Quem quer fazer terceira via subestima o Bolsonaro. E uma característica bem importante do Bolsonaro como persona política é o fato de que ele chegou onde está com todo mundo o subestimando.
Todo mundo acha que não vai dar em nada, que o Bolsonaro de fato não é uma ameaça ou que ele vai estar sob controle de alguém. E ele vai galgando as posições e assim ele chegou à Presidência da República. Assim ele vai finalizar provavelmente o mandato sem impeachment, assim ele pode inclusive ser reeleito presidente da República.
Para além disso, eu creio que para a terceira via está faltando mensagem. Sem uma mensagem você não tem voto.
E aí, por exemplo, caso o (apresentador José Luiz) Datena saia candidato pelo União Brasil (partido que será criado com a fusão de DEM e PSL) ou que a gente imagine um cenário de uma chapa do Eduardo Leite com Datena, com um monte de dinheiro, tempo de TV (para propaganda eleitoral), possibilidade de fazer um monte de coisa, mas isso não necessariamente significa que você consegue entregar algo, porque no fim você precisa de uma mensagem.
E nós aqui (na consultoria política Dharma) acreditamos que essa mensagem vai estar num tripé que envolva melhoria econômica, qualidade de política pública e, em específico, o tema saúde. A covid vai ter um elemento nisso, mas a reflexão sobre o SUS vai ser um elemento importante também.
Nesse aspecto, me parece que Bolsonaro, numa manobra muito arriscada, vai se negar a discutir vários desses temas e vai insistir na ideia do anticorrupção, de "não tem escândalo no meu governo". Ele ganhou uma eleição negando os debates, então isso pode funcionar de novo, não se pode descartar isso.
O Lula vai trabalhar muito com a memória (do seu governo), e essa terceira via, os candidatos que queiram esse voto nem-nem, vão ter que entregar alguma coisa, trazer uma mensagem bem construída.
BBC News Brasil - Esse cenário de predominância da preocupação econômica na eleição, do aumento da miséria, parece ser um cenário que favorece Lula a trabalhar com a memória do seu governo. Qual seria a fraqueza dele, algo que pode atrapalhar esse caminho?
Souza - Eu creio que o grande inimigo na candidatura do ex-presidente Lula será certamente todo o imbróglio que envolve a Lava Jato. Por mais que o ex-presidente e o partido hoje tenham uma narrativa de dizer que Lula foi inocente, para um número considerável de eleitores isso é uma história muito confusa, muito mal explicada. Muito provavelmente todos os inimigos de Lula farão uso disso de forma muito forte porque o líder da corrida eleitoral sempre é o alvo preferencial.
Então, o grande obstáculo pra ele será como lidar com esse passivo. Pra uma parte da sociedade, o Sérgio Moro ainda é um herói nacional. E você precisa de todos os votos possíveis. Não é uma eleição em que as pesquisas estão dizendo que o Lula leva no primeiro turno. Muito provavelmente vai ser uma eleição muito acirrada, com muito tumulto e alguma instabilidade.
BBC News Brasil - Então, embora exista um discurso de que Bolsonaro é autoritário e de que tem que haver uma união das forças democráticas contra ele, na prática Lula, por ser o líder das pesquisas, pode virar o alvo preferencial?
Souza - E esse me parece ser um ponto bem interessante. Em algum sentido, essa fraqueza aparente do Bolsonaro dá a impressão de que qualquer outro candidato pode derrotá-lo, e esse é o principal vetor que impede a construção de qualquer tipo de coalizão. E essa é a melhor chance do Bolsonaro.
Quanto mais fragmentada for essa oposição, quanto mais candidatos existirem, melhor pro Bolsonaro, porque o Bolsonaro tem uma base concentrada de votantes. Se os (demais) votos estiverem muito diluídos em outros nomes, ele está no segundo turno. E segundo turno é aquele negócio que a gente não sabe como termina, é muito difícil pra um candidato em reeleição perder em segundo turno. Esse é um ponto muito crítico e muito importante da conjuntura do ano que vem.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58936883
“CPI expôs governo sem empatia com seu povo”, diz senador Alessandro Vieira
Parlamentar diz que investigação do Senado “escancarou erros e omissões graves”
Cleomar Almeida, da equipe FAP
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) diz que a comissão parlamentar de inquérito (CPI) da covid-19 “expôs um governo sem um pingo de empatia com seu povo, com os hospitais lotados e os cemitérios cheios, passando longe das agendas das autoridades”. “A CPI seguiu o dinheiro, e o mau-cheiro, chegando aos mais altos escalões da República”, afirma ele, em artigo que produziu para a revista Política Democrática online de outubro (36ª edição).
A revista é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e que disponibiliza todo o conteúdo para o público, por meio da versão flip, gratuitamente. No artigo, o senador, um dos nomes de destaque da CPI, observa o sofrimento de pacientes e de familiares de vítimas da pandemia.
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“Internações, intubações, dores lancinantes, cadáveres em carros frigorífico, covas coletivas, sequelas de todo tipo, tomaram o noticiário, mas não entraram nos amplos salões do Planalto - e de muitos de seus equivalentes locais”, ressalta. “Tivemos, tragicamente, o pior governo do mundo contemporâneo no pior momento de nossa história administrativa recente”, lamenta.
No artigo, o senador diz que, com base em provas documentais e depoimentos, “a CPI mostra que o governo não foi só inepto”. “É ganancioso, favorecendo a disseminação da epidemia e o enriquecimento de empresários e políticos aliados, despejando toda sua ignorância, despreparo, ideologia, ambição, e misturando jalecos com fardas, transformou a política de saúde pública em um genocídio”, critica.
De acordo com o Alessandro Vieira, à medida que a CPI da pandemia se aproxima de seu término, aumenta, na mesma proporção, a cobrança por resultados práticos dos seis meses de depoimentos, quebras de sigilos e milhares de documentos colhidos. “Você já viu muitas CPIs atravessarem momentos históricos difíceis, mas certamente nunca testemunhou uma comissão parlamentar que fez tanto de fato pelo país - os porões que abriu, as portas que lacrou e, sem falsa modéstia, as vidas que salvou”.
“A CPI tirou o foco do cercadinho e escancarou erros e omissões graves do governo federal. Ademais, descobriu indícios da existência de um mecanismo de favorecimento de empresas para desvio de recurso público operando dentro do Ministério da Saúde”, diz o senador.
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A íntegra do artigo do senador Alessandro Vieira pode ser conferida na versão flip da revista, disponível no portal da FAP, gratuitamente. A edição deste mês também mostra entrevista com o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva e os riscos de a covid-19 se tornar uma endemia, além de artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
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Paulo Fábio Dantas Neto: A volta do mantra da corrupção
Pauta da corrupção avança para retomar, agora e em 2022, o lugar de destaque que teve em 2018
Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia e Novo Reformismo
A pauta da corrupção avança a passos largos para retomar, agora e principalmente em 2022, o lugar de destaque que teve nas eleições de 2018. Políticos de vários matizes, ao se aproximar a hora eleitoral, pisam sôfregos ou distraídos nos escombros produzidos por aquele confronto devastador entre mocinhos da moral e da nova política e vítimas heroicas de um suposto golpe contra o partido do social.
Se a política fosse só o terreno da reta razão, essa reincidência espantaria, pela estupidez. Primeiro o lulo-petismo, depois o lava-jatismo, perderam o protagonismo para a serpente filo-fascista que se beneficiou daquela guerra entre santos com pés de barro. Nem a hipocrisia de direita, nem o cinismo de esquerda escaparam de efeitos não previstos da artilharia pesada disparada pelo bolsonarismo em 2018, usando munição de um arsenal montado em porões milicianos da antipolítica populista. Milícias, até então só digitais, que ocuparam um vácuo deixado pela desmoralização escandalosa, produzida pela Lava-jato, da antipolítica populista-empresarial que imperou no período anterior e que fora a fonte financiadora da farta – e, também, letal - munição oficial disparada contra adversários do governo nas eleições de 2014. Uns e outros terminaram entre os feridos, o lulo-petismo nas urnas de 2016 e 2018 e o lava-jatismo nas esgrimas palaciana, judiciária e interna ao MPF, transcorridas a partir de 2019. Tanto a política da confrontação como a da colaboração com o bolsonarismo tiveram destinos penosos. Penas análogas às cumpridas pela sociedade quase toda que, longe de ser inocente ou neutra, aceitou os termos de um duelo em que todos tinham a perder, exceto a malta ali autorizada pelas urnas a tomar de assalto o governo, desmontá-lo e, com seu bagaço, desferir torpedos contra as instituições.
A anulação de processos contra Lula e as recentes pesquisas de intenção de voto que lhe dão posição privilegiada juntam-se para produzir, na esquerda petista e seus anexos, duas presunções: a de que Lula foi inocentado e a de que a eleição estará ganha, se Bolsonaro estiver na área. A segunda presunção é animada pela rejeição a Bolsonaro e pela não existência, até aqui, de alternativa eleitoral promissora para evitar a reprise do confronto de 2018, que é encarada como uma revanche e assim desejada. Já a primeira presunção parte de um erro de avaliação (que o lulo-petismo parece compartilhar com áreas do chamado centrão), qual seja o de que o lava-jatismo agoniza porque a Lava-Jato morreu. Na verdade, o lava-jatismo está saindo de uma UTI e arma-se para voltar a envenenar o ambiente político, não só contra Lula e o PT, mas contra a política de qualquer partido. Ao contrário do lulo-petismo, o que o espectro justiceiro almeja, como sempre, não é (ou ao menos não é prioritariamente) ganhar eleições, mas detonar soluções políticas.
Por falar em detonação, trago um tópico. Ficou mais uma vez demonstrado, nos últimos dias, que João Santana, ex-marqueteiro da Dilma-malvadeza Rousseff de 2014, sente-se à vontade pondo sua perícia a serviço de Ciro Gomes, um proverbial incontinente. A incontinência, agora mais adestrada e manejada de modo melhor, como cálculo político, acaba de ser usada para queimar, contra a ex-cliente, pólvora da mesma marca da que ajudou ela mesma a dinamitar Marina Silva naquela eleição. Dilma reagiu com a obviedade que é sua marca costumeira mas a provocação fez também Lula entrar no samba de partido alto (má vontade elitista, dirão lulistas, chamar sua declaração de golpe baixo) interrompendo um ensaio de retorno do samba-canção “Lulinha paz e amor” de 2002.
Está visto que a política da guerra, na qual o moralismo é perito, é uma língua franca. Está longe de ser privilégio do lava-jatismo ou do bolsonarismo. Sempre houve e há cada vez mais gente de esquerda persuadida pela ideia-máxima de Carl Schmitt de que a relação amigo-inimigo resume o sentido da política, na contramão da racionalização constitucional liberal-democrática. A política da guerra, ideologicamente ecumênica, produz enredos folhetinescos, capazes de estimular o colunismo político, como mostram os numerosos comentários sobre o affaire Ciro x PT. Dentre eles menciono duas interpretações díspares.
Lendo o colunista Bernardo de Melo Franco temos acesso à interpretação que agrada ao PT: a de que o movimento do "egocêntrico Ciro" (quem poderia lhe lançar a primeira pedra?) é mais uma das suas tentativas, até aqui inúteis, de ser simpático à direita para superar Bolsonaro e ir ao segundo turno contra Lula. Já lendo Vera Magalhães somos apresentados à interpretação oposta à do desejo do PT: a ofensiva da dupla Ciro/João Santana teria buscado, com êxito, tirar Lula da zona de conforto para com isso perseguir o objetivo de tomar o seu lugar no segundo turno contra Bolsonaro. Para o primeiro colunista foi só mais do mesmo. Para a segunda, algo que pode funcionar, no caso, como a lei do ex. Cada leitor pode fazer sua aposta, baseada em palpite ou em preferência.
Apostas e profecias à parte, faço um comentário transversal: assim como a possível candidatura lava-jatista de Sergio Moro pelo Podemos, a lavagem de roupa suja entre Ciro Gomes e o PT contribui para recolocar o tema da corrupção no centro da peleja eleitoral, como esteve em 2018. Melhor para o país seria deixar esse foco na penumbra, onde está de 2019 para cá, quando passamos a ter noção prática de problemas e perigos maiores. Mas as tentações são imensas e acometem mais gente, além do impetuoso e voluntarista Ciro Gomes. Demagogos cortejam o tema como galinha de ovos eleitorais de ouro e, na outra ponta da torcida, imprudentes arriscam-se em jogadas ousadas no Congresso. Dançar sobre o cadáver da Operação Lava-Jato nesse momento pré-eleitoral, como se faz no caso da PEC que modifica a composição do Conselho Nacional do Ministério Público, é cutucar com vara curta a bem viva propensão faxineira, que tem expressão eleitoral, apesar da desmoralização da república de Curitiba. Por mais plausíveis que sejam as mudanças pretendidas, o momento não parece oportuno. Como se sabe, apóstolos do extermínio da tradição política vendem gato por lebre e há quem compre por valor de face.
O espectro justiceiro que ronda a pauta eleitoral tem contado, pois, com a colaboração de quem pisa nos escombros distraído, ajudando a reacender as esperanças de quem celebra o arruinamento político de 2018 com simpatia e convicção. Alcoviteiros da fênix lava-jatista há, inclusive, em vários partidos do centro democrático, fora do centrão. Se essa infiltração prevalecer, o discurso de que a corrupção é a mãe de todos os males do Brasil terá cumprido sua missão desagregadora. A insensatez perderá toda medida se moradas possíveis de uma suposta terceira via se tornarem vulneráveis a esse apelo. Poderão até veicular outras pautas, mas a precedência do tema da corrupção tende a deixar os demais assuntos nacionais à sua sombra, sem aprofundamento algum e entregues aos clichês. Se destituídas de orientação programática compatível com a atual tragédia social, com a crise fiscal e gerencial do Estado e com a falta de perspectiva econômica, essas moradas serão, como na inesquecível canção nostálgica, barracos com portas sem trinco e tetos de zinco furados, onde são dependurados trapos partidários descoloridos. Palcos mal iluminados.
Vale fazer a pergunta óbvia: a quem interessa a volta da corrupção ao centro da agenda? Como resposta cabe até palpite quádruplo. Pode interessar a Ciro Gomes, a Sergio Moro, à esquerda de Lula ou a Jair Bolsonaro, sem exclusão prévia de qualquer dessas opções. Mas se a pergunta for oposta (a quem isso não interessa de modo algum?), será difícil negar que não interessa a quem quer que esteja investindo em costura política agregadora para fornecer ao eleitor, em 2022, um cardápio de candidaturas e propostas que lhe permita se comportar mais parecido com 2020 do que com 2018. Essas forças agregadoras precisarão reagir logo à mixórdia que se prepara e que fará do eleitor palhaço de perdidas ilusões. O silêncio e a inércia diante desse perigo iminente podem parecer a esse eleitor (que as espera sem enxergar), mais do que ao analista que as enxerga, um sinal de que essas forças políticas agregadoras simplesmente não existem. Convém agir, antes que o sinal vire fato.
*Cientista político e professor da UFBa
Fonte: Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/10/paulo-fabio-dantas-neto-volta-do-mantra.html
Relatório paralelo: Senador propõe indiciamento de Bolsonaro por 7 crimes
Texto de autoria de Alessandro Vieira pode auxiliar relatório final de Renan Calheiros, que será votado na próxima terça-feira (19/10)
Raphael Felice / Correio Braziliense
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) protocolou, nesta sexta-feira (15/10), um relatório paralelo de sua autoria na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19. O texto pode ser aproveitado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), que fará a leitura de sua exposição final na próxima terça-feira (19/10). No relatório, o delegado propõe o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por sete crimes: crime de responsabilidade, crime de epidemia, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime e crime contra a humanidade. O senador ainda pede maiores investigações sobre a infração de prevaricação.
O relatório é dividido em cinco partes ( gestão e definição de políticas públicas de combate à pandemia; mortes evitáveis; indícios de mau uso de recursos públicos; análise dos pareceres e notas técnicas e propostas legislativas).
Além de Bolsonaro, Alessandro Vieira propõe a responsabilização de outros membros do governo federal, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, o coordenador do Comitê de Crise da pandemia e ex-ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, a Secretária de Gestão, Trabalho e Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro (capitã cloroquina), o ministro do trabalho Onyx Lorenzoni, o ex-secretário especial de comunicação, o ex-secretário da Saúde, coronel Élcio Franco, Fábio Wajngarten, entre outros.
Integrantes do setor privado que participaram de irregularidades junto ao governo Bolsonaro na pandemia, como o os representantes da Prevent Senior, Pedro Batista, Fernando Parillo e o virologista Paolo Zanotto também constam como indiciados.
Segundo Alessandro, a ação do governo federal trouxe confusões e minimização da gravidade da pandemia. Também foram feitas ações para descredibilizar instituições e a vacina por meio de disseminação de notícias falsas, descaso com povos indígenas e a divulgação de medicamentos sem eficácia comprovada por autoridades de saúde.
O senador lembra ainda que a pandemia não acabou e que ações precisam ser tomadas. Assim como no relatório de Renan Calheiros, Vieira sugere propostas legislativas dentro das áreas de saúde, educação, combate à pobreza, combate à corrupção, gestão pública e processo legislativo.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4955683-alessandro-vieira-propoe-indiciamento-de-bolsonaro-por-7-crimes-em-relatorio-paralelo.html
CPI da Covid deve pedir indiciamento de Bolsonaro e três filhos em relatório final
Parecer vai imputar uma série de crimes que teriam sido cometidos durante a pandemia pelo presidente, Flávio, Eduardo e Carlos
Julia Affonso / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Depois de quase seis meses de investigação, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, se prepara para seu desfecho na semana que vem ao propor o indiciamento de ao menos 40 pessoas, incluindo o presidente Jair Bolsonaro e seus três filhos políticos. A intenção dos senadores é mostrar que as condutas que levaram o País a registrar mais de 600 mil mortes pela doença não se limitaram a integrantes do governo, mas de toda uma rede próxima ao presidente.
O parecer final, que será assinado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), está sendo construído em conjunto com senadores do chamado "G7", grupo majoritário do colegiado, e deve imputar uma série de crimes cometidos durante a pandemia pelo senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos). O emedebista passou a sexta-feira, 15, reunido com integrantes da CPI para amarrar o conteúdo do relatório. Eles ainda discutem como tipificar os crimes de cada um.
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A intenção é propor o indiciamento dos filhos do presidente por espalhar informações falsas sobre a pandemia e de buscar financiamentos para essas ações. O texto poderá acrescentar mais uma responsabilização para Flávio, de advocacia administrativa, por ter intermediado um encontro do empresário Francisco Maximiano, da Precisa Medicamentos, com o BNDES. A empresa foi responsável por um contrato bilionário do governo brasileiro com a farmacêutica indiana Bharat Biotech para compra de vacinas, que foi cancelado após suspeitas de corrupção.
Nos casos de Eduardo e Carlos, o relator deve propor o indiciamento por incitação a crimes sanitários. O artigo 286 do Código Penal estabelece como delito "incentivar, estimular, publicamente, que alguém cometa um crime" e prevê pena de detenção de 3 a 6 meses e multa. Na avaliação dos senadores, os dois filhos do presidente teriam atuado na propagação de fake news durante a pandemia, alimentando o negacionismo sobre a doença.
Já o presidente Jair Bolsonaro deve ser indiciado por ao menos 11 crimes cometidos na pandemia: epidemia com resultado morte; infração de medidas sanitárias; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documento particular; charlatanismo; prevaricação; genocídio de indígenas; crimes contra a humanidade; crimes de responsabilidade; e homicídio por omissão. Além do presidente, devem ser indiciados pela CPI ex-integrantes do Ministério da Saúde, como o ex-ministro Eduardo Pazuello, o ex-secretário executivo da pasta Elcio Franco e o ex-diretor da Logística Roberto Dias.
No caso de Pazuello, que chefiou a Saúde durante nove meses da pandemia, ele deve ser acusado de cometer sete crimes: epidemia com resultado em morte; incitação ao crime; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; comunicação falsa de crimes; genocídio indígena e crimes contra humanidade. Já Élcio Franco, seu braço-direito na pasta, pode ser indiciado por crime de epidemia, improbidade, prevaricação, entre outros.
Relatório paralelo. Suplente na CPI, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) se antecipou e divulgou ontem um relatório próprio sobre erros e omissões do governo no combate à pandemia. No parecer, o parlamentar sugeriu o indiciamento de 17 investigados, incluindo Bolsonaro, mas não seus filhos.
"Ser um babaca não é crime. Falar coisas estúpidas, em regra, também não. Mas fazer gestão pública baseada em coisas estúpidas é crime", disse. "As condutas referentes à desinformação serão melhor apuradas na CPMI das Fake News e no inquérito do STF. O foco da CPI deve ser a pandemia, especialmente as mortes evitáveis que a política criminosa de Bolsonaro causou", afirmou o senador. O texto poderá ser incorporado ao parecer final, previsto para ser apresentado na terça-feira, 19, e votado no dia seguinte.
O advogado Joaquim Nogueira Porto Moraes, especialista em Direito Processual Civil, afirmou ao Estadão que a CPI pode propor o indiciamento, mas cabe ao Ministério Público fazer uma acusação formal à Justiça.
A investigação da CPI será enviada à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério Público Federal, que poderão denunciar investigados, caso os crimes indicados no relatório já estejam configurados, ampliar a apuração se for necessário ou arquivar os casos. "A CPI tem poder para investigar, requerer informação, convocar as pessoas para prestar esclarecimentos, mas ela não tem poder de punir ou propor alguma demanda contra alguém", afirmou.
Mudanças legislativas. Além dos indiciamentos, o relatório final da CPI da Covid deve sugerir a criação de uma pensão de um salário mínimo para órfãos de vítimas do novo coronavírus. A mesma proposta já havia sido apresentada pelo governo em agosto, como revelou o Estadão, mas ainda não avançou no Congresso.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) também sugeriu outros três projetos para atender vítimas da doença, que devem ser incorporados no relatório final. Um deles seria o pagamento de um salário mínimo a pessoas com sequelas por causa da covid. "Enquanto permanecer a sequela e a incapacidade, que as pessoas possam receber da Previdência. Se for permanente, vai ter que ter cuidados permanentes pela Previdência ou por um programa do governo específico", disse o senador ao Estadão.
Defesa. Após a notícia de que deve ter seu indiciamento pedido pela CPI, Flávio afirmou que o "relatório do senador Renan Calheiros é uma alucinação e não se sustenta". "Trata-se apenas de uma peça política para agradar ao PT e para tentar desgastar o presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022", disse. O parlamentar afirmou ainda que as acusações contra ele e o governo "não têm base jurídica e sequer fazem sentido".
O advogado Antonio Carlos Fonseca, que defende Carlos Bolsonaro, afirmou que "a sugestão do relator é totalmente sem fundamento nos fatos apurados na CPI e nas inúmeras narrativas criadas, que não se sustentaram com o tempo". "O vereador Carlos Bolsonaro não tem qualquer relação com as medidas adotadas no enfrentamento da pandemia pelo governo federal, a inclusão do seu nome em qualquer parte do relatório da CPI é mais uma tentativa de atacar a imagem da família do presidente", disse.
Também procurados, os demais citados como possíveis indiciados não se manifestaram até a conclusão desta edição.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,alem-do-presidente-cpi-da-covid-deve-pedir-indiciamento-de-filhos-de-bolsonaro-em-relatorio-final,70003869507
Especialistas debatem modelos da Alemanha e Itália para eleições no Brasil
Webinar da FAP será realizado no dia 16 de outubro com participação de Renata Bueno, Arlindo Fernandes e Soninha Francine
Cleomar Almeida,da equipe da FAP
Especialistas vão discutir possíveis contribuições ao sistema eleitoral brasileiro por parte de experiências da Itália e Alemanha, onde os social-democratas de centro-esquerda venceram por uma pequena margem o partido da chanceler Angela Merkel nas eleições realizadas no mês passado. O debate será realizado, no dia 16 de outubro, a partir das 10 horas, em evento online da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.
O webinar terá transmissão, em tempo real, no portal, na página do Facebook e no canal da fundação no Youtube. Confirmaram participação a primeira cidadã nascida no Brasil a tornar-se deputada no Parlamento italiano, Renata Bueno, que também é ex-vereadora de Curitiba (PR); a ex-vereadora de São Paulo Soninha Francine e o consultor do Senado Arlindo Fernandes, especialista em direito eleitoral.
Assista!
Fernandes diz ser muito comum o sistema eleitoral alemão ser adotado como referência no mundo quando se discute o assunto. “Lá, eles adotaram sistema eleitoral misto”, afirma o consultor do Senado. “Não havia maioria, na Constituinte de 46, nem para adotar o sistema proporcional nem para adotar o sistema majoritário distrital”, explica.
Na época, conforme lembra o especialista, a Alemanha fez um acordo para adotar o sistema misto, “considerado, tecnicamente, bastante desenvolvido”. “Nas últimas décadas, com a onda de democratização e reformas dos sistemas eleitorais, em democracias mais consolidadas, como Nova Zelândia e Itália, o modelo alemão tem sido o sistema adotado em países que mudam o sistema eleitoral”, diz.
Na avaliação de Fernandes, “o sistema alemão é possível ser adotado no Brasil porque não ofende, não afronta, a cultura política, com a qual o povo brasileiro está acostumado, que é a do voto na pessoa”. “Tem o voto no partido, mas também tem o voto na pessoa”, observa o consultor.
Renata Bueno, por sua vez, acredita que o resultado da eleição na Alemanha, um dos líderes fundadores da União Europeia, provocou uma “boa mudança no cenário político” no país e em todo o restante do quadro europeu, “justamente porque levanta uma bandeira de mais centro-esquerda”.
Ela também acredita que o modelo italiano seja interessante. “Na Itália, é parlamentarismo. São as listas eleitorais que acabam somando a maioria no parlamento, e isso gera a vaga para o primeiro-ministro. Eles votam lei eleitoral próximo a eleição, dando detalhes de como funcionará aquela disputa”, explica.
“Na última lei eleitoral na Itália, eles seguiram muito o modelo alemão, com alguns votos uninominais e outros por listas proporcionais, isso porque ali tem Senado e Câmara e acaba tendo voto misto. Seria quase um distrital misto com vários detalhes também”, compara ela.
Na avaliação de Soninha Francine, a discussão de modelo político, a partir de experiências de outros países, pode ajudar muito o Brasil a adotar um sistema mais adequado para as eleições. “Não tem como evoluir, como discussão política, se não entender melhor do que está falando. Analisar os modelos de outros países pode fazer a maior diferença”, ressalta.
Webinar sobre sistemas eleitorais na Alemanha e Itália
Data: 16/10/2021
Horário: 10 horas
Transmissão: portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da FAP
Realização: FAP
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Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo
Excitemos a fúria dos algozes. Três questões que têm inflamado parte do colunismo e da imprensa me dão a certeza de que é preciso adaptar à cor local frase famosa de Talleyrand sobre os Bourbons, quando voltaram ao poder na França, durante a chamada “Restauração”.
Refiro-me, no nosso caso, à resistência de Davi Alcolumbre em marcar a sabatina de André Mendonça, às mudanças feitas na antes destrambelhada Lei da Improbidade Administrativa e à PEC que muda a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
“Não aprenderam nada; não esqueceram nada”, disse Talleyrand. Vale dizer: todos os graves eventos vividos pela Europa, em particular a França, em 25 anos não haviam ensinado nada aos bacanas que voltavam ao poder. E continuavam a hostilizar os suspeitos de sempre.
Por aqui, sobre certos nichos da imprensa, pode-se dizer algo ainda pior: não aprenderam nada e esqueceram tudo. A terra devastada sobre a qual perambulamos, herança maldita de um trabalho contínuo de destruição dos espaços institucionais de resolução de conflitos — aquela tal “política” —, ainda parece pouco.
Vejo, por exemplo, alguns obstinados do colunismo a fazer um verdadeiro trabalho de assessoria de imprensa para Sergio Moro. Eis que a figura de Dom Sebastião ressurge das brumas. Não desapareceu em batalha heroica. Deixou a toga para servir a Jair Bolsonaro, com quem se desentendeu, e foi ganhar a vida nos EUA, de onde ameaça voltar para educar os nativos. Sim, o lava-jatismo tenta se reerguer. E aí vale tudo.
Vale, inclusive, ignorar a biografia de André Mendonça porque, afinal, o “terrivelmente evangélico” fez, vamos dizer, um acerto de agenda com a valorosa República de Curitiba. As contínuas agressões do então ministro da Justiça à liberdade de expressão, buscando criminalizá-la, e a frequência com que tratou crimes como liberdade de expressão se anulam diante do compromisso com o “combate à corrupção”, que se tornou, no Brasil, a prostituta do Estado de Direito — com a devida vênia às prostitutas.
No dia 7 de julho, Bolsonaro chegou a dizer que tem uma espécie de testemunho gravado de Mendonça, em reunião com a cúpula do governo, em que, segundo se entende, o candidato ao Supremo fez juras de fidelidade não ao dever de Justiça, mas ao poder de turno. E daí? Mendonça foi adotado pelo “Milenarismo Lava-jatista”, e seus atos de lesa democracia estão perdoados. E, claro!, o suspeito passou a ser Davi Alcolumbre, que resiste a marcar a data da sabatina, dentro do que lhe garante, note-se, o ordenamento legal.
A tardia — e correta — mudança na Lei da Improbidade é tratada, por esses mesmos nichos, como leniência com a corrupção porque, ora vejam!, passa a exigir que se evidencie o dolo para que um agente público seja considerado, então, ímprobo. Santo Deus! Recorram ao Houaiss. Voltem, se preciso, ao latim. O sinônimo de ímprobo é “desonesto”. É razoável que o erro meramente culposo não se distinga do ato doloso?
Aí clamam vozes das trevas, que nos deram Bolsonaro como herança: “Ah, se tiver de provar o dolo, não se pune ninguém”. É como dizer: “Já que não conseguimos atingir os nossos alvos com ações penais, vamos apelar às cíveis, em que é possível condenar sem provas”. O novo texto também estabelece um prazo para as ações. É o certo. Algumas se arrastam por 20 anos. Não é mais senso de justiça, mas apego a reféns. Leis sancionadas por presidentes acuados resultam em desastres: a da improbidade traz a assinatura de Collor; a da delação (organizações criminosas), a de Dilma.
E chegamos à PEC que muda a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). É mentira que a proposta, desde a origem — e já passou por alterações —, afete a independência do MP, à diferença do que dizem os sindicalistas do setor. Tal juízo de valor, no entanto, compõe hoje o lead de reportagens que deveriam ser apenas informativas. Sem direito nem a outro lado.
Os caçadores de corruptos, convertidos em “cassadores” de democracia e direitos fundamentais, não aprendem nada. E esquecem tudo. Que comecem os xingamentos!
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2021/10/os-cassadores-de-democracia-estao-de-novo-assanhados.shtml
William Waack: Falta um sonho para o posto de candidato da terceira via
O problema da terceira via não é a quantidade de eleitores, mas o que dizer a eles
William Waack / O Estado de S. Paulo
Não se sabe se a questão está suficientemente clara para os postulantes ao posto de candidato da terceira via, mas o problema é muito mais de conteúdo do que de espaço eleitoral. As pesquisas indicam claramente a existência de um grande “buraco” entre os blocos consolidados a favor, respectivamente, de Bolsonaro e de Lula. Contudo, esses números enganam.
Na conta simples o “centro” abarca no mínimo um terço do eleitorado. Bastaria então ampliar esse “meio entre os extremos” para tirar Bolsonaro do segundo turno e formar uma “união nacional” para derrotar o hoje favorito Lula. Que o “centro” esteja fortemente dividido entre vários postulantes é normal neste momento da corrida eleitoral. A popularidade ou rejeição de cada um deles parece oscilar em função do “recall” de eleições recentes ou do fato de alguns serem relativamente desconhecidos.
Mas bastante preocupante do ponto de vista de um país preso no momento à escolha entre Bolsonaro e Lula é o fato de as pesquisas qualitativas estarem detectando um inusitado grau de resignação, desinteresse e desilusão (reforçada pela atual polarização) em boa fatia de eleitores de “centro”. A mensagem “nem nem” até aqui não está chegando, o que ajuda a entender o nível de conforto manifestado por articuladores das campanhas de Bolsonaro e de Lula.
A desilusão com os “rumos” do País é marcante nesses levantamentos. Porém, até aqui os postulantes à candidatura de terceira via demonstram incapacidade de formular uma postura política mais próxima ao “sonho” de futuro do que à negação dos pesadelos lulista e bolsonarista. Os especialistas já dizem aos marqueteiros que o “sonho” será essencial para uma candidatura competitiva frente a Bolsonaro e a Lula que, goste-se ou não deles, sabem falar para os respectivos públicos (ou até mais).
Nessas conversas tem sido feito uso recorrente de dois exemplos de campanhas presidenciais brasileiras pós-redemocratização, um bem-sucedido e outro que bateu na trave: Fernando Collor (1989) e Marina Silva (2014). Ambos saíram de patamares baixos e se tornaram competitivos dentro da postulação genérica do “não sou como eles” – uma noção até bastante emotiva do “novo” e “promissor” contra o velho e estabelecido. Em certa medida, Bolsonaro de 2018 também cabia nessa categoria, mas as circunstâncias dessa última eleição são consideradas excepcionais e não há perspectivas de que se repitam no ano que vem.
A desilusão de boa parte do eleitorado é consequência direta de um sistema político e de governo que garantiu a desproporção no voto proporcional e a crise de representatividade – o mesmo conjunto de distorções que, mantidas como estão, impedirá de governar efetivamente qualquer vencedor em 2022. Lula, aliás, já promete reverter a “tomada do poder” pelo Legislativo feita através das emendas do relator, que Bolsonaro entregou bisonhamente ao Centrão.
A natureza da crise brasileira é política, se arrasta há muitas décadas e está desaguando num país capaz de nem sequer corrigir – quanto mais eliminar – as sequelas de sempre: miséria, injustiça social e desigualdade. Não há dúvidas de que a tão falada agenda de produtividade, que implica urgentes e gigantescos investimentos em educação, saúde e qualificação, é a chave para romper a armadilha da renda média na qual o Brasil vegeta há tantas décadas.
Por sua vez, a “chave” da conquista dessa “chave” está no terreno da política, da capacidade de aglutinação através de efetiva formulação do “sonho”. Não é algo que marqueteiros consigam criar: eles são encarregados de executar, com as ferramentas de campanha política, a “visão” que um candidato seja capaz de elaborar. Até aqui o uso mais ou menos eficaz dos lemas “sou o melhor anti-bolsonaro ou anti-lula que existe” não está funcionando. Nem levará à agenda da produtividade sem uma ampla reforma política.
Olhando para o calendário eleitoral formal, que só começa no ano que vem, talvez tudo isso pareça cedo demais para os planos dos candidatos à terceira via. Mas é bom lembrar que não há plano que resista ao primeiro contato com a realidade, e os fatos da política indicam que a terceira via capaz de derrotar Bolsonaro e Lula precisa do “sonho” já.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,falta-um-sonho,70003867571
Caminho de Bolsonaro ao segundo turno é “estreito e vulnerável”, diz revista da FAP
Em editorial, publicação da fundação diz CPI da covid se tornou evento mais importantes desde 2019
Cleomar Almeida, da equipe FAP
O caminho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para um possível segundo turno é estreito e vulnerável, segundo o editorial da revista mensal Política Democrática online de outubro (36ª edição). “A derrocada econômica, os estertores da pandemia, assim como o rescaldo da CPI, conspiram contra ele”, diz o texto da publicação, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.
Todo o conteúdo da revista pode ser acessado, gratuitamente, na versão flip, no portal da entidade. Segundo a publicação, apesar da derrocada do presidente, o presidente ainda tem duas oportunidades abertas para o sucesso de seu projeto.
Clique aqui e veja a revista Política Democrática online de outubro
“Primeiro, a coesão dos apoiadores convictos, aqueles imunes a qualquer evidência empírica, motivados pelo medo de conspirações diversas e inimigos tão perigosos quanto imaginários. Segundo, a divisão das oposições, a rejeição recíproca que anima parte de seus integrantes e mantém viva a bandeira da antipolítica, de papel importante para o sucesso eleitoral de 2018”, diz o texto.
De acordo com o editorial da revista Política Democrática online, do ponto de vista da defesa da democracia, urge estreitar os caminhos eleitorais do governo. “Trabalhar para trazer à luz as consequências nefastas das decisões governamentais implementadas nos três últimos anos. Saber travar, de forma simultânea e separada, a luta unitária em defesa das instituições e a disputa eleitoral legítima e respeitosa em torno de divergências programáticas”, afirma.
A revista lembra que os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito (CPI), instalada no Senado Federal para apurar responsabilidades por eventuais omissões e irregularidades havidas no enfrentamento da pandemia, aproximam-se do fim.
“Restou claro, do esforço de investigação, a opção consciente do governo pela estratégia da negação, em prol da manutenção, ilusória, da atividade econômica”, destaca, para continuar: “O acesso à vacina foi postergado, enquanto tratamentos desmentidos pela pesquisa foram promovidos. O resultado foi desastroso, mas além das vidas perdidas e da pauperização dos brasileiros, houve lucros para alguns nesse desastre”.
Do ponto de vista político, segundo o editorial, a CPI tornou-se "o evento mais relevante de 2019 para cá”. “Pode ser comparada a um enorme lança-foguetes, que bombardeou o governo ininterruptamente desde sua instalação. Muitas das bombas, de explosão imediata, contribuíram para a inflexão negativa da curva de popularidade governamental. Outras, de efeito retardado, ainda estão por explodir, talvez com danos até maiores que aqueles verificados até agora na imagem do Presidente e de seus auxiliares mais próximos”, diz.
Veja lista de autores da revista Política Democrática online de outubro
A íntegra do editorial da revista Política Democrática online de outubro pode ser conferida na versão flip da revista, disponível no portal da FAP, gratuitamente. A edição deste mês também tem entrevista exclusiva com o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, ex-superintendente do órgão no Amazonas e reportagem sobre os riscos de a covid-19 se tornar uma endemia, além de artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
“Tem traficante de drogas indo para a madeira”, diz delegado da PF Alexandre Saraiva
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