eleiçòes 2022

Transparência foi ignorada em reforma eleitoral, afirma estudo

Projetos tramitaram sem participação popular e não tiveram o 'resultado esperado' pelo grupo que os conduziu

Brenda Zacharias / O Estado de S. Paulo

Cada processo eleitoral no Brasil ganha regras novas em relação ao anterior, e nas eleições de 2022 esta “tradição” será mantida. No ano que vem, as federações partidárias farão sua estreia no rito, os votos em mulheres e pessoas negras terão maior peso e os parlamentares eleitos terão um alívio na regra da fidelidade partidária. Porém, o que chama atenção na reforma promovida ao longo de 2021 não são as mudanças sancionadas, mas a maneira como tramitaram no Congresso.

É o que conclui um estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), núcleo sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), que analisou os cinco principais projetos de reforma que dominaram as pautas na Câmara ao longo deste ano. Para os pesquisadores, os atropelos no regramento não caracterizam apenas o processo pré-eleitoral vigente, mas também a gestão do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) à frente da Câmara.

Além das novidades citadas acima, que tramitaram nas formas da PEC 125/2011 e do PL 2522/2015, ainda foram discutidas propostas como a do voto impresso (PEC 135/2019), a reserva de vagas para mulheres na Câmara (PL 1951/2021) e o novo código eleitoral (PLP 112/2021). Segundo o estudo, os projetos tramitaram sem transparência ou participação popular e não tiveram o “resultado esperado” pelo grupo que os conduziu.

Ritos

O observatório analisa, por exemplo, a tramitação do novo Código Eleitoral, que propõe reunir em um único compilado toda a legislação e a regulamentação eleitoral. O texto apresenta, por exemplo, mudanças na quarentena eleitoral para ex-membros do Judiciário ou policiais militares, na rigidez da Lei da Ficha Limpa e no alcance da ação do TSE nos pleitos. O projeto ainda aguarda apreciação do Senado, mas não a tempo de valer para a votação de 2022.


Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
 Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Neste caso, o estudo do OLB destaca as tentativas de acelerar o processo de tramitação que passaram por cima de alguns ritos formais, como a admissão de regime de urgência para a discussão do projeto, o que é proibido em matérias relativas a códigos, e a discussão em grupo de trabalho, que deveria ter sido feita por uma comissão especial.

O tema, no entanto, não mobilizou os senadores ao longo do ano. Pesquisadores analisaram menções ao assunto em discursos no plenário e nas redes sociais dos parlamentares, mas foram poucas as discussões.

A mesma PEC que propôs a contabilização em dobro dos votos para candidatos negros e mulheres incluía também a volta das coligações e o Distritão, como é conhecido o modelo que adota o voto majoritário também para eleições de deputados e vereadores. Enquanto o novo modelo foi rejeitado ainda na Câmara, as coligações foram no Senado. Somente depois disso, os deputados resgataram a proposta das federações partidárias, já apreciada pelos senadores.

Regimento

Nas redes sociais, Lira, ao tratar da PEC do voto impresso, já defendeu as votações e os devidos ritos, afirmando que a Câmara “sempre se pauta pelo cumprimento do Regimento e pela defesa da sua vontade que é a expressão máxima da democracia”.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,transparencia-foi-ignorada-em-reforma-eleitoral-afirma-estudo,70003892299


Elio Gaspari: O aviso do xerife de 2022

Moraes sabe como funcionam as milícias e quem as financia e como rola o dinheiro

Elio Gaspari / O Globo

Um ano antes do pleito de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral escreveu uma boa página de sua história. Livrou a chapa de Jair Bolsonaro da cassação e avisou aos interessados que se repetirem o golpe das notícias falsas e das milícias eletrônicas, pagarão pelos seus delitos. Nas palavras do ministro Alexandre de Moraes, que presidirá a Corte em 2020: “Irão para a cadeia”.

A decisão unânime do TSE acompanhou o voto de 51 páginas do corregedor Luiz Felipe Salomão. No ambiente envenenado da política nacional, Salomão apresentou uma peça redonda e cirúrgica na demonstração das malfeitorias cometidas e equilibrada na conclusão de que faltaram provas e as impressões digitais necessárias para justificar a cassação de uma chapa três anos depois de sua posse. O magistrado mostrou a letalidade do vírus e abriu o caminho para a advertência de Moraes.

Passados três anos do festival de patranhas de 20018, Alexandre de Moraes chegará à presidência do TSE em agosto, com a estrela de xerife no peito. Salomão fez sua carreira na magistratura; Moraes, no Ministério Público, com uma passagem pela Secretaria de Segurança de São Paulo. Além disso, na condução do inquérito das notícias falsas conhece as obras e pompas das milícias eletrônicas e mostrou-se rápido no gatilho ao mandar delinquentes para a cadeia. Zé Trovão, o caminhoneiro foragido, decidiu entregar-se à Polícia Federal. Na estrela de xerife de Moraes brilha o destempero com que Jair Bolsonaro investiu contra ele, chamando-o de “canalha”.


Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministros Luís Roberto Barros e Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
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Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministros Luís Roberto Barros e Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
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Moraes sabe como funcionam as milícias e quem as financia e como rola o dinheiro. Salomão, por seu turno, já firmou a jurisprudência que congela os recursos que as alimentam. As conexões internacionais dessas milícias, um fato que há três anos estavam no campo da ficção cibernética, hoje estão mapeadas. Se há um ano elas tinham o beneplácito do governo americano, hoje têm o FBI no seu encalço.

Com Moraes na presidência do TSE é possível prever que entre o início dos disparos propagadores de mentiras e a chegada dos responsáveis à carceragem passarão apenas dias ou, no máximo, poucas semanas. Basta ler o voto de Salomão e acompanhar as decisões de Moraes para se perceber que os reis das patranhas de 2018 são hoje sócios de colônias de nudismo.

Esteves errou a conta

O banqueiro André Esteves lida com números. Noves fora outras impropriedades cometidas em sua fala aos clientes do BTG, ele disse que “no dia 31 de março de 1964 não teve nenhum tiro, ninguém foi preso, as crianças foram para escola, o mercado funcionou.”

O dia 31 de março, quando o general Olímpio Mourão Filho se rebelou em Juiz de Fora, foi relativamente normal, com umas poucas prisões. Como disse o marechal Cordeiro de Farias, “o Exército dormiu janguista”. Cordeiro, um revoltoso desde 1924, foi um patriarca das conspirações do século passado e sabia o que aconteceu naquelas horas. No dia seguinte, acrescentou o marechal, o Exército “acordou revolucionário”. Foram presas centenas de pessoas, entre as quais o governador Miguel Arraes, de Pernambuco, mandado para Fernando de Noronha. Estádios e navios foram usados como cadeias.

Mais: no dia 1º de abril morreram sete pessoas.

Para os padrões, foi um golpe incruento mas, como lembrou a Central Intelligence Agency ao presidente Lyndon Johnson na manhã de 7 de abril: “Cresce o medo, não só no Congresso, mas mesmo entre aliados da revolta, que a revolução tenha gerado um monstro.”

Não deu outra.

Ministros e meteoros

Em março de 2020, diante do estrago provocado pela pandemia, o ministro Paulo Guedes disse que “nós fomos atingidos por um meteoro”. Passou-se um ano e ele viu novamente um meteoro na conta de R$ 90 bilhões dos precatórios devidos pela União.

A pandemia podia ser comparada a um meteoro, por natural e imprevisível. Já o espeto dos precatórios nada tem de natural e estava lá há anos. Mesmo assim, persistiu na teoria dos meteoros.

O último grande meteoro que atingiu o Brasil foi o Bendegó, achado no século XVIII. Tem cinco toneladas e não fez grandes estragos.

De lá para cá, o Brasil teve mais de cem ministros da Fazenda.

Alguns deles fizeram estragos maiores que os objetos caídos do céu.

Chamem o André

Durante seu piti ao responder às perguntas de André Marinho numa entrevista, Jair Bolsonaro repetiu seis vezes que “se o Marinho entrar mais uma vez na tela eu vou embora”. Como ele voltou, o capitão levantou-se e abandonou a cena.

Não se pode saber o melhor caminho para que Bolsonaro se vá, mas ele mostrou que se chamarem o André Marinho ele vai.

O verdadeiro fantasma

Gustavo Bebianno pode ter virado um fantasma assombrando Jair Bolsonaro, mas a verdadeira assombração que ronda o capitão está viva e atenta. É o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, defenestrado da Secretaria de Governo nos primeiros meses do governo.

Santos Cruz fala pouco. Tornou-se um atento ouvinte de quase todos os generais da ativa que, tendo cometido a imprudência de se juntar ao capitão, viram-se tratados como cabos.

Impunidade patriótica

Outro dia o ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, tratou da famosa greve dos caminhoneiros de 2018 e disse o seguinte:

“A paralisação foi financiada por empresas de transporte, com o apoio do agronegócio”.

Até as pedras sabiam disso, mas o presidente Michel Temer e seu ministro da Defesa, Raul Jungmann, rosnaram e nenhum empresário pagou pelo que fez.

Quando o movimento já durava uma semana, com resultados catastróficos para a economia do país, o deputado Jair Bolsonaro, candidato a presidente disse o seguinte:

“Qualquer multa, confisco ou prisão imposta aos caminhoneiros por Temer ou Jungmann será revogada por um futuro presidente honesto e patriota.”

O atalho do Centrão

Quando o Centrão se mostra disposto a patrocinar uma emenda constitucional que dá cadeiras vitalícias (com imunidade) aos ex-presidentes, está pavimentando o caminho do seu desembarque.

O capitão iria para o Senado e o Centrão apoiaria o novo governo, seja qual for, como aconteceu em relação a todos os seus antecessores.

Pontes não é burro

O ministro Marcos Pontes, da Tecnologia, levou na esportiva o fato de seu colega Paulo Guedes tê-lo chamado de “burro”.

Ex-aluno do Instituto Tecnológico da Aeronáutica e coronel da reserva da FAB, é provável que burro ele não seja.

Em abril do ano passado o doutor anunciou a descoberta de dois remédios com 94% de eficácia contra o coronavírus:

— No máximo na metade de maio, um momento crítico, nós teremos aqui uma solução de um tratamento.

Pontes não é burro, acha que os outros são.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/o-aviso-do-xerife-de-2022-25258620


‘Bolsonaro é líder de espírito fascista”, diz historiador Alberto Aggio

Na revista mensal da FAP de outubro, professor da Unesp ressalta que “tentativa de golpe não prosperou”

Cleomar Almeida, da equipe FAP

O historiador e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Alberto Aggio diz que o presidente Jair Bolsonaro “é um líder de espírito fascista incapaz de dar solidez e consequência a seu próprio movimento”. “É um iliberal que tem adotado ações corrosivas contra a democracia desde o início do mandato por meio de estratégias erráticas de ‘guerra de movimento’ e ‘guerra de posição’ sucessivas e superpostas”, diz.

Aggio publicou sua análise em artigo produzido para a revista Política Democrática online de outubro, editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. A instituição disponibiliza, gratuitamente, em seu portal, todo o conteúdo da publicação mensal na versão flip.

Clique aqui e veja a revista Política Democrática online de outubro

No artigo, o historiador lembra que o país esteve “no limiar de uma grave ruptura institucional que poderia pôr à pique nossa jovem democracia”. “E o grande responsável por isso foi o presidente da República, pela confrontação destrutiva que estimulou e conduziu contra as instituições da República, notadamente o Supremo Tribunal Federal (STF)”, asseverou o autor.

Bolsonaro, conforme lembrou o professor da Unesp, projetou e participou, no dia da Independência, de atos antidemocráticos de massa em Brasília e São Paulo “com o claro objetivo de confrontar o Poder Judiciário, rompendo o equilibro da República”. “Se essa ação produzisse os efeitos esperados a favor do presidente, estaria dado o sinal para o golpe de Estado”, afirmou. 

No entanto, de acordo com Aggio, “a tentativa de golpe não prosperou”. Os militares recolheram-se, depois da cerimônia oficial em Brasília, e as Polícias Militares dos Estados, controladas pelos governadores, mantiveram-se em suas funções ordinárias, garantindo a ordem”, acentuou.

De toda forma, segundo o historiador, o episódio revela que Bolsonaro não conseguiu ir além dos apoiadores de sempre, e o recuo do presidente, com a Carta à Nação, deixou parte de seus apoiadores bastante insatisfeito. “O resultado é cristalino: Bolsonaro não conseguiu ampliar sua base de sustentação e aumentou ainda mais seu isolamento político”, ressaltou.

Poucos dias depois, pesquisas de opinião sancionaram essa avaliação. “A imensa maioria da população brasileira repudiou a iniciativa do presidente em se antagonizar abertamente com as instituições da República, quase levando a uma ruptura institucional”, escreveu Aggio.

Veja lista de autores da revista Política Democrática online de outubro

A íntegra do artigo de Aggio pode ser conferida na versão flip da revista, disponível no portal da FAP, gratuitamente. A edição deste mês também mostra entrevista com o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva e os riscos de a covid-19 se tornar uma endemia, além de artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

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Bruno Carazza: São muitos os Brasis

Entender resultado das urnas exige mergulho nos dados

Nas últimas semanas vocês foram inundados com números sobre as eleições municipais. Fechadas as urnas, no calor da apuração, produzimos uma profusão de análises apontando vencedores e derrotados. A partir do sobe-e-desce das prefeituras obtidas por cada partido, generalizamos os resultados e projetamos seus impactos para a eleição presidencial de 2022. E em geral a história termina aí.

Mas o Brasil é muito grande e diverso. Entender o que houve em 2020 e tentar extrair lições para o futuro exige um mergulho nos dados que a maioria de nós não faz - e mesmo os que desejam fazê-lo, esbarram na baixa qualidade dos dados.

O TSE até merece elogios por divulgar os dados das votações na unidade mais desagregada possível (a seção eleitoral). O problema é que as planilhas são extremamente pesadas e de difícil manuseio, além de os dados do perfil dos eleitores não serem atualizados periodicamente - o que os torna inúteis com o passar do tempo, pois as pessoas envelhecem, mudam de cidade, continuam estudando e até escolhem trocar de gênero.

Porém, como muitas cidades brasileiras realizaram o recadastramento biométrico de sua população recentemente, abriu-se uma breve janela de oportunidade para se analisar o comportamento do eleitor no microcosmo de cada seção eleitoral Brasil afora com dados pouco defasados. E quando nos aprofundamos nessa pesquisa, a realidade se mostra muito mais complexa do que os grandes números fazem parecer, como pode ser visto nos gráficos a seguir.

Muito se falou sobre o efeito da pandemia sobre a disposição do eleitor em votar. Analisando o comparecimento às urnas em Belém e Vitória no primeiro turno, podemos constatar que o medo de contrair covid-19 pode ter sido a razão para a alta abstenção na capital do Pará - pois lá houve maior abstenção nas seções com maior presença de idosos -, mas não em Vitória, onde praticamente não se observou essa correlação.

Do ponto de vista da disputa eleitoral, as duas capitais tinham um cenário bastante parecido: em ambas ex-prefeitos de esquerda (Edmilson Rodrigues, em Belém, e João Coser, em Vitória) enfrentaram numa disputa apertada com candidatos apoiados por Jair Bolsonaro - Delegado Federal Eguchi e Delegado Pazolini, respectivamente.

Quando comparamos o desempenho dos candidatos bolsonaristas em cada seção eleitoral no primeiro turno com o nível educacional dos seus eleitores (uma boa proxy para nível de renda), também chegamos a resultados díspares: na capital paraense o preferido do presidente foi menos votado nas seções eleitorais com maior percentual de analfabetos e pessoas com instrução até o ensino fundamental, enquanto entre os capixabas ocorreu justamente o contrário.

Os dados de Belém e de Vitória indicam ser precipitado generalizar se houve um deslocamento da base eleitoral de Bolsonaro dos mais ricos para os mais pobres em função do auxílio-emergencial.

Entender o Brasil não é fácil - e dá trabalho.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


El País: O efeito das eleições na (re)organização das forças políticas e em 2022

A fragmentação atual da esquerda não tem paralelo na experiência política brasileira das últimas décadas, e isso pode resultar em posição minoritária do campo na próxima eleição

Débora Gershon e Leonardo Martins Barbosa, El País

Nas eleições de 2020, partidos da direita tradicional reafirmaram sua importância na política brasileira e apresentaram crescimento expressivo, não apenas nos pequenos municípios, mas também no grupo de cidades com mais de 200.000 eleitores. A compilação dos resultados revela três aspectos relevantes para 2022, que desde já merecem atenção, embora as eleições municipais difiram, em termos de lógica e organização, das nacionais: a) a direita tradicional mostrou-se bastante competitiva tanto no agregado, quanto nas maiores cidades; b) partidos do chamado Centrão aprofundaram sua interiorização, aproximando-se do MDB, líder inconteste nos municípios nas últimas décadas, e c) o campo da esquerda acumulou perdas no total de municípios, mas mostrou vitalidade naqueles com mais de 200.000 eleitores, onde obteve crescimento. O encerramento das eleições nas 57 cidades que disputarão o segundo turno não deve alterar de maneira significativa esse quadro. Além disso, o segundo turno não revela tanto quanto o primeiro as preferências do eleitor, já que nele as maiorias são construídas mais artificialmente em função dos chamados votos úteis. Analisar, portanto, os efeitos dessas mudanças já é tarefa útil e absolutamente necessária para o desenho de cenários futuros.

No campo da direita ou, mais amplamente, da centro-direita, DEM e PP foram os partidos que mais cresceram nesse pleito, considerados os cargos de prefeito e vereador. O crescimento do DEM foi de mais de 70%, enquanto o do PP de cerca de 40%. É o PP, no entanto, que reúne o maior número de prefeitos eleitos em primeiro turno, atrás apenas do MDB, partido de tradição municipalista há décadas, cuja performance atual não constitui ponto fora da curva. O desempenho do PP foi ainda melhor do que o do PSDB, em termos de prefeituras conquistadas.

O PSDB manteve bom desempenho geral e nos grandes municípios, mas com sinais de concentração eleitoral cada vez maior em São Paulo. MDB e PSDB, diga-se de passagem, partidos estruturantes da política brasileira até então, foram os dois que mais perderam prefeituras e votos nessas eleições. Partidos da esquerda também o fizeram, mas em menor escala.

Mais importante, o crescimento de DEM e PP expressa a derrota da direita mais radical. Os dois partidos, oriundos da antiga Arena, adaptaram-se bem ao pluralismo partidário e ao sistema político do presidencialismo de coalizão. Em contraste, PSL e Novo, os mais alinhados ao Governo de extrema direita, consideradas as votações nominais no Congresso, tiveram resultado pífio nas eleições. O PSL cresceu, a despeito da enorme queda de popularidade sofrida pela ruptura de Bolsonaro com a legenda, mas dificilmente se recuperará para as eleições de 2022. Em suma, a direita que teve bom desempenho nas eleições de 2020 não é a mesma que venceu o pleito de 2018.

O desempenho do DEM, particularmente, merece olhar mais cuidadoso. Nas décadas de 1980 e de 1990, sob a denominação de PFL, o partido se tornou um dos maiores do país, com base na sua estatura no interior, particularmente na região Nordeste. No entanto, desde o início dos governos Lula e do consequente fortalecimento do PT na região, sofreu reveses sistemáticos. Seus movimentos de reorganização partidária dos últimos anos e sua aproximação a importantes setores do empresariado urbano são explicações prováveis para o resultado eleitoral obtido. Soma-se a esses fatores a posição atual do partido de relativa independência com relação à figura de Bolsonaro (a despeito da convergência em pautas econômicas), e cresce a possibilidade de que o partido apresente um projeto presidencial alternativo ao da extrema direita em 2022. Com um crescimento significativo e homogêneo, o DEM cria condições, inclusive, de reorientar, de forma inédita, sua dinâmica de usual parceria com o PSDB, assumindo maior centralidade em eventual coligação para as próximas eleições. Até lá, no entanto, considerada também a proximidade da troca de comando na Câmara dos Deputados, pode-se esperar aumento significativo do custo do seu apoio ao Governo. O mesmo pode se reproduzir com o PP, uma vez que suas quase 700 prefeituras aumentam seu poder de barganha. Mas, se mantida a estratégia atual de Bolsonaro de aproximação com o Centrão, um cenário de maior protagonismo congressual do partido pode vir a ser favorável ao presidente.

Sobre o chamado Centrão, valem alguns comentários. Apesar de certa indefinição sobre partidos que compõem esse grupamento informal, caracterizado por vínculos ideológicos irrisórios (embora pautado por comportamento à direita do campo político), as oito legendas mais atuantes do grupo alcançaram resultados positivos. Além do benefício trazido pela própria falta de identidade e visibilidade política do grupo, tendo em vistas as características de eleições locais, é bastante provável que o fim das coligações em eleições proporcionais tenha sido decisivo para isso. A nova legislação cria incentivos para que os partidos lancem candidatos às prefeituras, estimulando, assim, o aumento de suas bancadas de vereadores, embora seja de se esperar, que, nos próximos anos, esse efeito não intencional da legislação dê lugar a fusão de legendas, a depender da capacidade competitiva das pequenos e do poder de atração das maiores.

Dos oito partidos do Centrão, além do já citado bom desempenho do PP, vale destacar também o PSD e o Republicanos. O PSD foi o segundo partido com maior número de candidaturas este ano, atrás apenas do MDB, e o terceiro com mais prefeitos eleitos no primeiro turno (650). De 2016 para 2020, o crescimento do partido foi pouco expressivo, mas de grande valia no processo de sua consolidação como nova força política nacional.

Por fim, resta observar a performance nas urnas dos partidos mais à esquerda, que, no cômputo geral, perderam menos do que a extrema direita, com destaque especialmente para aqueles de viés ideológico mais previsível e consistente no campo, a exemplo do PT e do PSOL. No geral, contudo, todos tiveram bons resultados em câmaras municipais mais do que em prefeituras. PDT, PCdoB e PSB, por exemplo, fizeram menos prefeitos do que em 2016, mas o PDT está na disputa pelo segundo turno em duas capitais (Fortaleza e Aracaju), o PSB em três (Recife, Rio Branco e Maceió), e o PCdoB em uma (Porto Alegre). O PSOL teve cerca de 6% a mais de votos na comparação com 2016, embora grande parte de sua votação em 2020 deva-se à candidatura de Guilherme Boulos. Em número de prefeituras, o partido cresceu, mas mantém-se em patamar comparativo muito baixo ―são 4 prefeitos eleitos em 2020, ainda que existam chances de eleição de mais dois (Belém e São Paulo). O crescimento foi suficiente para deslocar o PT em poucas, porém importantes cidades, como Florianópolis, Belém, e mesmo São Paulo, com a consolidação, em paralelo, de nomes de projeção nacional.

O PT, por sua vez, partido da esquerda que reúne maior número de cadeiras eletivas e de filiados e tem presença ainda muito expressiva em movimentos sociais tradicionais, acumulou mais perdas do que em 2016, que já havia representado uma queda enorme com relação à 2012. Apesar disso, é a legenda que disputa mais vagas no segundo turno, estando no páreo em duas capitais (Recife e Vitória), bem como em grandes colégios eleitorais como Diadema, Contagem, Caxias do Sul, São Gonçalo e Juiz de Fora, entre outros. Do ponto de vista do total de votos, houve pequeno crescimento nessas eleições, fato significativo diante do aumento da abstenção eleitoral, pois revela que as perdas não foram distribuídas de forma homogênea. De modo geral, o partido perdeu espaço nos pequenos municípios, mas manteve vitalidade em grandes cidades, nelas permanecendo como principal força da esquerda.

Dada a conjuntura política atual, e o fato de que a esquerda nunca foi campo majoritário no Brasil, nem mesmo durante os governos de Lula e Dilma, quando MDB ou PSDB exerciam a liderança em prefeituras Brasil afora, os resultados atingidos por algumas legendas foram profícuos, inclusive do ponto de vista da inclusão de minorias sociais que, cada vez mais, exercerão pressão importante sobre o sistema político brasileiro. É preciso fazer a ressalva, contudo, de que a fragmentação atual da esquerda não tem paralelo na experiência política brasileira das últimas décadas. Os resultados municipais, nesse sentido, podem vir a impulsionar esforços para correção de rumos e produção de candidaturas coligadas competitivas nas próximas eleições. Caso contrário, a fragmentação excessiva tende a resultar em posição minoritária do campo em 2022.

Em resumo, 2020 nos revela um cenário de menor polarização, em que cresce a direita mais moderada, em detrimento da extrema direita mais do que da esquerda, com menor adesão do eleitorado a discursos e projetos antipolítica e antissistema. Tal resultado gera desafios adicionais ao Governo federal e, particularmente, a Bolsonaro. Faltam dois anos para as eleições presidenciais e uma série de variáveis, de maior ou menor controle, podem interferir nesse cenário, a economia sendo a mais importante delas. As eleições municipais, entretanto, ajudam a formar o quadro em que os arranjos políticos se darão daqui para frente.

Débora Gershon é cientista política na Poliarco Inteligência Política. Doutora (IESP/UERJ) e mestre em Ciência Política (IUPERJ), com pós-doutorado pela University of California, San Diego (UCSD), onde atuou como pesquisadora visitante. É também pesquisadora do Observatório Legislativo Brasileiro (OLB).

Leonardo Martins Barbosa é cientista político na Poliarco Inteligência Política. Doutor em Ciência Política pelo IESP/UERJ. É pesquisador do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON) e do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), tendo ampla experiência em análise de cenários políticos, com foco em comportamento partidário e arena legislativa.