eleições 2020
Governo quer parcelar sentenças judiciais e liberar R$ 40 bi do Orçamento para o novo Bolsa Família
Pela proposta, pagamentos serão feitos em dez anos, permitindo criar um programa social beneficiando 17 milhões de pessoas com R$ 300
Manoel Ventura / O Globo
BRASÍLIA - Após identificar que derrotas judiciais podem consumir boa parte dos recursos previstos para custear a nova versão do Bolsa Família, o governo finalizou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para abrir espaço no Orçamento e permitir o pagamento do benefício no próximo ano, marcado pelas eleições presidenciais.
O texto prevê que as despesas com sentenças da Justiça poderão ser pagas com uma fração do valor em 2022 e mais nove parcelas anuais. As mudanças previstas na PEC criam uma margem de cerca de R$ 40 bilhões no Orçamento de 2022.
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Os técnicos do Ministério da Economia avaliam que, com o colchão de recursos criado pela PEC, será possível propor um programa social com pagamento médio de R$ 300 para 17 milhões de pessoas. Atualmente, o pagamento médio do Bolsa Família é de R$ 192 para 14 milhões de beneficiários.PUBLICIDADE
O benefício é visto dentro do governo como vitrine para a campanha do presidente Jair Bolsonaro nas eleições do próximo ano, e ele já declarou reiteradas vezes que a nova versão do programa social tem de ficar em R$ 300. O custo total do benefício no próximo ano deve ficar em R$ 56 bilhões.
‘Míssil’ contra ‘meteoro’
O texto vem sendo discutido há duas semanas entre o Ministério da Economia e o Palácio do Planalto e deve ser apresentado pelo ministro Paulo Guedes junto com o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco, (DEM-MG) em uma reunião na tarde de hoje.
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A medida trata dos chamados precatórios, dívidas do governo reconhecidas pela Justiça e para as quais não é mais possível recorrer.
A PEC foi citada pelo presidente Jair Bolsonaro dias atrás quando se referiu ao programa social. O texto da PEC permite o parcelamento das dívidas judiciais de maior valor, na casa de milhões de reais, e não mexe em dívidas menores, como débitos relacionados a aposentadorias do INSS.
A proposta foi classificada por Guedes na última sexta-feira como um “míssil” para atingir um “meteoro” criado por outros poderes, já que os precatórios são definidos pelo Judiciário anualmente.
Antes de saber dos detalhes da PEC, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) classificou o parcelamento dos precatórios como “calote”.
O governo terá de pagar R$ 89,1 bilhões em 2022 por causa de sentenças judiciais de que não pode mais recorrer, segundo dados aos quais o GLOBO teve acesso. Esse número representa alta de 62% em relação ao valor previsto para este ano (R$ 54,7 bilhões) e que já vinha crescendo acima da inflação.
O crescimento previsto dos precatórios para o próximo ano é muito superior à alta da inflação e ao teto de gastos, que é corrigido pelo IPCA.
Em razão da trajetória estimada de inflação para este ano, o governo previa uma folga de R$ 30 bilhões no teto de gastos, o que significa mais recursos para gastar no próximo ano. Isso acontece porque o teto é corrigido pela inflação em 12 meses até junho, quando a taxa acumulada ficou acima de 8%.
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Mas as despesas com aposentadorias são corrigidas pelo índice de preços no fim do ano, quando se espera um percentual mais próximo dos 6%. É dessa diferença que o governo estima a margem de R$ 30 bilhões.
E era justamente desta folga que viria boa parte dos recursos para custear o Bolsa Família sem ferir regras fiscais, mas o aumento das despesas previstas com precatórios engoliu essa margem no Orçamento.
Integrantes do Ministério da Economia têm dito que algumas das decisões judiciais têm características não recorrentes e se transformaram em dívidas bilionárias.
Um exemplo disso é a discussão sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) dos estados, um esqueleto que vem desde o governo Fernando Henrique Cardoso e teve decisão só agora. As despesas relacionadas a esse passivo subiram em R$ 17 bilhões a conta total de precatórios de 2022.
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Para conter o avanço das despesas com sentenças judiciais e deixar a dinâmica desse gasto mais próxima do teto, o governo vai propor alterar a Constituição.
‘Superprecatórios’
Hoje, só é permitido o parcelamento, por um período de até cinco anos, de precatórios que custam 15% do total desse tipo de dívida. Mas praticamente não há dívidas nesse montante.
Por isso, o governo vai propor que precatórios acima de 60 mil salários mínimos (R$ 66 milhões) também possam ser parcelados. A esse tipo de dívida será dado o nome de “superprecatório”, e a regra será permanente.
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Nesse caso, uma fatia de 15% do precatório será paga em um ano e o restante parcelado em nove anos. A mudança vai abranger 42 decisões judiciais em 2022 e dará um alívio de R$ 20 bilhões para o governo no próximo ano.
O texto cria um regime especial para o pagamento das dívidas judiciais até 2029. A PEC limita a despesa total com precatórios a um percentual de 2,6% da receita corrente líquida (disponível para gastar) acumulada 12 meses antes da requisição dos precatórios. É uma forma de delimitar quanto pode ser pago em um ano.
Essa mudança vai abranger mais de 7 mil decisões judiciais e gerar uma economia de mais R$ 20 bilhões no próximo ano. O pagamento das sentenças será dividido: o desembolso em um ano (limitado a 2,6% da receita) e mais nove parcelas anuais.
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O governo começou a elaborar a proposta após ser surpreendido pelo tamanho da conta de sentenças judiciais, a maior parte delas do Supremo Tribunal Federal (STF). Nas semanas que antecedem o envio do Orçamento do ano seguinte ao Congresso, o Ministério da Economia recebe a relação das sentenças que precisam ser quitadas. O Orçamento será enviado ao Congresso pelo governo no dia 31.
A ideia da proposta é deixar o valor dos precatórios mais próximo ao patamar deste ano, de R$ 54,7 bilhões. Sem a mudança, os técnicos da equipe econômica dizem que os precatórios consumiriam o equivalente a 68% das despesas não obrigatórias do governo (investimentos e custeio da máquina pública).
Caso o Congresso aprove a PEC da forma como desenhou o governo, haverá espaço extra no Orçamento não só para o novo Bolsa Família, mas para investimentos e despesas de outras áreas. Para aprovar uma PEC, são necessários os votos de 308 deputados e 49 senadores em duas votações em cada Casa.
Regra para estados e municípios e a União
A proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permitirá o parcelamento das dívidas federais decorrentes de decisões judiciais também vai dar mecanismos para o governo fazer encontros de contas com relação às sentenças que beneficiam estados, municípios e empresas.
No caso de estados e municípios, a proposta permitirá um encontro entre passivos. Por exemplo, uma decisão judicial que beneficia um estado poderá ser usada para abater a sua dívida com o governo federal. Dessa forma nenhuma das partes precisará fazer desembolsos. Ou seja, se um estado tem um precatório de R$ 5 bilhões, ele poderá usar esse valor para pagar a dívida com o governo federal.
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A proposta cria também um fundo no qual a União vai colocar ativos, como imóveis. Esses ativos, por sua vez, poderão ser usados para pagar dívidas judiciais do governo com empresas.
Caso uma companhia ganhe um processo contra o Executivo, esse valor poderá ser pago pelo governo com ativos que serão inseridos nesse fundo. A forma como os valores dos bens serão mensurados e a possibilidade de deságios serão regulamentadas após a eventual aprovação da PEC.
A Economia vê nas propostas uma forma de equalizar o balanço da União, ao reduzir ativos imobilizados (que podem estar subutilizados e gerando custos) e as dívidas federais.
Eliane Cantanhêde: Sorte e juízo!
Prefeitos assumem com pandemia, pobreza, discurso de ódio e Bolsonaro na praia
Os prefeitos que assumiram no primeiro dia do ano precisam de liderança, força política, experiência, capacidade administrativa e bom senso, além da indispensável ética com a coisa pública. O foco estará em todos e cada um, principalmente em Eduardo Paes (DEM), que reencontra a Cidade Maravilhosa com o amor próprio ferido, arrasada administrativa e financeiramente. Ele não assumiu uma prefeitura, entrou numa guerra.
São tempos difíceis e desafiadores para Paes, os reeleitos Bruno Covas (PSDB) e Alexandre Kalil (PSD), em São Paulo e Belo Horizonte, e para todos os demais: Bolsonaro na praia, vírus a mil, idas e vindas das vacinas, lojas fechando, empresas quebrando, desemprego grassando. E a ajuda emergencial acabou junto com 2020.
O equilíbrio é complicado: responsabilidade com as contas públicas, mas como não gastar com leitos, remédios, profissionais extras, pessoas e famílias? Sem esquecer que estamos em janeiro, é época de chuvas, temporais, desabamentos. O que dá um frio na barriga. Onde há planejamento e diligência, tudo bem. E onde não há?
Além das duríssimas questões administrativas, que incluem educação, a volta às aulas, transportes e saneamento, os prefeitos, novos ou reeleitos, têm a obrigação de quebrar o discurso de ódio, negacionismo, polarização. Girar o leme para o futuro: inclusão, generosidade, combate sério ao vírus, civilidade com os opositores.
Nas posses, aqui e acolá, os prefeitos registraram também preocupação com desigualdade, racismo, homofobia e feminicídio, patologias incompatíveis com um País multirracial, plural e tão acolhedor, mas que estão na moda, em alta. Com estímulos indiretos e até diretos que vêm de “cima”. Não exatamente dos céus.
Tudo isso, aliás, foi firmado nos votos de 2020, que jogaram fora os devaneios da “nova política” e optaram pelo conhecido, testado. Paes, no Rio, é reconhecido pela capacidade de trabalho e de gestão, essenciais para a reconstrução de uma cidade tão atacada, num Estado em que quase todos os ex-governadores passaram pela prisão, o atual foi afastado sem volta, o ex-prefeito está imobilizado com tornozeleira.
Em São Paulo, onde o tucano Bruno Covas travou o bom combate com Guilherme Boulos (PSOL), nova cara da esquerda, as forças políticas se movem com responsabilidade num ambiente de pandemia e de incerteza econômica, que exige mais racionalidade, menos disputa ideológica. E as contas ajudam, depois da renegociação de dívidas camarada feita da capital com o governo Dilma Rousseff. Faz toda a diferença.
Em BH, Kalil não foi apenas reeleito, mas vice-campeão de votos do primeiro turno, só atrás de Bruno Reis (DEM), de Salvador. Sem tititi, sem fazer questão de ser simpático e engraçadinho, Kalil surpreendeu por fazer a coisa certa, não se submeter ao Palácio da Liberdade nem ao Planalto e tratar a pandemia como ela é: perigosa, que adoece, mata, deixa sequelas inclusive na economia.
Esse flash do “Triângulo das Bermudas” projeta o cenário político. PSDB mantém estado e capital em São Paulo. DEM tem Paes no Rio, ACM Neto se desvencilhando da Prefeitura de Salvador e Rodrigo Maia, da presidência da Câmara, ambos livres para articulações nacionais. PSD, que ora vai para um lado, ora para o outro, ganha novo status para 2022, ao herdar uma Minas Gerais órfã do PSDB e do PT.
Dos prefeitos, esperam-se competência, bons resultados e capacidade política para vencer arroubos autoritários, priorizando a responsabilidade com o País, a visão de conjunto e o respeito aos adversários, pondo os interesses das cidades, dos Estados, do País e, sobretudo, dos cidadãos, acima das próprias conveniências. Juízo e boa sorte a todos! O sucesso de vocês será de todos nós.
Míriam Leitão: Acertos iniciais dos prefeitos
Nas três maiores cidades do país, os prefeitos assumiram com discursos claros em defesa da diversidade, da democracia, e da saúde. Em São Paulo e Belo Horizonte, Bruno Covas e Alexandre Kalil já estavam no cargo, por isso a atenção ficou mais concentrada no Rio. Eduardo Paes quis marcar a mudança radical de estilo de gestão com sua chuva de decretos e medidas emergenciais. Das três cidades, a situação do Rio é a mais dramática em todos os sentidos, do colapso fiscal ao descalabro administrativo.
Nem todas as cidades estão em situação de penúria fiscal porque as transferências diretas do governo federal, para compensar a queda de arrecadação e a suspensão temporária do pagamento da dívida com o Tesouro permitiram a várias capitais chegar ao fim do ano passado com dinheiro em caixa e capacidade de investir. Não é o caso do Rio. As capitais em geral são menos endividadas do que os estados, e a cidade de São Paulo foi a mais beneficiada pela renegociação de dívida feita no governo Dilma, que permitiu a troca de indexador, inclusive com efeito retroativo. Isso reduziu fortemente a dívida da capital paulista. Foi possível trocar o IGP-M mais 6% por IPCA mais 4%, ou por Selic, o que fosse menor. Imagina se não tivesse havido essa troca? O IGP-M em 2020 deu 23%. As dívidas estão sendo corrigidas pela Selic de 2%.
O Rio tem anomalias de toda ordem. Uma delas foi a transição feita entre uma equipe acéfala que estava saindo e a que estava chegando. No dia em que o ex-prefeito Marcelo Crivella foi preso, muitas reuniões da transição foram canceladas. Os dados passados aos novos secretários estão incompletos e muitas equipes começaram a saber ontem que tudo é muito pior do que imaginavam. A saúde e a educação estão em situação dramática. O aumento de leitos para pacientes de coronavírus e a criação do Centro de Operações de Emergência, anunciados ontem, foram medidas extremamente necessárias. O Rio passa a ter agora um gestor que tem noção da emergência sanitária que a cidade vive.
Em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Kalil disse que a capital mineira é “uma cidade de todos, de LGBTs, cristãos, evangélicos, negros”. E agradeceu a oposição pela pluralidade. Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas começou citando a vice-presidente eleita dos Estados Unidos, Kamala Harris, para falar da fragilidade da democracia. Atacou o negacionismo, “os intolerantes e os lacradores”. No Rio, Eduardo Paes disse que fará um governo antirracista, e prometeu combater “essa chaga brasileira”.
Um prefeito do Rio tem que, antes de tudo, entender isso, e tomara que Paes vá além das palavras. Aqui as marcas da exclusão são muitos visíveis. Milhares de africanos escravizados desembarcaram no Rio para viver longo martírio e, ao mesmo tempo, construir o país. Que faça sim uma administração antirracista, porque é a única que honra o Brasil e a sua identidade plural.
Tudo o que disseram os novos prefeitos afasta as administrações locais da intolerância ao diferente e à diversidade de opinião que é a marca do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro. E houve na festa democrática de ontem simbologias importantes. Em São Paulo, a posse foi presidida por Eduardo Suplicy, do PT. Na cidade, a bancada da esquerda, somando-se PT e PSOL, cresceu bastante. No Rio, a posse dos vereadores foi comandada por Tarcísio Mota, do PSOL, o vereador mais votado, amigo de Marielle Franco. A viúva da vereadora assassinada, Monica Benício, também tomou posse.
Revigorados pelo voto, os prefeitos das capitais e principais cidades brasileiras estão mostrando que tomarão as decisões que o governo federal ignora no combate à pandemia. Foram posses cuidadosas, com pouco ou nenhum convidado, presencial com máscara, como no Rio, ou remota, como em Belo Horizonte. O cenário de precaução se repetiu nas outras capitais.
Bolsonaro, com sua atitude irresponsável de negar a doença, a ciência, espalhar mentiras sobre a vacina, promover aglomerações e atrasar decisões inadiáveis, chega ao meio de mandato com uma posse de prefeitos que dá mais um sinal do seu isolamento político. O que os eleitores disseram é que querem administradores que os protejam da pandemia. Por isso a pressão por um programa de imunização vai crescer nos próximos dias.
Míriam Leitão: Ajuste fiscal na cidade do Rio
A cidade do Rio quer implantar um programa econômico que o governo federal prometeu fazer e não tem conseguido. Hoje o Diário Oficial amanhece com 74 decretos, e deles 44 são da área econômica, com um choque de corte de gastos e suspensão de contratos para auditoria. Mas o projeto da prefeitura será o de fazer reformas. Uma lei de emergência fiscal, uma reforma da Previdência e uma reforma tributária serão preparadas. O prefeito Eduardo Paes conta com a própria experiência, e o trabalho legislativo do secretário de Fazenda, Pedro Paulo, que no Congresso cuidou exatamente desse nó fiscal do país.
— Nenhum outro prefeito, nem mesmo o Saturnino, entregou uma cidade de forma tão caótica quanto Crivella está entregando hoje — disse o secretário Pedro Paulo.
De fato, para começo de conversa a prefeitura não será entregue por Marcelo Crivella. O prefeito, como se sabe, está em prisão domiciliar. Há duas folhas em atraso. Em 2021, a prefeitura terá que pagar 15 folhas. São muitos os números da situação calamitosa do Rio.
No ano passado, por causa da pandemia, estados e municípios puderam não pagar dívidas junto aos bancos federais e ao Tesouro. Além disso, tiveram transferências diretas. O Rio deixou de pagar R$ 1,2 bi e ainda recebeu R$ 600 milhões de transferências. Mesmo assim, o secretário calcula que o desafio fiscal é de R$ 10 bilhões.
Um dos decretos será de intervenção no Rio Saúde. Decisão tomada com os devidos cuidados por causa da pandemia.
— Não havia outra saída. Precisamos abrir essa caixa-preta, porque ela é cara e sem transparência. É o único órgão da prefeitura cuja folha de pagamento ninguém sabe quanto custa, é uma folha secreta — disse o secretário.
Um dos problemas da administração Crivella era que ele mandava o orçamento calculando uma certa despesa, se ela não se confirmasse ele não cortava, e isso virava déficit. E por causa disso há quase R$ 5 bilhões de restos a pagar, duas folhas em atraso e R$ 2,3 bilhões de despesas extrateto que não foram nem cobertas, nem cortadas.
— A Comlurb tem um orçamento de R$ 2 bilhões, mas um extrateto de 600 milhões. Isso não foi colocado no orçamento, mas não foi cortado dos contratos. Ficou acumulado. Na Saúde, o orçamento acaba em julho, e nós estamos numa pandemia — disse o secretário.
Pelo PLP 101 que acaba de ser aprovado no Congresso, as prefeituras podem suspender o pagamento das dívidas internacionais durante 2021. Se for sancionado, isso dará um alívio ao Rio de R$ 509 milhões este ano do serviço da dívida junto a Banco Mundial e BID. Além disso, mesmo o Rio sendo nota C de crédito pela classificação do Tesouro, poderá pegar um crédito no valor de R$ 700 milhões.
— Isso pode dar uma folga. Mas os estados e municípios terão que voltar a pagar a dívida junto ao Tesouro e bancos federais, porque acaba a suspensão prevista na lei 173. No caso do Rio, é dívida junto ao BNDES e à Caixa.
Há desafios sociais imensos. A taxa de desemprego no Rio é maior do que a do resto do Brasil. Ao todo, dois milhões e 70 mil pessoas receberam o auxilio emergencial na cidade. Como os beneficiários do Bolsa Família são 330 mil, há pelo menos 1,7 milhão de pessoas que a partir de hoje ficarão sem benefício.
O plano do novo prefeito é montar grupos de trabalho para preparar reformas muito parecidas com as que o governo federal tentou fazer, até agora sem sucesso.
— A lei de emergência fiscal terá gatilhos para conter os gastos — disse Pedro Paulo, que foi o primeiro a propor isso na Câmara, antes do projeto do governo.
Outra ideia é a de desvincular e desobrigar os 34 fundos da cidade. Os contratos serão desindexados. Será proposta uma reforma da Previdência, e o Previ Rio vai ser capitalizado com bens imóveis da prefeitura. Uma reforma tributária está sendo pensada para os impostos da cidade com o objetivo de atrair investimento, mas suspender isenções e subsídios.
O prefeito Eduardo Paes assume em situação bem diferente da outras duas vezes em que governou o Rio. Tanto nas contas da prefeitura, quanto na conjuntura econômica do país. Pelo menos este ano começa com o Rio tendo um prefeito. Hoje em todas as cidades do Brasil um novo ciclo começa. Os prefeitos novos ou em segundo mandato enfrentarão a pandemia e a crise econômica no país. Boa sorte a todos.
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Rio de Janeiro e Manaus enfrentam, de novo, falta de leitos. Sem caixa, novos governantes pelo país se fiam em recursos da emergência sanitária para atravessar os primeiros meses de 2021
Uma pandemia em plena ascensão, com pressão crescente por leitos de UTI e sem uma data ou plano claro de vacinação para a população na maioria das cidades brasileiras. Comércio, escolas e serviços parcial ou totalmente fechados por causa da crise sanitária, fim do auxílio emergencial, desemprego crescente e pouco dinheiro em caixa para dar conta de tudo. Esse panorama de tempestade perfeita coloca uma verdadeira bomba-relógio no colo dos prefeitos eleitos que assumem ou dão início ao segundo mandato nos executivos municipais neste dia 1º. Sem tempo ou motivos para comemorar, boa parte deles terá de dar respostas rápidas a todas essas crises sem precedentes na história recente de suas cidades, já a partir de janeiro.
Um exemplo extremo da situação que os prefeitos vão encontrar em seus municípios neste ano é o Rio de Janeiro, onde aos fatores expostos acima ainda soma-se uma enorme crise política. O prefeito eleito, Eduardo Paes (DEM), pega o bastão do ex-prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) em prisão domiciliar, acusado pelo Ministério Público de ter montado uma organização criminosa dentro da prefeitura e desviado pelo menos 50 milhões de reais dos cofres públicos. Ele nega. Paes encontra no seu primeiro dia de trabalho uma cidade em que a ocupação dos leitos de UTI para pacientes com covid-19, doença causada pela pandemia do novo coronavírus, está acima de 90% há mais de dez dias, e deve subir nas duas primeiras semanas de janeiro após as festas de fim de ano.
Para tentar conter a explosão de casos e o colapso do sistema público de saúde na cidade, a prefeitura carioca proibiu até festas particulares de Ano Novo e restringiu o acesso à orla. Para “fechar o quadro”, como diz o jargão médico sobre pacientes em situação muito difícil, a prefeitura em dezembro atrasou o salário referente a novembro dos 16.000 servidores municipais da Saúde, que ainda não receberam o décimo terceiro. Funcionários terceirizados também reclamam de atrasos nos pagamentos, assim como as Organizações Sociais que gerem hospitais e outros aparelhos de saúde.
Os atrasos são reflexo de uma grave crise no caixa da prefeitura do Rio. A equipe de Paes calcula que o município não tem recursos para quitar o 13º nem o salário de dezembro. O déficit para conseguir pagar tudo, incluindo dívidas com fornecedores, seria na casa dos 10 bilhões de reais. Em notas à imprensa, a gestão que sai afirma que trabalha para fazer os pagamentos, sem dar datas. Na terça-feira, três dias antes de assumir, Paes falou a jornalistas e disse que vai reabrir leitos de UTI fechados e ampliar a testagem da população para tentar enfrentar a pandemia. “O Rio tem cerca de 1.800 leitos disponíveis na rede pública, municipal, estadual e federal. A cidade ficou perdendo tempo abrindo hospital de campanha”, afirmou o prefeito eleito. Ele prometeu não ampliar as restrições de circulação e funcionamento da cidade, mas pediu a colaboração da população. “A gente tem que trabalhar com a população no sentido de que as pessoas respeitem as regras mínimas. Não me parece viável propor medidas excessivamente restritivas, mas a população precisa colaborar.” Paes afirmou também que é uma prioridade abrir as escolas no início do ano letivo em 2021, mas não comprometeu-se com alguma data.
Em Manaus, uma das capitais que foi mais castigada pela covid-19 no começo da pandemia no país, vítimas do coronavírus já lotam 89% dos leitos disponíveis na rede pública 100% nos hospitais particulares. Mesmo assim no início a semana, após um protesto de comerciantes no centro da capital amazonense, prefeitura e governo do Estado decidiram manter toda a atividade econômica aberta, sem aglomerações. Representantes do Ministério Público, Defensoria, entidades e sindicatos de saúde entregaram na quarta-feira uma carta ao governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), pedindo mais restrições na capital. O novo prefeito, David Almeida (Avante), já fala em reabrir hospitais de campanha, o que deve anunciar no dia da posse.
Em São Paulo, cidade com maior número de casos e mortes pela pandemia no país, a lotação dos hospitais é menor mas não para de crescer. Desde o início de dezembro, as internações por covid-19 aumentaram 40%. Os hospitais públicos com mais pacientes são o Hospital das Clínicas, da rede estadual, e o Hospital Municipal da Brasilândia, da rede municipal. Segundo os dados do Sistema de Monitoramento Inteligente (Simi) do governo estadual, entre o início do mês e este domingo (27) o Hospital das Clínicas registrou um aumento de 23% no número de pacientes internados na UTI. Na quarta, a taxa de ocupação nos hospitais da cidade de SP era de 61%. O índice estava em 33% em outubro.
A situação é preocupante e 20 profissionais do Centro de Contingência do Coronavírus do Estado de São Paulo divulgaram nessa semana uma “carta pela vida” onde pede que as pessoas evitem festas e aglomerações em geral, além de reforçar a necessidade do uso de máscaras quando sair de casa. “Os números de casos, internações e óbitos por covid-19 no mês de dezembro apontam um crescimento da pandemia no Estado”, diz a missiva pública. “A transmissão da doença retornou com força. O total de novos casos de coronavírus registrado no mês já é seis vezes maior do que em comparação à soma dos três primeiros meses da pandemia. O número de mortes é 60% superior ao total de vítimas fatais entre março e maio”, explicam os profissionais.
Mudanças de última hora na classificação de risco do Estado e da capital aliadas à confusão e adiamentos na divulgação dos resultados de eficácia da Coronavac —aposta e promessa do governador João Doria (PSDB) para vacinar a população de SP a partir de 25 de janeiro — fazem com que o paulistano comece o ano sem saber ao certo se o comércio e as escolas estarão abertos e como. Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirma que “o aumento de casos de internação em consequência da Covid-19 se deve principalmente ao relaxamento das medidas de isolamento social, que facilitam a propagação do vírus” e que está ampliando a oferta de leitos de enfermaria e UTI para o enfrentamento da pandemia. “A expectativa é que, com novas medidas de isolamento, esses números crescentes da doença não se mantenham e sejam novamente reduzidos”, diz a nota. De efetivo, a principal ação do prefeito reeleito Bruno Covas (PSDB) foi assinar embaixo de um aumento do próprio salário aprovado na Câmara. O salário do prefeito passara de 24 mil reais para 35,4 mil por mês a partir do ano que vem. “O teto está congelado desde 2013, quando tivemos o último reajuste. Durante esse período de 8 anos, a inflação foi algo em torno de 60 a 100%, dependendo do valor que é considerado. O salário mínimo aumentou nesse período 68%. O valor do salário dos professores na rede municipal aumentou 80%. Então hoje o teto está defasado”, afirmou o prefeito reeleito em entrevista à GloboNews ao defender o aumento e dizer que ele é necessário para poder aumentar o salário de outros funcionários que deixam a prefeitura por salários mais altos.
No plano fiscal, a margem de manobra da capital paulista é maior. Mesmo assim, a maior arrecadação entre os municípios do Brasil tem um orçamento para o ano que vem prevê cerca de 2% menos dinheiro. Ao todo, a prefeitura prevê gastar 67,5 bilhões de reais. Eleito como vice-prefeito de Covas, o vereador Ricardo Nunes afirmou em encontro virtual de eleitos que já foi promovido um ajuste fiscal na prefeitura, com a demissão de 30% dos funcionários comissionados, o que se por um lado gerou mais desemprego na cidade, por outro representa uma economia de caixa.
Cada um por si
Em meio a tudo isso, o Governo federal não consegue apresentar um plano nacional de imunização adequado —a única garantia e retorno à vida normal e retomada consistente da atividade econômica nas cidades. “A vacina é a única forma efetiva de resolver o problema. Só assim você consegue retomar a economia de forma contínua e não fica nesse abre e fecha das atividades, nessa incerteza, como estamos vivendo novamente com o aumento de casos”, explica Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo em entrevista ao EL PAÍS. Dados divulgados na terça-feira pelo IBGE mostram que a taxa de desemprego ficou em 14,3% no trimestre encerrado em outubro.
Enquanto a imunização começa nos Estados Unidos e na Europa e outros países da América Latinam como a Argentina, já iniciaram a vacinação de profissionais de saúde e grupos de risco, nesta semana, fracassou um pregão promovido pelo Ministério da Saúde para comprar seringas e agulhas que serão utilizadas na vacinação. O Governo conseguiu comprar menos de 3% do previsto de 331 milhões de unidades e entra 2021 sem o estoque necessário do material para vacinar os brasileiros contra a covid-19.
No início de dezembro, 80 prefeitos eleitos e reeleitos assinaram uma carta da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) que cobrava do Governo federal mais clareza em relação ao plano nacional de vacinação contra a covid-19. “Não é razoável que algumas cidades e Estados tenham que lançar mão de estratégias locais de aquisição de vacinas para proteger a população porque o governo federal procrastinou assunto tão importante”, disse na ocasião o prefeito de Campinas e presidente da FNP, Jonas Donizete. O detalhamento do plano do governo federal não veio e diversas prefeituras e governos estaduais organizam planos próprios de vacinação, a exemplo do que acontece em São Paulo.
A FNP assinou um acordo com o Instituto Butantã para facilitar a compra da Coronavac diretamente pelas prefeituras. “Estamos celebrando aqui um acordo em que dizemos sim, sim nós desejamos que o nosso povo brasileiro seja vacinado”, afirmou Donizete na assinatura do acordo. Segundo o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, pelo acordo será oferecido para a FNP dividir em um primeiro momento 4 milhões de doses. Covas voltou a falar em “plano B”, referindo-se à resistência do governo federal em comprar a vacina CoronaVac, desenvolvida em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. “Queremos que essa vacina seja ofertada a todos os brasileiros, mas depois de alguns problemas, estamos agora com um plano B, para ofertá-la diretamente aos estados e municípios”, disse.
Alívio de caixa?
Com o decreto federal da pandemia em março, o Governo federal editou Medidas Provisórias destinando recursos para que Estados e municípios pudessem enfrentar a crise. No entanto, por definição legal, esse dinheiro deveria ser utilizado até o final de 2020. Foram pelo menos 60 bilhões de reais em repasses diretos a governos estaduais e municipais. No entanto, como a maior parte do dinheiro chegou de fato no início do segundo semestre, o Tribunal de Contas da União (TCU) autorizou sua utilização em 2021. “Boa parte dos recursos foi repassado no segundo semestre e isso dificultou a utilização dos municípios, então temos mais 12 meses para utilizá-los, até porque a pandemia não vai se encerrar na virada do ano”, afirma o secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira.
De acordo com dados do Ministério da Economia, as transferências de recursos da União para Estados e municípios superou a queda da arrecadação dos entes no primeiro semestre na maioria dos lugares. De acordo com a pasta, o valor arrecadado pelos governos regionais nos seis primeiros meses do ano foi 7,1 bilhões menor que no mesmo período do ano passado. A diferença representa uma queda de 3,5%. Por outro lado, entre março e junho, a União repasso 9,2 bilhões para estados e municípios, valor 2,1 bilhões superior a perda da arrecadação acumulada no primeiro semestre. Além do montante repassado, o Governo federal também suspendeu 6,1 bilhões em pagamentos de dívidas dos entes.
Os recursos extras e a pequena folga no caixa devem dar algum fôlego para pelo menos parte dos municípios no começo do ano, afirma a frente de prefeitos, mas não irão perdurar em 2021 e a demanda por serviços sociais e estímulo ao emprego e atividade econômica por parte da população em relação à prefeitura deve aumentar. Dentre os eleitos e reeleitos, destacam-se as propostas do novo prefeito de Belém, Edimilson Rodrigues (PSOL), propôs a criação de um programa de renda mínima na capital paraense. Em coletiva de imprensa após a vitória, ele reafirmou promessa de campanha de criar uma espécie de bolsa para a população de baixa renda de até 450 reais por família. Rodrigues também disse que pretende criar uma brigada de trabalho para limpeza de bueiros e de canais para gerar empregos, e que vai incentivar a criação de startups. Ele também disse que pretende discutir a separação de recursos orçamentários para garantir compra de vacinas contra a covid-19 para o município por conta própria.
O que mostra a eleição de Bruno Covas em São Paulo? Paulo Fábio Dantas Neto explica
Em artigo na revista da FAP de dezembro, professor da UFBA analisa relação do resultado das urnas com governador João Doria
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O doutor em ciência política e professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Paulo Fábio Dantas Neto diz que há duas versões acerca do desfecho do segundo turno das eleições de 2020 na capital paulista. Em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro, ele cita que a primeira mostra que a reeleição do prefeito Bruno Covas foi uma vitória do governador João Doria e a segunda aponta à possibilidade de o PSDB paulista adotar perspectiva mais ao centro e mais nacional.
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Todos os conteúdos da publicação mensal, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Na primeira hipótese, segundo ele, poderia se estimular uma aliança entre PSDB, DEM e MDB, com posição determinante do primeiro. Na segunda, acrescenta, o objetivo seria superar dificuldades de trânsito de Doria, fora da centro-direita.
Na avaliação de Dantas Neto, o peso de São Paulo nas análises encobre movimentos de fortalecimento de outro tipo de centro moderado em Fortaleza, Recife, Rio e Porto Alegre, convergentes com o ocorrido, no primeiro turno, em Salvador. “Nessas cinco cidades, DEM, PSDB, MDB e Cidadania estiveram juntos com o PDT e/ou o PSB, no primeiro e/ou no segundo turno. Em todas, venceram”, afirma. “Em Fortaleza, a aliança chegou a englobar, no segundo turno, o PT. Nessas cidades, com diversas peculiaridades óbvias, há um desenho comum, diverso daquele que São Paulo sugeriu”, acrescenta.
Dessa bifurcação surge uma outra questão, de acordo com o autor do artigo, que foi vereador em Salvador (1983-1988), deputado estadual (1989) e secretário municipal de Educação (1994). “Saber se esses movimentos apontam a um tipo de centro moderado que pode atrair São Paulo, em vez de gravitar em torno do contencioso paulista e do PSDB. Sinalizam a chance de uma frente ainda no primeiro turno, situada, de fato, ao centro, aproximando setores da centro-direita e da centro-esquerda”, acrescenta.
Isso, segundo ele, pede uma candidatura capaz de dialogar embaixo e partidos que tenham papel aglutinador. “Do nome, ainda estão longe”, afirma o professor da UFBA. “Quanto a partidos, é preciso conversar a sério sobre o DEM. Ele é tão central para essa rota Brasil-São Paulo como o PSDB e Boulos são para a rota São Paulo-Brasil. Para observá-lo, é preciso uma filmadora que capte seu movimento da centro direita ao centro, não flashs que o flagrem como um ator com ‘essência’ de centro-direita”, diz.
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Em artigo na revista da FAP de dezembro, especialista mostra importância das pesquisas de intenção de voto
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Especialista em pesquisas de mercado e opinião por mais de 40 anos, o psicólogo Ciro Gondim Leichsenring diz que a divulgação de resultados das pesquisas eleitorais tem significativa relevância na intenção de voto. “A posição dos candidatos no ranking de preferências do eleitorado produz efeitos, positivos e negativos, na arrecadação de recursos, na mobilização partidária, na formalização de alianças. Lembremo-nos do voto útil”, analisa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro.
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Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. De acordo com o especialista, que é ex-presidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Pesquisas de Mercado e vice-presidente executivo da mesma instituição, cada um dos elementos, isoladamente ou em articulação com os demais, influencia a escolha do eleitor, contribuindo para a sua decisão final.
“Nesse contexto, as pesquisas estão sempre correndo contra o tempo em relação ao movimento do eleitorado, pois, de um dia para o outro, tudo pode mudar sem que as pesquisas, defasadas temporalmente, possam captar o sentido da mudança”, observa, ressaltando a importância das pesquisas, embora algumas tenham projetado resultados diferentes dos que foram apurados nas urnas, nas eleições deste ano.
Pesquisas de intenção de voto, segundo Leichsenring, são eventos estáticos dentro de um processo dinâmico, que é a consolidação da decisão de voto pelo eleitor. “A decisão é um caminho que se revela por aproximações sucessivas. No início das campanhas eleitorais, as possibilidades de escolha apenas se insinuam para o eleitor típico, com baixo nível de engajamento político”, diz. “À medida que a campanha evolui, o eleitor gradualmente vai ajustando suas escolhas com as informações recebidas, até chegar à decisão final, que pode até mesmo ser a de não votar, anular o voto ou votar em branco”, acrescenta.
Em outro trecho, o especialista cita dados de 30 pesquisas, concluídas em média dois dias antes da última eleição, divulgados no site Poder 360 (Ibope, 26 e Datafolha, 4), que revelaram que apenas 15 tiveram acertos dentro da margem de erro. “Nenhum resultado coincidiu exatamente com os números das urnas. No entanto, em 26 casos, o nome do vencedor foi apontado corretamente e, em 3, apontaram empate, registrando-se apenas um erro na indicação do vencedor”, avalia.
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RPD || Paulo Fábio Dantas Neto: Em busca de um centro - Uma eleição e dois scripts
Eleições municipais mostraram que, para vencer Bolsonaro no pleito de 2022, será necessário uma candidatura capaz de dialogar embaixo e partidos que tenham papel aglutinador
Lemos e ouvimos sempre que eleições municipais têm lógica diferente de eleições para Executivos nacional e estaduais. Fenômenos comuns a 2016 e 2018 arranharam um pouco essa convicção. O sucesso do discurso anti-política, a força da onda lavajatista, o antipetismo como coalizão de veto e por aí vai, tudo isso se desdobrou e radicalizou entre 2016 e 2018. Agora, um ponto em discussão é em que medida 2020 reverteu 2016. Deve-se considerar o insucesso eleitoral dos discursos de polarização ideológica, da “nova política” como antipolítica, a menor relevância nas urnas do tema da segurança e a pouco peso do da corrupção. Também que o eleitorado valorizou eficácia nas gestões municipais, fator cuja importância foi potencializada pelo contexto da pandemia.
Mas não se pode excluir da análise importante elemento de continuidade entre 2016 e 2020: o fortalecimento eleitoral da chamada centro-direita, em sua diversidade. Aqui cabe distinguir uma centro-direita pragmática que recebe o apelido, muitas vezes impróprio, de centrão, e aquela que há tempos tem o DEM como sua expressão programática, postura que manteve esse partido, por mais de uma década, na oposição.
Da análise desses fatores depende a resposta à seguinte questão: a reversão que tenha havido, em 2020, do “espírito” de 2016 restabelecerá o antigo grau de autonomia de eleições municipais, deixando supor que 2022, apesar da sinalização contrária de 2020, possa reiterar o quadro inóspito de 2018 ou o padrão de desconexão que vigorou dos anos 90 até 2016-2018 seguirá sendo violado, tornando 2020 capaz de prenunciar 2022 como 2016 prenunciou 2018?
Analiticamente, é possível admitir as duas hipóteses. Politicamente, é interessante ver como reforçar a segunda. Uso aqui a chave toquevilleana que abre possibilidades a escolhas políticas, em condições gerais postas por um processo que os atores não controlam. Mas reforçar qual script de 2020? Há mais de um a delinear um realinhamento de forças. Uma bifurcação liga-se a diferenças persistentes de idioma entre a política de São Paulo e do resto do país.
Há duas versões acerca do desfecho do segundo turno das recentes eleições na capital paulista. A primeira, que a reeleição de Bruno Covas foi uma vitória do governador João Dória, o que estimularia uma aliança entre PSDB, DEM e MDB, com posição determinante do primeiro. Ela estaria em dupla polarização com o bolsonarismo e uma esquerda unida que teria encontrado em Boulos uma nova rota de navegação. A segunda versão é que Covas venceu apesar de Doria e que sua vitória pessoal aponta à possibilidade de o PSDB paulista adotar perspectiva mais ao centro e mais nacional, para superar dificuldades de trânsito de Doria, fora da centro-direita.
O peso de São Paulo nas análises encobre movimentos de fortalecimento de outro tipo de centro moderado em Fortaleza, Recife, Rio e Porto Alegre, convergentes com o ocorrido, no primeiro turno, em Salvador. Nessas cinco cidades, DEM, PSDB, MDB e Cidadania estiveram juntos com o PDT e/ou o PSB, no primeiro e/ou no segundo turno. Em todas, venceram. Em Fortaleza a aliança chegou a englobar, no segundo turno, o PT. Nessas cidades, com diversas peculiaridades óbvias, há um desenho comum, diverso daquele que São Paulo sugeriu.
Dessa bifurcação surge uma outra questão: saber se esses movimentos apontam a um tipo de centro moderado que pode atrair São Paulo, em vez de gravitar em torno do contencioso paulista e do PSDB. Sinalizam a chance de uma frente ainda no primeiro turno, situada, de fato, ao centro, aproximando setores da centro-direita e da centro-esquerda. Isso pede uma candidatura capaz de dialogar embaixo e partidos que tenham papel aglutinador. Do nome, ainda estão longe. Quanto a partidos, é preciso conversar a sério sobre o DEM. Ele é tão central para essa rota Brasil-São Paulo como o PSDB e Boulos são para a rota São Paulo-Brasil. Para observá-lo, é preciso uma filmadora que capte seu movimento da centro direita ao centro, não flashs que o flagrem como um ator com “essência” de centro-direita.
Essas cogitações sugerem balizas para um agir baseado no que aí está: governo relativamente enfraquecido e Presidente relativamente popular. Muito pode mudar se presidente e governo desabarem juntos numa crise econômica e social ou se, por oposto, o capitão surpreender e vier a ser também presidente. É incerteza intrínseca ao processo. Convém as oposições terem pés no chão, para lidar com o que há e olhos abertos para o que pode vir.
*Doutor em Ciência Política, bacharel em Ciências Econômicas e mestre em Administração. É professor da FFFCH/UFBA, onde atua como docente no Departamento de Ciência Política e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e, como pesquisador, no Centro de Recursos Humanos (CRH). Foi Vereador em Salvador (1983-1988), deputado estadual (1989) e secretário municipal de Educação (1994).
RPD || Ciro Gondim Leichsenring: Adivinhando o futuro
Adequado planejamento amostral das pesquisas eleitorais é requisito para a exatidão do levantamento de dados, permitindo uma fiel correspondência com o resultado das urnas, avalia Ciro Leichsenring
Pesquisas eleitorais em qualquer lugar sempre abrem espaço a dúvidas e suspeitas de direcionamento de resultados. Diante disso, é importante dar uma dimensão mais real das dificuldades envolvidas em sua realização e situar os contextos dentro dos quais as pesquisas de intenção de voto se situam.
Fundada em 1890 em Nova York, a revista Literary Digest, voltada para a publicação de artigos de opinião, tornou-se um fenômeno editorial atingindo um público de milhões de leitores. Em 1916, ano de eleição presidencial, decidiu fazer uma consulta a seus assinantes, encartando na revista, que era semanal e distribuída pelo correio, uma cédula eleitoral em que constavam os nomes dos candidatos ao cargo de presidente dos Estados Unidos. Solicitava aos leitores que indicassem o candidato de sua preferência e remetessem a cédula para o escritório da revista. Com base nessa simulação, previu a vitória do então candidato democrata Woodrow Wilson. Repetiu o procedimento nas eleições seguintes, acertando todos os resultados até 1932. Em 1936, no entanto, com uma base de 10 milhões de eleitores identificados em listas telefônicas e compradores de automóveis, obteve o retorno de 2,4 milhões de cédulas, que indicavam o então candidato republicano Alfred “Alf” Landon como o virtual vencedor da disputa com 57% das preferências, contra 43% de Franklin Delano Roosevelt, que concorria à reeleição.
Enquanto isso, George Gallup, que havia criado a Gallup Organization em 1935, realizava estudo nacional, com amostra planejada a partir de critérios estatísticos, em que entrevistava 50 mil eleitores, abrangendo todo o eleitorado americano. Os resultados obtidos apontavam a vitória de Roosevelt com um placar de 56% a 44%. Dias depois, as urnas registraram a vitória de Roosevelt, reeleito com 61% dos votos populares.
A margem de erro estipulada para uma amostra probabilística de 50 mil casos, com nível de confiança de 95%, é de apenas + ou - 0,44%. Tendo esses parâmetros como referência, cabe perguntar: Gallup acertou ou errou em sua previsão?
Pesquisas de intenção de voto são eventos estáticos dentro de um processo dinâmico que é a consolidação da decisão de voto pelo eleitor. A decisão é um caminho que se revela por aproximações sucessivas. No início das campanhas eleitorais, as possibilidades de escolha apenas se insinuam para o eleitor típico, com baixo nível de engajamento político. À medida que a campanha evolui, o eleitor gradualmente vai ajustando suas escolhas com as informações recebidas, até chegar à decisão final, que pode até mesmo ser a de não votar, anular o voto ou votar em branco.
Uma série de variáveis condiciona este processo, entre os quais podemos destacar os seguintes pontos. Os índices de abstenção são bastante relevantes, pois favorecem algumas candidaturas e prejudicam outras, a depender do perfil sociodemográfico e geográfico dos votantes. Em 2020, o índice de abstenção no segundo turno das eleições municipais brasileiras atingiu 29,5% dos eleitores inscritos.
Acidentes de percurso na campanha, como fake news, denúncias de malfeitos ou comportamentos inadequados, atentados ou acidentes geram mudanças de atitudes. Estrutura partidária e recursos financeiros são elementos importantes nas campanhas, pois impactam na exposição das candidaturas e programas de governo.
A divulgação de resultados das pesquisas eleitorais, em si, tem significativa relevância na intenção de voto, uma vez que a posição dos candidatos no ranking de preferências do eleitorado produz efeitos, positivos e negativos, na arrecadação de recursos, na mobilização partidária, na formalização de alianças. Lembremo-nos do voto útil.
Cada um desses elementos, isoladamente ou em articulação com os demais, influencia a escolha do eleitor, contribuindo para a sua decisão final.
Nesse contexto, as pesquisas estão sempre correndo contra o tempo em relação ao movimento do eleitorado, pois, de um dia para o outro, tudo pode mudar sem que as pesquisas, defasadas temporalmente, possam captar o sentido da mudança. No entanto, como o episódio Gallup revelou, o adequado planejamento amostral é um requisito decisivo para a exatidão do levantamento de dados, criando condições para uma fiel correspondência com o resultado das urnas. Dados de 30 pesquisas, concluídas em média dois dias antes da última eleição, divulgados no site Poder 360 (Ibope, 26 e Datafolha, 4) revelam que apenas 15 tiveram acertos dentro da margem de erro. Nenhum resultado coincidiu exatamente com os números das urnas. No entanto, em 26 casos, o nome do vencedor foi apontado corretamente e, em 3, apontaram empate, registrando-se apenas um erro na indicação do vencedor.
Em pesquisas desse tipo, apontar a tendência correta é fundamental.
(*) Psicólogo, atuou por mais de 40 anos com pesquisas de mercado e opinião e foi presidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Pesquisas de Mercado e vice-presidente executivo da mesma instituição. Em 1974, começou sua militância no então PCB, que evoluiu para PPS e, posteriormente, Cidadania.
Carlos Pereira, Amanda Medeiros e Frederico Bertholini: Traídos pelo ódio
Pesquisa mostra que eleitores podem apoiar uma medida contrária a suas preferências desde que ela gere benefícios políticos ao governo
Você admitiria apoiar uma política contrária às suas preferências apenas porque ela gera benefícios eleitorais para o governo que você apoia? Por outro lado, você abriria mão da política em que acredita se ela viesse a gerar benefícios eleitorais para o governo a que você se opõe?
Ideologicamente, é esperado que eleitores que se auto classificam de esquerda defendam políticas que diminuam a desigualdade e aumentem a inclusão social, tais como Bolsa Família ou auxílio emergencial. Por outro lado, eleitores que se consideram de direita tendem a preferir políticas que enfatizam competição e meritocracia e, portanto, tenderiam a se opor a políticas de proteção e inclusão social.
No presente artigo, baseado na terceira rodada da pesquisa de opinião que investiga os impactos políticos da pandemia desenvolvida em parceria com a FGV e o Estadão (realizada entre os dias 21/10 e 10/11, aplicada com 4569 brasileiros), mostramos que algumas das políticas implementadas pelo governo Bolsonaro com o objetivo de mitigar as consequências negativas da pandemia da covid-19 geraram efeitos paradoxais entre os eleitores brasileiros.
Ganhos eleitorais
Com a previsão do pagamento da última parcela do auxílio emergencial programado para dezembro de 2020, o governo federal conjecturou a criação de um novo programa de transferência de renda que funcionaria como uma espécie de substituto ao auxílio emergencial. Este novo programa, nomeado de Renda Cidadã, unificaria outros programas sociais como o Bolsa Família.
Os institutos de pesquisa identificaram que o auxílio emergencial gerou um potencial novo “mercado eleitoral” até então inexplorado por Bolsonaro, que começou a ser surpreendentemente bem avaliado por eleitores de baixa renda, reduzida escolaridade e residente do norte e nordeste do Brasil.
Diante desta performance inesperada, conduzimos um experimento com o objetivo de investigar se a aprovação do Renda Cidadã seria afetada pelos potenciais ganhos eleitorais do presidente com este programa.
Para isso, distribuímos aleatoriamente entre os respondentes dois textos distintos sobre o Renda Cidadã. O primeiro, de caráter mais neutro, mencionava critérios técnicos para a criação do programa e continha uma foto genérica de pessoas enfileiradas para saques do auxílio emergencial na Caixa Econômica Federal. Os que receberam essa informação genérica faziam parte do grupo controle do experimento.
A segunda mensagem enfatizava os possíveis ganhos eleitorais de Bolsonaro com o Renda Cidadã. Continha uma foto do presidente em evento público no Nordeste, montado a cavalo e vestindo chapéu de couro, reproduzindo uma frase de autoria do próprio Bolsonaro dizendo que o Renda Cidadã iria “varrer o PT do Nordeste”. Os respondentes que receberam esse texto fizeram parte do grupo tratamento.
Dividimos a nossa amostra em dois grupos: 1) apoiadores de Bolsonaro (aqueles que o avaliam o governo como bom ou ótimo). Esse grupo é formado basicamente por eleitores que se autodesignam de direita ou centro-direita; 2) opositores de Bolsonaro (aqueles que o avaliam o governo como ruim ou péssimo). Esse segundo grupo é predominantemente formado por eleitores de esquerda e centro-esquerda, mas também por eleitores de outras matizes ideológicas que se frustraram com Bolsonaro.
Como pode ser observado na Figura 1, os apoiadores do presidente, que ideologicamente seriam contrários a políticas de transferência de renda, mostram suporte ao programa Renda Cidadã. Entretanto, reagem de forma muito mais positiva quando submetidos ao tratamento. Em outras palavras, passam a avaliar melhor o programa ao perceberem que tal política gera potenciais ganhos eleitorais para o seu líder.
Por outro lado, respondentes que reprovam o desempenho do governo Bolsonaro, sejam eles de direita ou de esquerda, se opuseram ao Renda Cidadã quando recebem o tratamento; ou seja, quando recebem o texto com menção à frase do Presidente e percebem os riscos de Bolsonaro se beneficiar eleitoralmente do programa. Vale salientar que o efeito negativo dos potenciais ganhos eleitorais do presidente na avaliação negativa da política de transferência de renda é mais forte entre aqueles eleitores de esquerda, que a principio seriam favoráveis a políticas de proteção social.
Medo da Morte
Um dos aspectos mais relevantes que as rodadas anteriores da pesquisa capturou foi a importância da proximidade de pessoas contaminadas pela covid-19 com graus variados de gravidade (ninguém, leve, grave e morte). Verificamos que quanto maior a proximidade da morte, maior o apoio ao isolamento social e maior a rejeição a Bolsonaro.
O experimento que realizamos nessa terceira rodada nos permitiu analisar até que ponto o “medo da morte” interfere na avaliação do programa de transferência Renda Cidadã. Como pode ser verificado na Figura 2, os respondentes mais próximos de pessoas que desenvolveram covid-19 com gravidade e que vieram a falecer reagiram mais negativamente ao programa de transferência de renda quando receberam o tratamento informacional polarizado que sugere que Bolsonaro pode auferir benefícios eleitorais com o programa. Ou seja, quanto maior o medo da morte, maior a rejeição ao que pode fortalecer Bolsonaro.
Reeleição em 2022
O experimento que realizamos na segunda rodada nos permitiu diferenciar dois grupos de eleitores (identitários e pragmáticos) que votaram em Bolsonaro em 2018. Foi possível identificar que os eleitores com vínculos identitários com Bolsonaro invariavelmente pretendem votar no presidente em 2022. Entretanto, a grande maioria dos pragmáticos se frustrou com Bolsonaro e só considera votar outra uma vez nele se for para evitar a vitória do PT ou de outro candidato de esquerda.
Como era de se esperar, a Figura 3 mostra que os eleitores identitários pró-Bolsonaro passaram a apoiar ainda mais políticas de transferência de renda quando perceberam que o presidente poderia se beneficiar eleitoralmente desta política. Por outro lado, os eleitores que não votariam em Bolsonaro em nenhuma circunstância em 2022 (anti-Bolsonaro) reduziram significativamente o seu apoio a políticas de transferência de renda quando receberam o tratamento.
Resultado mais surpreendente fica por parte dos eleitores anti-esquerda, predominantemente formados por eleitores pragmáticos de Bolsonaro, que foram indiferentes aos potenciais ganhos eleitorais do Presidente proporcionados pelo programa Renda Cidadã. Ou seja, enquanto os grupos polares (anti e pro-Bolsonaro) traem suas respectivas preferências ideológicas em troca da maximização de seus vínculos identitários/afetivos, os eleitores pragmáticos anti-esquerda se mantiveram consistentes as suas preferências não tendo sido substancialmente afetados pela manipulação experimental. Isso acontece porque esse grupo anti-esquerda é formado de pessoas que reprovam e aprovam Bolsonaro, e, portanto, os efeitos opostos se cancelam.
Conclusão
Estudos de psicologia social sugerem que a polarização política se expressa a partir de conexões afetivas e identitárias. O valor de pertencer a um grupo aumenta à medida que os conflitos intergrupais se tornam mais salientes, podendo levar membros do grupo a traírem suas próprias preferências políticas diante da possibilidade de fortalecimento eleitoral do seu grupo e de fragilização do grupo rival. Anti e pró-Boldonaro cada vez mais não gostam uns dos outros e chegam mesmo a se odiar. Mas esse efeito só é observado para os membros dos grupos polares. Quem, entretanto, não nutre vínculos identitários com os polos, está mais livre para seguir com suas escolhas de forma consistente com suas preferências políticas.
* Carlos Pereira, Professor Titular, FGV EBAPE, Rio de Janeiro;
Amanda Medeiros, Professora, FGV EBAPE, Rio de Janeiro;
Frederico Bertholini, Professor Adjunto, Dep. Ciência Política UNB
Bruno Carazza: São muitos os Brasis
Entender resultado das urnas exige mergulho nos dados
Nas últimas semanas vocês foram inundados com números sobre as eleições municipais. Fechadas as urnas, no calor da apuração, produzimos uma profusão de análises apontando vencedores e derrotados. A partir do sobe-e-desce das prefeituras obtidas por cada partido, generalizamos os resultados e projetamos seus impactos para a eleição presidencial de 2022. E em geral a história termina aí.
Mas o Brasil é muito grande e diverso. Entender o que houve em 2020 e tentar extrair lições para o futuro exige um mergulho nos dados que a maioria de nós não faz - e mesmo os que desejam fazê-lo, esbarram na baixa qualidade dos dados.
O TSE até merece elogios por divulgar os dados das votações na unidade mais desagregada possível (a seção eleitoral). O problema é que as planilhas são extremamente pesadas e de difícil manuseio, além de os dados do perfil dos eleitores não serem atualizados periodicamente - o que os torna inúteis com o passar do tempo, pois as pessoas envelhecem, mudam de cidade, continuam estudando e até escolhem trocar de gênero.
Porém, como muitas cidades brasileiras realizaram o recadastramento biométrico de sua população recentemente, abriu-se uma breve janela de oportunidade para se analisar o comportamento do eleitor no microcosmo de cada seção eleitoral Brasil afora com dados pouco defasados. E quando nos aprofundamos nessa pesquisa, a realidade se mostra muito mais complexa do que os grandes números fazem parecer, como pode ser visto nos gráficos a seguir.
Muito se falou sobre o efeito da pandemia sobre a disposição do eleitor em votar. Analisando o comparecimento às urnas em Belém e Vitória no primeiro turno, podemos constatar que o medo de contrair covid-19 pode ter sido a razão para a alta abstenção na capital do Pará - pois lá houve maior abstenção nas seções com maior presença de idosos -, mas não em Vitória, onde praticamente não se observou essa correlação.
Do ponto de vista da disputa eleitoral, as duas capitais tinham um cenário bastante parecido: em ambas ex-prefeitos de esquerda (Edmilson Rodrigues, em Belém, e João Coser, em Vitória) enfrentaram numa disputa apertada com candidatos apoiados por Jair Bolsonaro - Delegado Federal Eguchi e Delegado Pazolini, respectivamente.
Quando comparamos o desempenho dos candidatos bolsonaristas em cada seção eleitoral no primeiro turno com o nível educacional dos seus eleitores (uma boa proxy para nível de renda), também chegamos a resultados díspares: na capital paraense o preferido do presidente foi menos votado nas seções eleitorais com maior percentual de analfabetos e pessoas com instrução até o ensino fundamental, enquanto entre os capixabas ocorreu justamente o contrário.
Os dados de Belém e de Vitória indicam ser precipitado generalizar se houve um deslocamento da base eleitoral de Bolsonaro dos mais ricos para os mais pobres em função do auxílio-emergencial.
Entender o Brasil não é fácil - e dá trabalho.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
Maria Hermínia Tavares: Bolsonaro não acabou
Seria um equívoco ler seu destino nas cartas distribuídas nas eleições municipais
As eleições municipais confirmaram o que se viu em 2018: o Brasil dobrou à direita –muito embora os partidos que se beneficiaram dessa virada sejam muitos e diferentes em tamanho e relações com o governo.
De seu lado, mesmo derrotadas, as esquerdas se revelaram competidoras aguerridas em capitais e cidades maiores. Ganhando ou perdendo, mobilizaram os jovens e estão levando pautas progressistas às Câmaras Municipais.
Com razão, comentaristas tem destacado que vitoriosos foram os partidos de oposição a Bolsonaro situados no centro-direita e na direita. PSDB, MDB e DEM governarão o maior número de brasileiros, mesmo tendo perdido Prefeituras. Também é verdade que os candidatos abertamente apoiados pelo presidente foram derrotados; a maioria, já no primeiro turno.
Não está claro, porém, o que isso diz da força política do chefe do governo. E seria um equívoco ler seu destino nas cartas distribuídas nas eleições municipais. Primeiro, porque, salvo o PTB, todas as siglas ajuntadas no centrão, que o sustentam no Congresso, cresceram de forma muito significativa.
Depois, porque, amargando embora a derrota de seus candidatos, o presidente sem partido tem ainda o apoio de 37% dos brasileiros, segundo a pesquisa XP-IPESP, feita após o primeiro turno. Uma porcentagem muito próxima à do primeiro mês de seu mandato (40%), em franca recuperação do seu pior momento, em maio deste ano (25%).
Especialistas no estudo da opinião pública costumam estimar que algo em torno de 15% do eleitorado forma o núcleo duro dos adeptos de Bolsonaro. De fato, a pesquisa “Impactos Políticos da Pandemia”, coordenada pelo cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, encontrou, em duas rodadas, respectivamente 15,2% e 18,5% dos entrevistados que se dizem dispostos a votar de novo nele em 2022.
No poder, o ex-capitão deu cara e alcance nacional à minoria extrema que já existia no país, mas não tinha um líder com o qual pudesse identificar-se na grosseria da fala, no primarismo da visão de mundo e no medievalismo em matéria de valores e condutas. Essa extrema direita não se esfumará.
Antes, continuará a mostrar presença no dia a dia e na arena eleitoral. Sua relação com os outros tons da direita dependerá de muitas coisas: por exemplo, do que o governo fará ou deixará de fazer diante do repique da pandemia, com as vacinas, com a economia. Mas também das estratégias das direitas —das mais próximas ao governo às mais centristas— e, em menor medida, do que façam as esquerdas daqui até 2022. Bolsonaro não acabou e dificilmente acabará tão cedo.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.