eleições 2018
Cristovam Buarque: A verdade do momento
Dirigentes petistas perderam o sentimento da realidade, a noção da verdade
O jornalista Fernando Gabeira publicou neste jornal, no dia 25, artigo sob o título “O momento da verdade”, onde mostra que, ao não aceitar a condenação de Lula pela Justiça, o PT demonstra seu divórcio entre a imaginação política dos militantes e a verdade do sentimento da nação. Não houve, como esses dirigentes esperavam, um levante popular contra a Justiça. Porque não há uma causa em jogo. Trata-se apenas de manter ou não o Lula na disputa presidencial, sem um rumo diferente para o Brasil.
O que há de mais grave é que o PT não entendeu a gravidade do momento: não reconhece seus erros, não percebe que o mundo real aposentou a falsa verdade entranhada nas mentes dos seus militantes. Depois de quase duas décadas, as falsas narrativas — da “ascensão da classe média pela Bolsa Família”, do “salto científico pelo Ciência Sem Fronteiras”, da “revolução educacional pelas vagas na universidade” — transformaram-se em realidades alternativas, que não apenas criaram narrativas, mas se acreditam nelas.
A tragédia brasileira é não poder contar com o imenso potencial do PT e do Lula, porque eles perderam o sentimento da realidade, a noção da verdade, a credibilidade das propostas e o patrocínio de um novo rumo para o Brasil. E isso se deve por terem abandonado propostas de economia eficiente, sociedade justa, civilização sustentável, política ética. Perderam o vigor transformador que apresentavam, passando a acreditar na imagem de verdade que criaram para justificar o poder pelo poder, inclusive de que o Temer seria ótimo presidente se a Dilma tivesse algum problema que a impedisse de continuar seu mandato.
O povo não foi à rua para atacar a Justiça porque não vê uma causa por trás do PT ou de Lula. Em 1964, foi preciso usar tanques e soldados para impedir o povo de ir à rua pela legalidade e pelas reformas em marcha lideradas por Goulart. Hoje, o impeachment foi feito dentro da legalidade, o substituto foi escolhido pelo PT; o partido ficou 13 anos no poder, sem deixar qualquer reforma em marcha, apesar da expansão de programas assistenciais ameaçados pela inflação e recessão.
O povo não foi para a rua na semana passada porque não viu causa transformadora para defender e pela qual lutar; além de perceber no PT um partido condenado eticamente sob fortes evidências de corrupção na Petrobras, fundos de pensão etc., com indícios de benefícios injustificados, remunerações superfaturadas, compra de apartamento na praia e sítio de lazer.
A incapacidade para ver a realidade está impedindo o Brasil de beneficiarse do que ainda sobrevive no PT, inclusive aqueles que não se corromperam pelo poder ou por dinheiro com falsas narrativas. O Brasil ganharia muito se eles fizessem uma autocrítica e pedissem desculpas ao país pelos erros cometidos. Seria a verdade do momento para ajudar o Brasil a enfrentar o arriscado futuro próximo, que está ameaçado pelos desastres que cometeram.
Miguel Reale Júnior: Homem incomum
Ele se julga acima da lei. As comparações com Tiradentes, Mandela e Jesus ajudam a entender
Em 10 de agosto de 2016, editorial deste jornal intitulado O que resta a Lula já denunciava a estratégia por ele adotada de transformar “a vitimização em sua principal – se não única – linha de defesa”. Anotava-se que o ex-presidente não se importava em achincalhar a imagem da Justiça brasileira no exterior, pois seu interesse estava em inventar argumentos que transformassem os agentes da lei, dedicados a investigá-lo, em algozes “a soldo das elites interessadas em alijá-lo da eleição presidencial de 2018”.
Essa desonesta e simplista explicação assomou a grau mais elevado diante da confirmação da condenação por unanimidade no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. Na noite da decisão, na Praça da República, em São Paulo, Lula voltou com a cantilena ao dizer, com absoluta irresponsabilidade, ter havido um pacto entre o Poder Judiciário e a imprensa: “Resolveram que era hora de acabar com o PT e com a nossa governança no País. Eles já não admitiam mais a ascensão social das pessoas mais pobres desse país e dos trabalhadores”.
O PT, por sua vez, em nota acusa “o engajamento político-partidário de setores do sistema judicial, orquestrado pela Rede Globo, com o objetivo de tirar Lula do processo eleitoral”.
O confronto com o Judiciário, acusado de fazer parte de plano das elites para impedir a candidatura de Lula, permitiu que mal informado deputado do Bloco de Esquerda de Portugal, em artigo no jornal O Público, chegasse à desfaçatez de afirmar que o juiz Sergio Moro é “um homem do PSDB”.
A vitimização torna-se mais eficaz quando se cria um inimigo imaginário, que encarna o mal e persegue quem faz o bem apenas por maldade e egoísmo. Assim o PT e Lula decretaram o monopólio da sensibilidade moral de se preocupar e implementar soluções para a imensa desigualdade social existente no Brasil. Inventa-se um mal-estar da elite, incomodada com a melhoria de condições de vida da população pobre, como se a riqueza geral e o desenvolvimento de todos não fossem, até por motivos de lucro – se não por busca de justiça social – um objetivo da denominada “elite”.
Lula e seus acólitos relativizam a moralidade administrativa, transformando, sem nenhuma vergonha, fatos concretos de flagrante desonestidade em mera perseguição, adotando o ataque a monstros imaginários (complô do Judiciário, imprensa e elite incomodada) como expediente de defesa, na falta de argumentos jurídicos.
Mas se há um governante que se aliou às forças mais retrógradas deste país foi Lula. Tornou-se amigo dos donos e diretores das principais empreiteiras e uniu-se a políticos, homens da ditadura, representativos do que há de pior como atraso e amoralidade na nossa política: José Sarney e Paulo Maluf.
Ao Maluf foi beijar a mão em sua casa no Jardim América. De Sarney tornou-se grande amigo. Assim, em 2009, quando Sarney, presidente do Senado, era acusado de autorizar nomeações secretas, Lula disse o absurdo próprio de tratamento entre membros da elite: “Penso que ele tem história no Brasil, suficiente para que não seja tratado como uma pessoa comum. O MP deveria prestar a atenção na biografia do presidente Sarney. Sarney não roubou, não matou. Nem todo desvio administrativo é crime”.
Em 2010, ao ser perguntado, em visita ao Maranhão, se lá estava “para agradecer o apoio da oligarquia Sarney”, Lula, enraivecido, acusou o repórter de ser preconceituoso, aconselhando-o a se tratar: “Quem sabe fazer uma psicanálise para diminuir o preconceito”. Nessa entrevista, mostrou a pior mentalidade da elite atrasada ao arrematar: “Uma pessoa, na medida em que toma posse, ela passa a ser uma instituição e tem de ser respeitada”.
Na eleição de 2010, Lula apoiou Roseana Sarney como candidata ao governo do Maranhão. Agora Sarney afirma em nota: “Lula é um grande líder do Brasil. Sua condenação gera uma grande frustração a expressiva parcela do povo brasileiro. Seu amigo pessoal, sempre testemunhei sua preocupação com a coisa pública. Lamento a decisão”.
Lula considera-se alguém, tal como ajuíza Sarney, a não ser tratado como pessoa comum. Além da vitimização, apenas é possível explicar suas atitudes, após a decisão do TRF-4, como fruto de se achar também incomum, uma instituição da elite intocável pela lei; esta é para pessoas comuns. Tanto assim que bravateou, dizendo dispor-se a ficar com os três juízes um dia inteiro, televisionado ao vivo, para que lhe “mostrem qual o crime que o Lula cometeu”. Réu VIP, a merecer dos julgadores tratamento especial: passar um dia inteiro discutindo o processo com o condenado!
No dia seguinte, ungido candidato à Presidência, Lula pôs-se como juiz dos juízes, acima da lei, ao dizer não haver razão para respeitar a decisão que o condenou. As comparações com Tiradentes, Mandela e até Jesus Cristo ajudam a entender.
Quanto ao processo, Lula e seus sequazes repetem à exaustão não haver provas, acentuando o fato de não constar como dono do apartamento. Provas há, basta prestar atenção aos votos proferidos. O argumento de o imóvel não estar em seu nome é confessar o crime de lavagem de dinheiro, disfarçando a propriedade, cuja titularidade seria depois decidida, ocultando o bem recebido.
Inverte-se, com má-fé, o raciocínio: o Lula deixa de ser candidato porque foi condenado diante de fatos concretos de corrupção e lavagem de dinheiro, e não condenado para não ser candidato. Mas ser eleito presidente não deixa de ser um modo de tentar escapar dessa e de outras possíveis condenações.
Lula fala tanto de medidas em favor dos pobres, mas a herança deixada por Dilma e pelo PT foi uma imensa recessão, com PIB negativo na ordem de 3,7% e mais de 12 milhões de desempregados, além da inflação de dois dígitos. Nada foi pior para os pobres do que a errática política econômica e o populismo fiscal eleitoral do PT. Mas, isso Lula tenta esconder.
* Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras. Foi Ministro da Justiça
Roberto Freire: O futuro é agora
Em um ano decisivo que definirá os rumos do Brasil após a transição iniciada com o impeachment, é inegável que o país passa por um momento crucial. Depois de superarmos a mais aguda recessão econômica de nossa história republicana, um desastroso legado deixado pelo lulopetismo, e ainda enfrentando os desdobramentos de uma profunda crise moral e do descrédito generalizado da população em relação à política, é importante que todos aqueles que têm compromisso e responsabilidade com o país estejam dispostos a dialogar e estabelecer pontes com a sociedade civil, representada por uma série de movimentos cívicos cada vez mais atuantes.
Em um mundo marcado por um inevitável e revolucionário processo de transformação, não é das tarefas mais simples para as forças políticas e agremiações partidárias se adaptarem a essa nova realidade. Instituições datadas do período da Revolução Industrial, ainda no século XIX, os partidos políticos hoje têm enorme dificuldade de se estabelecer nas sociedades plenamente interconectadas em rede. A degradação moral e a corrupção desenfreada que caracterizaram os 13 anos de governos do PT, com Lula e Dilma, só agravaram esse quadro. Há uma total desconexão e um claro descompasso entre representantes e representados e, também por isso, é fundamental que os agentes políticos façam uma autocrítica e se abram, verdadeiramente, aos movimentos que, oriundos da sociedade civil, pretendem participar de uma renovação do processo político.
Nesse sentido, o PPS, que historicamente sempre defendeu uma nova formação política, tem consciência de que os partidos já não conseguem vocalizar as demandas sociais com a agilidade necessária. Nos últimos meses, abrimos um amplo, generoso e produtivo diálogo com movimentos de vários matizes – diferentes entre si, mas dispostos a ingressar na política e viabilizar uma nova forma de representação. Não sabemos qual será o destino dos partidos no curto ou médio prazo, mas é muito provável – quase uma certeza – que eles não mais existirão, da forma como se colocam hoje, em um futuro que se anuncia mais próximo do que imaginávamos. A ideia do partido-movimento é uma tese cada vez mais presente e já um dado da realidade em sociedades mais abertas e avançadas. É algo que pode começar a ser construído também no Brasil.
Neste início de ano, o PPS realizou encontros com algumas dessas organizações e movimentos cívicos, entre os quais Agora!, Livres, Acredito, Renova Brasil, Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), Frente pela Renovação, Vem pra Rua e Roda Democrática, justamente com o objetivo de estreitar laços e promover ações conjuntas. Tenho participado ativamente dessas conversas, ao lado de outras lideranças do nosso partido, como os deputados federais Arnaldo Jardim (SP) e Rubens Bueno (PR), o deputado estadual Davi Zaia (SP), o presidente do Diretório Municipal do PPS de São Paulo, Carlos Fernandes; o diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), Luiz Carlos Azedo; o secretário-geral do PPS, Wober Júnior; o secretário-nacional de comunicação do PPS, Adão Cândido; o secretário de comunicação do PPS de São Paulo e editor do Blog do PPS-SP, Maurício Huertas, entre outros. Tem sido uma troca interessante que nos permite aprender com os movimentos e, de certa forma, transmitir aos mais jovens um pouco de nossa longa vivência na vida pública.
As conversas com esses grupos estão adiantadas, em especial com o Agora!, e o PPS já manifestou sua intenção de receber vários desses jovens como filiados para, eventualmente, se candidatarem nas próximas eleições. Saliente-se, aliás, que um dos integrantes e principais líderes do Agora! é Luciano Huck, que tem se mostrado disposto a contribuir ainda mais intensamente com as discussões sobre os problemas e desafios do Brasil. Caso a entrada dos movimentos se confirme, é importante ressaltar que todos eles terão autonomia e, inclusive, ajudarão na tomada de decisões do partido, trazendo contribuições, participando dos debates sobre questões políticas e atuando de forma concreta e eficaz.
A revolução social e de comportamento que o mundo experimenta é uma realidade contra a qual não se pode lutar. Tal processo envolve não apenas o avanço das novas tecnologias ou das ferramentas de comunicação, mas constitui, fundamentalmente, uma transformação radical na forma como nos relacionamos uns com os outros. Este novo mundo nos afeta a todos, em todos os segmentos de atividade, proporcionando o surgimento de novas instituições e organizações que substituirão as velhas estruturas. Diante desse cenário, é fundamental que tenhamos uma visão conectada com o futuro e abdiquemos de vícios e valores ultrapassados de um mundo que ficou para trás e não mais voltará.
Por tudo isso, o PPS entende a necessidade e a urgência de interpretarmos todo esse processo de transformação e estabelecermos um canal direto de comunicação com os novos atores políticos e sociais – por meio das redes e rodas democráticas e dos mais diversos movimentos da cidadania. Só assim tornaremos possível a renovação política tão esperada pela sociedade brasileira. Estamos abertos ao novo. Temos, afinal, um encontro marcado com o futuro. E o futuro é agora.
Merval Pereira: Eleitor desamparado
Um dos dados mais relevantes da pesquisa Datafolha é o número quase recorde de eleitores que rejeitam os partidos políticos. Nada menos que 64% dizem que não têm partido. O eleitor está desamparado, define o diretor do Datafolha, Mauro Paulino. No restante, o PT continua sendo o partido de mais apoiadores, o que acontece historicamente desde 1999, quando superou o PMDB. Na pesquisa atual, o PT tem 18% de preferência do eleitor, e os demais partidos patinam em torno de 1%. O PMDBt em 5% e o PSD B ,3%.
A vantagem comparativa do PT é grande, mas o fato é que todos os partidos estão mal com o eleitor. O que costuma derrubar o PT são períodos de denúncias de corrupção, mais do que radicalização do discurso. Em agosto de 2016, com o fim do processo de impeachment da então presidente Dilma, o índice do PT caiu para 9% de preferências, e o total de eleitores sem partidos atingiu o recorde de 75%.
O dado mais importante é o vácuo político, a maioria absoluta não se sente representada pela oferta de partidos e candidatos. Segundo o Datafolha, esse sentimento se acentuou a partir de junho de 2013.
Embora o maior problema do PT sejam as acusações de corrupção, o que indica que esse prestígio partidário pode ser reduzido à medida que o eleitorado tomar conhecimento da condenação em segunda instância de Lula — segundo o mesmo Datafolha, 24% dos eleitores nem ouviram falar do julgamento de Lula no TRF-4 e outros 9% ouviram falar, mas disseram estar mal informados —, a radicalização partidária diante da condenação de Lula e seu impedimento de concorrer devido à Lei da Ficha Limpa podem jogar o partido num gueto político do qual será difícil sair.
Ontem, na abertura do ano judiciário, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, disse que é “inadmissível e inaceitável” que se ataque a Justiça. A procuradora-geral da República também salientou que ainda há muito a fazer para corrigir os rumos do país.
A mesma pesquisa do Datafolha revela que 53% dos eleitores querem Lula na cadeia, e 37% dos entrevistados consideram que ele recebeu um tratamento igual ao de todos os outros criminosos, enquanto outros 22% perceberam que ele recebeu um tratamento melhor.
Os acintosos discursos de dirigentes partidários e aliados de diversos níveis — falando em sangue nas ruas, morte de pessoas e desobediência civil — caíram no vazio, mas deixaram no ar a desconfiança de que uma parte do PT trabalha fora das regras democráticas.
Outras reações chegam ao ridículo, como a proposta de organizar um milhão de habeas corpus pelo país pedindo a liberdade de Lula, numa ação coordenada pelos diretórios regionais do PT, outra tentativa de desmoralizar a Justiça.
Houve também a proposta de que Lula fizesse greve de fome quando preso, em protesto. Os que tiveram essa ideia não sabem que essa questão sempre foi problemática para Lula. Quando foi preso em 1980 durante a ditadura militar, devido à greve dos metalúrgicos, os sindicalistas resolveram fazer uma greve de fome.
O líder Zé Maria, um dos fundadores do PT e hoje candidato permanente à Presidência da República pelo PSTU, conta, em relato publicado no blog do sociólogo Ricarte Almeida Santos nunca desmentido, que houve “uma grande decepção” quando descobriram que “Lula estava furando a greve de fome, recebendo barras de chocolate e comendo às escondidas”.
Ainda presidente, Lula fez uma visita oficial a Cuba em meio a uma greve de fome de um preso político conhecido por Zapata. Lula deu declarações dizendo que “(...) temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos. A greve de fome não pode ser um pretexto de direitos humanos para liberar as pessoas. Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade”.
Zapata morreu com Lula ainda em solo cubano, e a comparação de presos políticos com presos comuns levou a críticas severas contra ele.
Eliane Cantanhêde: Péssimos exemplos
O Judiciário, que combate a corrupção alheia, não pode brigar por privilégio ilegítimo
A abertura do Ano Judiciário de 2018, ontem, no Supremo, virou um ato de desagravo à Justiça, que está na berlinda com a Lava Jato e é atacada sem cerimônia pelo PT e pelo próprio ex-presidente Lula desde que ele foi condenado pelo juiz Sérgio Moro e depois pelo TRF-4 .
Em discurso, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, declarou que é “inadmissível e inaceitável desacatar a Justiça”. Em seguida, a procuradora-geral Raquel Dodge lembrou singelamente o óbvio, que as decisões judiciais “devem ser cumpridas”. E o presidente da OAB, Claudio Lamachia, condenou tentativa de “constranger e influenciar” a Justiça.
Tudo isso no dia seguinte a um encontro de entidades de juízes, magistrados e procuradores que criticaram duramente os ataques à Justiça, em referência às vezes indireta, às vezes mesmo direta, à declaração de Lula de que não respeitaria a decisão do TRF-4, à nota do PT classificando essa decisão de “farsa judicial” e às barbaridades que senadores como Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias andam falando.
Houve também uma defesa em cadeia ao entendimento do Supremo de que condenados em segunda instância, caso de Lula, já podem ser presos. Cármen Lúcia abriu a fila, ao anunciar publicamente que não poria em pauta a revisão dessa questão. Na quarta, as entidades do Judiciário foram na mesma linha. Na quinta, Dodge ratificou. Fecha-se o cerco.
A defesa às decisões do Judiciário, uma constante de Cármen Lúcia, está sendo neste momento um recado duro para o PT e para Lula, mas não custa lembrar que não são só eles, muito pelo contrário, os alvos da Lava Jato. Os demais partidos talvez sejam mais discretos, ou tenham mais prurido, ou ajam mais institucionalmente nas críticas, mas eles também não morrem de amores por essa “nova” Justiça que parte para cima, incisivamente, decisivamente, dos poderosos de colarinho branco e dos crimes de corrupção.
Mas... os mesmos juízes, desembargadores e procuradores, que têm não apenas o direito, mas também o dever de defender o Judiciário, não estão sabendo lidar com uma outra face da moeda. Eles têm de reagir à altura aos ataques às decisões de juízes e tribunais, mas não devem permitir que o corporativismo comprometa os méritos, avanços e louros do Judiciário.
Na mesma reunião em que falaram grosso contra os ataques do PT, as entidades de juízes e procuradores bateram o martelo a favor de um manifesto exigindo a manutenção dos privilégios de suas categorias. Colocaram-se contra a reforma da Previdência para, por exemplo, manter os salários e os índices de reajuste salarial mesmo depois de aposentados.
Pior: insistem no auxílio-moradia indiscriminado, mesmo para quem sempre morou no mesmo lugar e mesmo para juízes como Marcelo Bretas, do Rio, que são casados com juízas e acumulam dois auxílios-moradia para morar numa só casa. Não é nada, não é nada, são R$ 8.400 mensais cobrados do meu, do seu, do nosso e daquele rico dinheirinho da parte da população que mais sofre com crises e déficits.
Daí porque Cármen Lúcia foi dura ao reagir aos ataques do PT e de Lula, mas também mandou um recado claríssimo ao corporativismo do Judiciário no seu discurso de ontem: “A nós, servidores públicos, o acatamento irrestrito à lei impõe-se como dever acima de qualquer outro. Constitui mau exemplo para o cidadão. E o mau exemplo contamina e compromete”.
A Justiça que combate a corrupção alheia deve ter vergonha de dar “mau exemplo”. Estourar o teto constitucional (R$ 33.700) para ganhar o dobro, ou mais, à custa de auxílios-moradia ilegítimos e coisas assim é um péssimo exemplo. Ainda mais numa hora dessas.
El País: Os dilemas da estratégia do PT, que aposta em Lula como candidato ou cabo eleitoral
Pesquisa Datafolha mostra que ausência de ex-presidente aumenta brancos, nulos e indecisos
Por Talita Bedinelli, do El País
O cenário eleitoral de 2018 vai se tornando mais complexo e pulverizado e o eleitor reage a ele com alguma confusão e distanciamento. É o que emerge da pesquisa Datafolha divulgada nesta quarta-feira. Com a possível saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da disputa de outubro, por conta da condenação por corrupção em segundo grau na semana passada, aumentou o número de pessoas que não pretendem votar - a cifra de não votantesalcançou um número recorde na série histórica do instituto. Sua ausência também não transfere, pelo menos por enquanto, voto para o ex-governador da Bahia, Jaques Wagner, um dos petistas cotados para assumir a vaga do PT e a única alternativa do partido considerada no levantamento.
A pesquisa Datafolha foi realizada no fim do mês passado e é, portanto, a primeira a ser divulgada após a condenação no Tribunal Regional Federal 4 (TRF4) do ex-presidente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Caso os recursos de Lula neste tribunal sejam rejeitados, ele pode se tornar inelegível pela Lei da Ficha Limpa e acabar preso antes da eleição. Apesar disso, ele é tratado oficialmente pelo Partido dos Trabalhadores como o único candidato da legenda, em uma estratégia arriscada para a sigla, que pode ficar sem um nome viável para a disputa em outubr
O partido, neste momento, parece confiar na grande possibilidade de transferência de votos de Lula. A pesquisa divulgada hoje demonstra que 27% dos entrevistados votariam com certeza em um candidato apoiado por ele (ainda que 53% dos entrevistados rejeitem essa opção). Em um apoiado por Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, apenas 11% apresentaram a mesma certeza. No Nordeste, o capital político de Lula é ainda mais transferível: 46% certamente votariam em alguém apoiado por ele; esta taxa também aumenta entre os que cursaram até o fundamental (40%) e entre os que ganham até dois salários mínimos (36%). Mas a transferência de voto teve uma ligeira queda em relação à pesquisa de novembro, tanto no dado global (29%), como entre os eleitores do Nordeste (49%), os que fizeram até o fundamental (45%) e os que ganham até dois salários mínimos (39%), o que pode significar um sinal de alerta para a sigla. "Uma fatia de 27% votaria com certeza em alguém apoiado pelo petista, percentual suficiente, neste momento, para levar uma candidatura ao segundo turno da eleição presidencial, já que supera o obtido por outros candidatos nos cenários testados em que o nome do petista é excluído da lista de candidatos. Há ainda 17% talvez votassem em um candidato que tivesse o apoio de Lula", escreveu o Datafolha.
Múltiplos cenários e Huck
A pesquisa ofereceu aos entrevistados nove cenários possíveis para a disputa eleitoral, com variações de candidatos concorrentes, o que já demonstra a confusão de opções cerca de seis meses antes do início da propaganda eleitoral, que só começa em 16 de agosto e é tradicionalmente um fator decisivo na disputa. No cenário que, neste momento, se parece mais próximo do real —com candidatos mais certos como Jair Bolsonaro, Marina Silva, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes, Manuela D'Ávilla, Fernando Collor de Mello e Álvaro Dias; e outros ainda sob especulação, como Luciano Huck, Henrique Meirelles e Guilherme Boulos— os que declaram que pretendem votar em branco, anular ou estão indecisos aumenta dez pontos percentuais sem Lula.
Com esse time de candidatos e Lula, 14% dos entrevistados devem anular, votar em branco ou não escolher ninguém. Com o mesmo time e Wagner no lugar do ex-presidente, o número sobre para 24%, ultrapassando, inclusive, as intenções de voto em Bolsonaro, que ganha a liderança na ausência do ex-presidente e arremataria 18% dos eleitores. Wagner teria 2% dos votos, desempenho tão fraco como o de outros candidatos da esquerda que poderiam se tornar alternativa a Lula: Manuela teria 2% sem Lula e 1% com; Boulos seguiria com 0% nos dois casos. Marina Silva é a que mais ampliaria sua margem de eleitores com a saída do petista: iria de 8% para 13%. E Ciro subiria de 6% para 10%. Em um cenários sem Lula, Marina e Huck, o número dos que votam em branco, nulo e em nenhuma das opções chega a 32%, o maior dentre todos os pesquisados.
O aumento de brancos e nulos na ausência de Lula e a falta de transferência de votos do ex-presidente para Wagner pode ser o resultado de uma conduta de protesto: parte dos eleitores do PT avalia que o impedimento do ex-presidente de disputar as eleições invalidaria o processo eleitoral. E, por isso, prefere se abster. É um posicionamento estimulado, ainda que indiretamente, pelo próprio partido, que adotou como lema o "eleições sem Lula é fraude" e se recusa a apresentar um nome como plano B, argumentando que isso seria fazer a vontade dos que querem que o ex-presidente não dispute o pleito.
Diante da insistência em manter Lula como candidato, nomes que poderiam substituí-lo em outubro não estão sendo trabalhados. É o caso do próprio Wagner, que já tem pouca projeção nacional e é mais conhecido no Nordeste —nesta região, o número dos que pretendem votar nele, numa disputa sem Lula, varia de 4% a 6%, a depender dos concorrentes; no país em geral ele tem 2% e, no Sudeste, entre 0% e 1%. E também de Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e outra das possíveis alternativas petistas: ele tem pouca projeção nacional, apesar de sua importância como coordenador do programa de campanha do PT para as próximas eleições presidenciais. O nome de Haddad não apareceu como opção a Lula neste novo Datafolha (é possível que ele seja, no momento, mais cotado para a disputa ao Governo de São Paulo), mas no levantamento anterior, feito no final de novembro, ele aparecia com 3% das intenções de voto, número que se elevava para até 5% no Sudeste, a depender do cenário de candidatos na disputa, mas que caía para até 1% no Sul e para 2% no Nordeste.
A falta de projeção nacional dos dois nomes poderia ser uma vantagem, já que ela garante uma baixa rejeição. Enquanto os entrevistados que afirmam não votar de forma alguma em Lula chegam a 40% e em Jair Bolsonaro a 29%, apenas 15% rejeitam Jaques Wagner. E os que rejeitavam Haddad em novembro eram 22%. Candidatos com menos rejeição podem ter mais chances de crescer se fizerem uma boa campanha, como aconteceu com o atual prefeito de São Paulo, João Doria, há dois anos. O problema é que, em um cenário em que a campanha deve ser dominada por Lula até onde a Justiça permitir, sobram poucos espaços de propaganda para qualquer um dos nomes petistas.
Cristian Klein: Três juízes, 40 milhões de votos e R$ 50 milhões
Judiciário vira ator central da 'vontade manufaturada'
O momento da política brasileira é confuso, a pesquisa do Datafolha divulgada nesta quarta-feira aponta para mais incertezas na corrida presidencial e não custa recorrer aos clássicos para entender o que se passa. Foi Joseph Schumpeter, o economista austríaco, em sua análise influente e ácida sobre a democracia, o autor do conceito de "vontade manufaturada".
Eleições não refletem o resultado da vontade geral e espontânea de um povo, de uma sociedade, em abstrato. Seus resultados são fabricados. Há uma longa "cadeia produtiva" na qual uma malha de atores planejam, articulam, moldam a disputa, muito antes de chegar a vez de o cidadão comum opinar. O eleitor escolhe quando o cardápio está pronto. É mais um consumidor do que a emanação de vontade própria.
Eleição deriva da palavra elite e é um processo de escolha que tem características aristocráticas. A rigor, o sorteio, praticado na Grécia antiga, seria o método democrático por excelência, como lembrou o cientista político francês Bernard Manin. (Talvez não fosse má ideia diante da encalacrada em que se transformou o caminho para a seleção do próximo presidente da República). Tais formulações rebaixam as expectativas a respeito de um sistema dito democrático.
Desde a publicação de "Capitalismo, Socialismo e Democracia", em 1942, as pesquisas eleitorais ganharam em sofisticação e relevância e incorporaram cada vez mais a vontade prévia do eleitor. Levantamentos quantitativos e qualitativos podem derrubar uma candidatura. Antecipam o que o consumidor quer ou não como produto no mercado eleitoral. Mas a ideia de que o cidadão comum está na maior parte do tempo alheio à construção da oferta eleitoral ainda sobrevive.
Em regra, os atores que influenciam o processo são os políticos e os econômicos. A novidade na conjuntura brasileira para 2018 é a presença monolítica do Judiciário como instituição central para a elaboração da "vontade manufaturada".
Os três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que condenaram Lula são, até o momento, os grandes eleitores da corrida presidencial deste ano. Formaram o que pode ser considerado o primeiro turno, de fato, ao Planalto. Os votos de três magistrados se sobrepõem à preferência de 34% do eleitorado, no cenário mais provável pesquisado pelo Datafolha. Lula teria cerca de 40 milhões de votos se a eleição fosse hoje.
Mas a decisão tem o condão de retirar do páreo o favorito que venceria em todos os cenários, na primeira rodada, e na segunda etapa de votação. Lula vai recorrer, não está morto, mas está inelegível, pela Lei da Ficha Limpa. O primeiro turno de 2018 ocorreu em Porto Alegre, no dia 24 de janeiro.
Sem o petista, o levantamento do Datafolha mostra uma eleição indefinida, em que até a posição do fenômeno Jair Bolsonaro não está assegurada. Por enquanto, se apresenta como forte candidato, se mantiver o patamar de 20%. É o suficiente para chegar ao segundo turno, sobretudo se confirmada a tendência de fragmentação de candidaturas como em 1989. Até o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) - velho frequentador de telejornais, porém peça inexpressiva no tabuleiro presidencial - registrou 6%.
No entanto, sem estrutura partidária, será complicado para Bolsonaro deter o avanço dos adversários. Seja da máquina política do PSDB - ainda que o governador Geraldo Alckmin não tenha decolado -; seja de algum candidato outsider e mais ao centro como o apresentador Luciano Huck - que também está abaixo do que se esperaria de figura tão midiática e popular -; seja pela migração das preferências por Lula para outro candidato do PT ou ligado à esquerda, especialmente Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT), no momento os maiores beneficiários do banimento do petista da disputa.
Jaques Wagner marcou apenas 2% mas tende a crescer na medida em que sua imagem, durante a campanha, for associada à de Lula. O poder de transferência de votos do ex-presidente se reduziu em relação à última pesquisa, mas ainda é propulsor para candidatura de qualquer apadrinhado - sobretudo num cenário de fragmentação: 27% dos eleitores afirmam que o apoio de Lula os faria votar, "com certeza", num candidato indicado pelo petista, e 17% disseram que "talvez" votassem. Se apenas metade do primeiro grupo mantiver a disposição até outubro, o candidato lulista já atingiria 13,5%.
A dificuldade é que o processo de transferência precisaria ser feito o quanto antes e, no PT, a disposição é de bancar Lula até o limite do impossível. Nesse sentido, a prisão do líder petista pode até ser, paradoxalmente, vantajosa eleitoralmente pois tende a definir o rumo do partido na disputa. Decidir no meio do caminho, sem construir a alternativa, aumenta o risco de fim melancólico para as pretensões de um PT a serviço dos destinos de Lula.
Em contraste, o sentimento de injustiça e a necessidade de sobrevivência podem dar ao PT um espírito de coesão que parece faltar à equipe de Bolsonaro neste período de pré-campanha. O deputado federal não carece apenas de recursos de fundo partidário e eleitoral e do tempo de TV, mas de entendimento mínimo entre os auxiliares.
De acordo com uma fonte muito próxima ao pré-candidato, consultada pela coluna, a equipe original de Bolsonaro rachou durante o fracassado processo de migração do PSC para o PEN/Patriota. Não fazem mais parte do núcleo duro da equipe o advogado Bernardo Santoro, o ex-árbitro de futebol Gutemberg de Paula Fonseca e Rodrigo Amorim, que foi vice de Flávio Bolsonaro, filho do deputado, na chapa que disputou a prefeitura do Rio no ano passado. Eram "os três porquinhos" como o interlocutor a eles se refere, ao sugerir que teriam feito supostas negociações escusas à revelia do pré-candidato nos diretórios que passaram a comandar.
O grande receio de Bolsonaro, mesmo depois de ter acertado a filiação ao PSL de Luciano Bivar, ainda é levar uma pernada e ver seu nome rifado pela sigla na reta final. "Já ouvi que nossa candidatura vale R$ 50 milhões e um ministério", diz o interlocutor do parlamentar. É muita vontade de manufaturar.
Marco Aurélio Nogueira: Judicialização e política
Beto Albuquerque, vice-presidente do PSB, aparece hoje nos jornais com uma declaração: “Para quem pensa em política, um aviso: ela não foi feita para usar toga”.
A frase, ao que consta, está referida ao namoro do PSB com Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF. Beto é contra sua entrada no partido para ser candidato à Presidência. Para ele, Barbosa ainda não despiu o traje de juiz e não tem nem história na sigla, nem trânsito na política. É um neófito, com quem ninguém do PSB “tomou mais que um café”.
Beto Albuquerque fala em causa própria, pois pretende ser ele mesmo o candidato socialista. Está no seu direito. Soltou uma frase que é oportuna seja para que se pense nas eleições, seja para que se analise a complexidade das relações entre o Judiciário e a política.
Ela mostra, mais uma vez, a facilidade com que está se dando a conversão de juízes e personagens do mundo judicial em heróis nacionais, revelando a força imagética e simbólica que passaram a ter os homens e as mulheres de toga.
Há ao menos duas maneiras de se discutir a chamada “judicialização da política”. Não me refiro à vasta literatura acadêmica já acumulada sobre o tema, mas ao entendimento político mais básico, aquele que aponta para interesses, possibilidades, atores, desejos e programas.
Podemos dizer, por um lado, que são os próprios atores do Judiciário – juízes, promotores, procuradores, advogados – que tomam a iniciativa de “judicializar” a política e fazem isso porque não acreditam na lisura dos políticos e se julgam superiores a eles. Por outro lado, podemos dizer que são os políticos que convocam os tribunais para equacionar problemas que eles próprios, os políticos, não conseguem resolver e nem sequer agendar.
Sempre se pode escapar desse dilema dual. A via do meio diria que a política é “judicializada” tanto porque os juízes se politizaram (eventualmente se partidarizaram), ganhando musculatura profissional, quanto porque os políticos já não conseguem produzir zonas mínimas de consenso e veem no Judiciário um ótimo local para transferir essa responsabilidade, com a vantagem de que os tribunais podem ajudar a que se protelem decisões e se criem embaraços para eventuais adversários.
É a reunião da fome com a vontade de comer.
Postas diante do tema da corrupção e da lavagem de dinheiro – componentes do financiamento ilícito de campanhas e do enriquecimento pessoal de tantos políticos –, as relações entre Judiciário e política revelam plenamente seu caráter explosivo. Não é à toa que chovem críticas e aplausos às incursões judiciais na esfera política, avisos de alerta, reclamações e elogios muitas vezes passionais.
Se uma das molas da corrupção é o apetite demasiado humano dos políticos, quem irá admoestá-los e puni-los? A resposta principal é conhecida: os cidadãos, mediante a negação do voto. Os instrumentos do Judiciário, porém, do Ministério Público aos tribunais, passando pela Polícia Federal, serão sempre indispensáveis, até para que se possa ofertar à população dados, indícios e provas de atos corruptos. Sem isso, uma consciência pública democrática e republicana não tem como se completar. Desde, é claro, que circulem movidos por uma mídia responsável.
É o que mostra a trajetória da Lava Jato até aqui.
Diante dela, o caso dos auxílios-moradia do juiz Marcelo Bretas e de sua mulher, também juíza, funciona como uma espécie de trava. Indica que privilégios e estratégias não escolhem morada: estão espalhados por toda parte, como uma praga. Um juiz da estatura de Bretas que não consegue explicar porque se beneficia de um “direito” que ofende a cidadania – ainda mais quando usufruído em dobro – com certeza não ajuda a pavimentar esse acidentado caminho das relações entre o Judiciário e a política.
É um penduricalho obsceno, um dentre tantos outros, que só servem para emporcalhar as instituições jurídico-políticas. Juízes costumam ser muito bem pagos e afirmam que os altos salários são fundamentais para que possam ter a tranquilidade necessária para cumprir suas funções com imparcialidade, sem sofrer pressões e chantagens.
É um argumento razoável. Para sustentá-lo e legitimar a régia remuneração, penduricalhos só atrapalham, fazendo com que a imagem positiva do Judiciário, conseguida por operações como a Lava-Jato, fique corroída e ameaçada de ser dissolvida pelo corporativismo, devidamente condimentado por uma boa dose de onipotência.
http://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/judicializacao-e-politica/
Luiz Carlos Azedo: Cenários da incerteza
A saída de Lula da eleição não trouxe grande alteração nas pesquisas. A candidatura de Geraldo Alckmin, que seria o candidato do centro, continua estagnada. Colabora para isso a crise do PSDB
A pesquisa Datafolha de ontem, em seus noves cenários, mostrou que a situação de incerteza política aumenta com a saída de Luiz Inácio Lula da Silva, embora a polarização entre o ex-presidente e o deputado Jair Bolsonaro, que assumiu a liderança (de 15% a 20% de intenções de voto), deixe de existir, exceto para os petistas. Sim, porque a pesquisa eleitoral ainda alimenta a estratégia de manutenção da pré-candidatura de Lula até que seja declarado oficialmente inelegível. Entretanto, também revela que isso pode ser um erro desastroso para o PT. A rejeição de Lula está em 53% e tende a crescer com a agenda negativa do petista nos tribunais, puxando para baixo seus índices de intenções de voto, que variam entre 37% e 34%, dependendo do cenário.
Com Jair Bolsonaro firme na liderança, Marina Silva se mantém em segundo lugar em todos os cenários, oscilando entre 8% e 16% (sem Lula). A entrada em cena de Luciano Huck, que consta de três cenários (varia de 5% a 8% de intenções de votos), puxa Lula para baixo e todos os demais candidatos que disputam a segunda colocação. Com Lula candidato, o apresentador aparece empatado com Ciro Gomes, que tem de 7% a 13% de intenções de votos, e Geraldo Alckmin, de 6% a 11%, mas perde para Ciro no cenário em que o petista está fora da disputa. Álvaro Dias (de 3% a 6%) vem logo atrás em todos os cenários. João Doria (de 4% a 6%) e Joaquim Barbosa (de 3% a 8%) completam o terceiro pelotão quando são incluídos na pesquisa. Resumo da ópera: a saída de cena de Lula pulveriza o quadro eleitoral na largada.
A estratégia petista pode virar um tiro no pé do candidato mais cotado para substituir Lula, o ex-governador Jacques Wagner. Embora tenha muita identidade com os militantes petistas e um reduto eleitoral consolidado, a Bahia, o petista teria que aguardar a impugnação do registro da candidatura de Lula para se tornar candidato, o que é temerário. Primeiro, porque o desgaste do ex-presidente da República deve aumentar por causa da Operação Lava-Jato; segundo, porque o tempo para Wagner fazer campanha se reduzirá dramaticamente. O ex-governador baiano tem apenas 2% de intenções de votos, um a menos do que o ex-presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo. Sua substituição pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad não muda nada.
Centro órfão
A saída de Lula da eleição não trouxe grande alteração na pesquisa porque a candidatura do governador Geraldo Alckmin, que seria o nome do centro, continua estagnada. Colabora para isso a disputa interna do PSDB, na qual o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, vem fazendo duros ataques ao paulista, além das dificuldades que enfrenta para fazer a aliança com o PSB, do vice-governador Márcio França, que assumirá o governo e já anunciou que será candidato à reeleição, com ou sem apoio dos tucanos. O estranhamento com o presidente Michel Temer também atrapalha a candidatura de Alckmin, que não consegue ampliar suas alianças nacionalmente.
Essa situação estimula o surgimento de candidaturas de centro, que tentam ocupar o espaço vazio da eleição. O mais provável é que a pulverização se mantenha até o início do horário eleitoral, quando o volume de recursos partidários e o tempo de rádio e televisão começarão a fazer a diferença para os candidatos que conseguirem fechar coligações mais robustas. Essa é a aposta tanto de Alckmin como de ninguém menos do que o presidente Michel Temer se a reforma da Previdência for aprovada.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-cenarios-da-incerteza/
José Casado: ‘Queridos companheiros’
Lula lamentou não poder reencontrar velhos amigos no fim de semana em Adis Abeba, líderes de dinastias cleptocratas que sustentam longevas ditaduras
Sem passaporte, Lula não pôde encontrar “companheiros” ditadores na África. Horas depois de ser condenado a mais de 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, estava pronto para atravessar o Atlântico e participar de uma reunião sobre... a luta contra a corrupção. A viagem de dez mil quilômetros à Etiópia (14 horas em voo direto) foi abortada pela Justiça na sexta-feira. “Vejam que absurdo” — contou em video na página do PT. “Eu estava com a mala pronta, quando recebi um recado em casa: um juiz bloqueou o meu passaporte.”
Protestou: “Nós vivemos um momento de ditadura de uma parcela do Poder Judiciário, sobretudo o Poder Judiciário que cuida de uma coisa chamada Operação Lava-Jato, que vocês já devem ter ouvido falar aí na África.” Lula iria à cúpula da União Africana em Adis Abeba, capital de um país onde o “estado de emergência” é decreto recorrente, e a opinião pública não pode ser expressa nem em particular.
Queixou-se por não poder estar com “o querido companheiro” Hailemariam Desalegn, primeiro-ministro etíope, cuja polícia matou mil opositores nos últimos 16 meses e recolheu outros 21 mil a “campos de reabilitação” — informa a Human Rights Watch em relatório deste mês.
Organismo comunitário, a União Africana foi erguida nos anos 90 pelo falecido ditador líbio Muamar Kadafi, na época isolado porque patrocinava atentados como o da bomba num avião da Pan Am, que espalhou 270 cadáveres sobre uma vila da Escócia. Kadafi apoiou Lula na campanha de 2002, segundo o ex-ministro Antonio Palocci, preso em Curitiba. Eleito, Lula foi a Trípoli. A visita a Kadafi para “negócios” , como definiu, está contada em livro dos repórteres Leonêncio Nossa e Eduardo Scolese.
A viagem do ex-presidente à Etiópia foi organizada pelo “companheiro e querido irmão” José Graziano, a quem elegeu diretor da FAO, braço da ONU para a agricultura. Graziano foi ministro do Fome Zero. Bom projeto, o Fome Zero logo virou peça de marketing político no exterior em 2003. Morreu de inanição governamental, estimulada pela má vontade do PT, então focado nos “negócios” do caso Mensalão. Graziano inscreveu o antigo chefe num debate sobre fome com o “querido Obasanjo”, evento da cúpula africana sobre a luta contra a corrupção. Presidente da Nigéria (1999 a 2007), Olusegun Obasanjo recentemente foi declarado “avô da corrupção” pela Câmara de seu país, que constatou o sumiço de parte dos investimentos (US$ 16 bilhões) em projetos de energia.
Outros “companheiros” que Lula pretendia encontrar para “um abraço fraternal” eram Denis Nguesso (do Congo), Teodoro Obiang (da Guiné Equatorial), e Ali Bongo (do Gabão). O trio lidera dinastias cleptocratas que sustentam longevas ditaduras na África.
Os Nguesso colecionam 66 imóveis de luxo na França, segundo o Tribunal de Paris. Os Obiang escondiam uma conta bancária em Washington cujo saldo era quatro vezes e meia superior ao valor do patrimônio imobiliário da rainha Elizabeth II, da Inglaterra. Os Bongo foram apanhados em transferências diretas de US$ 130 milhões do Tesouro do Gabão para suas contas privadas no Citibank, em Nova York.
Sem passaporte, Lula não pode reencontrar os velhos amigos, no fim de semana em Adis Abeba, para explicar-lhes a sentença a 12 anos de prisão e porque ainda é réu em outros seis processos por corrupção.
Luiz Carlos Azedo: A deriva para o centro
O PT fracassou porque o poder levou seus quadros à cooptação patrimonialista e à adesão ao programa que havia dado errado no governo Geisel
A crise ética, o impeachment de Dilma Rousseff e a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em segunda instância, a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, levaram a liderança petista a realizar um movimento de “esquerda, volver!”, na esperança de reagrupar forças para tentar sobreviver. Já não se trata de voltar ao poder, com Lula na Presidência, porque esse projeto se inviabilizou.
É sobrevivência mesmo, inclusive para alguns dos que mais se destacam na narrativa do “golpe” e da “fraude”, como a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), e o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que deverão deixar o Senado e disputar uma cadeira na Câmara. A estratégia é transformar Lula numa vítima da “ditadura do Judiciário”, organizar uma suposta “resistência democrática” e, com isso, reagrupar forças políticas e sociais, como o PSol e o MST, que haviam se descolado do projeto petista por seu “transformismo” numa “frente de esquerda” pela democracia entre aspas.
O conceito de “transformismo” foi cunhado por Karl Marx no livro O 18 de Brumário, de Luís Bonaparte, que analisa a crise política que levou à restauração da monarquia na França, no período que vai de 1848 a 1851. No calendário da Revolução Francesa, a data corresponde ao 9 de novembro do calendário gregoriano. Foi escrito nos meses de dezembro de 1851 e março de 1852, originalmente para um semanário político de Nova York, que fracassou com a morte prematura de seu editor, Joseph Weydemier. Os artigos foram publicados pela revista Die Revolution.
Nessa época, o jovem Marx, como nos mostra o filme em cartaz assim intitulado, sobrevivia dos recursos que ganhava como jornalista e escritor. O livro começa com uma frase que se tornou lugar-comum: “Hegel observa, em uma de suas obras, que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Tem tudo a ver com o que está acontecendo com o PT.
Destaca Marx logo no parágrafo seguinte, também famoso: “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”. De nada adianta, agora, os petistas buscarem “os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens”, sem fazer uma autocrítica dos erros tremendos que cometeram quando estavam no poder.
Aggiornamento
É que a passagem de Lula pelo poder e a de Dilma não representaram um “aggiornamento” político. O termo italiano significa atualização e foi consagrado pelo papa João XXII no Concílio Vaticano II. O “transformismo” é outra coisa: significa uma mudança ditada pelo pragmatismo e pelo oportunismo, no qual um determinado partido e sua representação parlamentar se descolam da base social que lhes deu origem e passam a cuidar dos seus próprios interesses. Foi isso o que aconteceu com os partidos na crise francesa que levou à ditadura do sobrinho de Napoleão, dando origem a um outro conceito muito conhecido: “bonapartismo”. De certa forma, até corremos o risco de um governo bonapartista após as eleições de 2018.
Não é preciso chover no molhado e tecer detalhes do fracasso petista, mas é importante assinalar que a tentativa de renascer das cinzas com o velho discurso radical, nacional-libertador, é uma farsa política que dará com os burros n’água. A deriva petista para o centro fracassou porque a chegada ao poder levou seus quadros à cooptação patrimonialista e à adesão a um programa que já havia dado errado no governo Geisel, durante o regime militar. Não foi um aggiornamento verdadeiro, no qual o maior partido de esquerda do país, surgido da transição à democracia, houvesse se atualizado programaticamente. Isso tem um preço, simples assim.
E o que aconteceu com a esquerda moderada, socialdemocrata, que confrontou o PT e apostou no impeachment de Dilma? Está diante do mesmo problema, precisa se atualizar programaticamente, com autocrítica e revisão teórica, e não apenas aderir a teses ultraliberais por pragmatismo político. Esse é outro tipo de “transformismo” que contribui para a fragmentação das forças de centro do espectro político porque não há uma real convergência com os liberais em termos de construção de um novo projeto democrático para o país. A ultrapassagem da crise de financiamento do Estado brasileiro e a construção de um novo consenso nacional pressupõe um programa exequível de governo, em sintonia com a sociedade, e não com as forças que ainda se locupletam do velho patrimonialismo.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-deriva-para-o-centro/
El País: Esquerda brasileira se une em torno de “programa mínimo”, mas nega candidatura única
Fundações do PT, PCdoB, PDT e PSB discutem programa único para país, que pode contar com apoio de PSOL
Por Marina Rossi, do El País
Horas depois de ter sido condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão, Luiz Inácio Lula da Silva exaltava, do alto de um caminhão de som no centro de São Paulo, uma possível junção da esquerda. "Eles que se preparem: partidos de esquerda terão a compreensão de que precisam se unir", dizia ele, em uma ideia repetida muitas vezes ao longo dos últimos dias.
Mas mesmo sob a possibilidade de não ter um nome forte nas eleições de outubro, já que Lula pode se tornar inelegível, os partidos de esquerda negam a possibilidade de se unir em torno de uma candidatura única. Assumem, sim, uma junção, mas apenas na esfera programática, correndo o risco de, com cinco candidatos, sumirem nas propagandas eleitorais pelo baixo tempo de TV que terão sem alianças partidárias robustas.
Duas das figuras presentes nos palanques de Lula nesta recente crise, por exemplo, deverão ser candidatos em outubro. A deputada Manuela D'Ávlila (PCdoB-RS), já anunciou sua pré-candidatura e afirmou ao EL PAÍS que ela está mantida. E o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, já é considerado no PSOL como pré-candidato, embora ainda não tenha se filiado ao partido, que também reforçou à reportagem que terá candidato próprio. Os demais partidos da esquerda também já têm pré-candidatos próprios: Ciro Gomes, pelo PDT, e Aldo Rebelo, pelo PSB. E nenhum deles pretende abandonar suas candidaturas para sustentar a de Lula, mesmo discordando da condenação no Tribunal Regional Federal 4, nesta última quarta.
As dificuldades de uma união da esquerda em torno de um único nome passam por aspectos práticos e ideológicos. O PCdoB, que nas últimas sete eleições presidenciais apoiou o PT, precisa eleger mais deputados federais que nos últimos anos para garantir a representatividade futura do partido no Parlamento, algo que está ameaçado desde a aprovação da última reforma política. Como, nos últimos anos, a aliança com os candidatos petistas rendeu ao partido pouco protagonismo, ele precisa sair à luz e mostrar suas ideias. E a melhor forma de dar visibilidade para as suas plataformas é por meio de um candidato à Presidência.
Já o PSOL, que no máximo até março deve confirmar a candidatura de Boulos, acumulou nos últimos anos muitas divergências com a postura do PT no Governo, fazendo uma clara oposição a muitas de suas políticas. "O PSOL terá candidato próprio. Temos nossa ideologia e uma reserva ética que nos dá condições de apresentar um candidato", reforça o deputado federal Ivan Valente. "Discordamos de muitas coisas feitas pelo PT nos últimos anos, como as monstruosas isenções fiscais que beneficiaram a elite e a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda", explica.
Ao reafirmarem seus cinco candidatos de esquerda nas próximas eleições, os partidos argumentam que não acreditam que isso beneficiará um candidato de direita, já que o lado conservador da disputa também está bastante fragmentado. É um cenário que deve tornar a disputa completamente pulverizada, algo que se assemelha a vista em 1989, primeira eleição direta democrática após um longo período de ditadura militar. Até Fernando Collor, que saiu vitorioso daquela eleição e depois sofreu impeachment, já anunciou que será candidato em outubro.
Um único programa
Apesar de não concordarem com a tese de uma candidatura única, os partidos de esquerda discutem, sim, uma união. Mas em torno de um "programa mínimo", conforme definiu Manuela D'Ávila. "As fundações dos partidos estão elaborando um programa com propostas em diversas áreas que servirão como plataforma". O documento, que está previsto para ser apresentado na Câmara dos Deputados no próximo dia 15 de fevereiro, está sendo elaborado desde o ano passado pelas fundações ligadas aos partidos: Perseu Abramo (PT), João Mangabeira (PSB), Mauricio Grabois (PCdoB) e Leonel Brizola (PDT). A Fundação Lauro Campos (PSOL) também pode se juntar ao grupo, após ter feito algumas propostas.
"Há algum tempo estamos tentando construir um discurso que contemple as diferentes teses da esquerda, algo especialmente importante em um momento em que a direita se avolumou e faz campanhas de terrorismo, como esta recente da reforma da Previdência", explica o presidente da Fundação Leonel Brizola, Manuel Dias, ex-ministro do Trabalho nos governos Lula e Dilma. "A ideia é fazer um discurso único, uma revisão histórica da esquerda", destaca ele, que afirma que haverá propostas para um "plano nacional de desenvolvimento". Serão pontos em diversas áreas, como educação, economia e direitos sociais. O presidente da Fundação Leonel Brizola destaca que ainda que os candidatos sejam distintos os partidos concordam com "alguns princípios universais". "Seria o ideal unir as forças em torno de uma candidatura unificada. Mas hoje isso é muito difícil."
A participação do PSOL no projeto, por enquanto, ainda está indefinida. O presidente do partido, Juliano Machado, explica que seus dirigentes enviaram suas contribuições para construir o documento e agora aguardam para saber se elas serão incorporadas. "Incluímos uma série de sugestões, mas não sabemos se serão aceitas, porque algumas não são defendidas por alguns dos partidos", diz Machado. "Fazemos críticas às parcerias público-privadas, por exemplo, mas não sabemos se PDT e PSB concordam com isso".
Ele diz que se trata de uma "plataforma de convergência, não eleitoral". "É uma plataforma de convergência, que serve para o debate da esquerda". Quanto a isso, todos os partidos estão de acordo. "O documento não implica nas candidaturas", diz Carlos Lupi, presidente do PDT. "É apenas um programa mínimo, para que, aquele do nosso campo que vencer a eleição, tenha uma linha de políticas públicas que a gente considera importantes para a defesa da população", explica. Ele lembra que a pré-candidatura de Ciro Gomes será lançada no dia 8 de março, dia internacional da mulher.
Lupi coloca os direitos dos trabalhadores e a educação em tempo integral como algumas das principais linhas de defesa do programa, além do "questionamento do sistema financeiro". "Não adianta garantir programa social sem tocar no câncer que é o sistema financeiro", afirma.
A expectativa dos partidos é que a construção deste documento cria um diálogo comum entre as legendas da esquerda. Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, comemora a iniciativa. "É um evento inédito no Brasil, uma tentativa de construção de diretrizes programáticas com partidos no campo progressista, que permite simultaneamente o lançamento das diferentes candidaturas", diz.
Apesar do aceno a uma possível reconstrução da esquerda, o lançamento do programa deve ficar, por ora, apenas no plano das ideias. "Não é um programa de Governo", diz Pochmman. "Está mais na linha de um projeto de desenvolvimento para o país, que é algo mais a longo prazo", diz.