eleições 2018
Monica de Bolle: Sai Porcina, entra Sassá
A maior parte das medidas depende do Congresso, o mesmo Congresso que tenta a sobrevivência pós outubro
Ah, os anos 80. Década de desarranjos políticos e econômicos, década perdida, de povo em desvario. Década do rock brasileiro engajado, das seleções de futebol que foram sem jamais terem ido, das telenovelas inesquecíveis. O Brasil de Temer é versão apagada dos anos 80, com pitadas próprias de surrealismo.
Em artigo para este jornal publicado em agosto do ano passado, descrevi a agenda Porcina de Temer em alusão à viúva inesquecível. Na ocasião, escrevi sobre as chances de que as reformas de Temer viessem a ser “Porcinadas”, ou, por si, nada: que permanecessem no papel e nas melhores intenções sem os votos suficientes para que fossem a lugar algum.
Como sabemos agora, esse foi o destino da controvertida reforma da Previdência, cujo enterro nem tão prematuro foi anunciado pelo governo na segunda-feira. Vale lembrar que a reforma da Previdência era o pilar de sustentação do teto dos gastos, aprovado com imenso alarde em dezembro de 2016. Disse-nos a equipe econômica na época – mas não era muito difícil chegar à mesma conclusão sem dar ouvidos a Meirelles –, que as reformas estruturais para resolver os problemas fiscais de médio prazo do Brasil seriam feitas em duas etapas, e que a Previdência era fundamental para garantir a sustentabilidade das contas públicas e a solidez da recuperação econômica brasileira.
O problema era a ideia de “duas etapas”: como argumentei em entrevistas e escrevi na época, as chances de que o teto ficasse sem o seu principal pilar eram altas. Depois do episódio no porão do Jaburu em maio do ano passado, era quase certo que a reforma da Previdência seria “Porcinada”. Algumas diluições mais tarde, cumpriu-se a profecia.
Fala-se muito que o governo Temer tirou o País da recessão, e é verdade. O problema é que o governo Temer também prometeu colocar a economia nos trilhos de modo a evitar que os desarranjos dos governos anteriores ressurgissem. Como essa promessa não foi cumprida, o quadro pós-eleições é pouco auspicioso: com as contas públicas destrambelhadas e sem reforma da Previdência, em algum momento a inflação haverá de subir, a turbulência deve voltar, os juros sairão de seu patamar historicamente baixo, e a recuperação esmorecerá. Mas para impedir que muita reflexão seja feita sobre os desmandos permanentes do País, Temer tirou Porcina de cena e a substituiu por Sassá Mutema. Lembram-se dele, o Salvador da Pátria? Sassá era ingênuo boia-fria que acaba sendo usado e manipulado por experientes políticos da fictícia cidade de Ouro Verde.
Enterrada a agenda Porcina, inaugurou Temer com a anuência de seus ministros a agenda Sassá, cujo conteúdo resume-se a retalhos de medidas com a única intenção de desviar a atenção do grave quadro fiscal não resolvido. A açodada agenda Sassá vislumbra a reforma do PIS/Cofins que provavelmente não irá a lugar algum; a privatização da Eletrobras; o aperfeiçoamento do cadastro positivo para reduzir os juros do crédito ao consumidor – déjà vu; o fim do fundo soberano que, na verdade, já não existe faz tempo; a reoneração da folha de pagamentos, que tampouco haverá de prosperar em final de governo; a autonomia do Banco Central, perdida em meio aos farrapos do anúncio.
A maior parte das medidas da agenda Sassá depende da aprovação do Congresso, o mesmo Congresso que estará mais do que ocupado tentando garantir sua sobrevivência pós-outubro. Ainda que fosse possível imaginar que parte das medidas teria alguma chance de aprovação, é equívoco achar que a lista é "plano B" para a reforma da Previdência, como alguns têm se referido a ela. Plano B seria se atacasse os desequilíbrios fiscais de forma menos eficaz do que a reforma que morreu. Não à toa, a agenda Sassá não agradou os mercados ou as agências de risco que ainda não rebaixaram novamente a nota soberana do Brasil como fez a S&P há pouco tempo.
Não à toa, a agenda Sassá deixa em evidência o conflito de se ter uma equipe econômica encabeçada por um ministro presidenciável, ministro que dia desses falava sobre as vicissitudes do tamanho do Estado afirmando que estaria ele desvirtuando os valores das famílias, “ocupando o lugar das igrejas, das comunidades, das organizações comunitárias”. Compreenderam? Eu também não. Viva Sassá.
* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
O Estado de S. Paulo: 'Há espaço para duas candidaturas de Alckmin em SP', diz Aníbal
Roberto Romano: Juízes, respeitem a cidadania!
Historicamente, muitos magistrados usaram a lei como instrumento de opressão e tirania
A campanha contra a corrupção atinge décadas de existência, no mundo e no Brasil. Fenômeno social, político, econômico, suas causas e seus resultados têm muitos sentidos. Erro é o entender com análises que o cindem entre o bem e mal, o aceitável e o proibido. Oportunismos vários recortam a vida coletiva de maneira maniqueísta: o nosso lado nunca sofre erros; já o canto oposto... responde por tudo o que dissolve os laços éticos. Tais indignações sempre são seletivas. Pode nosso parceiro cometer as piores vilanias, ele encontrará desculpas em nossas almas. Mas as hostes inimigas, mesmo em caso de pecadilho, transformam-no no agente de Lúcifer.
Se escutamos fanáticos que agem segundo slogans, pouco podemos reclamar do seu primarismo. Seitas seguem líderes de modo apaixonado. Basta que sejam ouvidas falas contrárias às do agrupamento, logo os gestos se tornam agressivos. O pensamento exige diálogo entre diferentes (a mesmice impede saberes novos), mas o sectário nada capta sobre realidades complexas. Preocupa, no entanto, encontrar pessoas que deveriam dedicar-se à reflexão, mas aceitam esquemas binários. Elas racionalizam fatos, dão aos parceiros frases para justificar táticas hediondas.
Baseado em tal constatação, Jean-Paul Sartre distingue o filósofo do ideólogo. O primeiro busca o verdadeiro, o segundo dispensa a busca factual e lógica. O próprio Sartre agiu com as duas faces, a filosófica e a ideológica. A primeira, ao investigar a liberdade, os atos intencionais da consciência. A segunda, ao defender regimes como o da União Soviética. Mas ele se ergueu contra a invasão da Hungria em 1956. O mesmo indivíduo pode assumir certa atitude, depois outra. Imaginemos povos inteiros, cuja oscilação entre o pacífico e o truculento, o moral e o criminoso, conduz às guerras.
A campanha contra a corrupção exige cautelas. Na História temos casos de indivíduos que, ao guerrear o que julgavam corrupto, foram vencidos. O símbolo dos justiceiros encontra-se em Savonarola, “profeta desarmado”. Quando vencia, massas o seguiam, ébrias de certezas. Ai dos pecadores! Acabou na fogueira e a República seguiu costumes de antanho. A frase maquiavélica sobre o monge não é exata: suas armas estavam na mente dos que o idolatravam. Quando popular, o dominicano não precisava mover exércitos. A massa crente, ruidosa como o vendaval, servia-lhe como arma.
No Brasil, surgem inúmeros profetas, sobretudo no Judiciário, líderes da campanha em prol da pureza radical. Quase nenhum deles recorda a experiência do irado monge. Usam a receptividade do tema em estratos da população para atacar corruptos, reais ou supostos. Olvidam o fato notório: a fama aparece e some em pouco tempo. Uma sociedade abriga os mais contraditórios interesses e causas. Em determinado instante, certo tema ocupa as mentes e os corações. Quando surge outra ameaça, o interesse público a teme e amplia.
Todos os que estudaram a famosa Operação Mãos Limpas conhecem o seu instante de glória, quando muitos políticos foram presos, expulsos da vida oficial. Mas depois vieram as réplicas. Juízes e promotores perderam apoio, a Grande Causa foi obliterada pelo ramerrão político ou eleitoral. Partidos foram destroçados. Mas outros, tão corrompidos quanto, surgiram para controlar o Legislativo e o Executivo. E tutto rimane come sempre... Magistrados fundaram partidos que poucos votos tiveram. Hoje eles andam pelo mundo para explicar o seu fracasso. Poucos atores da Mani Pulite criticaram a si mesmos, pois, como é “evidente”, a culpa da hecatombe corrupta deveria ser atribuída aos outros, os ardilosos que agem nas sombras... Outra nota do fanatismo: ele é orgulhoso, deseja para si a perfeição plena. Os defeitos, ora, encontram-se nos terrenos alheios...
O Judiciário brasileiro procura se defender das críticas a ele enviadas pelos diversos setores políticos, sociais, ideológicos, econômicos. As reações contra magistrados a eles soam como crimes de lesa-majestade... divina. Tal atitude foi resumida pela ministra Cármen Lúcia ao inaugurar o atual ano de trabalho. “Não há civilização nacional enquanto o direito não assume a forma imperativa, traduzindo-se em lei. A lei é, pois, a divisória entre a moral e a barbárie”.
O nobre Rui Barbosa que nos desculpe, mas é árduo identificar plenamente “lei” e “juízes”. Da Ágora que condenou Sócrates aos tribunais de exceção do século 20 (e do 21...), muitos e muitos juízes usaram a lei como instrumento de opressão e tirania. É recomendável a leitura do livro tremendo de Eric Voegelin, Hitler e os Alemães. No Brasil da era Vargas e do regime imposto em 1964, juízes em grande quantidade “aplicaram imperativamente as leis” de modo inclemente e desumano. Tais normas ofendiam o Direito, a liberdade, a dignidade dos governados. Cito um correto comentário ao discurso da magistrada: ela não mencionou, mas o Poder Judiciário, “com frequência crescente, descumpre as leis, criando-as à revelia do Congresso, instituição moldada para legislar. (...) As decisões da Justiça devem ser respeitadas. Mas é igualmente certo que, em primeiro lugar, quem deve respeitar a lei é o juiz. O fundamento para o respeito às decisões judiciais não é a autoridade do magistrado, como se sua voz tivesse um valor especial por si só. A decisão da Justiça tem seu fundamento na lei, votada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo” (O Estado de S. Paulo, A responsabilidade do Judiciário, 2/2/2018, A3).
As ordens do Supremo Tribunal Federal são atenuadas mesmo por instâncias inferiores do Judiciário. O caso da Súmula Vinculante de número 11 é claro. Enquanto tal situação permanecer, e o cidadão for humilhado pelo poder sem peias de juízes, sempre que ouvirmos suas falas com ataques à vida social brasileira, devemos proclamar: medice, cura te ipsum (médico, cura a ti próprio)!
* Roberto Romano é professor da Unicamp, é autor de ‘Razões de Estado e outros Estados da razão’
El País: As ideias, por ora frustradas, que moviam Luciano Huck à presidência
Apresentador da TV Globo, que deve confirmar sua desistência alegadamente definitiva, vinha agrupando nomes do mercado, intelectuais liberais e progressistas
Por Felipe Betim, do El País
O apresentador da TV Globo Luciano Huck deve anunciar nesta sexta-feira que mantém sua decisão de não concorrer às eleições presidenciais em outubro deste ano. A informação, adiantada pelo site O Antagonista, deixa, de momento, órfãos um conjunto de forças - de nomes do establishment político e do mercado financeiro a intelectuais da elite progressista nos costumes e liberal na economia - que viam sua candidatura como um oxigênio nas eleições de 2018, capaz de ao mesmo tempo ser competitiva no eleitorado mais pobre, ainda mais com a virtual ausência de Luiz Inácio Lula da Silva, e renovadora de um quadro político brasileiro em crise.
Huck já havia dito em novembro, em artigo no jornal Folha, que não iria concorrer. Mas uma possível candidatura voltou ao holofote após a condenação em segunda instância do ex-presidente Lula (PT). O projeto ganhou força nas últimas semanas com a bênção e o impulso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), alçado a conselheiro político de Huck para o desgosto do governador de São Paulo e presidenciável tucano Geraldo Alckmin.
Influenciou na decisão do apresentador - por ora, definitiva, ainda que o prazo para associação a partidos para concorrer só termine em abril - o prazo que a Globo havia dado, até esta sexta-feira, para que ele comunicasse sua decisão. Caso optasse pela candidatura, ele e sua esposa, a também apresentadora Angélica, estariam fora da emissora, com todo o peso de perda financeira que a decisão acarretaria, e não voltariam mais. O apresentador também teve amostras de como é estar no olho do furacão. Na última semana, por exemplo, foi revelado pelo blog O Tijolaço e confirmado pela Folha de S. Paulo que ele adquirira seu jatinho particular através de um empréstimo junto ao BNDES com juros de 3% ao ano (abaixo da inflação). Além disso, não raro circulavam nas redes sociais fotos suas com políticos como Aécio Neves e empresários como Joesley Batista, dono da JBS e preso pela Operação Lava Jato.
Os esforços de Huck para a corrida ao Planalto não foram poucos. Ele ouvia especialistas em marketing político há quase um ano sobre suas eventuais chances. Em rara apresentação no programa do colega de emissora Faustão, ele soou como candidato. Além de FHC, o apresentador recorreu um bom leque da elite brasileira. Já faz alguns meses que Huck vinha se reunindo com acadêmicos, empresários e ativistas políticos.
Com bom trânsito nos círculos liberais na economia, junto com o economista e ex-ministro da Fazenda, Armínio Fraga, o publicitário Nizan Guanaes e o empresário Eduardo Mufarej, presidente do Somos Educação e sócio da Tarpon Investimentos, ele se tornou um dos financiadores do RenovaBR, que reúne especialistas de diversas áreas com o objetivo de formar e acelerar “novas lideranças políticas e renovar o nosso Congresso Nacional”.
Também aglutinava setores dos círculos progressistas. É irmão do cineasta Fernando Grostein Andrade, que em 2011 lançou o documentário Quebrando Tabu, que discutia alternativas para a guerra às drogas. O filme se transformou na marca de uma das principais páginas progressistas do Facebook, ao abordar temas tabus na sociedade: direito das mulheres e feminismo, direitos da população LGBTQI+, racismo, entre outros. Além disso, Huck entrou, no ano passado, no Agora!, um movimento formado por profissionais técnicos, acadêmicos e empresários que pretende renovar a política brasileira elegendo novos quadros para o Legislativo. Ainda que se defina como apartidário, plural e sem fins lucrativos, o grupo tem uma agenda inicial que mistura políticas progressistas e liberais, tais como reduzir drasticamente a desigualdade, uma nova política de segurança e de drogas e garantir oportunidades iguais a todos, ainda que até agora não tenha se definido sobre questões cruciais e urgentes como rotas de saída para a crise fiscal do Estado ou sobre a reforma da Previdência.
“Ele viu a nossa agenda e disse 'nossa, mas eu concordo com isso tudo", disse Ilona Szabó ao EL PAÍS no começo do ano. Além de ser uma das fundadoras do Agora!, ela é especialista em segurança pública e diretora-executiva do Instituto Iguarapé, um think tank que se opõe abertamente à política de guerra às drogas. “A gente sabia que para o movimento ganhar as ruas a gente precisava ter tradutores, pessoas que tenham mais capacidade e experiência de conversar com a população, e o Luciano tem muita capacidade e experiência para isso”, disse ao jornal. Também admitiu, entretanto, que o movimento ainda não tinha cacife para disputar a presidência da República e reafirmou o foco no Legislativo. O movimento mantém conversas avançadas com o PPS para abrigar os membros que queiram concorrer neste ano.
Eleitorado não ideológico de LulaPara Renato Meirelles, presidente do instituto de pesquisa Locomotiva e fundador do Data Popular, a candidatura do apresentador representava o liberalismo econômico clássico. "São os que defendem que não há meritocracia sem igualdade de oportunidades. Defendem as cotas e o melhor pra quem mais precisa, consertar desigualdades históricas em regiões do país", explica ele. "Ele traria um debate que que vai além do tamanho do Estado. São políticas que foram implementadas aqui por Governos de esquerda e que são encontrados em países liberais e sociais-democratas", argumenta.
Meirelles acredita que uma possível candidatura de Huck poderia encontrar eco em diversos setores da sociedade, mas principalmente nas classes C e D, muito concentradas no Nordeste. O apresentador poderia ocupar um vácuo deixado por Lula, que deve sair inelegível de sua condenação na Lava Jato. Mauricio Moura, CEO da Ideia Big Data, uma consultoria com experiência em campanhas nos EUA e no Brasil, segue o mesmo raciocínio: "Quem mais admira o Huck é o campo popular. Estamos falando do eleitor que é fiel ao Lula, mas não é ideológico". Esse imenso campo segue em aberto.
"Lula sai na frente nas pesquisas porque, num cenário sem renovação, ele aparece como o presidente na última vez que a vida das pessoas melhoraram", explica Meirelles. No entanto, uma pesquisa do Locomotiva para o RenovaçãoBR identificou que 96% dos brasileiros não se sentem representados pelos políticos em exercício, enquanto que 93% acredita que formar novas lideranças é necessário para mudar o país. "Então a grande maioria quer uma renovação, tanto na forma de fazer política como nos rostos que estão sendo colocados", diz Meirelles.
É por isso que a candidatura de Huck soava atrativa, ainda que com ressalvas, para Luiz Carlos Guedes, de 25 anos. Engajado politicamente, trabalha há anos com políticas públicas e passou pela prefeitura do Rio e pela ONU. Hoje está na Fundação Cidadania Inteligente e foi aprovado no processo seletivo do RenovaBR com a ideia de começar ele mesmo a se envolver na política tradicional. "Uma candidatura dele pode ser melhor que uma possível eleição. Poderia simbolizar uma oxigenação da personalidade política, de que a liderança na política ela não passa necessariamente por processos tradicionais e, ao mesmo tempo, ela consegue representar um compromisso com a sociedade", argumenta Guedes. Mas pondera: "Ao mesmo tempo é muito perigoso as pessoas que entram na arena da política para negar a política. Ela é fundamental para reduzir as desigualdades. Acho que há o risco de uma falsa tecnocracia, de despolitizar a visão de país, a desigualdade e o serviço público".
Afinado com o liberalismo econômico, Huck mostrava potencial na elite empresarial, como é o caso de Fábio Cristilli, executivo de uma multinacional, investidor e residente nos Estados Unidos. “Enxergo nele um possível agente de mudança, pois é também um empresário de sucesso, que trafega em todos os setores da sociedade. Estamos em um momento em que a conversa no mundo já mudou de patamar. Vá explicar o que é a necessidade de investir em inovação e os seus benefícios a um político?! Estão todos atrasados”, explicou Cristilli à redatora-chefe do EL PAÍS Carla Jiménez.
Reações à candidatura e a busca do 'outsider'Os holofotes sobre Huck não deixaram a classe política indiferente. Enquanto parte do establishment político, como FHC, queria apostar no outsider até como falta de alternativa ante a grande incerteza no quadro eleitoral, outros mostravam desconforto. Se nos bastidores Alckmin parecia incomodado com as pressões do grande nome do seu partido diante de seu baixo desempenho nas pesquisas, publicamente ele deu as boas-vindas protocolares a Huck: "Se ele for candidato, ótimo, é o povo que decide, não tem nenhum problema. No PSDB, nós vamos ter a primária em 11 de março. Ele não é filiado ao PSDB, aliás nem sei se tem alguma filiação partidária. Quem quiser ser candidato, tem que se filiar agora em março. Eu nunca desestimulo as pessoas a participarem da política", disse na semana passada.
Já o senador Cristovam Buarque, que lançou sua pré-candidatura pelo PPS, o mesmo partido que abriu suas portas para o apresentador da Globo, disse ao EL PAÍS: "Eu fiquei muito satisfeito dele querer entrar na política, mas já como candidato a presidente não era melhor para o partido. Talvez como deputado ou qualquer outra coisa. Acho que ele não tem a proposta para o Brasil que precisamos agora. Eu vi como mais um dos candidatos que procura atender a raiva que o povo tem dos políticos, e não a esperança que o povo precisa ter para o futuro". Por sua vez, a presidenciável Marina Silva (REDE) declarou para este jornal: "Não deu certo com a Dilma. Tem aquilo 'ah, é um gestor que está acima do bem e do mal', e olha o que aconteceu com o Rio de Janeiro. Mas eu saúdo os que querem melhorar a qualidade da política".
Míriam Leitão: Novo ritmo na Lava-Jato
Força-tarefa entrará em ritmo mais forte a partir do fim deste mês e do início de março. A Lava-Jato vai entrar no final de fevereiro ou começo de março num ritmo mais forte. Quem diz é quem acompanha as investigações. Há vários motivos para isso, que vão da maneira como a Polícia Federal distribuiu o trabalho no fim do ano até o amadurecimento de investigações que vinham sendo feitas. As operações, que ficaram escassas nos últimos meses, devem ser retomadas neste pós-carnaval.
A Polícia Federal é polícia judiciária, e quando o Judiciário está em recesso, normalmente a atividade é menor. Além disso, é polícia de imigração e no fim do ano há um aumento de atividade nos aeroportos, e esse trabalho precisa ser reforçado. Passado o carnaval, há uma elevação natural do ritmo em outras atividades. É o que acontecerá a partir das próximas semanas.
O diretor-geral da PF, Fernando Segovia, agora está no meio de uma crise, após as declarações sobre o inquérito do presidente Temer. E isso, de uma forma ou de outra, terá que ser resolvido nos próximos dias. Desde a sua chegada no cargo, no entanto, ele fortaleceu a Lava-Jato, enviando mais quinze funcionários para Curitiba, aumentando em 30 pessoas o efetivo do Rio e dobrando o número de investigadores no GINQ, o Grupo de Inquérito que acompanha os processos que correm no STF. Havia investigações bem adiantadas precisando apenas de peritos, e eles foram enviados para esses três pontos, onde a Lava-Jato tem mais atividade.
Algumas brechas, entretanto, favorecem os atuais investigados, e aumentam o risco de impunidade. Nas operações autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal, as que são contra pessoas com prerrogativas de foro, a atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, estaria, na definição de um colega do MP, “comedida, conservadora, cautelosa". Na visão benigna sobre o ritmo da procuradora-geral, ela está apenas sendo discreta e haveria, em breve, muita atividade. Outro fato que favorece os investigados é o acúmulo de processos no STF. O ministro Dias Toffolli já esgotou o prazo de devolver a ação que restringe o foro privilegiado à qual ele pediu vista de forma extemporânea. O Supremo já tinha maioria formada a favor da restrição do foro quando o ministro pediu vista, adiando a decisão do tribunal. Quando ele devolver a ação, haverá uma mudança completa. Descerão para a primeira instância muitos processos que hoje estão entupindo os corredores do STF. Neste caso, haverá muito trabalho principalmente para o grupo do Ministério Público que cuida da primeira instância em Brasília. Pode ser até — na definição de um investigador — “uma avalanche de processos mal resolvidos”.
Quando os processos descerem haverá outro gargalo a superar. A Polícia Federal, ao fortalecer o GINQ, o grupo de investigadores dedicados aos inquéritos da Lava-Jato junto ao STF, acabou deixando sucateado o grupo que cuida das investigações da primeira instância em Brasília. Muitos delegados foram levados para a Direção-Geral. Tanto que o MP no DF tem trabalhado em casos que não dependem da Polícia Federal. A PF terá que remanejar pessoal para apoio à primeira instância, do contrário os processos contra políticos sairão de um pântano para afundar em outro.
Fontes que acompanham as investigações garantem que há muito trabalho ainda na Lava-Jato. Em Curitiba, numa sala blindada trabalham policiais federais da Força-Tarefa para decifrar as informações do sistema Drousys, no qual a Odebrecht escondeu os dados da contabilidade paralela da corrupção. Inicialmente, a empreiteira entregou o sistema incompleto e só no fim do ano passado os investigadores passaram a trabalhar sobre os dados integrais. Essa nova rodada de informações poderá envolver outras pessoas na Lava-Jato ou trazer mais elementos para as atuais investigações. Novos peritos foram enviados a Curitiba para apressar o trabalho de análise desses dados, sobre os quais o Ministério Público também trabalha há algum tempo.
Em Brasília, há um esforço concentrado no grupo da PF que cuida dos inquéritos que tramitam no STF porque a promessa já feita pelo diretor-geral, publicamente, foi a de encerrar todos antes das eleições. São 273 inquéritos. Portanto, em cada uma dessas pontas, no MP e na PF, há muita coisa para acontecer durante este ano.
Elio Gaspari: FHC e sua curva de Sartre a Huck
A nova cartada do grão-tucano revela o esgotamento de seu partido, de sua prática política e de sua geração
Quando Fernando Henrique Cardoso se referiu à candidatura de Luciano Huck à Presidência da República, louvou “suas boas intenções” e disse que “para o Brasil seria bom, mas não sei o que ele vai fazer”. FHC sabe o que gostaria que ele fizesse, mas não sabe o que Huck fará, nem antes nem depois de uma eventual candidatura. Sabe apenas que tem “boas intenções”.
Faz tempo que FHC flerta com o “novo”. Em 1989, para um pedaço do tucanato, o “novo” era o ator Lima Duarte, de 59 anos, para ser o candidato a vice na chapa de Mário Covas à Presidência da República. O “novo” chamou-se Fernando Collor e foi eleito. Em 2012 pensou-se pela primeira vez em Huck, recrutando-o para uma candidatura ao Senado em 2016.
Estranho “novo” esse, vem sempre da telinha. Isso num partido que perdeu quatro eleições presidenciais e tem em Geraldo Alckmin seu provável candidato. Assim, o PSDB terá oferecido ao eleitorado dois repetecos, com José Serra e Alckmin, mais um “novo” com Aécio Neves.
FHC buscou o “novo” na telinha por diversos motivos, mas acima de todos está o desejo de ganhar a eleição. Se ele conhece virtudes além das “boas intenções” de Huck, não as revelou. Nem ele nem o “novo”, que, em um ano de breves enunciados, repetiu platitudes capazes de humilhar campeões do óbvio como Michel Temer e Geraldo Alckmin.
Em 1960, aos 29 anos, Fernando Henrique Cardoso fez-se notar na academia paulista coordenando uma palestra do escritor francês Jean-Paul Sartre. Passou-se mais de meio século, ele governou o país por oito anos e recuperou a credibilidade econômica do Brasil. Fez isso com jovens audaciosos como Pedro Malan e Gustavo Franco mas, por artes de Asmodeu, o PSDB nada produziu além de Geraldo Alckmin e Aécio Neves, um “novo” que descarrilhou. (Vai aqui uma hipótese: Malan e Franco nunca se moveram nos trilhos por onde andou Aécio.)
Não se pode responsabilizar FHC pela ruína do PSDB, mas ele foi parte dela. Quando saiu do PMDB, acompanhando Mário Covas e Franco Montoro para livrar-se das práticas que o haviam contaminado, buscava algo novo e foi bem-sucedido. O tucanato envelheceu, em vários sentidos.
Indo buscar o “novo” na telinha, FHC e os articuladores da candidatura de Huck atestam o fracasso de suas práticas políticas. Huck é um profissional bem-sucedido no seu ofício, nada mais que isso. Num sistema em crise, a política francesa produziu Emmanuel Macron, um quadro saído da militância do Partido Socialista e do banco Rothschild. (Macron é seis anos mais novo que Huck.)
Huck é um bom candidato para quem tem medo de perder eleição, e só. De Sartre a Huck, FHC percorreu sua curva. Em 1960, a plateia tinha faixas que diziam “Cuba sim, ianques não”. Naquele ano, uma parte do andar de cima nacional, cansada de perder eleições, embarcou na candidatura de um político telúrico e bom de votos. Chamava-se Jânio Quadros. (É imprópria qualquer comparação de Huck com Jânio, um doido, larápio e dado ao copo.) A ideia central era ganhar a eleição.
Os poderes da telinha produziram dois fenômenos políticos. Primeiro, o italiano Silvio Berlusconi, pela propriedade do meio de comunicação. O segundo, Donald Trump, em parte celebrizado pelo seu programa “The Apprentice”.
* Elio Gaspari é jornalista
Marco Aurélio Nogueira: Novidade sem raízes
Se Huck quer se colocar a serviço de uma causa deveria começar do começo, amassando barro e sujando as mãos
Não se pode ser contra quem anda insuflando o Huck a sair candidato. Não o conheço, não votaria nele, mas respeito os argumentos de quem o patrocina. Não se deveria vetar iniciativas políticas desse tipo, até por uma questão de princípio. Todos devem ter direito de propor nomes e articular candidaturas, lutando por elas se acaso nelas acreditarem de verdade.
Também não hostilizo o rapaz, que deve ter seus méritos. Acho uma bobagem extrema dizer que ele não pode ser candidato porque não passa de um “funcionário da Globo” e representaria os interesses dessa organização. É uma acusação que só comprova os tempos intolerantes e de retórica autoritária em que vivemos. É ridículo, para dizer o mínimo, medir sua estatura política ou intelectual pelo programa de auditório que ele pilota há anos. Parte da esquerda aprecia essa prática, em nome da necessidade de apreender os nexos explosivos entre a economia e a política. Para ela, a posição no mercado remete imediatamente a uma posição na política. É a reiteração do mesmo dogmatismo que despreza a complexa dialética entre economia e política e que, aos trancos e barrancos, tem ajudado a empurrar o marxismo para a margem.
A ideia de que Huck pode ser o “sangue novo” que falta à política tradicional e que, por isso, poderia representar a alternativa de que carece o “centro democrático” está, porém, desprovida de substância política. Novo de que tipo? Pela esquerda, pelo centro, pela direita, por sobre partidos, a partir de “movimentos cívicos”? Coisas novas, em política, não saem do bolso do colete de alguém dotado de visão superior. Nenhum caso foi assim: Collor em 89, Lula em 2002, Macron na França, todos surgiram a partir ou de uma construção complexa, ou foram a expressão de lideranças que de algum modo estavam na política. Não há um novo “puro”. A ideia é abstrata e precisa ser traduzida. Especialmente quando embalada por articulações e desejos afirmados de cima para baixo, sem a devida maturação, sem aquele processamento indispensável para que se acerte o alvo, ou se chegue perto dele com um mínimo de autenticidade, massa crítica e base operacional.
Nada contra a ação dos bastidores. Em boa medida, todos os nomes nascem de conchavos e negociações que rolam em camarins pouco acessíveis. Mas somente vencem aqueles que, dispondo de bons bastidores, demonstram ter resiliência e competitividade para chegar ao coração do povo e dobrar os adversários. É tudo óbvio, mas não custa lembrar.
A fonte propulsora de uma eventual candidatura de Huck parece ser a preguiça dos políticos democráticos de enfrentar a própria crise, de romper com a inoperância que ameaça corroê-los e inviabilizá-los.
Ninguém sabe o que pensa Huck, além da promessa de “renovar a política”. Seus patrocinadores nem sequer se preocupam em agregar qualidade programática ao nome dele, como se achassem que prestígio televisivo e apoio de algumas lideranças são suficientes para fazer um país. Credibilidade não é extensão natural de popularidade. Dizem que sua plataforma será construída no devido tempo e a partir de itens “autoevidentes”, impostos pela necessidade que o país teria de “renovação”. É mais uma desculpa que uma explicação.
Se Huck quer mesmo se colocar a serviço de uma causa — e não há motivos para que se duvide disso –, há muitos lugares disponíveis para tal empreendimento na política. Deveria começar do começo, amassando barro e sujando as mãos. Despejado sobre a sociedade como descoberta “genial” de alguns morubixabas, poderá até vencer, mas não terá raízes em que se apoiar. Precisará ser tão assessorado e tão protegido que não poderá dar passos à frente sem as muletas daqueles que o descobriram e patrocinaram. Seu poder, assim, não lhe pertencerá. Nem a ele, nem ao povo que o eleger.
Patrocinado por um dos polos do drama nacional nosso de cada dia, ainda terá por efeito encrespar o polo adversário, prolongando a polarização de que precisamos nos livrar.
El País: Assim o Carnaval 2018 recuperou o espírito crítico com a classe política no Brasil
As críticas à situação do país passam das ruas aos sambódromos, com enredos que atacam diretamente figuras políticas e medidas do Governo
A crise política brasileira não deu trégua neste Carnaval. Não apenas na rua, como era mais comum nos outros anos, mas também nos sambódromos do Rio e de São Paulo. As escolas de samba levaram para a avenida neste ano críticas sociais contundentes e muito diretas. O caso mais marcante foi o da Paraíso do Tuiuti, agremiação nascida no morro de mesmo nome, em São Cristovão, no Rio, que surpreendeu o público durante o desfile de domingo à noite e conseguiu enorme repercussão nas redes sociais. Com o samba enredo Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão? a escola criticou as condições de trabalho no país e, de quebra, o atual Governo, responsável pela reforma trabalhista aprovada no ano passado.
Thiago Monteiro, diretor de Carnaval da escola, explica ao EL PAÍS que o enredo foi escolhido por concurso. “O objetivo era tratar da exploração do homem pelo homem. Não só da escravidão negreira, mas dessa exploração que se estende por séculos, passando pelos egípcios, celtas, romanos e que continua nos dias atuais. Fazer uma pessoa trabalhar uma jornada de 12 horas, como as costureiras, por um salário às vezes abaixo do mínimo e com direitos mitigados, é perpetuar esse sistema”, diz.
Se a comissão de frente da escola trouxe O grito da liberdade, mostrando escravos saídos da senzala açoitados, o último carro veio com um vampiro vestido com a faixa presidencial, que lembrava Michel Temer. Ele estava em cima do carro chamado neo tumbeiro, ou seja, um navio negreiro dos tempos atuais. Na avenida foram ouvidos gritos de "Fora, Temer", relatou o jornal O Globo. Entre o último e o primeiro carro, o desfile de 29 alas e 3.100 componentes ainda trouxe os manifestoches, integrantes vestidos de verde e amarelo, cor que marcou os protestos a favor do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, sendo manipulados por uma mão invisível e encaixados em patos amarelos, símbolo das reclamações contra o antigo Governo feitas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Eles carregavam nas mãos panelas, outro símbolo dos protestos.
“Como falávamos da exploração do homem pelo homem queríamos incluir a mitigação dos direitos sociais. Através dos patinhos você representa uma situação anterior na qual os direitos eram bem protegidos e a partir do momento em que uma nova ordem política toma o país você tem novas reformas que, na ótica da escola, tiram direitos sociais de uma parcela da população. A escola quis questionar se quem pediu essa mudança não é também vítima. Essa pessoa que foi para a rua não tem esses direitos cortados também?”, explicou Monteiro.
As críticas explícitas da Paraíso do Tuiuti deixaram em silêncio os comentaristas da TV Globo, que transmite ao vivo os desfiles de Carnaval. Enquanto as alas anteriores eram explicadas em detalhes, a dos manifestoches recebeu um rápido e único comentário de "manipulados, fantoches", logo cortado para um "Jú, 120 [centímetros] de quadril", em referência à passista mostrada em seguida na imagem. Nas redes sociais, a escola foi louvada pela "coragem" das críticas. “No pré-Carnaval, quando foi divulgado o tema do enredo, já tivemos uma repercussão interessante, mas esta repercussão muito grande após o desfile nos surpreendeu. Estamos muito felizes”, destacou o diretor de Carnaval. Mas houve também quem, na Internet, considerasse o desfile um "desserviço" digno de rebaixamento.
Mais críticas
A Mangueira também trouxe, nesta primeira noite de desfiles do Grupo Especial carioca, uma crítica direta ao atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que apareceu representado em um dos carros alegóricos como um boneco de Judas, do tipo que é malhado no Sábado de Aleluia. O boneco do político evangélico era acompanhado da frase: "Prefeito, pecado é não brincar o Carnaval". A escola fazia críticas ao corte, por parte da Prefeitura, da metade da verba destinada às escolas de samba e tinha como enredo "Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco". A Beija-Flor, que desfila na noite desta segunda, também trará um Carnaval político para a Sapucaí. Com o enredo Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu deve abordar o descaso com crianças e adolescentes pobres, fazendo uma conexão com a corrupção. Em São Paulo, também houve crítica política, com a volta da X-9 Paulistana ao Grupo Especial, no sábado —o carro A Casa da Mãe Joana trouxe políticos, alguns com a faixa presidencial, e juízes representados sujos de lama e com malas de dinheiro e notas na cueca.
Leonardo Bruno, colunista do jornal Extra e jurado do Estandarte de Ouro, prêmio extraoficial do Carnaval do Rio, acredita que as escolas de samba nunca tiveram muito esse papel de serem tão criticas à sociedade, algo, para ele, mais incorporado pelo Carnaval de rua. "As escolas sempre tiveram uma característica diferente, tanto é que o samba enredo é considerado uma música de gênero épico, que narra os grandes acontecimentos, as grandes conquistas, as grandes realizações", destaca ele. "Agora, por outro lado, o que a gente observa é que nos momentos de maior convulsão, quando a sociedade está mais necessitada de dar um grito contra alguma coisa, elas aparecem representando esse papel de crítica social e política", acredita ele.
Ele destaca que isso foi visto em outros dois momentos na história das escolas. Um, na virada dos anos 60 para 70, auge da ditadura militar no Brasil. Três enredos marcantes, nesta ocasião, falavam sobre a liberdade. O primeiro, em 1967, quando a Salgueiro desfilou A história da liberdade no Brasil. Dois anos depois, em 1969, a Império Serrano falou sobre os Heróis da Liberdade. E, no Carnaval de 1972, a Vila Isabel levou o enredo Onde o Brasil aprendeu a liberdade. Era um momento em que a censura estava no auge e as escolas deram vazão a esse grito represado pela liberdade.
Em meados dos anos 80, destaca ele, a Caprichosos de Pilares e a São Clemente também falaram sobre o momento conturbado da abertura política no Brasil, quando o povo ainda não votava. Elas levaram para a avenida o grito de Direitas Já! e usavam faixas falando sobre a Constituinte. "Eram enredos muito críticos para a época", relembra Bruno. Houve também, em 1989, o célebre desfile da Beija-Flor, em que Joãosinho Trinta produziu um Cristo mendigo, para criticar a pobreza, mas a alegoria acabou proibida pela Justiça, a pedido da Igreja. Já no final da década de 90 e nos anos 2000, quando o país viveu mais estabilidade política e econômica, os enredos críticos foram mais deixados de lado, ressalta o jornalista. "Temos que pensar como sociedade em que momento estamos como país, porque as escolas refletem o que se passa nas ruas. Para essas críticas terem chegado à Sapucaí é porque o momento é de uma crise muito grande. As escolas de samba, em geral, são o último ponto onde chega essa voz crítica, elas resistem muito. É um momento de convulsão em todos os níveis de Governo."
Demétrio Magnoli: Ideias fora de lugar
O Santo Guerreiro precisa do Dragão da Maldade: a ausência de Lula tende a esvaziar o discurso de Jair Bolsonaro
As ideias já estavam fora de lugar antes da condenação de Lula pelo TRF-4 e sua consequente inelegibilidade. O voto unânime dos três magistrados mudou radicalmente o panorama político-eleitoral. As ideias moveram-se junto com os votos, girando 180 graus — e continuaram fora de lugar. Não era verdade, antes, que as eleições presidenciais necessariamente ficariam reféns da polarização entre populistas de esquerda e de direita. Não é verdade, agora, que o espectro dos populismos simétricos tenha sido conjurado. Agora, como antes, o enigma situa-se em outro lugar: a crise do centro político no Brasil.
Antes da sentença do TRF-4, as sondagens atribuíam a Lula algo em torno de 35% das intenções de voto, enquanto Jair Bolsonaro atingia cerca de 15%. O número relevante, que passava quase imperceptível, era 50% — não a soma dos potenciais eleitores de ambos, mas a metade do eleitorado avesso às duas alternativas populistas. Num cenário em que a massa menos informada dos cidadãos só sabia da existência daquelas duas candidaturas, 50% declaravam rejeitá-los. O espaço para uma candidatura vitoriosa de centro ampliou-se, obviamente, com a virtual destruição da postulação de Lula. Mas o centro não triunfará se persistir na sua crônica incapacidade de formular um discurso político popular.
O outono do lulismo reflete-se na fragmentação do campo do populismo de esquerda. Ciro Gomes (PDT), Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos, presumível candidato pelo PSOL, já disputam seu espólio eleitoral, enquanto o PSB tenta atrair o interesse de Joaquim Barbosa. Tudo indica, porém, que o PT erguerá uma candidatura própria. Nutrido a partir da campanha fantasmagórica de Lula, que promete a restauração de uma mítica “idade de ouro” e exibe-se como vítima da “perseguição das elites”, mister X, o candidato do PT, tem chances apreciáveis de ultrapassar a barreira do primeiro turno. Nessa hipótese, uma imagem holográfica de Lula reunificaria, no segundo turno, o bloco do capitalismo de compadrio, do corporativismo e do paternalismo estatal.
Na ponta oposta (ao menos, aparentemente), o populismo de direita apresenta-se unificado desde o início. Bolsonaro investiu no promissor mercado eleitoral do ódio ao lulismo, mesclando sua alma original ultranacionalista a uma agenda ultraliberal fornecida por seitas ideológicas das catacumbas da internet. O Santo Guerreiro precisa do Dragão da Maldade: a ausência de Lula tende a esvaziar o discurso de Bolsonaro. Contudo, por enquanto, sua candidatura progride, alimentada pela ilusória candidatura de Lula. Dias atrás, num evento patrocinado pelo BTG Pactual, o sombrio deputado foi ovacionado por mais de dois mil investidores, uma reiterada comprovação de que a idiotia política e a habilidade para ganhar dinheiro não são mutuamente excludentes.
Mister X (Lula em holografia ou Ciro Gomes, ou mesmo Boulos) versus Bolsonaro? Mesmo agora, não pode ser descartada a hipótese de um tóxico segundo turno, uma “escolha de Sofia” entre a tradição varguista e a nostalgia da ditadura militar, uma recusa absoluta a encarar os dilemas do presente. Contudo, só seremos arrastados a essa encruzilhada impossível se o centro político concluir sua trajetória de implosão.
O PSDB avançou, de olhos abertos, rumo ao abismo engalfinhando-se durante 15 anos nas estéreis lutas intestinas entre seus caciques, firmando um pacto faustiano com Eduardo Cunha em nome do impeachment e, finalmente, perfilando-se com o Aécio Neves do malote de dinheiro da JBS. Mas o colapso tem raízes mais profundas: desenhou-se lá atrás, quando o partido de FHC não soube formular uma política social alternativa ao programa paternalista de estímulo ao consumo privado conduzido pelo lulismo triunfante. O vazio de ideias da candidatura de Geraldo Alckmin espelha um impasse antigo, que se manifesta agonicamente nas periódicas celebrações tucanas dos aniversários do Plano Real.
“Exemplo de lealdade no ninho: enquanto Alckmin tenta consolidar sua candidatura, FHC busca um Macron para chamar de seu”, disparou um obscuro deputado petista, acertando o alvo. Duvidando do candidato tucano, FHC descreve círculos especulativos ao redor da potencial candidatura de Luciano Huck, qualificando-a como “boa para o Brasil”, capaz de “arejar” o cenário e “botar em perigo a política tradicional”. O Macron da França surgiu no vórtice de uma crise dramática, criou um partido centrista viável e ofereceu à nação um ousado projeto de reformas econômicas, sociais e institucionais. Já o Macron de FHC emerge como fenômeno exclusivamente midiático: uma estrela brilhante na constelação das celebridades.
Macron — como, em circunstâncias nacionais diferentes, o argentino Mauricio Macri e o partido espanhol Cidadãos — evidencia que o centro político é capaz de se reinventar diante do desafio populista. O Macron de FHC é o exato oposto disso: um atestado de falência do nosso centro político.
El País: ‘Fake News’,a guerra informativa que já contamina as eleições no Brasil
Especialistas alertam que a polarização política preparou o terreno para sites com forte viés ideológico. Esses sites inundaram as redes sociais e podem ser decisivos na disputa pelo voto
As chamadas fake news, as informações falsas ou ao menos distorcidas espalhadas nas redes sociais, se tornaram uma epidemia que percorre o mundo inteiro. Elas fazem parte de uma nova modalidade de guerra informativa, usada com objetivos políticos, que já rendeu grandes benefícios nas últimas eleições dos EUA. O Brasil aparece agora como um perfeito campo de batalha, no qual as fake news, que já estão contaminando o debate político no país há algum tempo, sobretudo desde o processo que acabou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, podem jogar um papel decisivo. Os elementos estão prontos: um pais muito ativo nas redes sociais, com uma forte polarização ideológica que se reflete claramente na Internet e com umas eleições acirradas demais daqui a poucos meses.
No dia 24 de janeiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi julgado e condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão acusado de receber como propina da construtora OAS um triplex no Guarujá, entre outros benefícios. Nesse dia, das 10 notícias sobre política mais compartilhadas no Facebook, nove foram sobre o julgamento, segundo o Monitor do debate político no meio digital. A ferramenta, que “busca mapear, mensurar e analisar o ecossistema de debate político no meio digital”, identificou que uma matéria do site de notícias G1 foi a que mais êxito teve, com 49.000 compartilhamentos. Em segundo lugar estava uma matéria de um site que não tem nada a ver com o jornalismo profissional, Jovens Cristãos, com 36.000 compartilhamentos. No ranking, ainda apareciam outros veículos tradicionais, como Veja e UOL, mas dividindo o espaço com a chamada imprensa alternativa, como Notícias Brasil Online e Falando Verdades.
O exemplo acima descreve bem a guerra informativa travada nas redes sociais: de um lado, meios de comunicação tradicionais que buscam manter sua influência; do outro, sites de notícias chamados de alternativos, com um forte viés ideológico, não raro definidos como sites de fake news (notícias falsas), cavam seu espaço. Mas o que são as fake news, esse fenômeno mundial que influencia a decisão de eleitores? Para o filósofo Pablo Ortellado, que gerencia o Monitor, uma matéria descrita como fake news é aquela que "aparenta ter sido feita a partir de uma apuração, porém ela é falsa não por erro de apuração, mas de maneira maliciosa".
Diante dessa definição, ele explica, "é muito difícil definir o que são notícias falsas em meio ao volume de notícias nas redes". Ortellado acredita que o conceito mais adequado para descrever o que está acontecendo hoje no Brasil é "uma guerra de informação travestida de jornalismo", na qual há uma imprensa dita alternativa ultra engajada disputando o espaço com a grande imprensa, que também está engajada nessa batalha. "Se você olha para os sites maliciosos, eles praticam pouca invenção pura e simples. O grosso da atividade deles é pegar uma matéria da grande imprensa e fazer uma manchete escandalosa, pegar uma especulação e apresentar como verdade…", explica Ortellado. "São instrumentos de distorção usados com graus variados e que os meios de comunicação também podem usar. Quantas matérias desse tipo as revistas Vejae Istoé já deram na capa? É fake news?", questiona.
Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), concorda que a imprensa se tornou "a base material para a produção de conteúdo com viés ideológico". E explica que, apesar do termo fake news ser recente, "as notícias falsas sempre existiram no Brasil e no mundo", inclusive em época de eleições. A diferença é que hoje "existe um domínio dos veículos com viés ideológico que contam com uma espécie de exercito humano de replicação" de seus conteúdos. E assim, "a opinião vem ganhando mais terreno que a reportagem".
Nesta última semana, o maior jornal do Brasil, a Folha de S. Paulo, resolveu dar um soco na mesa. Decidiu deixar de publicar matérias em seu perfil no Facebook, alegando, entre outros motivos, que a mudança no algoritmo da plataforma, que passou a privilegiar as interações pessoais, "favorece a criação de bolhas de opiniões e convicções e a propagação das fake news".
O próprio termo, aliás, passou a ser usado por atores de todos os tipos como forma de desqualificar seu oponente, explica Ortellado. Algo que reflete um momento particular da vida política brasileira: a forte polarização da sociedade. “O Brasil reúne as características que o deixam suscetível a manipulação”, alerta Claire Wardle, jornalista norte-americana que há mais de dois anos está estudando como as notícias falsas se propagam em cada país. “Primeiro porque é um país muito dividido, e não apenas politicamente como também em assuntos culturais e sociais. Em situação assim as pessoas são menos críticas com a informação que encontram. Se alguma coisa reafirma suas crenças, é provável que você acredite e compartilhe. E os brasileiros, que são grandes usuários das redes sociais, adoram compartilhar”. Ortellado resume da seguinte forma a questão: "As fake news não são a doença, e sim o sintoma. A doença é a polarização política. E em época de eleição, com dinheiro jogado nessa polarização, a tendência é piorar. Se em 2014 já foi bem sujo, em 2018 vai ser pior", aposta.
Mas para Wardle, não é apenas o estado de animo da sociedade que influencia na propagação das fake news, mas também as ferramentas que ela tem nas mãos: “O uso de WhatsApp no Brasil é incrivelmente alto”, diz. “Os aplicativos de mensagens são lugares onde se distribui desinformação e, por estarem criptografados, é mais difícil que jornalistas ou verificadores de informação saibam o que vem circulando. É mais difícil desmentir as notícias falsas a tempo”, acrescenta. Fábio Malini, do Labic, explica que boa parte das informações falsas ou enviesadas de fato são distribuídas através de "correntes de mensagens" que antes eram enviadas por e-mail e agora chegam através do WhatsApp. São correntes que espalham "lendas urbanas" que as pessoas acreditam como "verdades delas". Até hoje há muitos brasileiros que ainda acreditam, por exemplo, na falsidade de que um dos filhos de Lula é o verdadeiro dono da empresa agropecuária Friboi. Há algumas semanas também fez muito sucesso nas redes o suposto cálculo de que as reduções fiscais dadas pelo Governo Temer às petroleiras dos EUA somariam a mirabolante cifra de 1 trilhão de reais.
Para Ortellado, será nesses sites de noticias engajadas e nos perfis do Facebook ligados a eles onde o jogo político vai acontecer. "Elas não prestam contas, não estão oficialmente fazendo campanha, mas estão ai compartilhando informações em um ecossistema enorme. E ele parece diverso e não é. Os mesmos operadores têm dezenas de páginas. E não adianta você desarmar os sites, você tem que desarmar as pessoas", argumenta.
Já no Twitter estão sobretudo os robôs, também conhecidos como bots. São programas capazes de mover centenas de perfis nas redes sociais que aparentam ser de pessoas. Mas que, na verdade, existem para disseminar mentiras. “Já sabemos que existe no Brasil, mas o que é mais preocupante é que há brasileiros dispostos a trabalhar como ciborgs, ou seja, a pessoa que atua como bots, passando o dia inteiro compartilhando conteúdo para dar voz a certas mensagens", explica Wardle. Malini acredita, entretanto, que a influência dos bots tende a diminuir devido à mudança na legislação eleitoral que passou a permitir que políticos paguem para o Facebook impulsar postagens. "Os políticos estão percebendo que o objetivo da compra desses programas, que era ser a tendência, já pode hoje ser conseguido com o impulsionamento de postagens que podem dar visibilidade a sua candidatura", argumenta. De todas as formas, ele diz que um dos efeitos colaterais dos bots vem sendo "o aumento da toxicidade das redes sociais, a sensação de ser um lugar que gera um nível de restrição ao pensamento muito grande".
Wardle é diretora executiva da First Draft News, um projeto da Universidade de Harvard especializado em buscar estratégias para combater as fake news. Em alguns países, conseguiu o milagre de unir varias jornais diferentes, antes inimigos, em um esforço conjunto para verificar e desmentir rumores. Na França funcionou, assim como na Alemanha e no Reino Unido. Agora tenta fazer o mesmo com os principais jornais no Brasil, o EL PAÍS entre eles.
Em sua opinião, os brasileiros deveriam estar preocupados. “Não é só porque existam sites desenhados para fazer notícias ilegítimas, é que existem redes de bots, amplificação pré-fabricada, tentativas de manipular jornalistas para que escrevam matarias baseadas em hashtags cuja relevância foi inflada, fotos manipuladas, vídeos inventados, textos micro-desenhados para eleitores… Os brasileiros deveriam estar preocupados e deveriam perceber o importante que é não compartilhar informação falsa em seus perfis”. Com a mente em outubro, data das eleições, acrescenta: “As eleições deveriam consistir em eleitores que tomam decisões com informação checada. Caso contrário, a democracia está em perigo”.
Rogério Furquim Werneck: A quem interessa que a reforma não passe?
Entre os minimamente bem informados, há amplo entendimento de que contas da Previdência se tornaram insustentáveis
No início desta semana, acumulavam-se sinais de que o governo poderia estar prestes a jogar a toalha e, para efeitos práticos, dar por oficialmente abandonada a longa batalha pela aprovação da reforma da Previdência no atual mandato presidencial. E já se notava certa tensão, entre o Planalto e o Congresso, em torno da ingrata divisão do ônus político de tal desfecho.
Nos últimos dias, o governo entendeu que era preciso desfazer essa impressão. Anunciou que o Planalto estava empenhado em novo e decisivo esforço de mobilização da bancada governista para tentar aprovar, até o fim de fevereiro, uma proposta um pouco menos ambiciosa de reforma. Será a última ofensiva do governo em um longo jogo que se revelou ainda mais difícil do que de início se esperava.
Aos trancos e barrancos, ao fim de mais de duas décadas de esforços, é inegável que o país adquiriu compreensão muito mais clara da inevitabilidade da reforma. E boa parte desse avanço deve ser creditada à equipe econômica do atual governo.
Entre pessoas minimamente bem informadas, já há amplo entendimento de que as contas da Previdência se tornaram insustentáveis. Os números falam por si. Só na esfera federal, o déficit do sistema chegou a R$ 269 bilhões no ano passado. E a esta cifra tão absurda ainda têm de ser adicionados os assustadores déficits previdenciários dos governos subnacionais, cujos orçamentos vêm sendo inviabilizados pelo crescimento descontrolado das folhas de inativos. O Estado do Rio Janeiro é só o líder de uma longa fila de estados e municípios quebrados.
Tem também se disseminado a compreensão de que, sem a reforma da Previdência, não há como superar o quadro de descalabro fiscal que vem impedindo uma retomada sustentável do crescimento da economia e a eliminação do drama que hoje enfrentam 12 milhões de desempregados no país.
Em entrevista concedida em meados de janeiro, o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, assegurou que, se a proposta de reforma fosse aprovada, não mais que 9,5% dos trabalhadores teriam perdas superiores a 1% do seu benefício de aposentadoria (“Valor”, 15 de janeiro). Com a recémanunciada disposição do governo de flexibilizar em alguma medida a proposta de reforma, é bem provável que o percentual de trabalhadores significativamente afetados se torne ainda menor. E, no entanto, o governo está longe de estar convicto de que ainda será possível formar no Congresso a maioria de 60% requerida para aprová-la.
Entender por que uma reforma tão crucial — com resultados potenciais tão promissores e com custos mais significativos restritos a uma parcela relativamente pequena do eleitorado — continua a enfrentar tantas dificuldades para ser aprovada é tema para discussões intermináveis. Mas parcela importante da explicação tem a ver com a resistência ferrenha que as castas mais bem posicionadas de funcionários públicos vêm fazendo à reforma. Embora isso seja mais do que sabido, ainda falta compreensão clara de como tal resistência vem de fato bloqueando a formação da maioria requerida para aprovação da reforma no Congresso.
Não parece ser uma questão meramente eleitoral, que poderia advir de preocupações do parlamentar com possíveis reações da parte do seu eleitorado composta por funcionários públicos. Isto pode até explicar o comportamento das bancadas do PT e de outros partidos de esquerda. No caso dos partidos da base aliada, contudo, as razões da oposição à reforma parecem ser bem mais diretas.
Com frequência, o parlamentar está irremediavelmente enredado pela teia de interesses de toda uma extensa parentela de funcionários públicos — quase sempre bem posicionados — tanto em Brasília quanto nos estados: cônjuge, pais, irmãos, cunhados, filhos, genros, noras, sobrinhos e netos.
Seria muito bom se evidências mais objetivas e sistemáticas das reais proporções desse enredamento pudessem ser levantadas tanto pela mídia como em pesquisas de mais fôlego.
*Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
Luiz Carlos Azedo: “Não é nada meu”
Lula corre o risco de uma nova condenação em Curitiba, por causa do sítio de Atibaia. Todos os pagamentos das obras da reforma do sítio foram feitos em dinheiro vivo pela empreiteira
O juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, decidiu ontem que os recibos de pagamento de aluguéis do apartamento vizinho ao do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, não são materialmente falsos. O imóvel é investigado em uma das ações da Operação Lava-Jato, em Curitiba. Às vésperas do carnaval, parece piada pronta. Lembra o Samba do tríplex, do compositor Boca Nervosa, lançado por Neguinho da Beija Flor: “Não é nada meu (oba)/ Não é nada meu/ Excelência, eu não tenho nada/Isso tudo é de amigo meu./E o tríplex na praia, me diga de quem é?/É de um amigo meu/ E o sítio de Atibaia, de quem que é, neguinho?/É de um amigo meu”.
Segundo Moro, a lei não distingue falsidade material ou ideológica, porém, “ficou incontroverso que os recibos dos aluguéis não são materialmente falsos”. A falsidade ideológica depende de questões que precisam ser esclarecidas; por exemplo, se dinheiro da Odebrecht de fato custeou a aquisição do apartamento. Glaucos da Costamarques, dono do apartamento, afirmou que, apesar de o contrato de locação ser de 2011, passou a receber os pagamentos em 2015. Disse ainda que assinou os recibos todos em uma única vez.
“O próprio Glaucos da Costamarques, apesar de afirmar que não recebeu os valores do aluguel, também declarou que assinou os recibos a pedido de Roberto Teixeira e de José Carlos Costa Marques Bumlai, ainda que parte deles extemporaneamente”, disse Moro. Ambos são amigos de Lula. Segundo Moro, a prova pericial não resolve a questão da falsidade ideológica, porque “ela poderia confirmar que parte dos recibos foi assinada extemporaneamente, mas isso não levaria à conclusão necessária de que os aluguéis não foram pagos”, explicou.
Lula corre o risco de uma nova condenação em Curitiba, por causa do sítio de Atibaia, citado no samba irreverente e sarcástico de Boca Nervosa. Frederico Barbosa, engenheiro da Odebrecht que comandou a reforma do sítio de Atibaia, em depoimento na tarde de ontem, confirmou a Sérgio Moro que todos os pagamentos das obras da reforma do sítio encomendadas por Lula e sua falecida esposa, Marisa Letícia, foram feitos em dinheiro vivo pela empreiteira. Também confirmou que recebeu orientação para manter o assunto em sigilo, porque a reforma era para o ex-presidente da República.
Cada vez mais enrolado na Justiça, parece que a ficha caiu. Lula recorreu ao ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Sepúlveda Pertence, que assumiu sua defesa. Jurista respeitado e querido pelos ex-colegas das duas Cortes, a primeira iniciativa de Pertence foi prestigiar a posse do novo presidente do TSE, Luiz Fux, que fez um discurso duríssimo em defesa da aplicação da Lei da Ficha Limpa. Segundo o novo presidente do TSE, quem estiver com a ficha suja não conseguirá registrar a candidatura, caso de Lula.
Nem entre os petistas cola mais a estratégia de manter a pré-candidatura de Lula na marra. A legenda mantém uma narrativa fora da realidade para ganhar tempo, enquanto Lula não se convence de que deve antecipar o nome do substituto nas eleições, antes que as divisões internas se tornem forças centrífugas. Os dois cogitados, até agora, eram Jaques Wagner e Fernando Haddad, mas ambos já começam a considerar os riscos de ficar sem mandato; já se fala num terceiro nome, o ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-ministro do Desenvolvimento Social Patrus Ananias.
Previdência
O deputado Arthur Maia (PPS-BA) apresentou ontem a última versão de seu relatório sobre a reforma da Previdência. Admitiu que o governo precisa mobilizar o apoio de mais 70 deputados para obter 308 votos em plenário a favor do projeto. Para isso, propõe a formação de uma nova base, a partir do apoio de prefeitos e governadores, que também têm interesse na reforma. “A Previdência ajuda muito os governadores. Aliás, mais do que a União. Os governadores têm interesse na votação da securitização de suas dívidas, têm interesse em discutir um formato de um fundo da Previdência dos estados fora dos orçamentos dos estados. É um caminho, desde que a gente não onere a União. Acho que tem condição de o parlamento construir com governadores e prefeitos uma agenda, uma pauta que trate do campo das despesas.”
Na avaliação de Maia, se a reforma não for aprovada em fevereiro, não sairá mais neste ano. A situação na Câmara, porém, é do tipo “me engana, que eu gosto”. Todos os líderes da base são a favor da PEC, mas não garantem o apoio maciço de suas respectivas bancadas. O presidente Michel Temer diz que já fez a sua parte; o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também, exceto pôr em votação. Tudo parece jogo combinado. Não foi à toa que o Banco Central reduziu os juros para 6,75%, mas anunciou que esse é o piso da taxa Selic. O fracasso da reforma já foi precificado.