eleições 2018
Murillo de Aragão: Águas Quentes de Março
Entre 7 de março e 7 de abril os detentores de mandato legislativo (deputado federal, estadual e vereador) poderão mudar de partido
Encerrando um trimestre cheio de eventos políticos,o mês de marco será muito importante para a sucessão presidencial. Os desdobramentos do mês podem definir algumas candidaturas e, sobretudo, influir no desenho das coalizões que se desenham.
O mais importante dos eventos é o início da janela partidária – entre 7 de março e 7 de abril – quando detentores de mandato legislativo (deputado federal, estadual e vereador) podem mudar de partido sem risco de perder o mandato. Tal fato irá gera uma imensa mobilização no Congresso já que o tamanho das bancadas influirá no tempo de televisão dos candidatos.
A movimentação deve repercutir na agenda de votações do governo no Congresso dada a instabilidade que as mudanças partidárias podem causar na base governista.
Alguns partidos, como PSDB e REDE, temem redução de suas bancadas na Câmara dos Deputados. O DEM, de Rodrigo Maia (RJ), pode atrair uma boa quantidade de deputados federais já que o o partido deverá estar em alguma coalizão relevante na sucessão.
No âmbito partidário e eleitoral, o PSDB realiza sua pré-convenção no dia 11 para escolher seu pré-candidato à Presidência da República. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin deve ser aclamado já que Arthur Virgilio desistiu de participar do processo de prévias. No dia 7, Geraldo Alckmin participa de debate sobre a sucessão presidencial em Washington. Evento será acompanhado com interesse pelo mercado financeiro.
No dia 18, será a vez do PSDB paulista realizar convenções. Irá acontecer acontecer o primeiro turno para a escolha do candidato da legenda ao governo de São Paulo. Concorrem o prefeito da capital, João Doria, José Aníbal, Floriano Pesaro e Luiz Felipe D’Ávila. O segundo turno, se houver, está marcado para 25 de março.
O DEM também realiza pré-convenção em março e pode lançar a pré-candidatura de Rodrigo Maia para a Presidência da República. O evento pode acontecer no dia 8 de março, quando o prefeito de Salvador, ACM Neto, assume a presidência do partido em substituição ao senador José Agripino Maia (RN).
Por conta do prazo de desincompatibilização, deve ocorrer muita movimentação política em torno da substituição de ministros que pretendem deixar seus postos para se candidatar a algum cargo eletivo. Muitos ministros podem deixar seus cargos, no início de abril, para concorrer. Dois nomes, entre muitos, se destacam: Henrique Meirelles e Mendonca Filho. Um deseja concorrer à presidência da República e o outro é especulado como potencial candidato à vice-presidência.
Na Câmara dos Deputados , o governo conta que o debate em torno da privatização da Eletrobras se intensifique com a instalação da Comissão Especial que discutirá o tema. Audiências públicas são esperadas para março, pois a votação será em abril. O governo tem a expectativa de arrecadar R$ 12 bilhões com a venda da empresa. A reoneração da folha, que também está sob a análise da Câmara, é outro tema importante para o governo. Pode ser votada ao longo de março. Apesar da enorme resistência de alguns setores.
Voltando ao âmbito eleitoral, o ex-presidente Lula apresentou na terça-feira (20) embargo de declaração no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, para esclarecer pontos do julgamento que o condenou a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O julgamento do embargo pode acontecer até o fim de março. Enquanto isso, Lula continuará viajando pelo país.
Por fim, teremos a intensificação e os desdobramentos da intervenção federal no Rio de Janeiro que terá impacto na avaliação do governo e nas possibilidades de uma candidatura governista. Enfim, é uma agenda complexa que terá repercussão no processo eleitoral.
* Murillo de Aragão é cientista político
Luiz Carlos Azedo: O medo de Lula
Hubert Alquéres: A contemporaneidade de FHC
Fernando Henrique Cardoso é um dos poucos políticos brasileiros capaz de enxergar além do nevoeiro que turva nossos olhos
Odiado pelos extremos regressistas – e nem sempre compreendido por seus companheiros de partido – o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é um dos poucos políticos brasileiros capaz de enxergar além do nevoeiro que turva nossos olhos. Intelectual e político atento, é figura obrigatória a ser ouvida por quem quiser entender as intensas transformações que varrem o mundo.
Com esse propósito, na semana passada o movimento suprapartidário Roda Democrática promoveu um encontro com o ex-presidente. Fernando Henrique esbanjou vitalidade com analises precisas. Vejamos algumas.
A revolução tecnológica, com o advento da robótica e da inteligência artificial alterou as relações sociais no trabalho e o próprio modo de acumulação do capital. De um lado, “vem criando uma enorme massa de não empregáveis” e de outro, a acumulação do capital se desloca para as áreas que envolvem criatividade e para as das novas tecnologias, “de onde advém os novos milionários”.
Como dar dignidade às pessoas num quadro onde a “produtividade aumenta de forma cavalar e a tecnologia é concentradora de capital”? Mais: “como manter os não empregáveis e o que fazer com a hora desnecessária do trabalho?”
Segundo ele, esse processo levará ao aumento da desigualdade. No caso do Brasil diz, à desigualdade tradicional acrescenta-se a “desigualdade futura”, produto da Revolução 4.0. Tudo isso em um país que não cuidou da área da educação como deveria e também não acompanhou as mudanças na economia global. Resultado: perdeu protagonismo até mesmo na América do Sul.
Ao mesmo tempo, a sociedade fragmentou-se. “Em vez da velha divisão de classes de um mundo onde os partidos representavam determinados interesses, temos hoje uma sociedade dividida em questões identitárias”.
A partir daí faz uma pergunta inquietante: “como fazer política entre identidades diferentes” e que muitas vezes se fecham ao redor de si mesmas formando verdadeiros guetos?
Isto será possível por meio do diálogo e de ideias comuns que, transversalmente, permeiem toda a sociedade. Quais seriam elas? Do ponto de vista dos valores, além da “liberdade e igualdade, a dignidade, o respeito aos direitos humanos”.
Para além dos valores, FHC entende que é preciso reencantar a política, com ideias e pessoas concretas. Este seria o grande desafio de um “polo popular democrático e progressista” alternativo aos extremos.
Este polo, avalia, estará fadado ao fracasso se seu programa estiver voltado apenas para atender ao mercado. “É preciso olhar para o mercado, mas também para o estado e a sociedade. Se não olhar para a base, vai perder a eleição. Não é Lula que é forte no Nordeste. É a pobreza que é forte.” Este olhar se traduziria no tripé emprego-segurança-princípios éticos.
Aos 86 anos, Fernando Henrique chama atenção não apenas pela contemporaneidade de seu pensamento, mas também pelo seu realismo político: “temos de fulanizar as ideias e trabalhar com o que temos”. O recado está dado.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo
Merval Pereira: Ventos policiais
Demétrio Magnoli: Que tiro foi esse?
A Paraíso do Tuiuti recuperou o morro clássico, puro e sofrido, adicionando-lhe o discurso farsesco do PT, que faz a escravidão perenizar-se no “cativeiro social”, celebra a CLT varguista e anuncia uma “libertação” conduzida pelo “quilombo da favela”. Na quarta de cinzas, encerrado o carnaval político pra inglês ver, chegou a intervenção federal, pra brasileiro ver. Que tiro foi esse? Os jornalistas referem-se à “intervenção na área de segurança do Rio”, numa tentativa desesperada de conciliar o conceito à realidade factual. O governador segue no comando do governo estadual. Mas o Planalto, com seu beneplácito explícito, cassa-lhe o controle da segurança pública. O paradoxo indica o triunfo da Tuiuti: continuamos, deploravelmente, a fingir que o morro — tanto faz se casto ou criminoso, subjugado ou sublevado — é um mundo à parte.
A história velha evolui em novo capítulo. Na sua hora áurea, a política das UPPs ganhou tanto apoio, político e popular, quanto terá a intervenção, ao menos na sua fase inicial. As UPPs produziram um equilíbrio temporário, cobrindo com gaze fina a ferida purulenta. Nas “comunidades pacificadas”, atualizaram-se os pactos criminosos, enquanto se redividiam os territórios das facções armadas. A milícia, que é a “polícia do B”, alastrou seu poder, saltando dos serviços de botijão de gás e “gatonet” para os negócios imobiliários. O CV desgastou-se em conflitos com a ADA e o TCP, o que preparou a irrupção do PCC em terras cariocas.
Sob a precária segurança das UPPs, nada se fez para reformar as polícias, identificar as ramificações políticas do crime organizado ou radiografar suas relações com as autoridades públicas. A ruptura do equilíbrio provisório decorreu do colapso financeiro estadual, que provocou uma implosão da Polícia Militar, nas formas de ondas de abandonos abertos ou ocultos dos empregos. Os pedidos de baixa, o absenteísmo disfarçado e a cooptação de policiais pelas milícias e pelas facções escancararam a cidade à criminalidade comum. Agências dos correios pararam de entregar objetos em áreas críticas da metrópole. Táxis começaram a recusar corridas fora dos limites da Zona Sul. Que tiro foi esse? As armas e os projéteis desceram o morro, dinamitando a “normalidade” prévia. Daí, a intervenção.
Temer reassumiu a iniciativa perdida com o arrastado fracasso da reforma previdenciária e, sobretudo, apossou-se da bandeira valiosa da segurança pública, apertando uma tecla estratégica no cenário da campanha presidencial que se avizinha. Nesse passo, contudo, reagiu a uma catástrofe real. Pela primeira vez, o presidente casual, sitiado pelo descrédito, tem a oportunidade de ganhar a atenção popular. As pessoas comuns querem, como mínimo, circular nas ruas sem medo. Por isso, a oposição à intervenção circunscreve-se a forças políticas hipnotizadas pela ideologia (PT, PSOL) ou pelo mais rasteiro oprtunismo eleitoral (PT, novamente, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes). Mas a alma lampedusiana da intervenção de Temer emergirá cedo ou tarde: trata-se de mudar tudo para que tudo permaneça como sempre foi.
Duas perguntas óbvias não terão resposta do Planalto. A primeira: se não há divergências fundamentais de política entre o governador e o presidente, por que cassar as atribuições do primeiro na área da segurança pública? A segunda: por que a intervenção circunscreve-se à segurança se o colapso do Rio abrange as finanças estaduais e atinge o conjunto dos serviços públicos?
“Nós, só com a Polícia Militar e a Polícia Civil, não estamos conseguindo” deter o crime organizado, alegou Luiz Fernando Pezão. A conclusão lógica do diagnóstico seria um pedido estadual para ampliar a operação militar federal de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Mas, no lugar disso, segundo informa-nos o Planalto, Pezão “participou das discussões” e “concordou com a elaboração do decreto” de intervenção. A curiosa unidade de propósitos entre o agente da intervenção e a vítima dela sugere que uma parte crucial da história permanece escondida.
Que tiro foi esse? A intervenção destina-se a restaurar uma película de equilíbrio sem destruir a rede de instáveis alianças que entrelaça a elite política estadual, a polícia, a milícia e as fações criminosas. O poder militar está encarregado de recuperar a capacidade policial de conter a criminalidade comum, circunscrevendo o tiroteio ao universo das favelas. O interventor designado não tem a prerrogativa de extirpar o crime organizado das estruturas políticas, administrativas e policiais do Rio. Sua missão exclusiva é retraçar a linha demarcatória entre a “cidade” e o “morro”, a fim de represar a crise.
Pezão fica. A sua presença no governo, apenas sem o comando da segurança pública, cumpre a função de um seguro. Temer está dizendo aos sócios “respeitáveis” das facções criminosas que, no fim, tudo será como antes. De certo modo, a Paraíso do Tuiuti venceu. O “morro” pode continuar a ser cantado como lugar mítico, de calvário e redenção, desde que a célebre bala perdida não ultrapasse os seus limites. A festa deve seguir, respeitando-se um adequado intervalo de silêncio.
* Demétrio Magnoli é sociólogo
El País: Apesar de impopularidade recorde, Temer estuda lançar sua candidatura
Presidente obteve apenas 1% da intenção de votos nas últimas pesquisas, mas o objetivo seria vender o apoio do MDB
Nos bastidores, o discurso é de que o presidente Michel Temer (MDB) estuda lançar sua candidatura ao Planalto principalmente para defender o seu “legado”, já que até o momento ninguém se dispôs a fazê-lo. Mas entre os que planejam as eleições no MDB a razão é outra: vender mais caro o apoio em um eventual segundo turno. Afinal, mesmo que haja uma onda de renovação na política, dificilmente a legenda deixará de ser um dos partidos que mais elegem parlamentares. E é esse apoio no Congresso Nacional que os medebistas querem leiloar, conforme relataram ao EL PAÍS, três membros que circulam entre a cúpula da legenda. O alvo favorito seria um dos partidos de centro-direita que pode chegar na segunda etapa eleitoral.
Hoje, o partido possui a maior bancada da Câmara dos Deputados (59) e do Senado (20). Nas últimas cinco eleições tem eleito entre 65 e 84 deputados e de 15 a 24 senadores. Ou seja, possivelmente o MDB, ou parte dele, acabará fazendo parte do futuro Governo federal, é o que tem ocorrido desde a redemocratização do país, em 1988.
O presidente e seu entorno sabem que, mesmo que a intervenção federal na segurança pública no Rio de Janeirotenha sucesso ou que a economia demonstre sinais intensos de recuperação dificilmente conseguiria se reeleger. Temer já alcançou a marca do mandatário mais impopular do Brasil, quando atingiu os 3% de popularidade (hoje tem 6%) e, na última pesquisa Datafolha de janeiro, obteve apenas 1% das intenções de votos.
Os balões de ensaio lançados nos últimos dias pelo marqueteiro de Temer, Elsinho Mouco, e pelo presidente da legenda, Romero Jucá, não foram em vão. Seus objetivos eram medir o nível de apoio que a proposta teria no meio político e esfriar os ânimos de dois pretensos candidatos da base governista, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD).
Os resultados, contudo, não foram como se esperava. A entrevista que Mouco deu ao jornal O Globo, em que dizia que Temer “já era candidato” após a intervenção no Rio gerou dois desmentidos. Um do próprio marqueteiro e outro do porta-voz da Presidência da República, Alexandre Parola. Mouco afirmou que suas falas representavam apenas sua própria vontade, não a de seu chefe. Já Parola disse que o presidente não se pauta na agenda eleitoral para tomar suas decisões. “O governo seguirá sua trajetória sem pautar-se pela busca do aplauso fácil, mas na rota firme das decisões corajosas que buscam enfrentar e resolver os dramas verdadeiros de nossa Nação, sem nenhuma significação eleitoral”.
Falta de nomes e sem Previdência
A busca de uma candidatura própria ao Planalto ganhou força entre os peemedebistas em 2015, ainda quando Dilma Rousseff (PT) se enfraquecia na presidência da República. Naquela ocasião, pré-impeachment, o nome do então vice-presidente Temer era o favorito para disputar o cargo. Quando ele assumiu a presidência, contudo, manteve índices pífios de popularidade e enfrentou resistências de parte do Congresso.
Após aprovar medidas impopulares e polêmicas como a instituição de um teto de gastos públicos e a reforma trabalhista, o governo almejava aprovar a reforma da Previdência por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC). Sem votos para tanto, acabou a enterrando a publicar o decreto de intervenção na segurança do Rio. Enquanto a intervenção persistir, nenhuma alteração na Constituição Federal pode ser votada.
A tendência é que o mercado financeiro reaja mal à não votação da reforma previdenciária. A aliados, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já reclamou do recuo na votação da Previdência. Chegou a dizer que é possível que as agências de classificação de risco reduzam ainda mais o índice de confiança na economia do Brasil. Hoje, Standard & Poor, Fitch e Moody’s, mantém o país abaixo do grau de investimento.
Como uma tentativa de dar uma resposta, de maneira açodada, a gestão Temer lançou um pacote de 15 projetos na área econômica que teriam o aval do Governo. O “vendeu” como se nos próximos dias tudo entraria em votação no Congresso. Faltou combinar com Rodrigo Maia, que se sentiu, mais uma vez, alijado do processo de discussão e afirmou que quem faz a agenda do Legislativo são os congressistas, não o Executivo.
Essa queda de braço deve se intensificar nos próximos meses. Maia, que ainda é aliado de Temer, articula sua candidatura ao Planalto. Nas últimas semanas, guardou algumas mágoas com o governo. A mais recente é por ter sido excluído dos debates prévios sobre a intervenção no Rio, sua base eleitoral.
Alon Feuerwerker: O estado das variáveis-chave neste momento da corrida pela sucessão presidencial
O candidato do PT. Lula, a não ser que os tribunais superiores recusem uma liminar que o deixe concorrer. O que vai acontecer depende de com quem cair a coisa, e se o (in)felizardo terá coragem para decidir de um jeito ou de outro. Se Lula não puder disputar, o PT tende a substituir por um petista e Jaques Wagner é o mais provável. Mas Ciro Gomes corre por fora.
Se Lula for eliminado da corrida a menos de 20 dias da eleição, o PT não pode mais substituir: ou apoia alguém de fora ou boicota. Se houver uma ação eficaz de transferência, Lula repassa pelo menos 80% da intenção de voto, o que levará o apoiado ao segundo turno. Como sempre, o desafio mora nos detalhes. Executar isso não será simples. Mas é bem possível.
A resiliência de Bolsonaro. O senso comum diz que Bolsonaro vai emagrecer por falta de dinheiro, tempo de TV e apoios. Vale porém acompanhar melhor. O eleitorado dele é bastante coeso ideologicamente e parece pouco influenciável pelos canais tradicionais de difusão de informação. E ele está fechando o flanco do “despreparo” na economia. Bom ficar de olho.
Se Bolsonaro for lipoaspirado por uma ação combinada do governo, dos partidos habituais da direita (ou de seu genérico, o "centro") e da imprensa, o establishment precisará evitar um efeito centrífugo. Impedir que uma parte migre direto para a esquerda e outra refugie-se no não voto, no branco e no nulo. Se Lula for impedido, este será um problema também para o PT.
Os arrufos entre o governo e o PSDB. O PMDB foi linha auxiliar e coadjuvante dos tucanos durante os oito anos de FHC e dos petistas nos quase 14 anos de Lula e Dilma. Agora tem a caneta e não vai entregar sem luta. Temer espera que a intervenção no Rio rompa a inércia negativa. Se não, tem a opção de buscar um nome leve. Subestimar o governo é sempre um risco.
Já para Alckmin as coisas têm melhorado. Huck correu ao primeiro rugido do leão, Dória queimou a largada e foi punido no grid, Arthur Virgílio retirou-se atirando balas de festim. O tal espaço para um “centro” que salve o país da suposta ameaça do radicalismo vai caindo no colo do governador. O desafio dele é empolgar o eleitor com um discurso centrista. Não é trivial.
O cenário ideal para Alckmin é o cansaço com a bagunça nacional superar o cansaço com os políticos e, em outubro, o eleitor decidir escolher alguém rodado, para tentar acabar com a confusão crônica. A, até agora, anemia do “novo” ajuda o governador. Aliás, uma característica desta pré-eleição é o sistemático envelhecimento precoce do “novo" não bolsonarista.
A coesão ou a dispersão do “centro”, e o efeito-Freixo. Se PMDB e PSDB racharem o “centro", a aritmética se complica. Se o candidato do governo, Alckmin e Marina consolidarem, cada um, em torno de 10%, e se Álvaro Dias pelo menos mantiver os 3 ou 4%, pode acontecer o efeito caranguejo no balaio. Toda vez que alguém tentar subir, os demais vão puxar para baixo.
Na eleição do Rio em 2016 era provável que Pedro Paulo, Osório ou Índio fossem para o segundo turno. Aí o voto centrista dividiu-se bem entre os três, e quem passou à decisão foi Freixo. O candidato a “Freixo” agora é Bolsonaro. Diz a lógica que o estoque de votos centristas uma hora vai convergir. Mas política não é geração espontânea. Precisa de execução.
Uma centelha pode incendiar a pradaria. A melhora (ou a não piora) da situação econômica favorece algum equilíbrio político, mas este é instável. É provável que o apedrejamento maciço e sistemático da representação política e a louvação dos salvadores da pátria continuem na campanha. E uma centelha pode incendiar essa pradaria seca.
O que seria? Um “novo” atropelar do nada e arrastar a maioria do atual estoque de brancos/nulos/não sei/não vou votar? A reação popular, não nas ruas mas na urna, à cassação da candidatura de Lula? Uma onda antipetista que junte a direita, o “centro” e o não voto, para impedir a volta do PT ao poder? Nesta eleição, convém aumentar a atenção sobre o imprevisível.
O problema é que, como já dito aqui algumas vezes, o imprevisível costuma ser muito difícil de prever.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
http://www.alon.jor.br/2018/02/o-estado-das-variaveis-chave-neste.html
Eliane Cantanhêde: Nem inferno, nem céu
Michel Temer deu uma cambalhota, mas nem por isso vira santo ou candidato
O presidente Michel Temer deu uma cambalhota. Deixou de ser o presidente mais impopular desde a redemocratização, sem horizonte e carregando nas costas o defunto da reforma da Previdência, para passar a ser o presidente que interveio no Rio de Janeiro, deflagrou uma guerra à violência e passou até, vejam só, a ser considerado candidato a um novo mandato.
Nem ao inferno, nem ao céu. Temer enfrentou uma pedreira desde o impeachment de Dilma, com a pecha de golpista e as denúncias de Rodrigo Janot, e sacou a arma que sabe manejar bem: a negociação com partidos e políticos, chegando a excrescências como nomear, e desnomear, Cristiane Brasil, sob intenso tiroteio da mídia e com o Ministério do Trabalho vago. Nem por isso era o diabo.
Mas também não vai virar santo – ou candidato –, de uma hora para outra, só com a intervenção na segurança. Apenas ganha fôlego, possivelmente alguns pontos nas pesquisas e discurso para enfrentar os áridos meses até a eleição e a passagem de cargo, com os holofotes nos candidatos, não num governo nos seus estertores.
Antes da intervenção, Temer só entrava mal na mídia. Com a intervenção, entra na boa e ganhando colunas, notinhas e análises sobre uma possível candidatura. Na eleição, tende a sair das manchetes, minguar, tendo de fugir de denúncias e dos malfeitos de companheiros do PMDB e de assessores no governo. Portanto, das páginas policiais.
O que dizer do encaminhamento de Gustavo Perrella como futuro ministro dos Esportes? Não é aquele famoso pela apreensão de um helicóptero da família com cocaína no Espírito Santo? Agora, Temer não tem mais a desculpa de ter de ceder tudo, anéis e dedos, por três ou quatro votinhos a mais para a Previdência. Livre, ele pode escolher melhor, certo? Sua própria equipe acreditava nisso.
E Henrique Meirelles? Presidente do Banco Central de Lula, ileso no desastre Dilma e ministro da Fazenda de Temer, ele só deixou o primeiro time do BankBoston e voltou ao Brasil com uma única ideia fixa: ser presidente da República. Faltou combinar com os adversários. E com ele próprio, sua falta de jeito e de talento para a política.
Além disso, Meirelles pode capitalizar os avanços positivos na economia, com previsão de crescimento acima dos 3% em 2018, inflação e juros historicamente baixos e balança comercial animada, mas... a pior herança de Dilma foi a cratera fiscal e isso continua sem solução. E teve azar. Sem ter quem lançá-lo, ele decidiu lançar-se. No mesmo dia, a agência Fitch rebaixou a nota do Brasil pela falta da reforma da Previdência e de perspectivas de sair do atoleiro fiscal.
É assim que o governo que não tinha nenhum candidato passou subitamente a ter dois, mas nenhum deles é capaz de convencer de que tem as condições de decolagem, voo seguro e pouso garantido. Tudo pode mudar, mas a expectativa é de que se gaste muita tinta e gogó com as candidaturas Temer e Meirelles para nada. Assim como se gasta com as de Lula, ficha suja, e Jair Bolsonaro, aquele que faz que vai, mas não vai.
Além deles, João Doria não deu para o gasto, Luciano Huck roeu a corda, ninguém mais fala em Rodrigo Maia, Marina Silva faz campanha escondida, Ciro Gomes ainda não foi assimilado pelo PT, Álvaro Dias é regional. Enquanto o centro e a direita vão de voo de galinha em voo de galinha e a esquerda está imobilizada pelo fator Lula, Geraldo Alckmin vê a Lava Jato avançando pelas searas do PSDB justamente no ano eleitoral. Ele tem as condições objetivas e trabalha com afinco para consolidá-las, aguardando pacientemente o apoio do Planalto. Mas precisa sobreviver e garantir as condições subjetivas: Alckmin precisa alavancar Alckmin.
Samuel Pessôa: Eleição à vista
Oxalá na próxima eleição nós estejamos exorcizados dos erros básicos de política econômica
Iniciou-se o ano e, após a Copa do Mundo da Rússia, o tema mais importante de 2018 será a eleição.
É muito importante que, diferentemente do que ocorreu em 2014, o debate entre os políticos seja o mais aberto e franco possível.
Naquela oportunidade, eu participei do grupo que apoiou o senador Aécio Neves e, portanto, tenho minha parte de responsabilidade no processo. O maior erro que todos nós cometemos foi esconder da sociedade a situação fiscal dramática em que nos encontrávamos.
Eu, com meus erros, fui partícipe dessa empulhação. Não me regozijo.
Há dois enfoques totalmente distintos a serem considerados nesse tema. Primeiro, o tradicional debate esquerda versus direita.
A esquerda deseja carga tributária elevada e a construção de um Estado de bem-estar social para auxiliar as pessoas a viver e sobreviver em um mundo que muda e em que o risco é enorme.
Para alcançar esse objetivo, a esquerda está disposta a elevar a carga tributária.
A direita considera que elevações da carga tributária podem ter fortes impactos sobre a eficiência e o incentivo ao trabalho, à inovação, ao esforço e à poupança. Podem, portanto, gerar no longo prazo baixa taxa de crescimento da produtividade, estagnação e, no limite, regressão econômica.
Ambos têm razão. A sabedoria do eleitor vai determinar qual projeto melhor se adéqua às necessidades de nossa sociedade no presente momento.
Esse é o debate normal entre uma economia mais liberal e a construção de um Estado de bem-estar social.
Há outra dimensão em que os projetos políticos que têm sido oferecidos à sociedade diferem. E essa distinção não está associada à disjuntiva equidade versus eficiência.
Há diferentes entendimentos entre os profissionais brasileiros de economia sobre o impacto do planejamento e da interferência estatal no processo de desenvolvimento econômico.
A divergência ocorre com relação ao papel do intervencionismo estatal no desenvolvimento econômico. Diversos economistas heterodoxos brasileiros pensam que a Coreia do Sul, por exemplo, cresceu porque o Estado interveio fortemente no espaço econômico. Em razão desse entendimento, entre 2006 e 2014, as seguintes medidas foram tomadas:
Capitalização do BNDES em R$ 400 bilhões; tentativa de reviver a indústria naval; desastrosa gestão da Petrobras, que elevou o endividamento a mais de cinco vezes a geração de caixa; alteração do marco regulatório do petróleo; intervenção desastrosa no setor elétrico, que, segundo esta Folha, deixou conta de R$ 90 bilhões; proteção do programa Inovar-Auto a uma indústria infantil há 60 anos; insistência nos anacrônicos requerimentos de conteúdo nacional; incapacidade de o governo petista encaminhar os problemas da nossa infraestrutura deficiente; a tentativa frustrada, que muito custou à CEF e ao BB, de baixar na marra o spread bancário; a tentativa frustrada de baixar na marra a Selic; a manipulação das contas públicas; as desonerações desastradas que tanto custaram ao Tesouro; a tentativa frustrada de combater a inflação congelando preços de serviços de utilidade pública; e uma longuíssima lista de erros primários de condução de política econômica.
Note que nessa lista encontram-se erros (ao menos ao meu juízo) de formulação de política econômica que não estão associados à disjuntiva equidade versus eficiência. São erros que estão associados a um entendimento equivocado da forma como funciona uma economia de mercado.
Oxalá no próximo processo eleitoral nós estejamos exorcizados dos erros básicos de política econômica e nos concentremos no fundamental do debate político.
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV
Míriam Leitão: Temer e Meirelles, fogueira das vaidades
O primeiro objetivo do presidente Temer ao se colocar como candidato é adiar a hora em que será um pato manco, um governante sem poder, em fim de mandato. Temer quer manter a ideia de que tem um horizonte amplo. A expectativa de que possa ter poder no futuro aumenta sua força agora. Seu movimento levou ao improviso do ministro Henrique Meirelles, considerando encerrado seu tempo na Fazenda.
O Brasil terminou a semana com duas estranhezas. Um presidente impopular que tem ambições de permanecer no cargo e por isso todos os seus atos serão considerados de campanha, e um ministro da Fazenda que já encerrou o expediente, mas ainda não deixou o cargo.
Temer e seu grupo são profissionais do poder, sempre estiveram colados aos cascos dos navios, e agora estão no comando. Seus ministros mais próximos são investigados, e, se continuarem ministros, terão a vantagem do foro privilegiado. Isso sem falar em outras regalias. Ele próprio tem uma vantagem decorrente de uma falha na lei eleitoral: pode disputar a eleição estando no poder, enquanto seus concorrentes precisarão estar fora de qualquer cargo.
O ministro Henrique Meirelles tem bons serviços prestados, tanto no Ministério da Fazenda quanto no Banco Central. Ajudou o ex-presidente Lula a vencer a desconfiança contra ele, que, em 2003, elevara o dólar, a inflação e o risco-país. Depois, foi o ponto de resistência contra as propostas econômicas equivocadas do partido do então presidente. No Ministério da Fazenda, montou uma boa equipe. Ele, sua equipe e um competente Banco Central tiraram o país da inflação de quase dois dígitos e da recessão.
O problema do ministro é que ele não tem os atributos de comunicação naturais de um candidato. Sua única experiência com as urnas foi no seu estado natal, Goiás, numa eleição proporcional. É difícil imaginar Meirelles empolgando as massas em um palanque ou usando de forma convincente o horário eleitoral.
Meirelles não fez um anúncio formal sobre a candidatura. Numa entrevista à rádio Itatiaia, disse que sua etapa à frente do Ministério está cumprida e que estava “contemplando” a possibilidade de se candidatar. Mais tarde, em entrevista à CBN, confirmou sua ambição de concorrer. Um ministro da Fazenda que diz que essa etapa de sua vida está encerrada tem que, em seguida, entregar o cargo. Mas ele disse que a candidatura ainda depende de alguns fatores. Um deles é ter estrutura partidária. Se Meirelles anda se aconselhando com marqueteiros experientes como Duda Mendonça, deve ter ouvido que esse anúncio na condicional o deixa num limbo. Nem é mais ministro da Fazenda, nem ainda é candidato. Fica difícil entender a estratégia de Meirelles.
Temer tem ouvido que, se há um legado do seu governo, ele mesmo deve se aproveitar disso. Vários dos que estão no seu grupo dependem dessa vitória, como biombo contra a Justiça. O STF, pela sua espantosa lentidão, faz com que o foro seja um excelente negócio. A prerrogativa pode ser restringida, mas essa decisão ficou presa na armadilha Dias Toffoli. O ministro interrompeu a tomada de decisão do STF sob o argumento de que o Congresso estava deliberando sobre isso, e os políticos engavetaram o assunto. Agora a intervenção trancou a gaveta a chave.
Temer e Meirelles têm o mesmo pensamento. Ambos calculam que a economia vai crescer este ano e com inflação baixa, aumentando a sensação de conforto econômico. Ambos acham que podem ser beneficiários desse momento. A recuperação, desta vez, tem características próprias. O desemprego permanece muito alto, e a sensação de insegurança está presente nas famílias. Há bons indicadores de melhora. É possível medi-los, mas ainda é difícil senti-los. É improvável que o tímido fim da recessão, em ambiente hostil de desemprego e renda, seja capaz de alavancar candidatos que pontuam tão pouco nas pesquisas. Há outros itens na agenda do brasileiro. A intervenção federal na segurança do Rio é manobra que tem muitos riscos e, se trouxer ganhos, serão a longo prazo. A candidatura de Temer aumentará o combate à intervenção, porque ela será vista como manobra eleitoreira. As ambições do presidente tornam ainda mais difícil esse fim de governo.
Alon Feuerwerker: Ação no Rio e Huck - a guerra é pelo voto do pobre
O PT ganhou as três primeiras eleições presidenciais pelo mesmo placar: arredondando, 60% a 40%. 2014 foi mais apertado, porque no segundo turno a terceira via descarregou em parte no adversário do PT. As três primeiras tiveram resultados bem parecidos, mas as semelhanças escondem diferenças essenciais que ajudam a entender acontecimentos de agora. Como o canto da sereia para Luciano Huck e a intervenção no Rio.
Fernando Henrique bateu duas vezes Lula com boa ajuda dos pobres e do Nordeste. O Plano Real, como o Cruzado de Sarney, provou-se investimento de alto retorno eleitoral. Mesmo em 2002, quando o PT finalmente chegou ao Planalto, parte grande desse estoque foi para o candidato do PSDB. Lula ganhou com forte apoio das camadas médias nos grandes centros urbanos. O PT era então o partido diferente dos outros.
A crise desencadeada pelas acusações/revelações do deputado Roberto Jefferson em 2005 ajudou a operar uma mudança fundamental na coalizão social do assim chamado lulismo. Saíram os grupos do meio da pirâmide antes atraídos pela promessa de “ética”. Entraram os contingentes beneficiados pelo emprego, pelo aumento do salário mínimo e também pelos programas sociais. Tal troca já foi bem estudada e analisada pelos especialistas.
Desde 2006, é essa a aliança social que sustenta as vitórias eleitorais do PT e da esquerda aliada. E, segundo as pesquisas, é o pilar fundamental da resiliência atual de Lula. E da sua capacidade teórica para alavancar outro nome na disputa presidencial. É só olhar os números: se nada for feito, esse estoque de apoio popular levará um candidato da esquerda ao segundo turno, onde ele será competitivo. Nas circunstâncias, seria um feito e tanto.
A conclusão é óbvia. Não bastará a um candidato da direita (ou de seu genérico, o “centro”) recolher os votos do antipetismo. Não foi suficiente antes e não será agora. Ou ela entra firme nos pobres e no Nordeste, ou a situação eleitoral será de risco. De novo, é só olhar os números. Lula não estará na cédula eletrônica, mas confiar cegamente nisso é complicado. Vai que, como em 2010, o eleitorado lulista decide dar mais um voto de confiança ao líder…
Daí a caça a um candidato ou a uma política pública que sensibilizem o pobre e o Nordeste, onde tem mais pobre que a média nacional. O candidato era Luciano Huck, o comunicador de biografia supostamente generosa para os “mais humildes”. Não deu certo. Jamais saberemos se funcionaria. Agora temos a intervenção federal na segurança do Rio. É inteligente, também na teoria. Será que vai funcionar? A resposta, é claro, estará na execução. Como costuma ser.
Adaptando Joãosinho Trinta, quem gosta de discurso sobre como melhorar a segurança pública é intelectual. Pobre gosta mesmo é de segurança pública. É ele quem mais sofre com a falta dela. Esse é um flanco que a esquerda tem imensa dificuldade para fechar, também por cegueira ideológica. A esquerda não deve porém se desesperar. Considerando-se a perícia necessária e a complexidade da operação proposta, a chance de flopar é real.
Sempre há, entretanto, o risco de confiar demais na incompetência alheia. Mas viver é correr riscos.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Marco Aurélio Nogueira: Centro, esse escorregadio objeto de desejo
Ocupá-lo é uma necessidade, sem ele, nenhum sistema político ganha fluidez
Entra semana, sai semana, o centro continua em evidência. Todos querem atrair ou neutralizar suas correntes. Procuram-se também nomes que o unifiquem.
Luciano Huck mostrou a dificuldade do processo. Desejou ser o centro renovador: o novo em política. Excitou os movimentos cívicos e reiterou a ideia de que os partidos precisam reinventar-se. Criou turbulência no interior do PSDB, mexendo com os brios de Geraldo Alckmin. A operação não deu certo, mas serviu para realçar a necessidade de preencher o vazio que se reproduz na política nacional: um vazio de nomes, de ideias, de projetos que sacudam a poeira das velhas vestes que ainda recobrem a política.
O excesso de movimentação demonstra que o centro é um espaço em busca de quem o organize. Seu magnetismo se impõe porque não há vitória eleitoral ou políticas positivas que não tenham ao menos um pé centralizado.
Os dogmáticos falam que a afirmação de um centro seria uma estratégia da direita, assustada com a liderança de Lula nas pesquisas. Os liberais querem um centro que neutralize os “excessos” e proteja a liberdade. Os conservadores mais à direita, por sua vez, veem no centro um obstáculo para seus planos de conter a renovação dos costumes. Mesmo setores da esquerda, quando pensam em sua própria articulação, concebem um “centro-esquerda” que se una para enfrentar o “centro-direita”.
Os democratas entendem o centro como um fator de ultrapassagem do atual padrão de competição política, muito polarizado. O suposto é que sem o centro o sucesso será mais difícil, posto que saturado pela reposição mecânica do velho padrão. O desafio passa pela reconstrução de algo que, em boa medida, foi a força propulsora da redemocratização. Como a vida mudou e a política entrou em parafuso, reconstruir o centro tornou-se ao mesmo tempo problema e estratégia.
Ruim em termos de articulação, a situação tem como contraponto positivo a pressão social, a hostilidade popular à política praticada, a indignação contra a corrupção, os privilégios e a ineficiência dos políticos. Procura-se um nome “novo”, mais que um novo projeto. Não se conseguiu, até agora, definir que forças políticas poderão articular-se em torno de propostas claras para a questão fiscal, o formato do Estado, a agenda social, o desenvolvimento. Sem isso tanto fará se o candidato for “novo” ou “velho”.
Mas o que seria o centro político, esse objeto de desejo tão escorregadio?
O centro é sempre importante, mas não é tudo. É parte do jogo, um vir a ser, uma aspiração ou uma obsessão. Não é uma igreja de salvação, nem a praia de todos. Ocupá-lo é uma necessidade. Sem ele nenhum sistema político ganha fluidez.
Particularmente no Brasil, o centro não é o Centrão. Também não é igual a maioria parlamentar ou ao polo que controla essa maioria. Não é governismo. Para ser viável e consistente precisa ir além dessa dimensão, dirigi-la, subordiná-la, por maior que seja a atração exercida pelo poder central. Um centro comandado pelo poder central amarra o País. Autônomo e consciente de si, faz o País avançar.
Em geometria, o centro é o ponto que está no meio de uma figura. Numa reta, divide-a em dois lados iguais. Num círculo ou numa esfera, é o ponto a partir do qual equidistam todos os pontos pertencentes à circunferência. Nas figuras geométricas em geral, o centro pode ser determinado com precisão desde que elas sejam simétricas, regulares.
Em termos políticos, não é assim. Um centro político não tem determinação exata, não é fixo nem equidistante de nada. Pode flertar mais com um lado do que com outro, buscar superar as extremidades, atraindo-as e submetendo-as a si, ou pode simplesmente funcionar como um administrador das forças em presença. Suas figuras e seus espaços de operação são irregulares, dinâmicos.
Trata-se, pois, de uma posição relativa, que só pode ser proclamada tendo em vista uma esquerda e uma direita, entendidas essas duas posições em sua tradução pura, extremada. Como tal pureza não existe, o centro também não se configura com precisão. Como lembrou o cientista político Marcus Mello, citando Maurice Duverger, “o centro é um lugar imaginário, não existe em política”: chamamos centro ao “lugar geométrico donde se reúnem os moderados de tendências opostas”. Para compensar sua limitação costuma ser associado a termos outros, como união, serenidade e temperança.
Há centros que existem para conservar e outros que se dedicam a fazer uma revolução. Um centro inclinado à direita anda para trás. Inclinado à esquerda, é uma chance de avanço, tanto no plano moral quanto em termos de igualdade. Um centro autoritário, burocrático, promove a passividade e a subserviência dos aderentes. Realizado democraticamente, promove a autonomia, o pluralismo e a multiplicidade das vozes. O primeiro é potencialmente regressista, o segundo é progressista.
O centro não existe como algo dado: é uma construção. Por isso somente ganha sustentabilidade se tiver programa e projeto. Sem raízes sociais é como uma casa sem alicerces. Pode assentar telhas e janelas, mas ruirá no primeiro vendaval.
Um centro inclinado à esquerda não é a solução, mas pode ajudar a que ela seja encontrada. Sua virtude repousa na articulação dialética Estado-sociedade, no molejo democrático que faz com que se ouça a voz de todos e na disposição de abraçar a causa de um país. Seu programa se volta para o encontro de um novo modo de pensar e organizar a política, atualizando-a aos patamares civilizatórios em que nos encontramos.
2018 promete avançar em meio à incerteza, ao mal-estar social, a crises e polarizações. Não dá para saber se um centro forte possibilitará que se desanuviem as brumas que nos cegam. Mas dá para cravar que sem reformismo democrático, respeito aos direitos e articulação social nenhum centro fará coisa que preste.