eleições 2018
PD #49 - Raimundo Santos: Desenvolvimento e democracia no discurso de FHC
Nesta hora, às vésperas da eleição de 2018, é útil lembrar não só o pleito de 1989 pela grande dispersão das correntes políticas que levou à vitória de um presidente messiânico, mas também as eleições de 1994 que consolidaram um momento democrático-construtivo que vinha se desenvolvendo a partir do impeachment de Collor. Este pleito, como dizia o presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso, no seu discurso de despedida do Senado, proferido em 14 de dezembro de 1994, abria o caminho para se evitar o pior dos cenários que era o marasmo de uma democracia representativa formal, esvaziada de conteúdo econômico e social pelas pragas do elitismo, do fisiologismo e do corporativismo.
Então, ele seguia dizendo que o Brasil vivia não apenas um somatório de crises conjunturais, mas o fim de um ciclo de desenvolvimento, pois a manutenção dos padrões de protecionismo e intervencionismo sufocava a concorrência necessária à eficiência econômica e distanciava cada vez mais o Brasil do fluxo das inovações tecnológicas e gerenciais que revolucionava a economia mundial. Fernando Henrique divisava na circunstância da globalização da época a oportunidade para um novo ciclo de desenvolvi- mento, desde que aqui se levassem adiante reformas reestruturantes da economia, num amplo contexto de desestatização da vida nacional, mobilizando a política e a sociedade civil pluralista que se dinamizara com a conquista das liberdades democráticas.
As diretrizes de governo, apresentadas naquele discurso, se opunham às experiências autoritárias do passado, particularmente ao modelo de modernização econômica e de organização da sociedade que se consolidara na Era Vargas, em moldes de uma revolução nacional-popular por meio da expansão das funções administrativas para estruturar de cima para baixo várias esferas da vida nacional, como ocorreu na economia, nos sindicatos, nos meios de comunicação e na cultura.
Em primeiro lugar, Fernando Henrique se propunha aprofundar o processo de estabilização macroeconômica iniciado no governo pluripartidário de Itamar Franco, do qual fora ministro da Fazenda, não como um fim em si mesmo, mas como condição para o crescimento sustentado da economia e para o resgate da dívida social. Defendia medidas que rompiam com o desenvolvimentismo à moda antiga baseado na pesada intervenção estatal, seja através da despesa, seja através dos regulamentos cartoriais.
O objetivo do seu governo era aumentar as taxas de investi- mento, cujos pilares justamente radicavam na confiança na estabilidade econômica do país e na construção de um marco institucional que permitisse à iniciativa privada exercer “na plenitude o seu talento criador”. Instaurar “uma verdadeira democracia econômica e social”, como ele chamava, requeria que a ação do Estado se voltasse para as maiorias menos organizadas ou inorganizáveis: os consumidores, os contribuintes, os pobres e os excluídos. Para isso, continuava o presidente eleito o seu discurso, seria preciso resgatar o Estado da pilhagem dos “interesses estratégicos”, das “conquistas sociais” exclusivistas, do corporativismo, em suma, dos privilégios que distorciam a distribuição de renda.
O segundo ponto do programa de governo de Fernando Henrique se voltava para a abertura da economia ao mercado mundial daqueles anos 1990. Na contramão da grande maioria das correntes de esquerda, ele via a integração do país à globa- lização como um processo progressista e incontornável, sendo necessário superar o modelo da industrialização substitutiva das importações oriundo da Era Vargas. Fernando Henrique conferia à política de “Exportar para importar” um sentido estra- tégico, argumentando que se devia importar equipamentos e insumos para acelerar a modernização e a expansão da indús- tria, da agricultura e dos serviços domésticos. E importar bens de consumo, mantendo uma proteção tarifária moderada para que os preços internos se aproximassem dos preços internacio- nais, e os ganhos de produtividade já ocorridos e por ocorrer se transferissem para o conjunto da sociedade.
Esse era o caminho que lhe apontava a experiência das economias capitalistas maduras para combinar crescimento e distribuição de renda. Ele também propunha ações para impulsionar o desenvolvimento tecnológico das indústrias (“e para seu financia- mento a juros aproximados das taxas internacionais”). Manter e aumentar a competitividade das exportações não significava a volta do protecionismo. Esperava que as medidas permitissem, por um lado, novos ganhos de produtividade às empresas e, por outro lado, aumentassem a eficiência sistêmica da economia, reduzindo o chamado “custo Brasil”. Fernando Henrique se referia a variadas providências que iam desde a eliminação de impostos sobre as exportações até a melhoria das estradas e dos portos cujo mau uso encarecia a produção nacional.
A terceira diretriz do discurso de 1994 redefinia a questão da relação entre o Estado e o mercado buscando que o eixo do novo ciclo econômico passasse da atividade produtora do setor estatal para o setor privado. O Estado tinha presença-chave no desenvolvimento, desempenhando função regulatória, não no sentido de espalhar regras e favores a “torto e a direito”, como ele dizia, mas de criar um marco institucional que assegurasse “plena eficácia ao sistema de preços relativos”, incentivando os investimentos privados na atividade produtiva. O princípio geral da regulação visava à eficiência do mercado, oferecendo à indústria brasileira condições semelhantes às dos concorrentes externos. Fernando Henrique tocava num outro tema arraigado na cultura empresarial brasi- leira, inclusive na própria atividade política, quando mencionava a necessidade de se desmontar as antigas regulamentações que davam proteção cartorial a determinados setores. Ele sublinhava que o objetivo da ação reguladora se centrava na reafirmação da vocação industrial da economia brasileira e de sua base tecnológica, sendo imprescindível não perder de vista a meta de conferir- lhe dinamismo e competitividade no tempo da globalização.
A quarta diretriz das reformas propostas objetivava dar sustentabilidade ao processo de desenvolvimento, constituindo uma moderna infraestrutura econômica e social por meio de novas formas de parceria entre o Estado, a empresa e a comunidade. O presidente eleito fazia referência a medidas destinadas aos setores de energia, transportes e telecomunicações; e ao chamado (“impropriamente”) “capital humano”. Em relação à primeira infraestrutura, dizia ser fundamental ampliar o conceito de privatização com vistas a aumentar a eficiência geral da economia desde que se fizesse acompanhar do fortalecimento da “autoridade pública” (“agências controladoras”). Na sua visão, a parceria com a empresa privada na infraestrutura econômica abria espaço para que o Estado investisse mais em saúde, em educação, em cultura, em segurança; investisse mais no essencial, no seu povo (“o maior ativo estratégico de um país”). Essa tarefa, frisava ele, vinha junto com o “imperativo ético” de incorporar ao processo de desenvolvi- mento os milhões de excluídos pela miséria, observando ser necessário superar a “zona cinzenta do clientelismo e da corrupção”.
Para o êxito das políticas sociais, Fernando Henrique atribuía grande protagonismo à comunidade, realçando o papel das ONGs (que preferia chamar de “organizações neogovernamentais”), entendendo-as como formas inovadoras de articulação da sociedade civil com o Estado; por isso igualmente “sujeitas à prestação de contas e ao escrutínio público”. Nesse campo da infraestrutura social, a descentralização e a parceria com a comunidade passavam a ser as linhas mestras das ações do seu futuro governo, cumprindo papel chave para universalizar o acesso aos serviços de saúde e “a um ensino fundamental de boa qualidade”.
Às vésperas de assumir a Presidência da República, ele se propunha discutir com o mundo político as medidas legislativas para dar curso às reformas. Mencionava uma agenda constitucional, que já estava posta na cena pública, para remover da Carta de 1988 os “nós que atam o Estado brasileiro à herança do velho modelo, e algumas impropriedades que, assim recordava o presidente eleito, “nós, constituintes, acrescentamos para nossa conta”. Ele aludia às revisões constitucionais sugeridas por Itamar Franco e a outras que tramitavam no Congresso (o “solucionador de impas- ses”), citando as reformas fiscal, tributária, previdenciária, orça- mentária; e também as medidas sobre o capital estrangeiro, monopólios estatais etc. Além dessas reformas no plano econômico, Fernando Henrique se referia a diversos temas constitucionais que precisavam ser redimensionados, dentre os quais os direitos e obrigações dos servidores públicos, as relações de trabalho, a organização sindical e a organização do Poder Judiciário. Incluía a reforma política, especialmente o sistema eleitoral, defendendo o sistema distrital misto alemão. Observava ainda que o detalhismo da Constituição de 1988 provocara o efeito indesejado de despolitizar e tribunalizar decisões, dizendo que matérias mais próprias de lei ordinária ou de programa de governo, “uma vez congeladas na Constituição, ficam excluídas do processo político normal”.
Lembrar o discurso de Fernando Henrique, proferido em 1994, avulta o contraste entre o caráter construtivo dos seus governos e a Era Lula. Durante os seus dois mandatos, as diretrizes então anunciadas ensejaram transformações em diversos setores da economia, nas políticas públicas e na própria estrutura do Estado. A partir de 2003, muitas dessas mudanças foram mantidas, mas perderam nas ações dos governos de Lula e Dilma o nexo que ligava o Estado, a economia e a sociedade como esferas diferenciadas da formulação originária de 1994, cujo foco era o desenvolvimento econômico sustentável na circunstância da globalização visando assegurar uma sociedade aberta e de cultura política liberal-democrática.
Ao contrário, na visão que hegemonizará as atuações dos governos petistas vai predominar a questão da posse do aparelho do governo como base para um regime social de outro tipo. A participação do PT, inclusive dos movimentos sociais, nas estruturas estatais passará a ser mobilizada em termos de uma ocupação de mais e mais áreas do Estado. Para isso concorria o fato de seus principais protagonistas não terem compromisso com a democracia política, pois sempre desconheceram a questão demo- crática posta na esquerda brasileira, há muitos anos atrás.
Chama atenção o traço – próprio do populismo – de os governos de Lula e Dilma não darem valor fundamental às transformações da esfera propriamente produtiva que era o cerne do programa de Fernando Henrique de 1994. O desinteresse por este tipo de reestruturação de sentido construtivo é o que, além das vicissitudes que advêm da crise da economia internacional, sobretudo no governo de Dilma, leva, afinal, à desorganização da economia e de outras áreas da vida nacional ao fim da Era Lula.
Também são expressivos daquela visão de poder o apelo do “nós e eles” com que Lula e o PT, ao longo do tempo, procuraram polarizar a vida social e política do país, e o fato de o segundo governo de Dilma, isolado politicamente em 2016, recorrer à mobilização das suas próprias forças para dentro de si como forma de luta contra os que considerava seus inimigos externos. As avaliações oficiais do PT, feitas logo após o impeachment da presidente Dilma, lamentando não ter radicalizado aquela estratégia de poder, revelaram que o esgotamento da Era Lula foi o fracasso de uma experiência assemelhável a uma revolução nacional-popular.
* Raimundo Santos é autor do ensaio introdutório ao livro O marxismo político de Armênio Guedes, FAP/Contraponto, Brasília/Rio de Janeiro, 2012
Alon Feuerwerker: Naturalização da violência política é, até agora, o fato novo deste processo eleitoral. E o tempo não recua
Uma incógnita importante nesta eleição presidencial é a resistência que o deputado Jair Bolsonaro conseguirá opor ao movimento dos concorrentes no seu campo para lipoaspirar os votos dele, hoje cerca de um quinto do eleitorado. Há algum consenso de que a turma de Lula tem boas chances de colocar alguém na decisão, e daí sobraria apenas uma vaga.
As fragilidades de Bolsonaro vêm sendo bem descritas. Pouca estrutura partidária, pouco tempo de televisão, pouco dinheiro e muito radicalismo. As três primeiras continuam na mesma. Mas há uma mudança em curso na quarta, uma mudança cultural inédita: pela primeira vez desde a redemocratização, o radicalismo político de direita disputa a hegemonia.
Era algo que já acontecia com o radicalismo político da esquerda, e que agora se estende para o outro lado. Foi pedagógico acompanhar as reações à morte de Marielle Franco, reações na internet e fora dela. Apesar da extensa e intensa condenação da opinião pública, os bolsões da direita ficaram impermeáveis à comoção.
Como já analisado anteriormente, o brutal assassinato da vereadora do PSOL criou um ruído momentâneo entre o bolsonarismo e os movimentos autodefinidos como “de centro” (a partir daqui, por economia, vou dispensar as aspas). Mas a reação destes foi em boa medida protocolar, do tipo “precisamos dizer algo para podermos dizer que dissemos algo”.
Em outros tempos, seria um acontecimento disruptivo. Mas não está sendo. Um fato provoca disrupção quando quebra a coesão de pelo menos um campo político, e assim abre caminho para o realinhamento significativo de forças. Isso simplesmente não está acontecendo. Por uma razão principal: o Brasil vai pouco a pouco naturalizando a violência política.
Para a análise política no Brasil de 2018, não importa tanto olhar o aspecto civilizatório, ético ou moral. Interessa tentar entender o efeito eleitoral. O principal: Bolsonaro vai adquirindo uma taxa de “votabilidade” inexistente no início da corrida. Conforme o ambiente se radicaliza e a violência se naturaliza, o voto nele vai se tornando mais mainstream.
O candidato já havia tomado providências para acelerar essa “normalização”. O principal foi nomear seu porta-voz em economia um economista respeitado dos meios acadêmico-empresariais. Ganhou com isso um salvo-conduto parecido com o que Lula recebeu pela Carta aos Brasileiros em 2002. Paulo Guedes é para Bolsonaro o que Palocci foi para o petista.
Resta agora romper o isolamento político-ideológico. E ele vai sendo rompido conforme aumenta a rejeição do público, em todas as camadas, às formas democráticas de governo e também às garantias e direitos previstos na Constituição. Se as instituições são ilegítimas e os direitos servem de escudo aos bandidos, por que aceitar o monopólio da violência pelos governos?
É um cenário progressivamente complicado para o centro. Não impossível, mas complicado. Para capturar votos de Bolsonaro, precisará deslocar-se para a direita, mas com cuidado, pois lá na frente talvez precise fazer meia volta para decidir a eleição num eventual segundo turno contra a esquerda ou, numa hipótese menos provável, contra o próprio Bolsonaro.
Dois argumentos eleitorais fortes estão no cardápio contra as possibilidades de Bolsonaro: 1) ele não seria capaz de derrotar no segundo turno o PT ou alguém apoiado pelo PT e 2) ele não conseguiria governar, pela fragilidade da base política e o radicalismo das propostas, e visão de mundo. São dois bons argumentos, mas de outro tempo.
O primeiro argumento depende de surgir um candidato capaz de desempenhar melhor que ele nas pesquisas contra Lula ou alguém apoiado por Lula. É cedo para concluir, mas ainda não aconteceu. E dizer que Bolsonaro não tem apoio de políticos reforça hoje em dia um atributo. Mas o mais importante: a visão de mundo dele está em alta. Goste-se disso ou não.
Claro que tudo pode mudar a partir de uma bem azeitada campanha de opinião pública para “salvar o Brasil dos radicalismos”. Mas dar um cavalo-de-pau nesse transatlântico não será simples, nem trivial. Não será um passeio no parque. Também e especialmente porque o tempo é a única dimensão que não recua.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Vera Magalhães: Aécio fora da eleição?
Alberto Aggio: Um novo partido democrático para o Brasil
O Brasil vive um momento dramático. Os brasileiros irão às urnas em outubro esperando que o país encontre saídas reais para a crise e um novo sentido de futuro. As últimas escolhas e a composição dos últimos governos deixaram sequelas profundas que comprometeram a credibilidade da política. Hoje, a crise ética é uma fratura aberta, a segurança pública um descalabro, acossada pelo crime organizado. Parcas melhoras na economia e no emprego não fizeram alterar esse cenário de desesperança.
Diante da confirmação da condenação de Lula pelo TRF4, que deve ceifar sua candidatura presidencial, o país tem diante de si o desafio de superar o lulismo. A corrupção sistemática que arrasou o país nos anos do lulismo abalou todo o edifício político que havia sido montado nesses anos de democratização. O cenário pós-Lula deverá requisitar o concurso do conjunto da sociedade, da opinião pública, dos intelectuais, dos partidos políticos e de todos aqueles que possam se mobilizar pela reconstrução do país.
Lula e o PT nasceram no outono do autoritarismo como peças do “sindicalismo de resultados”, com roupagem e retórica de esquerda. No governo, analogicamente, o lulopetismo foi uma "esquerda de resultados", nefasta à sociedade brasileira, especialmente aos mais pobres pois os subalternizou, fixando-os em seus interesses individuais e impedindo qualquer perspectiva de elevação cultural e política que os convocasse a formular e compartilhar um projeto nacional e civilizatório. O lulopetismo foi tóxico à democracia e à esquerda. Como escreveu Demétrio Magnoli, em artigo recente, "a 'esquerda' lulista escolheu o capitalismo selvagem do consumo privado, do crédito popular, do cartão magnético, das Casas Bahia e do Magazine Luiza" como horizonte de satisfação hedonista das massas. A pragmática petista contou, das origens até agora, com a anuência da "esquerda maximalista" que soldava apoios ao “grande líder” quando julgava necessário e conveniente. Um papel jogado também pelos intelectuais das universidades públicas. Foi assim que o lulopetismo condenou o Brasil a não ver realizada a social-democracia ou o reformismo que poderiam instaurar um novo cenário histórico no país. Em nome do mito e servindo-se dele, o PT bloqueou a afirmação de uma esquerda democrática, defensora das reformas e aberta ao novo.
No Brasil de hoje, as ruas, que foram essenciais em 2013 e no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, esmoreceram, mas não se despreocuparam. Como se sabia, seria ilusão esperar delas uma saída clara para a crise em que o país mergulhou. Sem conseguir estancar a crise ética, o governo Temer não produziu a expectativa positiva que se esperava, mesmo com uma oposição fraca e prisioneira do lulismo. A política que havia revivescido acabou por não se consolidar. Resultado: o drama se instalou, com uma sociedade órfã sem poder confiar no governo ou na oposição.
A expectativa se voltou para as dimensões externas à política, notadamente para a Operação Lava Jato, que cumpria exemplarmente o seu papel republicano e constitucional. Desorientada, a opinião pública passou a admitir saídas ilusórias e despropositadas. Alguns continuaram a ver nas ruas, via democracia direta, a alternativa a esse estado de desorientação. Outros concluíram que decisivo seria “dar o poder” aos “homens de toga” como substitutos da má política. Embalados pela ânsia de poder, outros ainda viram nas eleições presidenciais de 2018 a salvação mediante apoio a algum outsider, uma sedução ao transformismo que não faria mais do que prolongar nossa agonia; por sorte parece que essa febre está cedendo. De toda forma, como sabemos, a saída está na política e é em torno dela que devemos nos reagrupar.
É nesse cenário que se deve valorizar a recente abertura do Partido Popular Socialista (PPS) aos chamados “movimentos cívicos” que brotam na sociedade com o objetivo de renovar ou refundar a política. Um partido político abrir-se ao diálogo com o que há de autonomamente organizado na sociedade é sempre saudável. Isso pode gerar novos ares novos e novas perspectivas, especialmente se o objetivo for renovar os nossos carcomidos costumes políticos e ultrapassar essa fase nefasta da vida política brasileira.
Sucedâneo do antigo PCB, para o PPS isso é fundamental. O PPS é um partido pequeno e, na conjuntura atual, necessita eleitoralmente dessa abertura. Esse talvez seja o sentido mais imediato dessa aproximação com os chamados "movimentos cívicos", como o Agora, o Renova Brasil e o Livres, além de outros. Na linguagem destes movimentos, a perspectiva eleitoral também é evidente e talvez até mais explícita. A atrasada legislação eleitoral brasileira não permite as chamadas listas cívicas de candidatos autônomos e, por isso, os movimentos precisam se credenciar nos partidos políticos para seus candidatos postularem um lugar na disputa. O PPS abriu essa porta a eles.
Entretanto, para o PPS talvez seja mais do que isso ou talvez possa ser mais do que isso. Intencionalmente ou não, o fato é que essa abertura (e mesmo as circunstâncias em que ela se realiza) pode colocar um desafio novo ao PPS. Em casos assim, de uma abertura à sociedade, à novas culturas política, como não poderia deixar de ser, abre-se a discussão em torno do destino dessa organização política.
Pode-se dizer que entre o fim do PCB e o advento do PPS, até os dias que correm, o PPS configurou-se essencialmente como um partido pós-comunista, com aderentes que vieram de diversas culturas políticas ou até mesmo de nenhuma, mas com um núcleo dirigente político caudatário da história e da cultura política do pecebismo. O PPS é antes de tudo um partido pós-pecebista, que busca valorizar o que entende como positivo na trajetória do “velho partidão”, especialmente sua postura democrática, adotada depois de 1958 e realçada no combate à ditadura militar que se impôs no Brasil entre 1964 e 1985. O pecebismo é aqui tratado como uma cultura específica do movimento comunista internacional que deu origem e guiou os passos da trajetória do comunismo no Brasil. Como em outros países, a versão nacional do movimento comunista estabeleceu uma característica especial a cada um dos partidos. No caso brasileiro, o pecebismo foi uma espécie de ato de “civilização do comunismo” por meio de sua adesão à política democrática. Daí a ambiguidade sempre marcante do PCB, especialmente depois da Declaração de Março de 1958 que acabou por dar ao partido (talvez da mesma forma que ocorreu com o Partido Comunista Italiano, guardadas as devidas proporções) uma espécie de “dupla alma”: mantida a adesão ao comunismo internacional, buscou organizar sua linha política que procurava ler cuidadosamente a situação nacional, integrando-se às lutas democráticas do seu povo.
Como pós-comunista, o PPS trouxe para dentro de si as características marcantes do pecebismo e, talvez por isso, tardou muito a encontrar uma nova identidade. Demorou muito em admitir que o seu ideário anterior, o comunismo, havia fracassado e não apenas havia sido derrotado (em certo sentido, a ideia de derrota ainda prevalece, uma vez que ainda se fala a partir da trajetória vivida, ou seja, do momento comunista ainda incrustrado no PPS). Tardou muito também a se perceber como partido reformista, sem ambiguidades, no sentido de que as reformas devem compor uma perspectiva de futuro e de destino e não uma etapa de um processo revolucionário ou transformador, como pensavam antigamente os comunistas. A fase pós-comunista do PPS se fixou como uma inercia mental que o dificultou a ir além, malgrado alguns esforços momentâneos e isolados.
Assim, para além do eleitoral, para o PPS, a abertura aos “movimentos cívicos” talvez possa se constituir num momento particularmente precioso, histórico, que se volte para a perspectiva de se pensar na criação de um novo sujeito político. É ilusória a fórmula de um "partido-movimento", na medida que isso deve fazer parte de qualquer processo de renovação ou refundação dos partidos atuais, especialmente à esquerda do espectro político-ideológico. Assim como é taxativa e fora da realidade a assertiva de que os partidos "têm prazo de validade determinado". Há partidos que morrem, que se desqualificam, que se renovam, que se refundam e que nascem. O PCB e o PCI morreram, o PTB e o MDB se desqualificaram, o PD italiano e o Partido Liberal canadense, imersos nas incertezas da democracia e do seu jogo eleitoral, se renovam e se refundam, o Podemos, na Espanha, e o En Marche, na França, são novas criações que derivam das lutas efetivamente populares nos seus países por renovação da política, e assim por diante. A lista seria grande e aqui menciono apenas alguns exemplos. Mas o certo é que a questão não é simplesmente a mudança de nome dos partidos, em especial quando o critério for apenas eleitoral, sem vínculos políticos e simbólicos com o que se passa na sociedade (falar em Movimento23, como às vezes se cogita, é algo que, ao nosso ver, não se deve acolher em razão de sua exclusiva dimensão eleitoral, sem vínculos simbólicos nem com o passado nem com o presente)
Fala-se eufemisticamente de uma nova "formatação" ou "formação política". Mas, realisticamente, se deveria falar num novo partido político, com novo nome, novo programa, novos métodos, novas aberturas, nova identidade. Instituir uma nova formação partidária com os mesmos vícios do antigo comunismo (justiça seja feita: não apenas dele), como a eternização das direções e o controle férreo da sucessão dos quadros dirigentes, não terá nenhuma valia.
Se essa abertura do PPS aos chamados “movimentos cívicos” avançar, para além do eleitoral, será uma perda de oportunidade histórica não superar a fase pós-comunista do partido e, com ela, decretar o fim das suas estruturas e costumes inerciais e o nascimento de um novo sujeito histórico, não mais pós-comunista e muito menos comunista. Ao nosso ver, não se deve perder aqui a orientação que está identificada na marca da esquerda democrática”, embora do ponto de vista programático poderá haver uma maior abertura a elementos do que se pode chamar de "esquerda liberal" ou mesmo um "centro-esquerda liberal-democrático", como vem ocorrendo na França, na Inglaterra e no Chile. O presente está aberto e o que fizermos agora dirá quais serão os nossos caminhos para o futuro.
Os termos deverão ser claros: um novo partido, uma força cosmopolita e reformista que possa, além de governar o país, ser capaz propor uma visão geral e uma ideia do futuro diante de um mundo que muda de maneira vertiginosa e profunda. Que seja capaz de responder às necessidades e também aos desejos de todos aqueles que querem trilhar esse caminho carregando consigo suas legítimas preocupações, anseios e ambições.
Devemos partir claramente de uma verdade insofismável: o cenário global é complexo assim como a revolução tecnológica em curso constitui-se numa grande oportunidade. Contudo, a sociedade em seu conjunto e o Estado brasileiro, em especial, deve estar equipado para enfrentar os problemas que também derivam dessa grande transformação. Esse novo partido democrático deve propor medidas de fortalecimento da nossa economia para que o país volte a crescer, com qualidade e sustentabilidade, e a ser visto como um player importante no mundo, libertando suas energias e seu enorme potencial. O Brasil tem todas as credenciais para proporcionar aos seus cidadãos os meios para uma vida digna e as oportunidades para a realização de suas ambições, como indivíduos e como uma comunidade que busca reafirmar suas identidades no momento em que irá completar 200 anos de existência como país independente.
É, certamente, uma batalha dramática e exigente frente a todos os desafios que temos pela frente, cujo inimigo maior são as promessas, imprudentes e perigosas, que comprometem os horizontes fiscais da República além de escamotearem, com políticas econômicas dignas de desenhos autárquicos do passado, os equívocos trágicos que a história, mesmo a mais recente, nos têm ensinado.
Vivemos um momento de resgate da política e de refundação. Não há razão para se partir do zero, mas também não há razão para imaginarmos que o novo cairá do céu ou derivará de qualquer retórica mercadológica ou marqueteira. Também não há razão para acreditar que os brasileiros de bem não construíram, mesmo que contraditoriamente, um país cheio de vitalidade e que, transformado, deverá ser um excelente lugar para se viver. É preciso extrair do esforço democrático de luta dos brasileiros, tal como se fez na luta contra o autoritarismo, os fundamentos de um amplo programa de reformas que deverá, sem as falsas promessas e ilusões fáceis da demagogia e da antipolítica, transformar o país. É hora de nos atualizarmos ao mundo e vivermos com sinceridade os desafios do futuro. Não surgirá efetivamente nada de novo e positivo nessa quadra se nossos propósitos não forem largos e claros visando uma atualização verdadeira e realista. Trata-se, desta forma, de uma oportunidade histórica que não pode ser vivida como “oportunismo” ou mais um “transformismo”.
Não surgirá nada de novo nessa quadra se nossos propósitos não visarem a uma atualização verdadeira e realista. As ideias-chave para tanto são a valorização do trabalho, da ética e da República, estímulo à inovação e ao crescimento econômico, visão social consonante com o mundo em transformação, democracia e novo reformismo. Tudo depende de cada um e de todos nós. De um pequeno partido e de movimentos renovadores da política formados por pessoas que devem, como o conjunto da população, estarem no centro das nossas preocupações e dos nossos horizontes.
Merval Pereira: Futuro inseguro
Mesmo os que acreditam na força da política tradicional, com seus acordos por baixo dos panos e suas coligações estapafúrdias para aumentar o tempo de televisão, fogem do PMDB e do próprio presidente Michel Temer. A janela de mudança partidária permitida pela legislação começou com uma evidência de debandada de políticos do maior partido do país, que bem ou mal está no poder.
Essa insegurança partidária atinge os candidatos regionais, que fazem acordos localizados que terão repercussão negativa no final das contas, ajudando a manter a incoerência intrínseca de nosso sistema político-partidário.
Os acordos que obedecem a uma lógica local — que se distancia da lógica nacional da candidatura presidencial — farão com que vários candidatos frequentem palanques variados, misturando mais ainda a cabeça do eleitor.
Também o DEM e o PSDB sofrem com a corrida de políticos para outros portos mais seguros. É provável que a frágil Rede de Marina Silva venha a recolher algumas adesões que lhe restituirão a possibilidade de participar dos debates na televisão, depois que perdeu o número mínimo de cinco parlamentares exigido pela legislação eleitoral. Suas expectativas de poder, mostram as pesquisas, são mais sólidas do que as de políticos teoricamente bem estruturados, como Geraldo Alckmin.
O deputado Jair Bolsonaro entrou para o PSL seguido por uma série de adesões de deputados que enxergam nele uma expectativa de poder viável, enquanto a esquerda e o centro estão paralisados na busca de definições. Com Lula fora da disputa, o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, é a face mais visível da esquerda na corrida presidencial, mas a ambição política leva a que a união das esquerdas seja impossível no primeiro turno.
Cada um acha que podem sobrar para si os restos mortais políticos de Lula, sem acreditar que ele seja capaz de transferir, mais uma vez, sua popularidade para outro poste, depois do fracasso em que se transformou o governo de Dilma Rousseff.
Além disso, uma coisa é eleger uma sucessora estando no poder com popularidade em alta e um crescimento de 7,5%, turbinado por ações populistas que deram início à derrocada econômica que se viu a partir de 2010. Outra bem diferente é eleger um escolhido estando às voltas com condenações na Justiça, uma prisão iminente, e evidências de atividades corruptas em vários níveis.
Uma situação dessas limita a capacidade de transferência de votos a um público bastante reduzido, que pode até levar o ungido a um segundo turno, diante da fragmentação de uma eleição disputada por mais de 20 candidatos, mas não garante uma vitória ao final.
Também ao centro não há convergência de candidaturas, todos vendo à frente um espaço a ser ocupado pelo mais ousado. E esses ousados procuram se distanciar do governo — a que serviam até pouco tempo —, por mais poder que tenha a máquina partidária do PMDB.
Hoje, acredita-se mais na cristianização de um eventual candidato governista, ainda mais se ele for o próprio presidente Temer, do que na ressurreição de sua popularidade devido à recuperação econômica ou ao sucesso da política de Segurança nacional iniciada no Rio de Janeiro.
O mais provável é que a balcanização das influências partidárias torne mais difícil governar um país quebrado e sem projeto de futuro. Não há no tabuleiro eleitoral, nem fora dele, figura política capaz de mandar uma mensagem de reconciliação e reconstrução para o futuro. E o que tenta vender essa capacitação mais parece hoje um “Napoleão de hospício”, falando de um passado que não existiu e vendendo um futuro que não tem condições de entregar.
Difícil acreditar que desta corrida maluca saia algum governo minimamente capacitado a enfrentar os graves problemas que o país tem pela frente.
http://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/futuro-inseguro.html
Eliane Cantanhêde: Uma bagunça
Se a eleição presidencial tem tantos candidatos, é porque nenhum convence até agora
Tem alguma coisa errada quando o líder das pesquisas é um condenado e está com o pé na cadeia, o segundo colocado se empolga (e empolga) com uma “bancada da metralhadora”, o presidente mais impopular da história recente quer entrar na campanha e um ex-presidente que é réu e caiu por impeachment se lança candidato como se fosse a coisa mais natural do mundo. A sucessão tem nomes demais e candidatos viáveis de menos. Seria cômico, não fosse trágico.
Está difícil decorar os nomes dos quase 15 candidatos e é improvável que todos eles vão em frente. No tão falado “centro”, o presidente Michel Temer dificilmente enfrentará uma campanha, o ministro Henrique Meirelles não encanta nenhum partido e o deputado Rodrigo Maia tem resistências do próprio pai, o ex-prefeito César Maia. Logo, o mais provável é que Temer, Meirelles e Maia acabem desistindo e afunilando para Geraldo Alckmin, do PSDB. E não é impossível que o MDB, com Meirelles, e o DEM, com Mendonça Filho ou o próprio Maia, venham até a disputar a vice do tucano.
Apesar dos pesares e do futuro incerto, o PSDB é considerável. Tanto que, na véspera de se lançar, Maia praticamente esqueceu os demais adversários e disse à Rádio Eldoradoque a rejeição ao PSDB é tão grande que solapa as chances de Alckmin. Se o partido fosse tão irrelevante, ele não se daria a esse trabalho.
No mesmo dia, o ex-governador do Ceará e ex-ministro Ciro Gomes (PDT, ex-PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB e PROS) também se lançou, com a expectativa de herdar os votos de Lula e prevendo o oposto de Maia: que o segundo turno será entre ele e Alckmin.
O que diz o próprio tucano sobre o veredicto de Maia? Com seu sorriso de esfinge, releva. Sua prioridade não é bater boca com adversários de hoje, mas transformá-los em aliados amanhã, exatamente como fez com João Doria e Luciano Huck.
Meirelles tem até 7 de abril, prazo das desincompatibilizações, para decidir se vai ser candidato, conquistar a vice de Alckmin (sua melhor hipótese) ou ficar onde está. Já Temer e Maia têm muito tempo, porque podem concorrer nas posições que já ocupam e não têm muito a perder enquanto testam suas chances e observam os cenários.
Amigos e interlocutores juram que Temer é candidatíssimo, mas já imaginaram a imagem daquela corridinha de Rocha Loures com a mala todo dia na propaganda eleitoral? E a sonora com o “mantém isso aí, viu?”? Já os de Maia acham que ele empacar em 1% nas pesquisas não será grave, porque disputar um novo mandato de deputado e voltar à presidência da Câmara está de bom tamanho.
Também ao centro, mas fora do bolo de alguma forma governista, Álvaro Dias (Podemos, ex-PSDB) e Marina Silva (Rede, ex-PT), um muito regional, a outra sem estrutura partidária sólida. E, pela esquerda, há os “nanicos” Manuela d’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL), enquanto o nome real do PT não vem. À direita, concorrem o deputado Jair Bolsonaro (PSL), com ares de azarão e pronto a colher dissidentes do MDB e DEM, o banqueiro João Amoêdo (Novo), esquecendo-se de que o eleitor nem entende, mas não gosta do liberalismo puro, e o empresário Flávio Rocha, de que partido mesmo?
Quanto a Fernando Collor: ele voltou como senador por Alagoas e jogou a segunda chance fora ao se unir ao então presidente Lula, seu inimigo em 1989, para participar do butim da Petrobrás. Com uma Lamborghini, um Porsche e uma Ferrari enfeitando a Casa da Dinda, é acusado de se beneficiar de R$ 22 milhões (sem correção) no “petrolão”.
Collor se apresenta como “progressista e liberal”, mas há adjetivos melhores para defini-lo e sua candidatura só pode ser piada, mas ilustra bem uma eleição que está uma verdadeira bagunça. Aliás, nos Estados também.
Alon Feuerwerker: Maior problema do sonho centrista é ele não interessar hoje nem à esquerda nem à direita, os atores de fato
Políticos-candidatos em busca de musculatura buscam distanciar-se de hipotéticos extremismos, e assim preencher espaços eleitorais teoricamente “de centro". A presença forte de Bolsonaro e a estigmatização do PT oferecem a oportunidade de ocupar um locus narrativo de equilíbrio, pacificação, diálogo, de busca de consensos para desatar nós, agudos e crônicos.
Na teoria, é uma comunicação lógica. O eleitor médio não quer saber de confusão. Quer emprego, salário, segurança, boa escola para os filhos e um sistema eficiente de saúde pública. Coisas teoricamente mais acessíveis se o país não estiver mergulhado numa guerra fratricida e sem quartel entre facções cuja única esperança de sobrevivência é a eliminação do inimigo.
O problema, sempre eles, são os fatos. Vamos recapitular. O PT estava bem adaptado aos mecanismos brasileiros clássicos de produção e reprodução do poder. Quando o partido se enfraqueceu criticamente e os adversários decidiram que era conveniente aproveitar a janela de oportunidade extra-agenda, precisaram, para removê-lo, implodir todo o edifício institucional.
O “centro” eleitoral para 2018 nada mais é que a esperança de reverter esse omelete para ovo cru. Não deixa de ser uma ideia, pois pelo jeito o omelete deu uma desandada. O cansaço com a confusão é perceptível. Mas existem obstáculos. O principal deles: ninguém descobriu ainda como fazer o ovo cozido ou frito voltar ao estado em que saiu da galinha.
A política brasileira faz lembrar passados recentes. A esquerda parece estar na segunda metade dos anos 60 do século passado. A ofensiva adversária é mortal, mas ela prefere ver no desastre anunciado uma oportunidade de disputa de hegemonia. A direita está nos anos 70. Sonha com um país politicamente pacificado, mas com o caminho do poder fechado aos adversários.
Centro político é algo imaterial. Esquerda e direita chegam a soluções intermediárias, necessariamente temporárias, quando há um interesse objetivo comum e a opção de simplesmente eliminar o oposto se mostra inexequível. O exemplo mais recente entre nós foi a transição negociada de 1984/85, que produziu três décadas de relativa paz antes de agora colapsar.
Há na direita hoje qualquer interesse de buscar um pacto de pacificação com o PT? Não, pois implicaria aceitar que o PT possa disputar o poder em condições de igualdade. Sem isso, a pacificação tampouco interessa ao partido de Lula, que tem hegemonia absoluta na esquerda real e uma narrativa capaz de manter reunido seu mercado eleitoral.
Daí que todas as tentativas de anabolizar um “centro” tenham falhado, ou estejam patinando. Falta espaço material para essa construção. A hora ainda é dos ulysses, não chegou o momento dos tancredos. Se é que vai chegar. A direita está apavorada com a resiliência de Lula e a esquerda está inclinada a achar que acreditou demais na democracia burguesa.
Acenos centristas são vistos à direita como ilusões de kerenskys, e à esquerda como patetices de gorbatchevs. Esses ensaios ou são apenas farsescos, lobos-maus vestidos de vovozinha para abocanhar a chapeuzinho vermelho, ou são movimentos sinceros mas desprovidos de significado real. Mesmo se vitoriosos, seriam abduzidos por um dos polos da disputa de fato.
Abdução já visível nas estruturas tradicionais que ao longo destas três décadas representaram, em maior ou menor grau, essa visão de um “centro democrático”. Alckmin talvez seja um dos últimos moicanos. Será o candidato, mas montado numa estrutura que nada mais tem a ver com a antiga ambição social-democrata do PSDB. Basta olhar quem vem atrás dele na fila.
Já no PT, que depende mais de Lula do que os outros dependem de seus líderes, mesmo Lula não tem mais a mesma liberdade de voo. O partido acabará fazendo o que o ex-presidente mandar, mas a inquietação é perceptível. Há sempre um custo para o líder quando as escolhas dele conduzem a armadilhas. Ainda mais quando ele não sabe bem como sair delas.
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Há outro complicador. Na política, acordos são obrigatoriamente políticos. Reconhece-se a legitimidade alheia e reparte-se poder. Mas toda a pressão da opinião pública stricto sensu é para deslegitimar as duas coisas. Bonito agora é governar com viés absolutista esclarecido. Sendo que o “esclarecido” significa seguir bovinamente essa mesma opinião pública.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Marco Aurélio Nogueira: Onze candidatos e nenhuma ideia
Será que somente o reduzido grupo dos que defendem e valorizam a necessidade de uma nova pactuação democrática consegue ver o tamanho do buraco em que caiu o País?
A fragmentação continua a avançar, trazendo consigo a sensação de que o próximo governo será marcado pela inoperância, pelo artificialismo da concorrência político-partidária e pela tensão ideológica. Ninguém parece se preocupar com o quadro e todos continuam a correr rumo ao precipício, que fica sempre mais próximo.
Cada candidato faz de conta que o problema não é com ele, mas com os outros, sempre tidos e havidos como “inimigos”. Falta cordialidade, desprendimento e tolerância entre os postulantes, e deles o problema se transfere para os eleitores, que já começam a se pegar nas redes.
Por enquanto são onze, que a preguiça analítica distribui entre esquerda, centro e direita, mas que a rigor pouco se diferenciam entre si, a não ser pelo tamanho da língua e pela volúpia de chegar ao poder. Outros mais deverão aparecer e embolar ainda mais a corrida. Como não há ideias postas na mesa, a atribuição do lugar que cada candidato ocupa no tabuleiro político e ideológico não passa de exercício classificatório desprovido de sentido. Serve tão-somente para que se delineie uma situação “ideal”, com polos que se contradizem. As contradições, porém, não são explicitadas. Nem as diferenças.
Dizem que é cedo para que pense em coligações. A incerteza geral, a fragilidade das postulações e a inexistência de conteúdos programáticos claros impediriam que se cogitasse, no momento, da formação de frentes políticas desenhadas para maximizar o poder de fogo de propostas perfiladas no mesmo espaço político-ideológico. A hora é de cada um testar sua densidade.
Pode ser. Mas nunca é cedo para se fazer o certo. A ideia de se levar o eleitor ao limite e de conclamá-lo a pensar no país só no segundo turno é uma opção suicida, que pode implicar a organização de uma disputa desconectada dos interesses populares e nacionais: daquilo que precisa ser feito.
A sociedade não merece ser tratada como se fosse uma coisa qualquer, menos importante que os caprichos, os interesses e as manias dos políticos.
A articulação dos democratas entre si, feita com generosidade, sem vetos e com programas claros, é uma saída tão evidente e tão plena de possibilidades que chega a surpreender que poucos se dediquem a ela.
http://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/onze-candidatos-e-nenhuma-ideia/
Folha de S. Paulo: Serei candidato até o fim, mesmo contra Temer, afirma Maia
Presidente da Câmara diz que não será garoto-propaganda do Planalto, mas não esconderá acertos
Por Daniel Carvalho e Marina Dias, da Folha de S. Paulo
Luiz Carlos Azedo: Derrota acachapante
Merval Pereira: Justiça eficiente
Trata-se de tornar a aplicação da lei penal efetiva, encerrando ciclo de impunidade. A recusa por unanimidade do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em conceder habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula, além de todas as implicações colaterais, tem um significado fundamental para a nossa ordem jurídica, que foi muito bem abordado pelo ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas em seu voto.
Os cinco ministros que votaram contra a pretensão da defesa do ex-presidente destacaram que a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão em segunda instância deve ser a regra, pois decisões pessoais de ministros contrários à orientação não têm poder vinculante.
Os aspectos técnicos da questão foram muito bem analisados em seus diversos matizes, e vários deles salientaram a necessidade de se ter uma jurisprudência que permita segurança jurídica, que não seja alterada ao sabor dos acontecimentos. Mas o ministro Ribeiro Dantas foi o que mais se dedicou a ressaltar a importância da prisão em segunda instância para a efetividade de nosso sistema penal, tratando a decisão do Supremo Tribunal Federal como um ponto fundamental para dar eficácia ao nosso sistema jurídico.
Retornando à interpretação que sempre dera ao tema até 2009, salientou o ministro, “a Corte Suprema, certa ou erradamente, pretendeu equilibrar o princípio constitucional da amplitude da defesa e do devido processo legal, num sistema judicial como o nosso — de até quatro instâncias! —, com os da eficácia da aplicação da lei penal e da razoabilidade da duração do processo, que decerto não pode considerar só seus aspectos de conhecimento, mas também abrange sua execução”.
Na verdade, é disso que se trata neste momento crucial da vida nacional: tornar a aplicação da lei penal efetiva, encerrando um longo ciclo de impunidade dos crimes de corrupção de colarinho-branco que prevaleceu com as possibilidades recursais infinitas.
A tentativa de revisão da decisão do STF sobre prisão em segunda instância tem uma consequência imediata sobre a Operação Lava-Jato, aqui entendida em todos os seus desdobramentos pelo país. Foi a partir da retomada da jurisprudência anterior a 2009, acatada até mesmo pela Constituição de 1988, que se abriu caminho para a efetividade das delações premiadas, que mudaram o panorama das investigações criminais no país.
Para o ministro do STJ, ao dizer que não se faz necessário aguardar o trânsito em julgado da decisão criminal condenatória para que se pudesse começar a executar a pena privativa de liberdade, o Supremo descolou a presunção constitucional da inocência (ou não culpabilidade, como preferem alguns) da problemática da execução penal.
Referindo-se indiretamente ao caso concreto do ex-presidente Lula, o ministro Ribeiro Dantas ponderou que questões metajurídicas e metaprocessuais relevantes não são suficientes para promover “um tratamento diferenciado afrontoso à cidadania”. Ele relembrou que, em sua sabatina para entrar no STJ, defendeu que a prisão, após a condenação em segunda instância, é razoável como uma forma de cumprir a Constituição e, ao mesmo tempo, dar eficácia à aplicação do Direito Penal.
A interpretação literal que o Supremo Tribunal Federal não fazia antes e começou a fazer em 2009 “estava deixando o Direito Penal no Brasil praticamente sem efetividade para todos aqueles que conseguissem trazer as causas para as instâncias superiores, porque o trânsito em julgado se daria em um prazo tão delongado que, em muitas situações, ocorreria a prescrição ou a nunca aplicação da pena. Há muitos casos de réus que foram processadas durante décadas e morreram sem ter sofrido as sanções que mereciam”.
E é uma interpretação razoável, porque o cumprimento da prisão é daquele que tem responsabilidade, o que, em princípio, prova-se nas instâncias onde a prova é analisada, na primeira e na segunda instâncias, nas instâncias ordinárias. Ademais, salientou o ministro Ribeiro Dantas, os recursos especial e extraordinário não se destinam precipuamente a proteger o direito subjetivo da parte, eles se destinam a proteger o direito objetivo: no caso do recurso especial, a lei federal; no caso do recurso extraordinário, a norma constitucional.
O ministro do STJ definiu assim a missão dos que compõem o sistema judicial brasileiro: “tentar o difícil ou o quase impossível equilíbrio entre garantir os direitos do réu e também os da sociedade, porque esse cumprimento provisório da pena é duro, é difícil, porém necessário para reverter a situação de impunidade que vivíamos.”
É isso que está em jogo neste momento, não permitir a volta de um sistema penal que favorece a impunidade dos que têm poder aquisitivo para prolongar os processos nos tribunais superiores.
Alberto Aggio: O drama é maior do que 2018
Cenário pós-Lula deverá requisitar o concurso do conjunto da sociedade na reconstrução do País
O Brasil vive um momento dramático. Os brasileiros vão às urnas em outubro esperando que o País encontre saídas reais para a crise e um novo sentido de futuro. As últimas escolhas e a composição dos últimos governos deixaram sequelas profundas que comprometeram a credibilidade da política. Hoje a crise ética é uma fratura aberta; a segurança pública, um descalabro, acossada pelo crime organizado. Parcas melhoras na economia e no emprego não alteraram esse cenário de desesperança.
Diante da confirmação da condenação de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), que deve ceifar sua candidatura presidencial, o País tem diante de si o desafio de superar o lulismo. A corrupção sistemática que arrasou o País nos anos do lulismo abalou todo o edifício político que havia sido montado nos anos de democratização. O cenário pós-Lula deverá requisitar o concurso do conjunto da sociedade, da opinião pública, dos intelectuais, dos partidos políticos e de todos os que se possam mobilizar pela reconstrução do País.
Lula e o PT nasceram no outono do autoritarismo como peças do “sindicalismo de resultados”, com roupagem e retórica de esquerda. No governo, o lulopetismo foi uma “esquerda de resultados”, nefasta para a sociedade brasileira, em especial para os mais pobres pois os subalternizou, fixando-os em seus interesses individuais e impedindo qualquer perspectiva de elevação cultural e política que os convocasse a formular e compartilhar um projeto nacional e civilizatório. O lulopetismo foi tóxico para a democracia e a esquerda. Como escreveu Demétrio Magnoli em artigo recente, “a ‘esquerda’ lulista escolheu o capitalismo selvagem do consumo privado, do crédito popular, do cartão magnético, das Casas Bahia e do Magazine Luiza” como horizonte de satisfação hedonista das massas. A pragmática petista contou, das origens até agora, com a anuência da “esquerda maximalista” que soldava apoios ao “grande líder” quando julgava necessário e conveniente. Papel desempenhado também pelos intelectuais das universidades públicas. Foi assim que o lulopetismo condenou o Brasil a não ver realizada a social-democracia ou o reformismo que poderiam instaurar um novo cenário histórico no País. Em nome do mito e servindo-se dele, o PT bloqueou a afirmação de uma esquerda democrática, defensora das reformas e aberta ao novo.
No Brasil de hoje, as ruas, que foram essenciais em 2013 e no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, esmoreceram, mas não se despreocuparam. Como se sabia, seria ilusão esperar delas uma saída clara para a crise em que o País mergulhou. Sem conseguir estancar a crise ética, o governo Temer não produziu a expectativa positiva que se esperava, mesmo com uma oposição fraca e prisioneira do lulismo. A política, que havia revivescido, acabou por não se consolidar. Resultado: o drama se instalou, com uma sociedade órfã sem poder confiar no governo ou na oposição.
A expectativa voltou-se para as dimensões externas à política, notadamente para a Operação Lava Jato, que cumpria exemplarmente seu papel republicano e constitucional. Desorientada, a opinião pública passou a admitir saídas ilusórias e despropositadas. Alguns continuaram a ver nas ruas, via democracia direta, a alternativa a esse estado de desorientação. Outros concluíram que decisivo seria “dar o poder” aos “homens de toga”, como substitutos da má política. Embalados pela ânsia de poder, outros ainda viram nas eleições presidenciais de 2018 a salvação mediante apoio a algum outsider, uma sedução pelo transformismo que não faria mais que prolongar nossa agonia; por sorte, parece que essa febre está cedendo.
Mesmo nesse cenário parece haver alguma oxigenação no protagonismo dos chamados “movimentos cívicos” que clamam por renovação da política. Indiscutivelmente positivos, seu exclusivismo e seu finalismo eleitoral merecem, contudo, preocupação, bem como requerem uma checagem do seu real tamanho e sua incidência. Se é preciso evitar o “populismo” como alternativa, também é justo preocupar-se com o que os italianos chamam de qualunquismo, isto é, uma política sem organicidade, que se esgota na identidade do homem comum e das coisas simples, pois sabemos que a política é complexa e exige muito mais do que isso.
Fará bem ao País uma coalizão de forças que se expresse em ideias claras, equipando a sociedade e o Estado para enfrentarem os problemas que derivam da grande transformação advinda da revolução tecnológica em curso. O Brasil tem todas as credenciais para proporcionar a seus cidadãos uma vida digna no momento em que vai completar 200 anos de existência como país independente.
É, certamente, uma batalha dramática e exigente, considerando todos os desafios que temos pela frente, cujo inimigo maior são as promessas, imprudentes e perigosas, que comprometem os horizontes fiscais da República, além de escamotearem, com políticas econômicas dignas de desenhos autárquicos do passado, os equívocos trágicos que a História, mesmo a mais recente, nos tem ensinado.
Não há razão para desejar partir do zero e tampouco há razão para descrer dos brasileiros de bem que construíram, mesmo contraditoriamente, um País cheio de vitalidade e que, transformado, será um excelente lugar para viver. É preciso extrair do esforço democrático de luta dos brasileiros um amplo programa de reformas que deverá, sem as falsas promessas e ilusões da demagogia e da antipolítica, pôr o País para andar. Não surgirá nada de novo nesta quadra se nossos propósitos não visarem uma atualização verdadeira e realista. As ideias-chave para tanto são a valorização do trabalho, da ética e da República, estímulo à inovação e ao crescimento econômico, visão social consonante com o mundo em transformação, democracia e novo reformismo. Com as pessoas no centro das nossas preocupações e dos nossos horizontes.