eleições 2018
Merval Pereira: O fator Bolsonaro
Na análise da maioria dos políticos e dos comentaristas, em que me incluo, a provável saída da disputa presidencial do ex-presidente Lula em decorrência da Lei da Ficha Limpa, devido à condenação em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4), vai afetar diretamente a candidatura do deputado Jair Bolsonaro, que se mantém há meses em segundo lugar nas pesquisas eleitorais.
Isso porque o apelo de Bolsonaro junto ao eleitorado seria muito mais o de anti-Lula, a radicalização de um incentivando a do outro, polarizando a disputa entre os extremos, Lula pela esquerda, Bolsonaro pela direita. Além de reviver uma divisão para muitos superada na teoria política, a de direita e esquerda, as pesquisas demonstram ser anacrônica não apenas na teoria, mas na realidade, quando se analisa o eleitorado de um e outro.
A começar pelo fato de que uma parte dos eleitores de Lula se diz hoje disposta a ir para Bolsonaro, e viceversa. Nas simulações em que Lula não aparece, 6% dos seus apoiadores afirmam que escolheriam o deputado federal Jair Bolsonaro. No sentido oposto, a mudança é ainda maior: até 13% dos eleitores que votariam no parlamentar responderam que poderiam apoiar o petista. É o voto Bolsolula, ou Lulanaro.
Mas o perfil dos eleitores é diverso. A distribuição regional do eleitorado de Bolsonaro mostra que ele não é um fenômeno restrito ao Sudeste. Com exceção do Nordeste, onde Lula domina e ele tem apenas 10%, o deputado tem um patamar de 15% a 17% nas outras quatro regiões.
Popular nas redes sociais, Bolsonaro pontua melhor entre os jovens. No cenário em que tem 15% no conjunto de eleitores, atinge 20% no grupo dos que têm entre 16 e 24 anos, sua melhor faixa etária. Segundo o Datafolha, sua popularidade decresce gradualmente conforme aumenta a idade do eleitor, até chegar a 7% de intenção de voto quando considerado apenas o grupo com 60 anos ou mais.
Bolsonaro tem 60% de eleitores até 34 anos, 30% têm menos de 24 anos. O percentual é significativo quando comparado com a atração ao público jovem de seus principais concorrentes: 45% dos que disseram votar em Lula têm menos de 34 anos. Entre os que preferiram Marina, 49% estão nessa faixa etária.
A atuação nas redes sociais é a explicação mais provável. Bolsonaro tem no Facebook 4,7 milhões de seguidores. Entre seus adversários na corrida presidencial, Lula tem 3 milhões, João Doria, 2,9 milhões. Marina tem 2,3 milhões. Levantamento do Ibope mostra que 68% dos eleitores brasileiros têm acesso frequente à internet, mas entre os eleitores que preferem Bolsonaro o índice é muito maior, chega a 90%.
Assim como aconteceu com Trump nos Estrados Unidos, o eleitor de Bolsonaro relativiza suas declarações polêmicas, ou mesmo em parte gosta delas, como uma maneira de confrontar os políticos tradicionais, embora Bolsonaro esteja em seu sétimo mandato parlamentar.
Como aconteceu com Trump, que não sofreu grandes abalos durante a campanha mesmo quando um vídeo o mostrou na própria voz gabando-se de avanços sexuais explícitos, também Bolsonaro não se abala, mesmo condenado, quando surge declarando que não “estupraria” a deputada petista Maria do Rosário porque ela “não merecia". Prevalece a argumentação de que foi provocado. Seus eleitores alegam que as declarações estavam fora de contexto e que há perseguição por parte de movimentos de esquerda e de grupos feministas e LGBT.
Segundo a análise presente entre seus assessores e apoiadores, Bolsonaro representaria um pensamento conservador típico do “cidadão de bem" brasileiro, que seria religioso, pai ou mãe de família que quer criar seus filhos em paz e em segurança, que é simples, mas honesto, que não concorda com os exageros do politicamente correto, com a liberdade exagerada nos costumes, que não suporta mais a violência desenfreada e a impunidade e que está pouco se lixando se o governo é civil, militar, de esquerda ou de direita, desde que seja honesto e que impeça a bagunça em que o país está.
Na minha opinião, estão completamente equivocados na escolha de quem os representa. De qualquer maneira, dada a resiliência de seu apoio até o momento, talvez seus adversários devessem prestar mais atenção à motivação de seus eleitores, que em boa parte podem estar nessa posição por falta de um candidato de centro-direita que os represente.
Alon Feuerwerker: O estado e as variáveis da corrida presidencial na virada de um ano animado para outro que promete
O que esperar e observar daqui até a eleição?
Oposição de esquerda. A variável decisiva será mesmo Lula. O ex-presidente atingiu por enquanto um objetivo: manter a autoridade absoluta no seu campo político. Os petardos da Justiça e da imprensa sobre ele e o PT, não necessariamente nesta ordem, poderiam ter enfraquecido a hegemonia sobre o conjunto da esquerda. Não aconteceu.
Há aqui e ali ensaios de alternativa. Mas não mostram por enquanto força para desafiar a ordem unida do chefe da tribo. Parecem mais movimentos para se fazerem ouvir por Lula e pelo PT, não polos reais de contestação à liderança tradicional. Se o PT não se complicar, os alternativos certa hora serão bem pressionados a caminhar com a formação principal.
A tática petista para enfrentar a quase certa inelegibilidade de Lula é inteligente, ou a única possível: levar a candidatura às últimas consequências e transformar os processos contra o ex-presidente em fatos 100% da política, terreno bem mais fácil para Lula defender-se. Mas a tática embute um risco importante. Os prazos podem conspirar contra o plano.
Um partido só pode trocar de candidato ao Executivo a até vinte dias da eleição. Se a impugnação definitiva de Lula vier antes, ele possivelmente indicará um substituto no PT. Mas, e se for depois? Lula e o partido ficarão espremidos entre boicotar e eleição ou apoiar um nome das legendas que estiverem na disputa. Ou substituir antes de a Justiça decidir. Complicado.
Se não será simples resolver, menos ainda executar. Outro fator é que se Lula for recondenado pelo TRF-4 e impugnado é provável que aumentem as pressões para tirá-lo não apenas da eleição mas também de circulação. Impedi-lo de fazer campanha e articular por um eventual substituto. Especialmente se as pesquisas futuras confirmarem as atuais sobre transferência.
Situação e novos. No estoque de votos não lulistas e fora da esquerda clássica, as variáveis a monitorar serão 1) a convergência ou não entre PSDB e PMDB/governo, 2) a resiliência de Bolsonaro, 3) o potencial de crescimento de Marina e Álvaro Dias, 4) as incógnitas, como João Amoêdo. O cenário projeta que aqui a pulverização deve permanecer até pelo menos agosto.
Ainda é cedo para dizer que o governo entrou em trajetória de recuperação de imagem, mas se as próximas pesquisas confirmarem vai esquentar a disputa para ver quem será o candidato oficial, mesmo com Temer amargando más avaliações. A narrativa de manter a reanimação da economia e evitar a volta do PT seria competitiva tanto num como noutro turno.
O risco principal para Lula e os dele é o campo governista aparecer com um novo no velho, um nome leve mas montado em ampla aliança de partidos e contando com o apoio de um governo que já não esteja em situação desastrosa. A vida do PT também complica se tucanos e peemedebistas convergirem. Mais ainda se for em torno do tal nome leve. Mas não está fácil.
Sobre os novos sem máquina, têm como fazer alguma colheita na forte rejeição à política e aos políticos. E devem contar com a ajuda talvez involuntária, mas objetiva, de novos e espetaculares fatos na esfera policial-judicial. Entretanto, além de lhes faltar apoio político estruturado, enfrentam ainda outra barreira: a aparente resiliência de Bolsonaro. Ele durará?
Todas as projeções apostam na economia rodando acima de 3% ao ano na eleição. Mesmo que não leve às nuvens um candidato do governismo, isso enfraqueceria o apelo para mudanças radicais, tanto pelo PT como pelo novo. O desejo de continuidade é diretamente proporcional ao risco de perda. Foi assim que o PT ganhou as últimas eleições.
E tem o imprevisível. Como já se disse aqui algumas vezes, uma característica do imprevisível é a dificuldade de prever quando ou como vem. Mas é sempre bom contar com ele na hora de fazer projeções.
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Se tudo correr conforme o roteiro, esta análise de conjuntura volta quando o processo eleitoral for precipitado pelo julgamento do recurso de Lula no TRF-4. Ou antes, se algum fato exigir.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Luiz Carlos Azedo: Candidato sem partido
Em todos os cenários eleitorais, Bolsonaro oscila na faixa entre 17% e 18% dos votos, mas sobe para 21% nos cenários possíveis sem a presença de Lula
Jair Bolsonaro (PSC), segundo colocado nas pesquisas, virou uma espécie de ronin (um samurai errante, renegado pelo próprio clã) nas eleições presidenciais. Seu partido, sob comando do Pastor Everaldo, não deseja tê-lo como candidato. O nome preferido pela cúpula da legenda é o presidente do BNDES, Paulo Rabelo de Castro. Por essa razão, o ex-capitão do Exército estava de mudança para o PEN, cujo nome mudará para Patriotas, mas algo ocorreu no meio do caminho. Adilson Barroso, presidente do partido, e Bolsonaro, que pleiteia pelo menos “51% das ações” da legenda, não se entenderam sobre o fundo eleitoral. Traduzindo, isso representaria em torno de R$ 5,1 milhões.
Em todos os cenários eleitorais, segundo o último DataFolha (29 e 30/11), Bolsonaro oscila na faixa entre 17% e 18% dos votos, mas sobe para 21% nos cenários possíveis sem a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse contexto, seria o favorito na disputa, seguido de perto por Marina Silva, que herdaria a outra parte dos votos do petista e subiria da faixa entre 9% e 11% para 16% e 17%. A propósito, Bolsonaro está numa situação muito parecida com a da ex-senadora acriana nas eleições passadas, quando se filiou ao PSB para disputar a eleição porque não conseguiu registrar seu partido, a Rede. A rigor, o ex-capitão do Exército não teria problemas para conseguir uma legenda, mas as negociações com o PSL, que mudou o nome para Livres, também encalharam por causa do tal arranjo acionário: a divisão do fundo eleitoral de R$ 9 milhões.
O deputado federal Luciano Bivar (PE), presidente da legenda, ontem, descartou categoricamente a filiação de Bolsonaro: “Não procedem, de forma alguma, as notícias de que o deputado federal Jair Bolsonaro possa se filiar ao PSL. O projeto político de Jair Bolsonaro é absolutamente incompatível com os ideais do Livres e o profundo processo de renovação política com o qual o PSL está inteiramente comprometido”. Essa vem sendo a maior dificuldade de Bolsonaro, que se viabilizou eleitoralmente como candidato competitivo, mas a imagem de candidato “linha-dura” dificulta a vida junto aos setores liberais, ainda que tente substituir o discurso nacionalista de direita por uma retórica mais alinhada com o mercado. Bolsonaro consolidou a imagem de candidato reacionário.
Na cúpula das Forças Armadas, Bolsonaro não tem o menor trânsito. Não só por causa de suas ideias, mas também por causa da hierarquia militar. Mas tem prestígio na tropa e alguns aliados na oficialidade, colegas de formação militar. Se hoje podemos afirmar que não existe ameaça de golpe de Estado, após as eleições, com Bolsonaro eventualmente no poder, tudo pode acontecer, pois seus discursos são autoritários apontam para a imprevisibilidade. Com 4,9 milhões de seguidores no Facebook, tem hoje uma rede de apoio nacional, que lhe garante audiência certa nos eventos que organiza e uma base real para sua campanha, mas não pode ser candidato avulso. Precisa de um partido.
Fragmentação
O crescimento de Bolsonaro está diretamente relacionado aos avanços do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, que ressuscitou o PT nas suas andanças para o país e já é favorito nas eleições do próximo ano. Como a reação do eleitorado conservador está sendo radicalizada no mesmo diapasão dos eleitores petistas, isso realimenta os dois candidatos, porque o eleitorado de centro ainda está muito fragmentado. Marina Silva, uma ex-petista, terceira colocada, não consegue conquistar os eleitores mais conservadores, embora tenha uma trajetória de conduta ética e fortes ligações com o mundo evangélico.
O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, não consegue decolar, mantendo-se na faixa dos 6% e 7% de preferência dos eleitores. Sem Lula, sobe para 9%, mas isso ainda é pouco para reagrupar os eleitores de centro. Alckmin faz um governo bom em São Paulo, onde goza realmente de grande prestígio, mas está sendo confinado eleitoralmente por causa da crise do PSDB em estados importantes. Quem cresce nesse espaço, sem Lula, é o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), que sai da faixa dos 6% e 7% para 12% e 13 %. Álvaro Dias, do Podemos, oscila entre 3% e 6% nos cenários com e sem Lula, respectivamente.
IstoÉ: ‘Lula não é imbatível. Eu ganhei dele duas vezes’, diz FHC
Merval Pereira: A busca do nome
Partidos articulam nomes alternativos para disputar as eleições. Uma eleição sem favoritos viáveis, já que Lula depois do julgamento em segunda instância pelo TRF-4 pode ficar inelegível, faz com que os partidos políticos lancem mão de planos alternativos. Não apenas o PT se prepara para ter que trocar seu candidato, que lidera as pesquisas eleitorais, como também o grupo aliado ao governo tenta encontrar uma candidatura viável para manter-se no poder.
Como disse outro dia o presidente do PMDB, senador Romero Jucá (RR), sem Lula, a disputa “vai ter político, outsider, artistas, malucos”. Fora os “outsiders, artistas e malucos”, os bastidores políticos estão movimentados.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já avançou várias casas em dias recentes, aparecendo na propaganda eleitoral do PSD como defensor do governo Temer. O problema maior dele não é nem a falta de carisma. Ele só se viabilizará se a economia melhorar a tal ponto que reverta a impopularidade do governo. Nesse caso, porém, o próprio presidente Temer se consideraria habilitado à disputa.
Um plano alternativo em gestação é a candidatura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), com o apoio da máquina partidária da base aliada do governo, mas depende de o PMDB desistir de ter candidatura própria. Por enquanto, Rodrigo Maia continua disposto a se reeleger deputado federal para manter a presidência da Câmara na nova legislatura.
O provável candidato do PSDB, o governador paulista Geraldo Alckmin, às voltas com denúncias na Operação Lava Jato, não consegue decolar. E as pesquisas de opinião não refletem o poderio tucano em São Paulo, que já foi enorme, tanto que deu 7 milhões de votos de vantagem ao candidato tucano Aécio Neves na eleição de 2014, e a vitória de João Doria à Prefeitura de São Paulo no primeiro turno.
Por isso o partido já está às voltas com novas dissidências, seja o prefeito de Manaus, Arthur Virgilio, que já desafia Alckmin publicamente, ou novo movimento a favor do prefeito João Doria.
O plano B do PT seria ou o ex-governador Jaques Wagner ou o ex-prefeito Fernando Haddad, mas nos últimos dias surge a ideia de fazer do empresário Josué Gomes, filho do ex-vice de Lula José Alencar, uma solução que coloque o PT e Lula novamente em sintonia com o empresariado nacional e a classe média, por enquanto perdida para os petistas.
A ideia é convencer Josué a ser o vice de Lula, reeditando a mensagem da campanha de 2002 com seu pai na chapa vitoriosa então. Na qualidade de vice, Josué Gomes acompanharia Lula em todos os palanques pelo país enquanto o ex-presidente disputaria na Justiça a manutenção de sua candidatura.
Se a condenação do TRF-4 for por unanimidade dos três desembargadores, os prazos recursais se encurtam, não cabendo os chamados embargos infringentes, que têm o poder de mudar a decisão do tribunal de recursos com um novo julgamento, do qual participarão os três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 e mais quatro juízes de outras turmas.
Por isso as últimas horas foram marcadas por pressões sobre os desembargadores de Porto Alegre, públicas como as de Lula, quase que exigindo o reconhecimento de uma inocência que ele alardeia, e privadas, com tentativas de aproximações com membros do Judiciário, abrangendo até mesmo o STF e o STJ.
A tentativa é, já descrentes de uma absolvição, conseguir uma condenação não unânime, que permita alongar o prazo de apelação. Embora o TRF-4 tenha rejeitado a grande maioria dos embargos infringentes, esse processo leva bastante tempo, o que daria chance a Lula de chegar à convenção do PT em 20 de julho para ser declarado oficialmente candidato à presidência da República.
Como a propaganda eleitoral pela televisão começa em 31 de agosto, a luta será tentar chegar lá com Lula ainda não impugnado em definitivo. O empresário Josué Gomes estaria sempre ao seu lado e, até 20 dias antes da eleição, caso o impedimento de Lula seja definitivo, ele seria lançado à presidência com o apoio do ex-presidente.
Caso desse certo essa estratégia, seria a primeira vez em que um candidato a vice assumiria a presidência sem que o titular a tivesse exercido, mais uma novidade da política brasileira. Os planos de Josué, no momento, são outros. Ele quer disputar uma vaga ao Senado pelo PMDB, em coligação com o PT de Minas. Se aceitar ser vice de Lula, terá que mudar de partido, e isso tem que acontecer até abril do próximo ano.
Marco Aurélio Nogueira: A polarização está na política
Nossos políticos se dividiram em tribos sem identidade, cada qual com suas taras
O Brasil não é um país polarizado. No chão duro da vida, há mais consenso que dissenso. Diferenças de opinião e de visões do mundo convivem lado a lado, mas a base é uma só.
Todos querem viver em paz, tocar a vida, criar os filhos, trabalhar e se divertir. Torcem para que surjam governos vocacionados para fazer as coisas melhorarem, na economia, no emprego, no cotidiano. Vive-se na expectativa de que o Brasil consiga deixar de ser injusto e desigual, ainda que um conformismo fatalista ande de mãos dadas com o ceticismo e com uma enorme dificuldade de saber que providências tomar para que a desigualdade desapareça ou ao menos seja atenuada a ponto de curar a chaga que mantém 50 milhões de brasileiros na miséria, enquanto 30% da renda se concentra nas mãos de apenas 1% dos habitantes do País.
A maioria despreza a corrupção. Mas são muitos os que pensam que ela é intrínseca aos políticos e aos poderosos. Os brasileiros aprenderam a ver o corrupto como símbolo de um país que não consegue sair do lugar, onde a lei não vale para todos e o “malfeito” nasce como erva daninha adubada pela arrogância e pela certeza de impunidade dos que têm poder. A relação dos brasileiros com a corrupção é confusa. Há quem aceite o “rouba, mas faz” e tenha pena dos corruptos “bonzinhos” vitimizados por terceiros. É crescente, porém, o número de pessoas que deploram a inocência fingida dos acusados. Aplaudem por isso intervenções como a Lava Jato, que pela primeira vez está pondo na cadeia gente que se achava inatingível, acima do bem e do mal.
Todos sabem que estamos carentes de bons serviços públicos, que a educação e a saúde deixam a desejar, direitos são desrespeitados a céu aberto, o Estado não cumpre corretamente suas obrigações. Milhões sentem na pele o efeito dos preconceitos, da humilhação, da insegurança, da violência policial. Atribuem tais desgraças tanto à incompetência dos governos quanto à “certeza” de que os governos são conduzidos com os olhos nos mais ricos e privilegiados.
O brasileiro médio tem fé e esperança. Vê o Estado como provedor geral e protetor. Por essa via, transfere sua expectativa para políticos habilidosos em explorar a ingenuidade popular. Não entende por que a elite nacional se mostra cega e indiferente à miséria e à pobreza. Deixa-se seduzir por quem se anuncia como “salvador”.
A população brasileira não está em guerra consigo mesmo. Assiste, entediada, às disputas no Parlamento, entre a Justiça e a política, entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, como se fossem capítulos de uma novela sem data para acabar. Passam-se os dias, os personagens continuam os mesmos, como se não envelhecessem e não se recusassem a sair de cena.
O desentendimento entre os brasileiros é fruto do estupor de ver o País cheio de políticos que não cumprem seu papel e, ao longo das últimas décadas, perderam qualidade, alienaram-se das mudanças sociais, criaram atritos impregnados de ódio retórico. Foram se desmoralizando e, ao mesmo tempo, forçando a população a digerir a “raiva” e a “combatividade” manifestadas nos embates eleitorais.
A linguagem do ódio – cultivada sobretudo pelos extremos da esquerda e da direita – atiçou o conflito social, fazendo-o derivar para a baixaria cívica e a ignorância política. Basta atentar para as intervenções apopléticas que infestam as redes sociais. Vinda de uma esquerda que não sabe como agir longe do poder, tal postura alimenta uma direita grosseira e violenta repleta de convicções regressistas. E vice-versa.
As consequências estão aí. A intolerância leva à incompreensão do valor das alianças e negociações. Gente de esquerda radicaliza a pretexto de recusar a “conciliação”. O próprio PT, campeão das últimas “conciliações”, prega que haverá uma “rebelião popular” caso Lula seja condenado no dia 24 de janeiro. Ameaça com a “desobediência civil”, como se as massas estivessem furiosas e prontas para a “resistência”.
Fala em conspiração das elites e do Judiciário, apostando numa saída “nacional-popular” que iria além das regras do jogo democrático e sanearia o País.
Estamos pagando o preço da opção feita pelos políticos de criar na sociedade a percepção de que tudo se resolveria quando o lado A sobrepujasse o lado B. Descobriram o fantasma do neoliberalismo, a perversão do “comunismo”, a maldade das “elites brancas e endinheiradas”, a fantasia paradisíaca e alienante do presidente “igualzinho a você” que distribuiria dinheiro e benesses a bel-prazer.
Tanto fizeram que cresceu a sensação de que o País está cindido em dois polos incomunicáveis. Trocaram o fundamental pelo perfunctório, o trabalho político pertinaz pela agitação irresponsável, o reformismo progressivo pela estridência de promessas fáceis, o contato virtuoso com a população pelo jogo cínico dos bastidores e pela conclamação demagógica da “rebelião”.
Nossos políticos se dividiram em tribos sem identidade, cada qual com seu credo, suas taras e suas manias. Bloquearam os caminhos da sociedade. Nessa operação, mataram a serenidade e a inteligência política, levando consigo os mediadores, que constroem soluções.
A polarização criada pelos políticos continua ativa. Voltará com tudo nas eleições de 2018, que mais uma vez não nos apresentarão polos autênticos, substanciosos, mas tão somente uma caricatura deles.
Assim como em outros momentos da História recente, caberá aos brasileiros corrigir os desmandos e a mediocridade de seus políticos. Chamando-os às falas, quem sabe varrendo parte deles do mapa, quem sabe corrigindo o rumo dos que ainda terão serventia. Para tanto a sociedade terá de afirmar a unidade que lhe é própria, valorizando a democracia e as garantias constitucionais.
Não dá para saber quanto disso será alcançado em 2018.
Bom ano novo para todos.
Cristovam Buarque: O Brasil não vota
Brasileiros elegerão novo presidente sem eleger novo Brasil
Ao olhar ao redor, percebemos que o presente não está bem; olhando para frente, é o futuro que não parece bem. A sensação é de caminharmos sem coesão nem rumo para uma desagregação social e para o atraso econômico, científico e tecnológico. Mesmo assim, tudo indica que no próximo ano os brasileiros elegerão um novo presidente da República sem eleger um novo Brasil.
Estamos paralisados pela vergonha da corrupção, da concentração de renda, da baixa produtividade e consequente pobreza, da violência sob tantas formas. Estamos em dívida com os pobres, idosos e jovens, crianças e mulheres, com os índios e os negros.
Junte a isso um país sem instituições sólidas; um sistema judiciário bipolar; um Estado sem eficiência e privatizado política e sindicalmente; ciência e tecnologia deficientes; um sistema educacional precário e desigual; e, sobretudo, imenso descrédito nos políticos devido à corrupção generalizada. Reafirmo: o Brasil precisa eleger não apenas um novo presidente, mas também um novo Brasil.
Mas o eleitor não parece preocupado com o país de todos, apenas com o seu próprio presente ou de seu grupo social. Votará com raiva dos atuais políticos, e não com esperança nos que virão. Preocupado apenas com a vitória nas urnas, e não com o país. Em consequência, o candidato mira cada corporação e diz o que o eleitor quer ouvir, não o que ele precisa ouvir.
Uma prova de que os brasileiros não votam pelo Brasil é como as classes médias e ricas preferem gastar cerca de R$ 80 bilhões por ano — R$ 20 mil por família — com a educação de seus filhos a votar por uma escola pública gratuita com qualidade para todos. Talvez porque não queiram seus filhos misturados com o restante do país, talvez porque não acreditem que isso seja possível aqui, ou talvez porque, para ele, o Brasil não interessa. Por isso, o eleitor prefere pagar serviços especiais só para si e sua família a receber gratuitamente o mesmo direito de todos.
O eleitor prefere manter a Previdência insustentável no futuro, desde que pagando sua aposentadoria pessoal esperada para breve, a defender uma reforma que traga sustentabilidade garantida para todos. A Previdência é vista como um direito de cada aposentado, não como uma instituição do Brasil para os idosos de hoje e também aqueles das gerações futuras. Por não votar pelo Brasil, candidatos e eleitores preferem ilusões do “faz de conta” do que a realidade de “fazer as contas”.
Para eleger o Brasil, cada candidato deveria transformar a eleição em um plebiscito sobre qual país queremos, como fazê-lo, quanto custará, quem vai pagar e como atrair o eleitor para votar pelo bem comum. Mas isso dificilmente vai acontecer, porque o Brasil não vota!
Felizmente, o país não perde a esperança, porque transcende o presente e suas corporações, e tem vocação para se fazer nação, através dos séculos de história, com novas gerações de eleitores e com políticos diferentes.
Míriam Leitão: Mistério e risco
Há uma velha máxima de que ministro da Fazenda só é popular se estiver fazendo alguma coisa errada. Portanto, quem ocupa esta pasta nem deveria querer a popularidade, porque isso certamente afetaria a tinta da sua caneta, com a qual ele toma decisões necessárias, mesmo que impopulares, e rejeita os muitos pedidos de vantagens com o dinheiro público.
Oministro Henrique Meirelles tem 75% de desaprovação e apenas 6% de aceitação, segundo o barômetro político Estadão/Ipsos. E pertence a um governo cuja aprovação se aproxima de zero. Sua candidatura pelo PSD, assumida claramente no programa partidário desta semana, e na entrevista que concederá na sede do partido hoje, é um mistério e um risco.
Mistério é em que se sustenta uma candidatura assim tão sem perspectivas? O que leva Meirelles a pensar que ele conseguirá vencer as barreiras praticamente intransponíveis da impopularidade do atual governo? Se ele fosse uma pessoa com carisma e capaz de inspirar empatia natural, mas entre os seus atributos não estão estes.
O risco é maior do que o mistério, porque o país está numa situação complexa. Tem um enorme déficit primário, o Orçamento de 2018 está sem bases porque não foram aprovadas as medidas de ajuste fiscal, que estão sendo barradas na Justiça, como a do adiamento do reajuste salarial do funcionalismo federal. Há uma reforma da Previdência que precisa ser defendida. E talvez seja preciso subir impostos. Um ministro da Fazenda com uma agenda de candidato poderá se equilibrar por mais de três meses nesse duplo papel? Como ministro, ele precisa ter rigor, dizer muito “não” aos lobbies, defender medidas amargas e rejeitar os pedidos dos seus colegas dos ministérios setoriais. Se ficar bem falado pelos colegas da Esplanada dos Ministérios estará fazendo algo errado, para atrair o apoio de eleitores terá que tomar decisões perigosas.
Ontem, o ministro disse que não está descartado o aumento de impostos. Isso provoca antipatia geral do público pagante de impostos porque a carga tributária já é alta. Quando fez essa declaração, talvez mirasse as agências de risco que estão ameaçando mais um rebaixamento do Brasil, pelo fato de não haver perspectivas de aprovação da reforma da Previdência, o que piora as projeções do déficit público e da dívida. Mas o que agrada à S&P ou à Moody's não tem capacidade de atrair votos numa disputa presidencial.
O ministro pode estar pensando no precedente criado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que saiu do Ministério da Fazenda para uma candidatura bem sucedida. Mas FH fez a primeira campanha no meio da implantação do Plano Real e aquela conjuntura não pode ser reproduzida.
Meirelles quer capitalizar os avanços que este governo conseguiu na economia, ao tirar o país da recessão e da inflação de dois dígitos deixadas pela expresidente Dilma. Mas essas conquistas não levaram a um aumento significativo do bem-estar econômico, porque o clima ainda é recessivo, e o desemprego, alto demais. A cesta de Natal está mais barata, alimentos estão com preços menores, caíram os aluguéis, mas a população ainda tenta esticar o orçamento após um período de queda forte da renda e aumento do endividamento e do desemprego. O que foi conseguido pela atual política econômica, e por uma safra espetacular, não teve o mesmo efeito de mudança da água para o vinho que se conseguiu em 1994 com o Plano Real que derrubou a inflação. A taxa acumulada foi de 258% no primeiro semestre daquele ano eleitoral, e de 17% no segundo semestre. Na travessia de um para outro ambiente econômico, o eleitor foi às urnas.
Eu ouvi a frase que abre esta coluna do economista Mário Henrique Simonsen. E ele se referia à popularidade de Dilson Funaro, em 1986. Funaro era aplaudido nas ruas de todo o país, no auge do Plano Cruzado, que levou à maior vitória do PMDB no país. O tamanho do erro da Fazenda pôde ser medido na volta da hiperinflação. Agora o contexto é outro. Nada haverá que por um passe de mágica alavanque a candidatura do ministro da Fazenda. O risco é ele usar os próximos três meses para, com cabeça de candidato, tomar decisões populistas na cadeira onde deveria estar pensando em medidas que ajudassem à estabilização fiscal, mesmo que fossem impopulares.
O Estado de S. Paulo: Temer quer um candidato ‘ponderado e estadista’
Em entrevista a rádio, presidente comenta a sucessão no Planalto e diz não saber como serão as alianças do agora MDB
O presidente Michel Temer afirmou que ainda não sabe como serão as alianças feitas pelo PMDB (agora MDB), mas disse que quer um candidato “ponderado, equilibrado e estadista” para sua sucessão no Palácio do Planalto. A declaração foi feita, ontem, durante entrevista à Rádio BandNews FM.
“Quem vier a ser candidato terá que defender as reformas e, ao defender as reformas, estará cravado no programa dele o governo Temer”, declarou o peemedebista. Assim, o futuro presidente poderia trabalhar para uma mudança do presidencialismo para o semipresidencialismo e trazer mais estabilidade para o País, pois, caso o governo não tenha bom desempenho, quem cai é o primeiro ministro, não o presidente.
A mudança no sistema de governo no País, no entanto, é defendida pelo presidente apenas a partir de 2022. Um dos motivos que justificam a mudança, segundo ele, é o número de presidentes que foram depostos por impeachment, em referência aos presidentes cassados Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff.
“Veja quantos presidentes foram depostos por impeachment”, disse Temer. Sem apoio do Congresso, o primeiro-ministro receberia o chamado “voto de desconfiança”, quando os parlamentares expressam ausência de governabilidade. “A ideia é transferir responsabilidade governamental ao Poder Legislativo”, afirmou.
Temer contou que tem “discutido muito” esse tema com o presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, e com os presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). Segundo ele, a ideia é tratar desse projeto após a aprovação da reforma da Previdência e a simplificação do sistema tributário.
Desafios. Temer garantiu que não estará nas eleições e reafirmou na entrevista a expectativa de aprovação da reforma da Previdência em fevereiro, de forma que, segundo ele, o próximo presidente não terá que liderar muitas outras reformas.
Segundo ele, com a recuperação econômica e dos empregos, a tendência é que o governo tenha índice de aprovação muito maior até maio. “Tenho absoluta convicção de que isso vai acontecer”, previu. O que atrapalha a melhora na sua aprovação (que, segundo pesquisa Ibope divulgada nesta quarta-feira, passou de 2% para 6%) são as denúncias que sofreu em maio, quando a delação dos empresários da JBS atingiu em cheio o peemedebista.
"Os dados não foram mais volumosos em função do que essa gente produziu em maio", comentou durante entrevista para a Bandnews FM, na qual classificou as acusações como uma tentativa de derrubar o presidente da República.
Sem citar o nome do empresário Joesley Batista, da JBS, ou do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, o presidente afirmou que todos os que o acusaram estão sendo desmascarados, sendo que alguns estão presos, como o ex-executivo do frigorífico. Também considerou que as acusações atrapalharam o País, já que a reforma da Previdência seria "tranquilamente" votada em maio. "Isso atrapalhou, mas não parou o País", afirmou o presidente. Segundo ele, fatos a serem divulgados vão revelar a "inverdade" da denúncia e o prejuízo causado ao Brasil.
Já sobre sua saúde, o presidente, que nos últimos meses passou por três cirurgias, duas na uretra e uma no coração, afirmou que está "muito bem" de saúde e com condições de enfrentar o próximo ano "com muita energia".
Jose Roberto de Toledo: Entre o bolso e a Bolsa
Empresário otimista, consumidor desconfiado. O descompasso entre as expectativas de um e de outro se explica pelo bolso. O empresariado diz que as condições de fazer negócio melhoraram e tendem a melhorar mais. Já o consumidor avalia que sua situação financeira é vermelha e não tem perspectiva de azular. Essa é a percepção da política econômica de Temer e Meirelles hoje.
A esperança do governo é que a contradição se resolva em breve. Não há garantia de solução do impasse, porém. Não em prazo suficiente para alavancar a candidatura do ministro à sucessão do presidente. Um dos motivos é que parte da justificativa do otimismo industrial é justamente a reforma trabalhista que ambos tanto se empenharam em aprovar.
A julgar pelos indicadores de percepção divulgados esta semana, as novas regras fizeram melhorar a expectativa de o trabalhador conseguir se ocupar. Mas ao custo de uma remuneração menor e de um trabalho mais precário. No fim do mês e das contas, a profundidade do seu bolso continua rasa como um pires. Sem aumentar a capacidade de consumo, a popularidade do governo não aumenta. Governo impopular, candidato inviável.
Até agora, os suspensórios do poder têm se mostrado frouxos demais para segurar a candidatura de Meirelles. Ainda há tempo de viabilizá-la? Cada vez menos. E o adiamento da votação da reforma da Previdência? Se atrapalha o otimismo empresarial, ao menos não enterra de vez a simpatia pelo ministro no meio dos aposentados. Entre a Bolsa e o bolso do consumidor, se aproxima a hora de Meirelles escolher se é ministro ou candidato.
Despedida
Foram oito anos, mais de mil textos, cerca de 500 colunas. Sem contar uma centena de vídeos, dezenas de infográficos e meia dúzia de podcasts. Definitivamente, o leitor sofreu. Muito mais do que poderia imaginar ao ler pela primeira vez esta “Vox Publica”. Já ali, em julho de 2010, pode ter estranhado a mania de usar números para analisar algo tão nebuloso quanto política.
Em “O dilmômetro de Lula”, narrava-se a história de como nasceu e cresceu a primeira candidatura presidencial de Dilma Rousseff. Não através de relatos quentes de bastidor, mas da fria quantificação das aparições nos discursos presidenciais do nome da escolhida pelo orador para sucedê-lo. Política é nuvem, muda a todo instante. Mais um motivo para medi-la com precisão.
As crescentes citações denunciavam a intenção de Lula de lançar à Presidência uma até então desconhecida. Para perceber a ascensão de Dilma bastava contar e comparar.
Contando e comparando detectou-se a bilionária “Farra do FIES”. A série de reportagens chamou atenção para um problema que mal se sabia que existia, mudou regras e acabou por levar um inesperado Prêmio Esso.
O mesmo princípio de privilegiar dados a declarações na investigação de poderosos propiciou outra série de reportagens. Os PanamaPapers sacudiram governantes mundo a fora e mereceram um Pulitzer.
Outra parceria, com o Ibope, rendeu um panorama das mudanças na opinião pública brasileira ao longo da década. Traduzindo tabelas, procurando cruzamentos e caçando correlações conseguiu-se identificar tendências do eleitor e explicar seu comportamento durante cinco eleições (2018 já começou).
A esse conjunto de técnicas convencionou-se chamar de jornalismo de dados. Há satisfação em constatar que o que era raro ficou obrigatório. A abordagem anti-impressionista contagiou redações, invadiu currículos, virou norma.
Agradeço ao Estado por ter fraqueado o espaço que me permitiu participar dessa história. A partir de janeiro, sigo acompanhando-a desde outro endereço. Contando, comparando, recontando.
Até a próxima.
http://politica.estadao.com.br/blogs/vox-publica/entre-o-bolso-e-a-bolsa/
Merval Pereira: PSDB nas cordas
É natural que voltem as especulações sobre uma possível candidatura do prefeito paulista João Dória e até mesmo a volta de Luciano Huck ao tabuleiro eleitoral, depois que mais uma denúncia atinge o governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Após a confissão das empreiteiras Odebrecht e Camargo Corrêa, no âmbito de acordos de leniência no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), sobre o cartel em obras públicas de São Paulo, fica difícil para o PSDB alegar que nenhum governante tenha notado nada durante os 20 anos em que domina o Estado.
As acusações de que o partido usava as obras públicas para financiar suas campanhas políticas, e com esse poder econômico dominava a política estadual durante tanto tempo, vão tomando ares de verdade. As investigações ainda vão caminhar, e darão uma ideia melhor do que aconteceu, mas provavelmente o PSDB ficará atingido, com a denúncia de ter feito em São Paulo o que os outros partidos, especialmente o PT, fizeram em estatais e em obras nacionais.
Não seria a primeira vez. No caso do mensalão, ficou estabelecido que a origem do esquema foi uma parceria do publicitário Marcos Valério com os tucanos mineiros para financiar a campanha de reeleição do governador Eduardo Azevedo, que também já fora presidente do PSDB. Acusado dos crimes de lavagem de dinheiro e peculato, Eduardo Azeredo foi condenado a 20 anos e um mês de prisão pelo Tribunal de Justiça de Minas. Na primeira instância, a condenação havia sido de 20 anos 10 meses. Com Alckmin e o senador Aécio Neves, são três ex-presidentes tucanos envolvidos em denúncias de corrupção.
Cada vez menos diferenciado da geleia geral partidária, até agora não há nenhuma acusação formal contra seus líderes, mas uma figura sempre presente nas denúncias é a de Paulo Vieira de Souza, o “Paulo Preto", conhecido como arrecadador de várias campanhas eleitorais tucanas, citado como tendo sido o organizador de consórcios e de ter direcionado licitações, quando comandava a empresa paulista de Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa).
No acordo com o Cade, as empresas falaram da colaboração de agentes públicos, que teriam alterado regras de editais, direcionado licitações, acertado preços e impedido a entrada de empresas que não aceitassem participar do cartel. O governo Geraldo Alckmin, como em vezes anteriores, anunciou que processará as empreiteiras e pedirá ressarcimento integral aos cofres públicos de prejuízos financeiros provocados por essas empresas.
Está utilizando a mesma estratégia adotada no caso do cartel dos trens da Siemens e da Alstom, sendo que esta última já devolveu R$ 60 milhões aos cofres públicos. O ProcuradorGeral do Estado, Elival da Silva Ramos, diz que “o Estado não se confunde com seus agentes, pessoas físicas" e seria impossível saber o que cinco empresas negociavam “intramuros”.
Mas este não é o único problema de Alckmin. Já está no Superior Tribunal de Justiça (STJ) inquérito que o investiga em sigilo sobre uma denúncia da empreiteira Odebrecht. O inquérito, aberto a pedido do Ministério Público Federal no âmbito da Operação Lava Jato, investiga delação premiada de executivos da empreiteira, segundo a qual ele teria recebido cerca de R$ 10 milhões, em caixa 2, para campanhas do governador em 2010 e 2014, que teriam sido repassados a um cunhado seu.
Mesmo que até o momento nenhuma das acusações tenha sido comprovada, é sem dúvida um peso sobre a candidatura presidencial tucana. Além disso, Alckmin nunca apareceu nas pesquisas eleitorais como um candidato competitivo, o que dificulta a organização de alianças. O impedimento do ex-presidente Lula, por força de uma provável condenação em segunda instância, poderia abrir caminho para uma candidatura de centro-direita.
Ser antilula, sem a presença do ex-presidente na disputa presidencial, perde o sentido, e a tendência pode ser de esvaziamento da candidatura de Bolsonaro. Mas se Alckmin não conseguir ocupar o espaço de uma candidatura moderna e reformista, como Macron na França e Macri na Argentina, outros nomes surgirão naturalmente.
Hubert Alquéres: O que há em comum entre Lula e Bolsonaro
Na teoria, o ex-presidente Lula e o deputado Jair Messias Bolsonaro são antípodas. Um está no espectro ideológico da esquerda e outro no da direita. Na prática, a teoria é outra. Há muito mais em comum entre os dois candidatos à Presidência da República, que por ora são os mais bem situados nas pesquisas, do que pode imaginar a nossa vã filosofia. À sua maneira, ambos adotam um discurso sebastianista, vestindo eles mesmos a roupagem do Salvador da Pátria.
Abstraindo as condições históricas que não são possíveis de se repetir, pois o país e o mundo são outros, ambos pregam uma volta a um passado. O “eu era feliz e não sabia” está presente tanto na pregação de Lula, como na de Bolsonaro.
Um faz a elegia do seu governo, para vender a imagem de um período de prosperidade e de pleno emprego. O outro alimenta sentimentos nostálgicos em relação à era do “milagre econômico” do regime militar para provar que à época havia emprego, crescimento e segurança. Conscientemente, hiperbolizam esses dois períodos históricos e jogam para debaixo do tapete a herança maldita que deixaram para os governos posteriores.
A inviabilidade da utopia nostálgica que pregam salta aos olhos quando se analisa mais detidamente os dois momentos. O “milagre econômico” do regime militar sustentou-se em uma conjuntura internacional de petróleo a preços baixíssimos (à época o Brasil não era autossuficiente) e de elevado grau de liquidez internacional.
A crise do petróleo de 1973 levou ao fim do “milagre”, mas o excesso de oferta de petrodólares no mercado internacional financiou o crescimento verificado no governo do general Ernesto Geisel por meio da expansão do intervencionismo estatal na economia.
Em 1979 veio a nova crise do petróleo e já não havia mais financiamento externo a juros baixos. O Brasil entrou em colapso, com uma dívida externa inadministrável e uma inflação de 242,68% no último ano do governo do general João Batista Figueiredo. O “milagre econômico” desaguou no pesadelo da década perdida dos anos 80. É para esse mundo que Bolsonaro quer nos trazer de volta.
A instrumentalização e deturpação do passado para fins eleitorais também é uma arma de Lula, com a sua cantilena do “momento mágico” da economia em seus governos. Como o “milagre econômico” dos anos 70, a expansão do período Lula-Dilma foi financiada pelo “boom” das commodities e turbinada por uma nova onda de intervencionismo estatal.
Quando a bolha da commodities estourou, o desastre da “nova matriz econômica”, iniciada no segundo mandato de Lula, gerou a maior crise econômica da história do país. Ao final dos anos Lula-Dilma, a dívida interna bruta saltou para quase 70% do PIB, a economia recuou 8,2%, a inflação chegou a casa de dois dígitos, voltando a atormentar as famílias. Os juros, por sua vez, dispararam. O modelo de Lula revelou-se uma máquina de destruir empregos, gerando quatorze milhões de desempregados.
Utopias regressivas costumam terminar em tragédias, quando não se reproduzem como farsas.
As semelhanças entre Lula e Bolsonaro vão bem mais além do que suas concepções saudosistas. Os dois sempre apostaram no intervencionismo estatal como motor do desenvolvimento, no expansionismo fiscal, em política econômica heterodoxas. Enfim, em modelos populistas. Também estiveram perfilados na defesa de privilégios de corporações de servidores públicos.
Para agradar o mercado, Messias Bolsonaro vem se apresentando como um convertido ao liberalismo econômico. Como ninguém muda do dia para a noite, estão aí as votações no Congresso Nacional para provar o quanto ele e o PT andaram de mãos dadas em questões fundamentais para o Brasil.
Votou contra o Plano Real - para delírio dos petistas desfilou na Câmara com uma moeda falsa do Real -, também contra o fim do monopólio estatal do petróleo, contra as privatizações das teles, contra medidas de ajustes de contas públicas que cortavam privilégios de servidores, contra a reforma da previdência proposta pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Adivinhem como o PT votou nessas questões.
Tampouco foi diferente nos anos do lulopetismo. O blog “O E$pírito das Leis” de Bruno Carazza publicou “Desmistificando Bolsonaro” com gráficos e levantamentos que mostram o comportamento de Jair Bolsonaro nos seus 7 mandatos como deputado federal. A materia revela corporativismo, intervencionismo econômico e conservadorismo mostrando que Bolsonaro votou com o PT ao longo de todo o governo Lula.
“Interessante observar, também, que a parceria Bolsonaro-PT, enquanto existiu, versou justamente sobre temas econômicos – e numa direção que passa longe do discurso liberal adotado pelo presidenciável patriota recentemente. Compilando o texto das ementas dos projetos em que Bolsonaro e PT votaram igual entre 1999 e 2010, nota-se um predomínio de temas associados à Nova Matriz Econômica – visão intervencionista da economia levada a cabo pelo PT. Bolsonaro concordou com o PT nas votações de projetos que tratavam de concessões de benefícios para o setor privado, como incentivos tributários, parcelamentos de débitos, créditos orçamentários, fundos, financiamentos, subvenções, etc. Uma pauta bem distante de políticas econômicas horizontais e não intervencionistas, portanto.”, escreve Carazza.
Diz o site que “a lua de mel entre Bolsonaro e o PT degringola-se a partir do primeiro mandato de Dilma”. É possível que as relações sejam restabelecidas tacitamente, por meio de um pacto de não agressão entre Jair Bolsonaro e Lula durante o primeiro turno, com um atuando como cabo eleitoral do outro para que se encontrem no segundo turno.
Afinal, Bolsonaro é a direita que Lula gosta e Lula a esquerda que encanta Bolsonaro. Como diziam nossos avós, um é a cara do outro. Esculpida em escara.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo