eleições 2018

Luiz Carlos Azedo: A galinha dos ovos de ouro

Todos os afastados eram indicados para os cargos por partidos, como os demais oito vice-presidentes da Caixa, e são investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal (MPF)

O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, ficou pendurado no pincel, com a rebelião dos líderes da base por causa do afastamento dos quatro diretores da Caixa Econômica Federal e a nomeação de técnicos do próprio banco para responderem pelos cargos interinamente. Marun contava com o apoio dos afastados para mobilizar a base do governo na votação da reforma da Previdência. Chegou a anunciar essa intenção ao tomar posse, o que gerou forte reação dos governadores que estavam sendo pressionados a “enquadrar” suas bancadas federais com a ameaça de não receberem os financiamentos operados pelo banco.

Todos os afastados eram indicados para os cargos por partidos, como os demais oito vice-presidentes, e são investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal (MPF). Mas somente foram afastados quando a recomendação veio do Banco Central (BC) e o MPF advertiu que o presidente Michel Temer poderia ser responsabilizado pelo não afastamento. A Casa Civil e a própria diretoria da Caixa resistiram às recomendações.

A Caixa é uma espécie de galinha dos ovos de ouro para PR, PP, PRB e MDB, cujas bancadas agora não querem mais votar a reforma da Previdência, corroborando a avaliação feita pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que a votação em fevereiro havia subido no telhado. A rebelião na base decorre do fato de que provavelmente os demais diretores também serão afastados. A Caixa não cumpriu a lei que determina a nomeação de diretores por critérios técnicos e não políticos, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, na Petrobras.

O presidente da Caixa, Gilberto Occhi, nomeou os substitutos por 30 dias, mas eles serão efetivados: Luiz Gustavo Silva Portela (diretor de Banco Corporativo) no lugar de Antônio Carlos Ferreira; Valter Gonçalves Nunes (diretor de Fundos de Governo) no lugar de Deusdina Pereira; Ademir Losekann (diretor de Clientes e Canais) no lugar de José Henrique Marques da Cruz; e Roberto Barros Barreto (diretor de Serviços de Governo) no lugar de Roberto Derziê de Sant’Anna.

O conselho da empresa é formado por sete integrantes, um indicado pelo presidente da República, cinco pelo ministro da Fazenda e um pelo ministro do Planejamento. O MPF e a Polícia Federal apontam irregularidades como corrupção e o favorecimento de grupos políticos e de empresas. Supostamente, dirigentes indicados por partidos atuavam para atender a interesses de políticos e de empresários em operações financeiras da Caixa.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, desconversou sobre a volta dos diretores afastados, que será examinada pelo conselho de administração, mas admitiu que a Caixa terá que passar por uma grande reestruturação administrativa: “A estrutura (da Caixa) é sempre objeto de discussão para tornar a empresa cada dia mais eficiente”, declarou

Lava-Jato
Todos os diretores da Caixa foram indicados pelos partidos. Occhi é um nome do PP. Um dos vices afastados, Antônio Carlos Ferreira, em depoimento na Lava-Jato, disse que sofria pressão do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para fornecer informações semanais sobre as operações do banco superiores a R$ 50 milhões.

Desvio de recursos de fundos de pensão de bancos públicos e de estatais (Operação Greenfield), liberação de recursos do Fundo de Investimentos do FGTS (FI-FGTS) em troca de propina (Operação Sépsis); e fraudes na liberação de créditos da Caixa em troca de propina (Operação Cui Bono?, que significa “a quem interessa?” em latim) são alvos das investigações. Políticos, ex-diretores, empresários e operadores financeiros estão na mira dos investigadores.

Entre os nomes investigados estão os dos ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN); o do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) e de seu irmão, o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA); o do operador Lúcio Funaro, o ex-vice-presidente do banco Fábio Cleto e seu ex-sócio Alexandre Margotto. Executivos dos grupos J&F, Constantino, Odebrecht, Marfrig e Bertin também estão enrolados. O presidente Michel Temer e o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) negam envolvimento no escândalo.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/galinha-dos-ovos-de-ouro/


Roberto Freire: Lula e a lei

Enquanto o Brasil aguarda pelo julgamento do ex-presidente Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, que analisará o recurso apresentado pelos advogados do petista contra a condenação a 9 anos e 6 meses de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, proferida pelo juiz Sergio Moro em primeira instância no processo referente ao rumoroso caso do triplex no Guarujá (SP), ficam cada vez mais evidentes o desespero do lulopetismo em relação ao futuro de seu principal líder e as constantes e desmedidas agressões do PT ao Poder Judiciário brasileiro e às instituições democráticas do país.

Nas últimas semanas, à medida que se aproxima o julgamento marcado para o dia 24 de janeiro, não foram poucos os próceres lulopetistas que se manifestaram abertamente contra o que vêm chamando de “rito de exceção” contra Lula, como se houvesse um complô com o objetivo de afastar o ex-presidente das eleições e consumar um “golpe” – mesmo termo utilizado de forma desavergonhada no período em que Dilma Rousseff foi afastada por meio do impeachment. São inúmeros os relatos de ameaças e tentativas de intimidação contra os desembargadores do TRF-4, além de palavras de ordem e gritos de guerra que indicam a possibilidade de haver quebra-quebra e atos de vandalismo caso o recurso de Lula seja rechaçado. Os bate-paus do lulopetismo não têm limites, demonstrando uma vez mais total descompromisso com as instituições republicanas e a própria democracia.

Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma inútil e patética tentativa de mobilizar a militância do PT e seus simpatizantes, desqualificando o processo na hipótese de uma eventual condenação do ex-presidente também em segunda instância – o que parece cada vez mais provável diante da amplitude de seus crimes e das provas apresentadas pelo Ministério Público e corroboradas pelo juiz Moro na sentença. Até parece que Lula é inimputável ou está acima da lei. Nada mais autoritário ou antidemocrático do que essa interpretação.

Em alguns casos, é perceptível que se trata de certo desespero de áulicos do lulopetismo em relação à iminente condenação do grande símbolo do partido. Em outros, no entanto, talvez a grande maioria das lideranças do PT, o que se vê é claramente a intenção de solapar e até mesmo derrubar a ordem democrática vigente no país, o que nos faz recordar do período de tão triste memória da ditadura militar. É uma postura totalmente irresponsável, para dizer o mínimo.

É evidente que se trata do óbvio, mas diante de tamanha desfaçatez e da afronta do PT às instituições é importante reforçar: Lula não tem salvo conduto, assim como nenhum dos cidadãos brasileiros, para praticar crimes. A Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) é cristalina e não deixa margem para qualquer tipo de dúvida: em caso de condenação por um tribunal colegiado, como o TRF-4, o possível candidato se torna “ficha suja” e fica impedido de disputar eleições. Além disso, há um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que um condenado em segunda instância já pode iniciar o cumprimento de sua pena (no caso de Lula, provavelmente em regime fechado, se a sentença de Moro for referendada pelo TRF-4) enquanto apela às instâncias superiores do Judiciário. Vem daí, muito provavelmente, o desespero e o descontrole da militância lulopetista.

Como se não bastasse a mobilização do PT, também os aliados não declarados do partido, como o PSOL, já se manifestaram em uma nota oficial divulgada há alguns dias que faz coro à narrativa delirante e mentirosa de que “eleição sem Lula é fraude”. No texto, a legenda – que se diz oposição ao lulopetismo, mas costuma cerrar fileiras ao lado e Lula e seus liderados em momentos cruciais – defende o direito de o ex-presidente ser candidato mesmo se condenado pelo TRF-4, descumprindo a Lei da Ficha Limpa.

Por mais que o lulopetismo e seus satélites esperneiem sobre o que pode acontecer em Porto Alegre no dia 24, a ordem democrática do país está preservada e as instituições estão em pleno funcionamento. Se condenado, o ex-presidente não poderá participar do processo eleitoral e, mais do que isso, deverá iniciar o cumprimento da sentença na cadeia. É o que esperam os brasileiros de bem, a imensa maioria da população tão ultrajada pela roubalheira perpetrada pelo PT durante mais de 13 anos. Que se cumpra a lei. Lula não está acima dela.

 

 


Merval Pereira: Em busca do confronto

A declaração, no mínimo irresponsável, que no limite pode ser considerada uma incitação à violência, da presidente do PT, senadora investigada Gleisi Hoffmann, de que, para prender Lula, será preciso “matar muita gente”, é o retrato fiel da escalada de radicalização, por enquanto retórica, que os aliados do ex-presidente Lula estão fazendo à medida que se aproxima o dia do julgamento do recurso no Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4).

Mas também do descontrole emocional que domina as principais lideranças do partido, pois a mesma Gleisi, em entrevista à agência de notícias Bloomberg dias antes, mandara um recado aos investidores estrangeiros para que não se preocupassem, pois Lula, segundo ela, é um líder político conciliador e estaria disposto a publicar uma nova versão da carta aos brasileiros para garantir seus compromissos com o equilíbrio fiscal.

A presidente do PT, por sinal, dá provas, dia sim outro também, de que está fora de sintonia com a realidade, provavelmente devido ao temor de que seu líder máximo acabe o processo em curso na cadeia ou, pior ainda para os planos petistas, impedido de concorrer à Presidência da República.

A senadora petista colocara recentemente no Facebook uma foto da torcida do time de futebol alemão Bayern de Munique onde se leria, segundo sua postagem, uma faixa de apoio a Lula, como se o julgamento estivesse mobilizando até mesmo torcidas organizadas alemãs. Na verdade, a foto mostrava uma faixa onde se lia “Forza, Luca”, comum ultimamente nos estádios da Alemanha devido a um acidente sofrido por um torcedor. O fanatismo provocou uma ilusão de ótica que fez Gleisi ler Lula em vez de Luca, deixando-a no ridículo.

São três episódios da mesma autora que demonstram como o julgamento do dia 24 está mexendo com os nervos da presidente do partido. Mas não só com os dela. A defesa de Lula tenta, de última hora, incluir no processo o que seria uma nova prova, fato de que tratamos aqui na coluna de ontem. A equivocada penhora do tríplex do Guarujá por uma juíza, em processo contra a OAS, pareceu aos advogados de Lula uma prova irrespondível de que o apartamento não é de Lula.

Como se ele não tivesse sido condenado justamente por tentar esconder a posse de fato do imóvel, que, aliás, foi confiscado judicialmente pelo juiz Sergio Moro como produto do crime pelo qual foi condenado. Em outra tentativa de alterar o andamento do processo, a defesa pediu que Lula fosse ouvido novamente no TRF-4 antes do julgamento, pois seu depoimento ao juiz Sergio Moro teria sido indevido pela parcialidade do julgador na primeira instância.

O relator da Lava-Jato no TRF-4, ministro João Pedro Gebran Neto, do TRF-4, rejeitou o pedido, sob a alegação óbvia de que para concordar com ele seria preciso anular o primeiro depoimento, o que só poderia ser feito pelo plenário da corte de apelação. A mais recente trama foi tentar incluir um advogado americano entre os defensores de Lula, mas ele não tem registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para atuar no país.

Além disso, deputados petistas, Wadih Damous e Paulo Teixeira, foram subestabelecidos como defensores de outro réu, Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula. Os dois poderão fazer uma defesa oral durante o julgamento, o que demonstra uma intenção, que não se sabe se concretizarão, de tumultuar o processo. Okamotto, pelo menos, preocupou-se em minimizar a fala de Gleisi sobre mortes em consequência de uma eventual prisão de Lula ao final do julgamento do dia 24, dizendo que foi uma força de expressão da presidente do PT. E que ele, sim, morreria do coração se Lula fosse preso. Okamotto imolou-se simbolicamente para atenuar o disparate da senadora Gleisi Hoffmann, mas isso em nada reduz a irresponsabilidade de conclamar os militantes petistas a reações violentas em caso de condenação de Lula. Os que ameaçaram os juízes do TRF-4 pelo Facebook já foram identificados pela Polícia Federal e podem sofrer as consequências ainda antes do dia do julgamento.

Como se vê, o périplo do presidente daquele tribunal, ministro Thompson Flores, a gabinetes de autoridades em Brasília em busca de garantias para que o julgamento transcorra sob controle das forças de Segurança não foi desmotivado. O apelo ao confronto está por toda parte nas atitudes de militantes e dirigentes petistas. Esperamos que sejam apenas bravatas irresponsáveis, a serem desestimuladas pela ação preventiva das autoridades de Segurança.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Bandeira amarela

O presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, passou o dia em Brasília reunido com autoridades para garantir a segurança dos magistrados que farão o julgamento de Lula

O desfecho do romance O amor nos tempos do cólera, de Gabriel Garcia Marques, que descreve a paixão de dois amantes já idosos, Fermina Daza e Florentino Ariaza, é uma viagem de barco que não teria fim pelo rio Grande Madalena. Para burlar as autoridades náuticas e navegar sem passageiros, cargas ou malotes de correio a bordo, o expediente adotado por Florentino, dono da companhia de navegação, foi mandar hastear a bandeira amarela, o sinal de peste a bordo, que impedia a subida ou descida de qualquer pessoa na embarcação. “E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho?”, indaga o rude comandante do navio. Florentino tinha a resposta preparada havia mais de 50 anos: “Toda a vida!”

A referência ao romance de Gabo obviamente tem a ver com o surto de febre amarela que chegou às regiões mais desenvolvidas e ricas do país, principalmente São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. O fracionamento das vacinas em cinco doses, com poder de imunização durante oito anos, é uma solução adotada com sucesso pela Organização Mundial da Saúde para enfrentar a epidemia nos países mais miseráveis da África. Do ponto de vista médico, é uma medida adequada para conter a epidemia, mas não para erradicá-la, pois somente a dose completa imuniza as pessoas por toda a vida. A febre amarela não tem nada a ver com a cólera, causada pela ingestão de água contaminada por fezes. É provocada pela presença crescente de macacos infectados nas áreas urbanas.

A remissão à bandeira amarela e ao ir e vir sem fim do final do romance é uma alegoria. O Brasil vive um eterno vaivém de problemas, alguns dos quais imaginávamos resolvidos. Como a sífilis entre os adolescentes, a febre amarela está de volta e já matou 21 pessoas em São Paulo, sendo três em Mairiporã, onde 90% da população já foi vacinada. Na verdade, o fracasso das políticas públicas é um caldeirão prestes a explodir novamente, como em 2013, quando os jovens foram às ruas protestar por causa das péssimas condições do sistema de transportes, das escolas sem qualidade e da péssima assistência à saúde.

É o caso da segurança pública, por exemplo, cuja crise se generaliza. O próprio comandante do Exército, general Villas Boas, chama a atenção para o fato de que as sucessivas intervenções das Forças Armadas nos estados, principalmente a longa operação de defesa da lei da ordem no Rio de Janeiro, podem levar a infiltrações do tráfico de drogas na tropa. O recrutamento de ex-soldados por traficantes já existe; o general sabe disso. O colapso do sistema prisional em alguns estados, como Goiás, e do próprio aparelho de segurança, como aconteceu no Rio Grande Norte, tem a ver com a crise fiscal do estado, que se agrava a cada dia. É uma espécie de efeito Orloff em relação ao Rio de Janeiro: “Eu sou você amanhã”.

Incertezas
É nesse ambiente que iniciamos um ano eleitoral decisivo e, ao mesmo tempo, cada vez mais incerto. O assunto político do momento é o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 24 de janeiro, em Porto Alegre, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que pode referendar ou não a condenação a 9 anos e meio de prisão sentenciada pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Caso o TRF-4 mantenha a decisão, Lula poderá ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e ficar de fora das eleições de 2018. Acusado de receber R$ 3,7 milhões em propina da empreiteira OAS, em decorrência de contratos da empresa com a Petrobras, o petista nega o fato. O valor refere-se à suposta cessão pela OAS de um apartamento tríplex no Guarujá (SP) ao ex-presidente, às reformas feitas pela construtora no imóvel e ao transporte e armazenamento de seu acervo presidencial.

Ontem, o presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, passou o dia em Brasília reunido com autoridades para garantir a segurança dos magistrados que farão o julgamento de Lula. É o fim da picada uma situação como essa, pois vivemos numa ordem democrática. Mas é resultado também do coro dos políticos contra a Operação Lava-Jato e as autoridades do Judiciário, principalmente procuradores e juízes de primeira instância que investigam os crimes de colarinho branco. Os principais partidos brasileiros estão envolvidos nos escândalos investigados pela Lava-Jato e seus líderes foram denunciados pelos executivos da Odebrecht, JBS e outras grandes empresas, que desviam recursos de obras e serviços públicos para financiamento de campanhas eleitorais e a formação de patrimônio de muitos políticos e seus operadores. Querem hastear uma espécie de bandeira amarela e deixar a Lava-Jato numa quarentena eterna. A eventual condenação de Lula em Porto Alegre é uma ameaça para todos os políticos enrolados na Justiça, pois significa que ninguém estará acima da lei.

 


Valor Econômico: Evangélicos querem eleger 150 deputados e 15 senadores este ano

Líderes de igrejas evangélicas e partidos ligados a elas estão traçando uma estratégia para ampliarem suas bancadas na Câmara e no Senado a partir de 2019. O objetivo é aumentar de 93 para cerca de 150 o número de deputados federais e quintuplicar, de três para 15, o total de senadores.
Por Fabio Murakawa, do Valor Econômico
A estratégia, no caso do Senado, é lançar apenas um candidato por Estado, evitando que dois candidatos evangélicos concorram entre si. Neste ano, 54 cadeiras estarão em jogo no Senado, duas por Estado. No caso da Câmara, também há a ideia de fazer uma espécie de "distritão evangélico", com um ou poucos candidatos ligados às igrejas disputando votos em cada região - algo ainda visto como mais difícil de realizar do que na eleição ao Senado.
Uma vez fortalecidos, os evangélicos pretendem puxar ainda mais uma agenda conservadora: antiaborto, contra liberação das drogas e do jogo, e em prol do que chamam de "família natural" (homem e mulher). Dessa coordenação, também pode surgir apoio a um candidato a presidente- algo mais provável em um eventual segundo turno. Na economia, a preferência dos líderes é pelo modelo que definem como liberal adotado no governo Michel Temer. Um desafio é conquistar o eleitor evangélico das regiões Norte e Nordeste, ainda muito fiel ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Conversas nesse sentido começaram a se intensificar desde outubro. Participam representantes das igrejas batistas, além da Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular, Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Mundial do Poder de Deus, Terra Nova, Fonte da Vida e Sara Nossa Terra, entre outras.
As articulações são costuradas pelo senador Magno Malta (PR-ES) e os deputados João Campos (PRB-GO), Sóstenes Cavalcanti (DEM-RJ) e Antonio Bulhões (PRB-SP). Também conversam com esse grupo membros da Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana, como o deputado Givaldo Carimbão (PHS-AL), que têm agendas em comum com a dos evangélicos.
Outra frente de mobilização está na Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab), presidida pelo bispo Robson Rodovalho, líder da Sara Nossa Terra.
Apesar da força que ganharam na pauta do Congresso nos últimos anos, líderes religiosos e políticos da Frente Parlamentar Evangélica se acham sub-representados. Citam pesquisa Datafolha, que em dezembro de 2016 estimou em 29% o total de evangélicos no país. "Temos de 28% a 33% de representatividade na população, mas somos apenas 15% do Congresso", diz Rodovalho.
O problema da baixa representatividade é mais agudo no Senado, onde o grupo ocupa apenas 3 das 81 cadeiras da Casa - além de Magno Malta, são evangélicos atuantes apenas Eduardo Amorim (PSDB-SE) e Eduardo Lopes (PRB-RJ), suplente do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), e, como ele, bispo licenciado da Universal. "Estamos muito descobertos no Senado, com apenas três senadores", afirma Sóstenes Cavalcante.
Segundo o deputado, os evangélicos carecem de um político com perfil articulador no Senado. Do grau de sucesso da articulação entre as diferentes igrejas depende o futuro de lideranças importantes, como o deputado Marco Feliciano (PSC-SP).
"Meu sonho é o Senado. Mas, se não houver uma boa articulação [entre as igrejas], não vou trocar o certo pelo duvidoso", diz Feliciano, que foi eleito para a Câmara em 2014 com 398.087 votos, o terceiro mais votado em São Paulo.
Ele classifica, no entanto, como "utopia" a ideia do "distritão evangélico". "Por maior que seja a denominação, não tem como impedir que outras pessoas [evangélicas] saiam candidatas".
Rodovalho, por sua vez, discorda. "O conselho de pastores tem condição de mapear [as regiões], saber onde dá para eleger um ou dois [deputados]", afirma.
Rodovalho diz que esse "mapeamento" dependerá da conformação de alianças nos Estados, e uma definição só deve ocorrer em maio ou junho.

Gaudêncio Torquato: A insustentável leveza de ser do PT

O ano eleitoral que se inicia coloca em xeque o dilema que tem afligido o PT ao longo dos últimos anos: arrefecer o peso do discurso, produzindo nova "carta aos brasileiros", à semelhança da que Luiz Inácio Lula da Silva apresentou em 2002, ou continuar a massificar o bordão da luta de classes ("nós e eles"), sob a crença do eterno retorno, conhecido conceito de Nietzsche (1844-1900), ancorado no princípio de que as situações existenciais se repetem indefinidamente no tempo.

A dúvida que paira sobre o PT e seu chefe maior parece levar em conta, de um lado, a perspectiva de melhoria da economia —nesse caso, o discurso radical seria mal recebido por parcela da população— e, de outro, o resgate do legado que a administração lulista se gaba de ter proporcionado ao país: a maior distribuição de renda da história. E que hoje virou fumaça.

A isca com que Lula pretende fisgar o eleitorado, em outubro, seria um elenco de compromissos com o povo, não apenas uma expressão moderada para cooptar o mercado, como se fez em 2002.

O fato é que o petismo está ajustando o discurso de forma a driblar os índices positivos alcançados pelo atual governo, rebater o tiroteio sobre a era petista, com foco no envolvimento de seus protagonistas no mensalão e na operação Lava Jato, e se apresentar como a melhor alternativa para enfrentar a crise (por ele perpetrada).

A identidade do petismo, plasmada ao longo do percurso iniciado em 1980, sempre se pautou pelo viés socializante. Recuperar o eixo histórico ante um Estado que avança na direção de reformas liberais e diminui seu porte não será fácil.

Lula abriu o discurso de posse na Presidência, em 1º de janeiro de 2003, com o verbo mudar. Era o conceito que unia sindicalistas, intelectuais e membros da Igreja Católica, fundadores do PT. Mas o país não mudou sob o mando petista. A leitura atual não perdoa os desvios do ciclo Lula/ Dilma, mesmo sob as glórias do programa distributivista de renda, assentado no Bolsa Família.

O ex-metalúrgico chegou a se autodesignar "metamorfose ambulante", em peroração humorística para explicar o vaivém do PT, ora trafegando na extrema esquerda do arco ideológico —quando grita jargões e ecoa o apartheid social—, ora aliado a siglas que o petismo condena, como o próprio MDB.

Imerso no arquipélago partidário, o PT perdeu o discurso original, sujou-se no lamaçal da corrupção e, incrível, adentrará o campo eleitoral com alianças à direita e à esquerda, maneira de garantir a eleição do maior número de governadores, senadores e deputados.

Lula deu o tom: o PT tem de ser pragmático. Precisa ganhar musculatura e garantir boa posição no ranking. A dúvida persiste: um discurso mais leve, menos radical, fará o gosto da militância? A resposta é não. O petismo tem a militância mais engajada e conta com a CUT e o MST, seus exércitos de retaguarda. Os militantes defendem um discurso virulento para compor a feição oposicionista.

Para voltar a ser competitivo, ao PT sobra a alternativa de voltar a esgrimir a espada com que ataca o statu quo. Ocorre que o resgate da velha identidade só terá êxito caso as reformas do governo Temer derem com os burros n'água.

Só assim o petismo assumirá a condição de maior força oposicionista. Em suma, não se sustenta a leveza de ser do PT. É mais provável que Lula assuma a cara zangada de João Ferrador, dos tempos de metalúrgico, para mostrar raiva e indignação como perseguido do juiz Sergio Moro. Pretende ir às urnas como vítima.

Condenado pelo TRF-4 e impedido de disputar o pleito, teria como modelo a figura do Nazareno carregando a cruz até o calvário. Sob o manto de mártir, há quem veja Lula puxando o substituto na direção do segundo turno da eleição.

* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP (aposentado) e consultor político e de comunicação

 


Luiz Carlos Azedo: O mal-estar eleitoral

O ambiente “líquido” da disputa eleitoral fragmenta ainda mais os interesses da maioria e nenhum nome se apresenta como alternativa à radicalização

Um dos grandes fatores de incerteza na conjuntura política é a ausência de um projeto de país no debate eleitoral que se inicia. Outro, o fato de que o Estado brasileiro está em crise, com o fracasso das políticas públicas e uma crise de financiamento cuja conta está sendo toda pendurada no sistema de Previdência.

Ao mesmo tempo em que os políticos e seus partidos não oferecem uma alternativa convincente e motivadora para a situação, a Operação Lava-Jato revelou para a sociedade que o financiamento da política — e o enriquecimento pessoal de seus principais operadores — era feito por meio do desvio ilegal de recursos, que deveriam ter ido para escolas, hospitais, estradas, metrôs, etc.

É impossível evitar o enorme mal-estar instalado na sociedade, com o agravante de que isso está sendo potencializado por outros fenômenos que não são uma exclusividade brasileira. No mundo inteiro, o Estado perdeu sua referência. O que era moderno e sólido, organizado, produtor de justiça e provedor da qualidade de vida das pessoas está se desmanchando no ar. Como assinalou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (O mal-estar da pós-modernidade, Zahar), o Estado na pós-modernidade perdeu o poder para o mercado livre, perdeu o propósito de sua existência. Quanto maior, mais atrapalha. O Estado tornou-se uma empresa ineficiente.

Bauman utiliza a metáfora da liquidez para caracterizar a sociedade contemporânea. A crise das ideologias da modernidade — que tinham começo, meio e fim e uma base social estruturada na sociedade industrial — resultou numa cultura fluida, líquida, gasosa, pautada pelas incertezas e pela volatilidade. Tudo parece errado e em movimento. O que seria mais civilizado se revelou uma sociedade mais cruel e embrutecida, mais desigual e injusta. No Brasil, essa sensação de fracasso da sociedade contemporânea por não alcançar a felicidade, fruto da pós-modernidade, é ainda maior por causa da exclusão e da violência, sem falar na corrupção dos políticos. Sem as velhas utopias que fracassaram e com a fragmentação das ideologias, a política se tornou um objetivo em si mesma e um balcão de negócios, perdeu o projeto de Nação.

Cenários

É nesse ambiente que entramos no ano eleitoral. Os discursos são, no mínimo, regressivos. Uma espécie de pare o mundo, vamos dar marcha à-ré. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, se apresenta como vítima de uma grande injustiça, como se nada tivesse a ver com toda a roubalheira que houve durante seus dois mandatos e o colapso econômico do país no governo Dilma Rousseff, cuja eleição foi sua maior proeza. Quer passar uma borracha no que aconteceu entre 2011 e 2016 e retomar o fio da história lá atrás. Vamos supor que isso fosse possível. Se Lula voltar ao poder para fazer o que vem dizendo, o desastre será ainda maior. Basta olhar para a Venezuela e outros países da América Latina.

Outro player do debate eleitoral é o deputado Jair Bolsonaro (PSL). Depois da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, acredita que pode falar qualquer bobagem e nada abalará o seu prestígio. As bandeiras conservadoras e retrógradas são agarradas com as duas mãos pelo parlamentar, que faz uma defesa incondicional do golpe militar de 1964 e dos 20 anos de regime autoritário que o país atravessou. Agora flerta com ideias liberais na economia por mera conveniência; sua cabeça é nacionalista e estatizante, como a do ex-presidente Ernesto Geisel, com a diferença que não tem a mesma cultura e experiência administrativa do general que restabeleceu a hierarquia nas Forças Armadas e promoveu a abertura política. Com Bolsonaro no poder e um Congresso que lhe seja hostil, o risco de golpe militar entra em qualquer cenário pós-eleitoral.

Pode-se dizer que o país que queremos comporta essas duas alternativas? As pesquisas mostram que não. A maioria da sociedade ainda defende valores essenciais para a democracia, entre os quais a busca de consensos e a construção de soluções positivas, o respeito à diversidade, à igualdade de oportunidades e à inclusão. Entretanto, o ambiente “líquido” da disputa eleitoral fragmenta ainda mais os interesses da maioria e nenhum nome se apresenta como alternativa ao centro, nem mesmo aqueles que deveriam polarizar o debate eleitoral, como Marina Silva (Rede) e o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB).

Que país queremos? Quem responder a esse questionamento certamente terá possibilidade de disputar pra valer a Presidência. Sabemos, porém, que as referências dos brasileiros não são os países da América Latina, África ou Ásia; são a Europa e os Estados Unidos. Sabemos também que é preciso fazer um novo pacto entre o Estado e a sociedade e pensar um modelo de desenvolvimento mais sustentável, que aproveite nossos recursos naturais de forma não-predatória e aposte fortemente no conhecimento para que nos tornemos um país melhor para dentro e para fora dos locais de trabalho e de moradia.


Merval Pereira: Huck e Oprah

O que Oprah e Luciano Huck têm em comum. A televisão de entretenimento no domingo trouxe ao debate dois fatos políticos importantes, aqui e nos Estados Unidos, por motivações idênticas, levando a especulações sobre candidaturas presidenciais de Luciano Huck e Oprah Winfrey, ambos, guardadas as devidas proporções, apresentadores de programas de grande audiência em seus países.

Odesgaste dos políticos profissionais é um fenômeno presente em vários países do mundo, e já teve sua consequência máxima ao ajudar a eleger Donald Trump presidente dos Estados Unidos. Daí a especulação sobre Oprah, que na festa do Globo de Ouro fez um discurso típico de candidata, e foi ajudada pelo apresentador da noite, o ator e comediante Seth Meyers, que foi sutil ao sinalizar essa possibilidade.

Ao se referir a ela, que recebia naquela noite o Prêmio Cecil B. DeMille, lembrou que em 2011 contara algumas piadas sobre o atual presidente no jantar dos correspondentes da Casa Branca, sobre como ele não tinha qualificação para ser presidente, e alguns garantem que naquela noite ele se convenceu a concorrer. “Então, se isso for verdade, só quero dizer: Oprah, você nunca será presidente! Você não tem o que é preciso!”.

Já Faustão, em seu programa, foi mais direto, perguntou se Huck seria candidato à Presidência da República. A resposta foi quase uma declaração de que se apresenta para a corrida sucessória: “Neste momento, se eu me isentar de tentar melhorar, eu estaria sendo covarde. Daí a querer ser presidente, não quero que seja uma pretensão minha e não quero ser pretensioso de maneira alguma. (...) O que estou fazendo, e vou continuar fazendo, é tentar mobilizar uma geração inteira, não importa se é de direita ou de esquerda, não acredito mais nisso. E não queria fazer isso pelos partidos políticos, porque eles estão derretendo, temos que ocupar de novo (...).”

“(...) Minha missão este ano é tentar motivar as pessoas a que votem com muita consciência, e que a gente traga os amigos que estão a fim para ocupar a política, senão não vai ter solução. Eu jamais vou ser o salvador da pátria. (...) O que o destino, que Deus espera para mim, eu vou deixar rolar. (...) Mas eu vou participar, eu vou botar a mão na massa, eu quero ajudar, eu acredito muito no Brasil e contem comigo para tentar melhorar essa bagunça geral aqui.”

Oprah Winfrey também não se fez de rogada. Primeiro se colocou, lembrando sua infância humilde e os problemas raciais nos Estados Unidos: “Em 1964, eu era uma pequena garota sentada no chão de linóleo da casa da minha mãe em Milwaukee, observando Anne Bancroft apresentar o Oscar de melhor ator. Ela abriu o envelope e disse cinco palavras que literalmente fizeram história: ‘O vencedor é Sidney Poitier.’”

Em seguida, declarou-se uma pessoa verdadeira: “O que eu sei com certeza é que falar sua verdade é a ferramenta mais poderosa que todos nós temos”. E se colocou como representante das mulheres de todos os níveis sociais, que na cerimônia do Globo de Ouro estavam sendo homenageadas numa campanha contra o assédio sexual.

Lembrou Recy Taylor, mulher negra sequestrada e estuprada por seis homens brancos em 1944, que morreu dez dias atrás, aos 98 anos. “Ela viveu, como todos nós vivemos, muitos anos em uma cultura tomada por homens brutalmente poderosos. E, por muito tempo, as mulheres não foram ouvidas. Esse tempo acabou.”

Assim como Huck, também Oprah enviou uma mensagem de esperança para as meninas americanas: “Quero que todas as garotas saibam, aqui e agora, que um novo dia está no horizonte. E quando esse novo dia finalmente chegar, será por causa de muitas mulheres magníficas, muitas das quais estão aqui nesta sala esta noite, e alguns homens fenomenais, lutando para garantir que eles se tornem os líderes que nos levarão ao tempo em que ninguém nunca mais tenha que dizer ‘eu também’ novamente”.

A motivação para que se especule sobre a possibilidade de dois astros da TV virem a ser candidatos à Presidência de seus países tem a mesma raiz, o desgaste da política tradicional, mas reflete situações quase opostas. Nos Estados Unidos, a experiência com Trump apresenta resultados negativos nesse primeiro ano de mandato, sua popularidade está em baixa e os Democratas procuram uma alternativa para impedir sua reeleição, mas não há grandes nomes políticos à vista.

Já aqui, o desgaste da política tradicional leva a que uma renovação de quadros seja ansiada pelo eleitorado. Luciano Huck foi visto como potencial candidato à Presidência, e depois anunciou que não concorreria. Seus comentários no domingo foram interpretados como uma retomada de uma possibilidade de candidatura. Mas lá o Partido Republicano não está pensando em processar a Oprah, ou o Seth Myers, ou a NBC.


Luiz Carlos Azedo: O poderoso Huck

As velhas raposas políticas costumam dizer que ninguém é candidato de si mesmo. É um princípio basilar que precisa ser levado a sério por todos que têm pretensões eleitorais

Uma entrevista como a de Luciano Huck no Faustão de domingo não acontece por acaso, nem pode ser avaliada como algo trivial, sem conotação política. Mesmo que as intenções do apresentador e da direção da TV Globo fossem desfazer a ideia de que ele pode vir a ser candidato a presidente da República, o que todo mundo tem o direito de duvidar, o efeito de sua entrevista ao lado da mulher, a também apresentadora Angélica, foi posicioná-lo novamente como possível candidato. E mais do que isso, alavancá-lo nas próximas pesquisas de opinião. Na ambiguidade que costuma tecer o processo político, Huck pode não ser candidato, mas sua candidatura, eleitoralmente falando, já existe.

As velhas raposas políticas costumam dizer que ninguém é candidato de si mesmo. É um princípio basilar que precisa ser levado a sério por todos que têm pretensões eleitorais. Na entrevista, Huck negou mais uma vez que é candidato, mas se colocou aberta e francamente como um protagonista do processo eleitoral de 2018: “Neste momento, se eu me isentar de tentar melhorar, eu estaria sendo covarde. Não quero que seja uma pretensão minha (ser presidente) e não quero ser pretensioso de maneira nenhuma. O que estou fazendo, e vou continuar fazendo, é tentar mobilizar uma geração inteira, não importa se é de direita ou de esquerda, não acredito mais nisso. E não queria fazer isso pelos partidos políticos, porque eles estão derretendo, temos que ocupar de novo. Optei por fazer pelos movimentos cívicos, gente da sociedade civil que está a fim de se juntar para ter ideia e falar ‘quero ser deputado’, ‘quero ser governador’, ‘quero ser senador’, e mobilizar essas pessoas a se lançarem na política para tentar renovar”.

Huck foi além do que seria uma celebridade dando pitaco na conjuntura. Entrou em sintonia com o eleitor descontente com os partidos e políticos (“a sociedade como um todo está envergonhada da classe política”) e avançou duas casas ao definir aquele que seria seu inimigo principal na disputa: “É um ano superimportante, o voto é o melhor e o único jeito de transformar. Com essa crise, tem gente que pede volta à ditadura. Não existe isso, democracia é feita para melhorar a vida das pessoas. Temos nossa arma e temos que agarrar com unhas e dentes”. Mirou o deputado Jair Bolsonaro, que recentemente anunciou sua transferência do PSC para o PSL, atacando diretamente sua principal base eleitoral. Foi sagaz na declaração, ao não atacar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pode se tornar uma carta fora do baralho eleitoral depois do julgamento de 24 de janeiro.

Nenhum político profissional comparece à televisão sem estudar muito bem o que pretende falar. Mesmo assim, a exposição em tevê aberta com uma audiência como a do programa do Faustão é sempre um risco. Para um neófito na política, Huck foi muito além do excepcional apresentador de tevê. Não deu um passo em falso, falou o que o cidadão comum gostaria de ouvir, sem passar recibo da candidatura, e se posicionou no cenário eleitoral como uma espécie de coelho na cartola do establishment empresarial do país. O simples fato de a TV Globo expô-lo em horário nobre não deixa de ser um recado do tipo “ainda temos uma bala de prata” e “ri melhor quem ri por último”.

Mergulho
Huck mergulhou em novembro passado depois de dois meses de especulações sobre a sua candidatura, nos quais saltou de 17 pontos percentuais em uma pesquisa do Instituto Ipsos publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, na qual saiu de 43% para 60% de aprovação, enquanto sua desaprovação caiu de 40% para 32%. Depois dessa pesquisa, foi para o pelourinho das redes sociais, porque ultrapassou o ex-presidente Lula (PT), então com 43% de avaliação positiva e 56% de avaliação negativa. A versão oficial foi de que teria recebido um ultimato da TV Globo e que a candidatura enfrentava muita oposição da família, principalmente de Angélica, sua mulher. Um artigo no jornal Folha de São Paulo anunciou a retirada estratégica. A entrevista de domingo, de certa forma, põe em dúvida essa versão. O candidato saiu de cena, mas a candidatura ficou no ar.

Um mês depois, no levantamento feito pela Ipsos em dezembro, Huck ainda se mantinha à frente de Lula, com 57% de aprovação contra 45%, enquanto sua desaprovação subia para 36% e a de Lula caia para 54%. O problema é que a saída de cena de Huck não melhorou nem um pouco a situação de outros candidatos que poderiam se tornar uma alternativa, principalmente por causa da alta rejeição: Marina Silva (Rede) 28% positivo e 62% negativo; Jair Bolsonaro, 21% e 62%; Ciro Gomes, 19% e 65%; e Geraldo Alckmin (PSDB), 19% e 72%. todos acima dos 60%. O único nome que realmente despontava era outro outsider na política: o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, que namora o PSB, com 37% de aprovação e 44% de rejeição. Mas ninguém se iluda, a entrevista de Huck no Faustão abriu a temporada de caça eleitoral e haverá forte reação dos partidos e dos políticos, principalmente do PMDB, do PT e do PSDB. Políticos profissionais não morrem de véspera.


Luciano Huck é candidatíssimo a Presidente da República em 2018

Se alguém ainda tinha dúvida da imprevisibilidade da eleição presidencial deste ano, a participação de Luciano Huck no programa Domingão do Faustãodeixou todo mundo com a pulga atrás da orelha. Apesar de repetir que "neste momento" não é candidato nem se julga um "salvador da pátria", deixou o futuro em aberto: "O que o destino e o que Deus espera pra mim, vou deixar rolar."

Quem assistiu ficou com a nítida impressão de que foi uma espécie de pré-lançamento extra-oficial da campanha. Assista e forme a sua opinião.


Fernando Gabeira: As brumas de janeiro

Baixando essa poeira de janeiro, será possível discutir um pouco mais amplamente uma agenda para a mudança

Viajaram todos no réveillon, fiquei só em casa, com uma delicada missão: acalmar os quatro gatos durante os 17 minutos dos fogos em Copacabana. No fim, deu certo. Vieram todos para a minha cama, redobrei a atenção com uma delas que tem o hábito de fazer xixi fora do lugar, quando contrariada. Nessa breve semana de férias, constatei que em 2018 vou trabalhar mais ainda. São as circunstâncias. Minha pergunta é esta: que tipo de qualidade necessito para encarar as novas tarefas?

Para fazer mais e melhor, destaco sempre uma delas, que nem sempre me acompanha, na trajetória agitada: concentração. Costumo levar na mochila um velho livro do sexto patriarca da Escola do Sul: Hui Neng, um sábio budista. Volta e meia, bate na tecla da concentração. No seu universo, a concentração é indispensável ao caminho espiritual. Mas nada impede que seja também um instrumento valioso na nossa vida cotidiana.

Definidos objetivo e método, nada melhor que usar os restantes momentos de férias para me dispersar. Ou, pelo menos, sentir a força avassaladora das múltiplas atrações que disputam nossa atenção. Dentro de casa, com livro, tevê e internet, é possível se perder completamente, em romances, ensaios, biografias, perfis, curtas, debates inteligentes e bobagens engraçadas.

Vi um perfil de Francis Bacon, cujos quadros sempre me impressionaram e a quem só conhecia de um livro de entrevistas. Fiquei triste com seu cotidiano pontilhado de crises, suicídio de um de seus amantes no momento de sua grande consagração internacional: a exposição no Grand Palais, em Paris. Lembrei-me de Van Gogh, pobre, dando sua própria orelha para uma prostituta. É como se fosse uma lenda: não me comove tanto. E pensei: as dores dos contemporâneos parecem ser as nossas dores.

Vi os episódios de série “Black mirror”, especialmente “Arkangel” me fez divagar de novo. A mãe decide implantar um dispositivo no cérebro da filha. Através dele, pode localizá-la e até mesmo ver e ouvir o que a menina Sarah vê e ouve. Na sua telinha, a mãe acompanha a cena de sua filha fazendo amor com o namorado. Ela vê o namorado de baixo, com os olhos de Sarah. E ouve a menina dizer frases pornográficas. Numa cena anterior, Sarah aparecia vendo no recreio da escola um filme pornográfico.

É apenas um detalhe em toda a história. No entanto, acionou uma conexão na minha cabeça: andei lendo um pouco sobre um debate acerca do tema nos EUA. Uma das críticas enfatizava que o imaginário sexual da juventude estava sendo colonizado pelos roteiristas de filmes pornográficos. Isso alterava o vocabulário e os próprios sentimentos. “Arkangel” me provoca a voltar ao tema.

Passados os momentos de dispersão, ainda fico intrigado como sou atraído por eles. Como se concentrar num mundo em que milhares de focos disputam sua atenção?

Na estrada, às vezes com pobre conexão, isso é possível. O chamado fluxo de trabalho é também uma âncora no presente. Ainda assim, os fatos seguem acontecendo e não se pode descuidar deles. No entanto, é preciso fazer uma espécie de barreira sanitária. Em outras palavras, o volume de informações que nos orgulhamos de consumir e produzir também pode se voltar contra nós, sobretudo em doses cavalares.

De volta ao futuro imediato, está diante de todos nós um ano desafiador. Acompanhar as eleições, tentar extrair delas a maior mudança possível nas relações entre sociedade e governo é uma tarefa inescapável. O primeiro grande traço do ano eleitoral será desenhado no dia 24 de janeiro em Porto Alegre: o julgamento do recurso de Lula pelo TR4. Teoricamente, o Tribunal pode confirmar, rejeitar, reduzir ou ampliar a pena de Lula. Em qualquer hipótese, tudo terá de ser equacionado de novo, a partir dessa decisão.

Pelo que vi em Curitiba, quando Lula foi depor, as tensões que surgem nesses momentos podem ser superadas com serenidade e algum planejamento para evitar a violência.

Protestos, abaixo assinados, todos fazem parte do jogo político. Mas servem mais como um consolo para Lula do que propriamente uma visão apontando para o futuro. Em caso de confirmação da pena, como conduzir uma candidatura que se choca com a Lei da Ficha Limpa?

Não posso prever em detalhes esse primeiro grande momento do ano eleitoral. Na verdade, ainda o encaro como um incidente do passado. Lula resolveu se candidatar para fugir da Lava-Jato pelos melífluos caminhos da política.

Baixando essa poeira de janeiro, será possível discutir um pouco mais amplamente uma agenda para a mudança. Entre o destino de um condenado e as tarefas de reconstrução do país há uma considerável mudança de foco.

Os anos pertencem a uma teia maior do tempo. Nunca são totalmente novos. Como todos nós, trazem consigo a carga do passado. Até os motins nas cadeias são planejados na véspera do réveillon. Esperemos pois, com paciência, 2018 surgir nas brumas de janeiro.


Luiz Carlos Azedo: Salvadores da pátria

O sebastianismo é uma herança tão forte quanto o velho patrimonialismo das oligarquias brasileiras. Até caminham de mãos dadas, embora aparentemente se contraponham

A face mais popular do iberismo no Brasil é o sebastianismo, um mito messiânico originário do desaparecimento do D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, a 4 de agosto de 1578. Menino ainda, assumiu o trono; o rei de Portugal morreu aos  24 anos e não deixou herdeiros. Em consequência, a primeira nação da Europa ocidental, que vinha de um exitoso ciclo de expansão marítima, mergulhou num período de frustração e desgoverno, sendo anexada pela Espanha em 1580. À época, o episódio personificou o mito do Encoberto, muito conhecido entre os cristãos-novos, por causa das profecias de Gonçalo Antônio Bandarra, um sapateiro de Trancoso, cujas trovas incomodavam a Inquisição:

“Augurai, gentes vindouras, / Que o Rei que daqui há-de-ir, / Vos há-de tornar a vir/ Passadas trinta tesouras. / Dará fruto em tudo santo, /Ninguém ousará negá-lo;/ O choro será regalo/ E será gostoso o pranto.”

Em sua defesa, Bandarra sustentou, perante os inquisidores, que havia se inspirado na Bíblia, ao ler os livros de Daniel, Isaías, Jeremias e Esdras, que profetizavam a vinda de um rei que traria, finalmente, a paz e a justiça aos povos da terra. Esse foi o ponto de partida para criação do mito, que mais tarde seria acalentado nas obras de Camões, do padre Antônio Vieira e até mesmo de Fernando Pessoa, que invoca o velho sebastianismo para mexer com os brios dos portugueses, diante da decadência em que se encontrava o seu país na primeira metade do século passado, desencantado com a República e a humilhação perante a Inglaterra.

Essa profecia de regresso de um salvador da pátria acabou tendo forte influência no Brasil, sobretudo no Nordeste. Ariano Suassuna, em seu Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, reconfigura o mito: “Guardai, Padre, esta espada, porque um dia hei de valer dela com os Mouros, metendo o Reino pela África adentro Dom Sebastião I — ou Dom Sebastião, O desejado — Rei de Portugal, do Brasil e do Sertão”. Descreve o sangrento movimento messiânico do qual participaram os antepassados do personagem-narrador, Pedro Dinis Quaderna, por volta de 1830, na cidade de São José do Belmonte (PE). Depois de sonhar com dom Sebastião, o sertanejo João Antônio dos Santos fundou um movimento messiânico que culminou na morte de 80 pessoas. Em maior escala, o messianismo ressurgiria no Brasil com o místico Antônio Conselheiro, líder dos jagunços de Canudos, no interior da Bahia.

Alguns líderes políticos, de certa forma, encarnaram o sebastianismo ou desejaram fazê-lo. É o caso do líder tenentista Luís Carlos Prestes, que se tornou um mito político depois de percorrer cerca 25 mil quilômetros, em 11 estados, durante dois anos, com sua coluna que chegou a ter 1.200 rebeldes. Cerca de 200 homens cobriram todo o percurso até se dispersarem, uma parte na Bolívia, outra no Paraguai. A adesão de Prestes ao comunismo, porém, reposicionou e limitou sua liderança, que acabou suplantada pelo governador gaúcho Getúlio Vargas, líder da Revolução de 1930, que governou o país por meio de uma ditadura, até 1945.

Espaço vazio

A legislação trabalhista e o salário-mínimo mantiveram inabalado o prestígio de Vargas após 15 anos de ditadura, possibilitando sua volta ao poder em 1950 pelo voto, embora o legado dele fosse além dessa fronteira, em razão da reforma do Estado e do seu papel na industrialização do país. Desde então, amalgamado ao populismo, o messianismo no Brasil tornou-se um fenômeno muito mais político do que místico-religioso, que sobrevive apenas nas festas populares, como nas Cavalhadas.

É nesse leito que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve sua base eleitoral, depois de governar o país por oito anos, com programas compensatórios como o Bolsa Família, que facilitam a construção da imagem de suposto “pai dos pobres”, ainda que sua estratégia de desenvolvimento tenha fracassado e levado o país ao desastre econômico no governo Dilma. Nem de longe se compara ao legado de Vargas.

Do ponto de vista da política, o sebastianismo é uma herança tão forte quanto o velho patrimonialismo das oligarquias brasileiras. Até caminham de mãos dadas, embora aparentemente se contraponham. As alianças de Lula no Nordeste são um bom exemplo disso. No Brasil meridional, porém, o fenômeno não tem a mesma intensidade. O divórcio entre a política e a sociedade está gerando um outro tipo de liderança, de viés conservador e autoritário, que preenche o espaço vazio, no caso, a candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSC), mas que também se apresenta como “salvador da pátria”.

Os demais candidatos a presidente da República, embora com uma trajetória política mais orgânica e institucional, enfrentam dificuldades para se colocar como real alternativa de poder. O divórcio entre o Estado e a sociedade e a desmoralização dos partidos em razão do envolvimento de seus líderes com a crise ética fazem com que, no âmbito da sociedade civil, muitos procurem um novo São Sebastião fora do mundo da política. A rigor, nada impede que isso ocorra, mas ninguém vai resolver os problemas do país com reza ou num passe de mágica