eleição
Nas entrelinhas: Ciro carrega pedra como Sísifo
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Candidato à Presidência da República pela quarta vez, Ciro Gomes nos lembra O Mito de Sísifo, o mais esperto dos mortais segundo a mitologia grega. Ex-prefeito de Fortaleza, ex-governador do Ceará, ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco e da Integração Nacional do governo Lula, ex-deputado estadual e federal, é um dos políticos mais experientes do país, com reconhecida capacidade administrativa. Concorreu à Presidência em 1998 e 2002 pelo antigo PPS; e, em 2018, pelo PDT, mesma legenda que o abriga neste ano.
“Os deuses condenaram Sísifo a rolar incessantemente uma rocha até o alto de uma montanha, de onde tornava a cair por seu próprio peso. Pensaram (os deuses), com certa razão, que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança”, escreveu o filósofo existencialista franco-argelino Albert Camus (1913-1960), ao explicar a condição humana no livro O Mito de Sísifo, publicado em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial.
Enfurecido com os golpes que Sísifo aplicava contra os deuses, Zeus mandou Tânato, a deusa da morte, levá-lo ao mundo subterrâneo. Sísifo a presenteou com um colar e elogiou sua beleza. Na verdade, o ornamento era uma coleira, com a qual aprisionou Tânato. Deus dos mortos, Hades libertou Tânato e mandou-a novamente atrás de Sísifo. Antes de ser levado até Hades, Sísifo pediu à sua esposa, Mérope, que não enterrasse seu corpo. Quando encontrou o deus dos mortos, disse que precisava voltar pra casa, para ordenar à esposa que o enterrasse. Assim, enganou a morte pela segunda vez. Zeus e Hades consideraram Sísifo um revoltado e o sentenciaram à punição eterna: levar uma pedra ao alto da montanha e vê-la rolar, para novamente carregá-la até o alto, em um esforço sem fim.
Camus escolheu Sísifo por sua audácia diante da morte. Sua revolta consciente era negar os deuses e aceitar seu destino. Sua liberdade era encarar o absurdo sem nostalgia, salto ou apelo. Sua grandeza foi viver conhecendo todos os riscos. “Esse mito só é trágico porque seu herói é consciente. O que seria sua pena se a esperança de triunfar o sustentasse a cada passo?”, indaga Camus.
Emparedado
“O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que ele se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua miserável condição: pensa nela durante a descida. A clarividência que deveria ser o seu tormento consuma, ao mesmo tempo, sua vitória. Não há destino que não possa ser superado com o desprezo”, ensina Camus.
Em 1998, Ciro rompeu com o então presidente Fernando Henrique Cardoso por causa da emenda da reeleição e deixou o PSDB. Explicitou divergências sobre a venda do patrimônio público, as dívidas interna e externa e valorização artificial do real. Seu programa de governo previa a redução drástica dos juros e a adoção de um câmbio flutuante. FHC foi reeleito no primeiro turno, com 53% dos votos, e Ciro ficou em terceiro, com cerca de 10% dos votos.
Com apoio de Leonel Brizola, em 2002 conseguiu formar uma frente com o PPS, PTB e PDT. Seu principal adversário era o tucano José Serra. Suas posições sobre a renegociação da dívida externa assustaram o setor financeiro, mas foi uma declaração infeliz sobre a atriz Patrícia Pillar, sua companheira na época, que pôs sua campanha a perder. No primeiro turno Lula venceu com 46% dos votos, Serra ficou em segundo com 23%, Garotinho em terceiro com 18% e Ciro Gomes em quarto com 12%.
Na campanha de 2018, Ciro disse que “quem estava sangrando o Brasil eram os brasileiros endinheirados”. Defendeu a renegociação e o alongamento da dívida interna, e a redução das taxas de juros. Prometeu limpar o nome de devedores no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Com 13,3 milhões de votos(12,47%), foi o terceiro colocado na eleição presidencial. Ciro, novamente, é candidato; de novo, foi emparedado por Lula. Realiza um esforço de Sísifo. Caiu de 9% para 6%% nas intenções de voto.
Sob pressão do agro, extinção de reserva vira bandeira eleitoral na Amazônia
Pedro Papini , Bettina Gehm, Naira Hofmeister e Fernanda Wenzel*, Brasil de Fato
O piloto conduz o barco rio acima até avistar a casa que está buscando. Ao perceber que há gente na propriedade, baixa o tom de voz e evita se aproximar da margem para não ser visto. Quem olha a cena de longe pode ter a falsa impressão de que ele entrou ilegalmente na Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, uma unidade de conservação em Rondônia criada para proteger de invasores as famílias que vivem da extração da seringa, da castanha, do açaí e de outros frutos da Amazônia.
Mas nesse território que se estende pela área de três municípios, inclusive a capital Porto Velho, essa lógica se inverteu. Dali, do meio do rio, Rodrigo* vê a casa que ajudou os pais a construírem ser utilizada por grileiros como base para a destruição da floresta que antes complementava o sustento familiar. "Eu tô com raiva, tô com ódio", desabafa, constatando que a roça de macaxeira do pai e os pés de frutas nativas como cupuaçu e abacaxi cultivados pela mãe foram substituídos por bois e tratores.
Em 2018, o casal de extrativistas decidiu fugir do local depois que a casa foi alvejada com tiros de arma de fogo enquanto eles trabalhavam. Antes disso, em duas ocasiões, os cadeados que trancavam as portas foram trocados durante sua ausência.
Desde então, a situação só piorou: de acordo com dados do governo do Estado, já há 765 fazendas dentro da unidade de conservação. E a proximidade das eleições acirra mais os ânimos: "Politicamente, não interessa ao Estado proteger a reserva, que é a mais visada pelos políticos de Rondônia [para extinção]", analisa Aidee Torquato, ex-promotora do Ministério Público Estadual, que esteve à frente de muitas ações para impedir o fim da área verde.
Na Resex Jaci-Paraná tudo funciona com o sinal contrário. Quase 30 anos após sua criação, há mais pasto do que floresta por lá — embora a lei proíba a pecuária dentro da unidade de conservação. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 55,3% dos seus 191.234 hectares já foram transformados em capim.
Apenas dois moradores tradicionais resistem em seus terrenos, mas a população de bovinos cresce exponencialmente sob a proteção dos órgãos oficiais do Estado, que faz, inclusive, o controle de vacinação do rebanho ilegal contra febre aftosa. Enquanto o filho de extrativistas precisa falar baixo e olhar sempre para os lados, evitando ser visto, os invasores criam associações, fazem lobby e erguem faixas pedindo "regularização fundiária". E o poder público está do lado deles.
"A gente tem que parabenizar essas pessoas que estão trabalhando, ralando, com a mão calejada. Esse é o bandido? Não, eu acho que esse é um herói, deveria ter recebido um prêmio", defende Evandro Padovani, que até março de 2022 era o secretário de Agricultura de Rondônia — dias depois da declaração dada à reportagem ele deixou o cargo para concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PSC (Partido Social Cristão). Em 2018, terminou a disputa como suplente, concorrendo com o slogan "Padovani da Agricultura", que segue ativo em suas redes sociais e deve ser novamente sua plataforma eleitoral.
Evandro Padovani, que até março de 2022 era o secretário de Agricultura de Rondônia, defende publicamente os agricultores que invadiram ilegalmente a Resex / Otávio Lino
Em 2021, o governador Marcos Rocha (União Brasil), que se elegeu na esteira do bolsonarismo e busca mais quatro anos de mandato, contrariou pareceres da própria Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) e da Procuradoria Geral do Estado e enviou para a Assembleia Legislativa um projeto de lei que praticamente acabava com a Resex. O texto, aprovado sem votos contrários pelos parlamentares — dos 24, 17 votaram a favor do projeto e sete se abstiveram — diminuiria em 90% a área da Resex, de 191 mil para 22 mil hectares.
A tentativa de redução da Resex foi freada apenas pelo Judiciário, que considerou a lei inconstitucional — mas parte do estrago já estava feito. "Medidas como essas vão fomentando cada vez mais a invasão, porque dão a ilusão de que em algum momento essas pessoas vão ser regularizadas", diz Paulo Bonavigo, biólogo e presidente da Ecoporé, uma organização sem fins lucrativos que luta pela proteção do meio ambiente em Rondônia.
A Resex Jaci-Paraná é uma das unidades de conservação onde o desmatamento mais cresce no Brasil, conforme números do Inpe. Não por acaso, está localizada no estado amazônico que mais destruiu suas florestas. "Por causa do agronegócio, Rondônia sempre teve um movimento conservador e antiambiental muito forte. A eleição de Bolsonaro legitimou esse discurso e empoderou ainda mais os invasores", explica Paulo Bonavigo.
O próprio presidente já teceu elogios à atuação dos deputados de Rondônia, estado que virou um balão de ensaio para as políticas de desregulamentação ambiental patrocinadas pelo governo de Jair Bolsonaro. Por isso, o risco é que a extinção de Jaci-Paraná abra um precedente perigoso para as outras áreas protegidas da Amazônia, cuja preservação é essencial para evitar o avanço do aquecimento global.
"O último relatório do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na sigla em inglês] mostra que a Amazônia está perdendo o poder de fazer o equilíbrio climático, de resgatar o carbono da atmosfera", destaca Txai Suruí, liderança indígena de Rondônia que em 2021 capturou a atenção de importantes chefes de Estado ao discursar na tribuna principal da COP 26, a Conferência Mundial do Clima.
"A Amazônia está perdendo o poder de fazer o equilíbrio climático", destaca Txai Suruí / Otávio Lino
"Essa destruição passa também por comunidades que sempre viveram da floresta e agora estão sofrendo [com invasões e expulsões]”, completa Txai, também coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que trabalha na defesa dos povos indígenas e do meio ambiente há 30 anos.
Peixe grande, peixe pequeno
Dona Cláudia*, mãe de Rodrigo, não teve tempo nem de sentir o gosto dos abacaxis que estavam começando a brotar quando ela e o marido, Roberto*, tiveram que sair fugidos da casa na beira do Rio Jaci-Paraná. A horta com couve, pimenta, cebola e outros temperos também ficou para trás, junto com uma boa parte da saúde de seu Roberto, que nunca se adaptou à vida em Porto Velho, para onde foram após escapar dos invasores.
"Era um monte de homem chegando armado. O trator veio na frente abrindo a estrada, tirando madeira. A casinha ficou lá, tava toda pintadinha", lembra o idoso.
Assim como eles, a maioria das cerca de quarenta famílias de extrativistas que viviam na Resex Jaci-Paraná quando ela foi criada, em 1996, foi embora por conta das ameaças — realidade que se materializa nas casas abandonadas dentro da reserva. "A gente não vivia em paz, estava sempre assustado. Escutava pau caindo, eles abrindo mato, derrubando para plantar capim para o gado", conta Isabel*, que também se viu obrigada a largar a floresta às pressas, deixando para trás a máquina de costura e a casa de farinha. "A minha vida foi só em seringal. Eu nunca morei na cidade, assim como tô agora. Eles tiraram meu sossego, minha paz."
Na Resex Jaci-Paraná, é possível ver algumas das casas abandonadas pelos extrativistas expulsos por fazendeiros / Otávio Lino
Para Gustavo*, a ameaça chegou uma década atrás, pela boca de um homem armado: "O peixe maior é costume engolir um monte de menor", disse o invasor.
Sabedor de seu direito àquela terra, garantido por lei, Gustavo foi ao Ministério Público, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), à delegacia ambiental, ao governo do Estado. Mas enquanto era mandado de um órgão público para o outro, viu as invasões ganharem corpo. Sem apoio, teve que deixar seu lote e passou a viver de favor. "Eles entraram como se fossem um bando de bicho, devorando tudo, vieram com trator, com caminhão. Hoje você só vê capim e boi berrando. Mais nada", recorda.
Rebanho ilegal cresce 300% em sete anos
Documentos oficiais do governo do Estado mostram que em janeiro de 2022 havia 174.406 cabeças de gado na área protegida — número quase 300% maior do que o registrado em 2015, quando foi feito o primeiro levantamento do rebanho ilegal na Resex.
Parte desses animais abastece diferentes frigoríficos de Rondônia, inclusive aqueles pertencentes a grandes empresas que se comprometeram publicamente a não comprar animais de áreas desmatadas ilegalmente. No ano passado, o jornal estadunidense The New York Times revelou que bois criados na reserva foram comprados por frigoríficos da JBS, Marfrig e Minerva. No caso da JBS, a mesma prática já havia sido denunciada anteriormente pelo ((o))eco e pela Anistia Internacional.
A JBS afirma que essas publicações tinham erros metodológicos e que demonstrou, em cada um dos casos, a regularidade de suas compras. No caso da Marfrig, flagrada pela reportagem do The New York Times buscando gado dentro da Resex, a empresa disse que o erro foi da transportadora que embarcou os animais.
Já a Minerva argumenta que a falta de transparência sobre a movimentação do gado impede o monitoramento da origem dos animais desde o nascimento. Como o gado costuma passar por duas, três ou mais fazendas antes de chegar ao frigorífico, as empresas ficam sujeitas a manobras dos produtores que "lavam" o gado de Jaci-Paraná em fazendas regulares no entorno da reserva. Confira a íntegra das respostas das empresas aqui.
Impedir que os animais criados ilegalmente dentro da Resex chegassem aos consumidores, garantindo lucros para os pecuaristas irregulares, foi uma das maiores brigas de Aidee Maria Moser Torquato ao longo dos 18 anos em que esteve à frente da Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público de Rondônia (MP-RO). Para isso, ela adotou a estratégia de pressionar a Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril do estado (Idaron) para que tomasse medidas concretas contra o rebanho ilegal.
Governo de Rondônia fecha os olhos para a ocupação ilegal da reserva para criação de gado / Otávio Lino
O órgão é responsável por garantir que os animais sejam vacinados contra a febre aftosa, por isso sabe quem são os pecuaristas e detém informações preciosas sobre o fluxo comercial entre criadores e frigoríficos. A agência, inclusive, emite os documentos que autorizam o trânsito dos animais de uma fazenda para outra e dessas para os abatedouros.
Caso se abstivesse dessas tarefas, sob a alegação da irregularidade dos bovinos dentro de uma reserva extrativista, o Idaron estrangularia a cadeia que fomenta a grilagem.
Mas as recomendações de Torquato foram solenemente ignoradas pelas autoridades do governo do Estado. "Como o Idaron faz vista grossa e não denuncia quem invadiu a Resex? Como emite a Guia de Trânsito Animal sem questionar a origem do gado? Isso só interessa a quem está lá produzindo gado e enriquecendo", lamenta a ex-promotora, que se aposentou em 2020.
A reportagem entrou em contato com o Idaron, com a Sedam e o gabinete do governador Marcos Rocha, mas não obteve retorno.
A carne produzida nos municípios que abrangem a Resex Jaci-Paraná é exportada, principalmente para Hong Kong, região autônoma da China, mas também para o Egito, Rússia, Itália, Alemanha, Suiça e Dinamarca e outros 37 países.
Para Ivaneide Bandeira Cardozo, a Neidinha Suruí, coordenadora de projetos da Kanindé, quem compra essa carne também tem sua parcela de culpa na tragédia socioambiental da Amazônia. "Há uma guerra do setor econômico contra a natureza, contra os povos indígenas, contra os extrativistas, e essa guerra destrói o planeta. Nós só vamos parar essa devastação quando o mercado internacional der um basta."
"Nós só vamos parar essa devastação quando o mercado internacional der um basta", diz Neidinha Suruí / Otávio Lino
Governo desobedece a Justiça
Desde 2004, já houve pelo menos três decisões judiciais determinando a saída dos invasores da Resex Jaci-Paraná, a restauração da vegetação nativa e o pagamento de multas por parte dos grileiros, mas elas tampouco tiveram efeitos. "O Estado nunca cumpriu", lembra Torquato.
A exceção foi o período entre 2011 e 2013, em que o hoje ambientalista da Ecoporé Paulo Bonavigo esteve à frente do órgão estadual responsável pela proteção das unidades de conservação do estado e tentou forçar a retirada do gado da área por meio de bloqueios nas estradas de acesso à Resex. O objetivo era impedir a entrada de novos animais e de qualquer insumo à atividade agropecuária. A pressão dentro e fora do governo, no entanto, acabou minando a iniciativa e o levou a deixar o cargo. "Às vezes vinha um assessor de deputado me procurar, ou mesmo advogados ligados a políticos, querendo achar uma brecha legal para manter a invasão", conta.
Em um estado que tem o agronegócio como carro-chefe da economia, a luta contra a Resex Jaci-Paraná virou bandeira eleitoral. A Assembleia Legislativa do Estado já tentou extinguir ou reduzir a unidade de conservação quatro vezes: em 2014, 2018, 2020 e em 2021, cujo ponto de partida foi um projeto de lei do governador do Estado.
"Essa pauta de redução de unidades de conservação é uma bandeira eleitoral em Rondônia há muitos anos", explica Paulo Bonavigo, da Ecoporé, que acredita que este ano não será diferente. "Se você pensar que há cerca de 1.600 famílias vivendo ilegalmente dentro da Resex Jaci-Paraná, isso já é quase voto o suficiente para eleger um deputado."
Por isso, não surpreende que, a 12 quilômetros de onde Rodrigo chora a casa que um dia foi sua, mas ainda dentro do perímetro protegido de Jaci-Paraná, João Marcelo da Silva faça planos de se candidatar a vereador mirando no voto dos grileiros. Ele é presidente da Aparar (Associação dos Pequenos Agricultores Rurais do Assentamento Renascer), que representa invasores assumidos: "Quando chegamos aqui sabíamos que era reserva", admite. "Só que todo mundo precisava dum pedaço de terra para manter o sustento", justifica.
"Quando chegamos aqui sabíamos que era reserva", admite João Marcelo da Silva, presidente da Aparar / Otávio Lino
Silva exibe uma faixa com os dizeres "Nós queremos o zoneamento e a regularização fundiária da área da Resex Jaci-Paraná" e acredita que a regularização dos grileiros será o trampolim para sua candidatura. "Antes de deitar tem que fazer a cama", brinca. Trânsito na política oficial Silva já tem — segundo ele, foi a seu pedido que a prefeitura de Porto Velho mandou a retroescavadeira que consertava a estrada dentro da área invadida.
Embora os defensores do fim da Resex argumentem que quem está lá são pequenos produtores rurais, os dados do Idaron mostram que entre os invasores da unidade de conservação há pelo menos 21 fazendeiros com mais de mil cabeças de gado — em alguns casos, os rebanhos somam quase três mil animais, enquanto a média em propriedades familiares obtida pelo último censo agropecuário do IBGE é de 80 cabeças por propriedade em Rondônia.
"Nas investigações do Ministério Público detectamos empresários de outros ramos que exploram pecuária dentro da Resex, mas também laranjas. Pessoas que possuem o gado em seu nome, mas que não têm condição financeira para isso", conta Aidee Torquato. "Já aconteceu de identificarmos uma cabeleireira com 500 cabeças de gado, por exemplo."
"A gente vê desmatamentos de quase 1.000 hectares de uma hora pra outra, e isso exige muito dinheiro, então não são pessoas com pouca renda que foram invadindo essas áreas", salienta Paulo Bonavigo, da Ecoporé.
Vitória do atrevimento
José Maria, um dos fundadores da Organização dos Seringueiros de Rondônia e principal liderança extrativista do Estado, ainda guarda as fotos tiradas em 9 de março de 1996, quando foi realizada a assembleia de criação da associação de extrativistas de Jaci-Paraná. Na imagem, cerca de trinta pessoas, a maioria homens, olham sorridentes para a câmera. Em outro retrato, Zé Maria e um companheiro tomam banho em um rio ainda cercado pela floresta densa, imagem rara atualmente dentro da área.
A extensão do estrago é o principal argumento de quem quer o fim da reserva. "A floresta a gente tem que cuidar enquanto ela não foi derrubada. Depois que derrubou, não adianta", argumenta Padovani.
Mas a Justiça brasileira não aceita a teoria do fato consumado – de que a retirada dos invasores é inútil porque o desmatamento já aconteceu – como justificativa para a perpetuação de crimes ambientais. O desembargador Miguel Monico Neto, do Tribunal de Justiça de Rondônia, reforça esse entendimento: "Seria uma vitória do atrevimento. Vamos premiar a ilegalidade?", questiona o magistrado, que votou contra o projeto de redução da Resex na sessão que declarou a iniciativa inconstitucional.
"Juridicamente, não existe fato consumado quando o assunto é a proteção do meio ambiente. O que é ilegal é ilegal e tem que ser recuperado", frisa Torquato, que desenvolveu, junto com técnicos do MP, um cálculo para cobrar indenizações pela perda de biodiversidade — dinheiro que poderia ser aplicado em programas de recuperação ambiental.
A justificativa de quem quer entregar a Resex aos invasores tampouco encontra respaldo na ciência e na experiência prática, já que a floresta já provou que é capaz de se recuperar pelo simples abandono da área. Apenas na Amazônia, pesquisadores identificaram 7,2 milhões de hectares passíveis de recuperação, o equivalente a 60% da meta assumida pelo Brasil no Acordo de Paris, de recuperar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. É quando se encerra o período que a ONU (Organização das Nações Unidas) designou como a "Década da Restauração" para inspirar e apoiar governos, empresas e sociedade civil a promoverem iniciativas de recuperação florestal em todo o mundo.
"Ao contrário do discurso do governo, a gente acredita que dá para recuperar a Resex, reflorestar, devolver aos seringueiros que foram expulsos e desenvolver com eles projetos de reflorestamento", defende Neidinha. "A gente tem que devolver para a floresta aquilo que tiramos dela e só assim que a gente vai conseguir reverter essa crise pela qual estamos passando", acrescenta Txai Suruí.
*Por questão de segurança, os nomes dos entrevistados foram modificados.
*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato. Título editado x2.
Nas entrelinhas: Condenação de procuradores pode virar bumerangue
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A Segunda Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU) condenou ontem, por unanimidade, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, o ex-procurador Deltan Dallagnol e o procurador João Vicente Romão a ressarcir os cofres públicos por dinheiro gasto pela força-tarefa da Lava-Jato com diárias e passagens. Segundo os ministros da Corte, houve prejuízo de R$ 2,8 milhões em gastos da operação, valor que deve ser restituído ao Tesouro. Técnicos do tribunal haviam recomendado arquivar o processo.
Para o ministro do TCU Bruno Dantas, relator do processo, e para o subprocurador-geral do Ministério Público de Contas, Lucas Furtado, o modelo adotado na operação permitiu o pagamento “desproporcional” e “irrestrito” de diárias, passagens e gratificações a procuradores, com ofensas ao princípio da impessoalidade, em razão da ausência de critérios técnicos que justificassem a escolha dos procuradores que integrariam a operação.
A decisão é mais um capítulo da “desconstrução” da Lava-Jato, que culminou na anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com base no princípio do juiz natural, sustentado pela defesa do petista desde quando o ex-presidente começou a ser investigado pelo então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro.
Principal referência da operação, Moro teve sua imparcialidade como magistrado colocada em xeque quando aceitou o convite do presidente Jair Bolsonaro (PL), recém-eleito, para ser o ministro da Justiça, e abandonou a toga. Ambos acabaram rompendo em abril de 2020, quando Moro deixou o governo.
Janot foi condenado por ter autorizado a constituição da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba; ex-coordenador da força-tarefa, Dallagnol por ter participado da concepção do modelo escolhido pela força-tarefa e da escolha dos integrantes da operação; e Romão, por solicitar a formação da força-tarefa. Sete procuradores foram inocentados.
Em nota, a assessoria de Dallagnol afirmou que há perseguição. “A decisão dos ministros desconsidera o parecer de 14 manifestações técnicas de cinco diferentes instituições (…) que referendaram a atuação da Lava-Jato e os pagamentos feitos. Tudo isso com o objetivo de perseguir o ex-procurador Deltan Dallagnol e enviar um claro recado a todos aqueles que lutam contra a corrupção e a impunidade de poderosos”. Agora, ele está impedido de concorrer às eleições, com base na Lei da Ficha Limpa, porque foi condenado por um colegiado.
Casa de enforcado
Entretanto, a decisão do TCU pode virar um bumerangue eleitoral. Iniciada em 2014, Lava-Jato foi uma das maiores iniciativas de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história recente do Brasil. Na época, quatro “organizações criminosas”, que teriam a participação de agentes públicos, empresários e doleiros passaram a ser investigadas pela Justiça Federal, em Curitiba. A operação apontou irregularidades na Petrobras, maior estatal do país, e contratos vultosos, como o da construção da usina nuclear Angra 3.
Frentes de investigação também foram abertas no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Distrito Federal. As investigações foram iniciadas a partir de uma rede de postos de combustíveis e de um lava-jato de automóveis de Brasília, usada para lavagem de dinheiro — daí o nome da operação. No ambiente de descontentamento com a política e os políticos, a força-tarefa de Curitiba e Moro alavancaram o tsunami eleitoral de 2018, quando Bolsonaro foi eleito.
No decorrer do atual governo, porém, o combate à corrupção deixou de ser uma prioridade para a opinião pública, muito mais preocupada com a pandemia de covid-19, a recessão econômica, o desemprego e o aumento da miséria. O eixo da política nacional se deslocou gradativamente da bandeira da ética para a economia.
Nesse ínterim, os condenados na Lava-Jato cumpriram parte da pena, adquirindo direito à prisão domiciliar ou liberdade condicional. Foram absolvidos ou tiveram suas condenações anuladas por desrespeito ao “devido processo legal”. Lula, que fora condenado e impedido de disputar as eleições de 2018, nas quais era o favorito, permaneceu 580 dias na carceragem da Polícia federal de Curitiba, até sua condenação ser anulada.
Sem entrar no mérito da polêmica jurídica sobre a Lava-Jato, que foi “deslegitimada” pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para os réus e condenados na operação esse assunto é como falar de corda em casa de enforcado. Na atual campanha eleitoral, quem ganha com a polêmica é Bolsonaro, apesar dos escândalos de seu governo, porque essa polêmica
aumenta a rejeição de Lula.
*Título editado
Nas entrelinhas: Manifesto resgata narrativa da luta contra a ditadura
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, lançada ontem nas arcadas da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), na sequência do manifesto de empresários e sindicalistas organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) como o mesmo objetivo, resgatou a narrativa da luta pela democracia que aprofundou o isolamento e levou à derrota o regime militar. Organizado por ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), juristas, professores e alunos, o manifesto pode chegar a 1 milhão de assinaturas.
É uma ironia tudo isso. Tanto fizeram o presidente Jair Bolsonaro (PL), os generais que o cercam no Palácio do Planalto e seus apoiadores, saudosistas do regime militar, nos ataque às urnas eletrônica, à Justiça Eleitoral e ao STF, que o mundo jurídico reagiu em defesa dos postulados básicos da democracia e conseguiu galvanizar o apoio da sociedade civil. Isso ficou muito evidente no Largo do São Francisco e em dezenas de outras cidades brasileiras. Não por acaso, o evento relembrou o manifesto lançado nas comemorações dos 150 anos dos cursos de Direito no Brasil, em 1977.
O evento de ontem reuniu remanescentes da manifestação realizada 45 anos atrás, que contou com a participação de cerca mil pessoas, que saíram em passeata no centro de São Paulo, em pleno regime militar. A leitura da nova carta foi realizada pelas professoras da Faculdade de Direito da USP Euníce de Jesus Prudente, Maria Paula Dallari Bucci, Ana Elisa Liberatore Silva Bechara (vice-diretora da instituição) e por um dos signatários da carta de 1977, Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, com 82 anos, ministro aposentado do Superior Tribunal Militar (STM).
Em 1977, a motivação dos protestos foi o fato de a celebração oficial ter ficado a cargo do ex-ministro da Justiça Alfredo Buzaid, um dos autores do AI-5. Os juristas Bierrenbach, José Carlos Dias e Almino Affonso decidiram organizar um ato que realmente representasse a comunidade acadêmica e seu entendimento sobre a situação do país. O professor Goffredo Telles Júnior foi encarregado de redigir e ler o manifesto, que entrou para a história.
Outro contexto
O contexto era completamente diferente. O general Ernesto Geisel operava uma abertura política “lenta, gradual e segura”, em resposta à derrota eleitoral do regime, em 1974. Milhares de pessoas haviam sido presas em 1975, a maioria ligada ao antigo PCB. O regime perseguia opositores, censurava meios de comunicação e não permitia a eleição direta de governantes.
Entre junho e agosto, 17 jovens militantes do antigo MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), entre os quais o atual deputado federal Ivan Valente (PSol-SP), haviam sido presos. Em resposta, houve uma grande manifestação de estudantes na PUC do Rio de Janeiro.
Os signatários da Carta aos Brasileiros, pot tudo isso, começavam o documento declarando-se decididos “a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras”. O texto de 14 páginas terminava afirmando: “A consciência jurídica do Brasil quer um a cousa só: o Estado de Direito”.
O documento, de certa forma, serviu para unificar a agenda do movimento democrático, que desaguou na vitória do MDB nas eleições de 1978 e na campanha da anistia para os presos políticos e exilados, que viria ser aprovada em 1979. Daí em diante, da nova derrota eleitoral de 1982 até a eleição de Tancredo Neves, no colégio eleitoral, em 1985, o regime foi se desagregando, até a derrota final dos militares.
Hoje, a situação é completamente diferente. Generais voltaram ao poder pelas mãos de um ex-capitão que deixou a ativa por indisciplina e se elegeu presidente da República. O Centrão substitui a antiga Arena, da qual o PP é o legítimo sucessor, no controle do Congresso. Entretanto, o poder moderador na República é exercido pelo STF e não pelas Forças Armadas, embora o atual ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, se comporte como se fosse xerife das eleições.
A narrativa golpista de Bolsonaro assusta a sociedade civil, cujas lideranças se uniram para defender a democracia sem a intermediação dos partidos. Esse é o eixo político institucional da disputa eleitoral em curso, mas é a situação da economia que decidirá o pleito. Por meio da chamada PEC Emergencial, que desconsidera a legislação eleitoral, o governo usou o peso do seu poder econômico para mudar a correlação de forças nas eleições. Por isso, Bolsonaro tripudia do manifesto.
Nas entrelinhas: MDB do Rio “cristianiza” Simone e apoia Lula
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Em 15 de maio de 1950, os dirigentes do PSD, reunidos na casa de Cirilo Júnior (presidente do partido), decidiram lançar a candidatura de Cristiano Machado à Presidência da República. O general Góis Monteiro transmitiu a decisão ao presidente Eurico Gaspar Dutra, seu velho amigo, enquanto o próprio Cristiano procuraria Getúlio Vargas e Ademar de Barros, o governador de São Paulo, para oferecer ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) a vice-presidência.
Vargas não objetou a escolha, mas o PSD do Rio Grande do Sul (favorável à indicação de Nereu Ramos) rejeitou a candidatura. O Partido Social Progressista (PSP), de Ademar de Barros, também decidiu não apoiar Cristiano. Sabia que a candidatura de Vargas, apoiada por Ademar, seria lançada em 17 de junho. O próprio tentava adiar a convenção e remover o candidato do PSD, mas não teve sucesso. Cristiano foi aclamado no dia 9 de julho, ou seja, se antecipou a Vargas. Para neutralizar Ademar, Cristiano fez ainda uma aliança com Hugo Borghi, candidato ao governo de São Paulo pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN).
Nas eleições de 3 de outubro de 1950, a chapa Cristiano Machado-Altino Arantes (PSD-PR) concorreu com as de Eduardo Gomes-Odilon Braga (UDN) e Getúlio Vargas-Café Filho (PTB-PSP). O resultado final deu a Getúlio 3.849.040 votos, contra 2.342.384 dados ao brigadeiro Eduardo Gomes e 1.697.193 a Cristiano Machado. O refluxo do setor getulista do PSD em relação à candidatura de Cristiano e a transferência de seus votos para Vargas foi um processo de esvaziamento eleitoral que ficou conhecido no jargão político como “cristianização”.
Ontem, a candidata do MDB à Presidência da República, Simone Tebet, foi “cristianizada” pelo MDB do Rio de Janeiro, que decidiu, em convenção regional, apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a reeleição do governador Cláudio Castro. Segundo o documento aprovado, a gravidade do momento, sem qualquer desmerecimento à candidatura posta pelo MDB, “impõe já no primeiro turno das eleições apoiar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o mais qualificado entre todos para governar”.
O MDB cristianizou Ulysses Guimarães (1989), Orestes Quercia (1994) e Henrique Meirelles (2018), mas nunca de papel passado.
Sem compromisso
Segundo o ex-governador Moreira Franco, um dos autores do texto, não houve nenhum acordo prévio com a Lula. A decisão de apoiar o petista foi tomada mirando quatro objetivos: “1º) fortalecer as instituições políticas democráticas, não para mantê-las congeladas no tempo, mas modernizando-as e adaptando-as às exigências de um mundo que muda cada vez mais rapidamente e não perdoa os retardatários; 2º) não aspirar à reconstituição do passado, consciente de que temos de procurar nosso lugar no futuro que está em gestação em todas as esferas da vida; 3º) recuperar o papel do Estado na liderança e na promoção do desenvolvimento econômico e na repartição dos frutos do progresso, do mesmo modo como o fizeram todos os países democráticos do mundo; 4º) governar em nome de todos os brasileiros e para todos os brasileiros e garantir segurança jurídica e estabilidade institucional para os que produzem e trabalham.”
“Uma coalizão de brasileiros, unidos por estes valores, pode evitar os males que nos ameaçam, dar fim a um momento sombrio de nossa história e lançar as bases duradouras de um verdadeiro desenvolvimento inclusivo e sustentável. Esta é uma oportunidade que não podemos perder”, argumenta o documento aprovado na convenção.
Moreira foi um dos artífices do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e trabalha para que o ex-presidente Michel Temer também declare apoio a Lula. Mas não houve nenhum sinal efetivo de reaproximação entre ambos. O petista simplesmente esnobou Temer, solidário com Dilma.
O MDB do Rio de Janeiro é presidido pelo deputado Leonardo Picciani, filho do ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, velho aliado de Lula. O ex-prefeito de Duque de Caxias Washington Reis foi indicado vice da chapa. Claudio Castro apoia a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Nas entrelinhas: Bolsonaro recupera expectativa de poder
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A aprovação da PEC Emergencial e a redução do preço dos combustíveis alteraram o cenário eleitoral. Na pesquisa feita pelo Instituto FSB para o banco BTG Pactual, divulgada ontem, a diferença entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera a corrida presidencial, e o presidente Jair Bolsonaro (PL) caiu de 13 para sete pontos. O petista está com 41% das intenções de voto, enquanto Bolsonaro tem 34% no primeiro turno. Também se alterou a avaliação do governo, que era ruim ou péssima para 47% dos eleitores e, agora, está em 44%. Entre os que acham o governo Bolsonaro ótimo ou bom, o número subiu de 31% para 33%. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) está com 7% dos votos; a ex-senadora Simone Tebet (MDB), com 3%; e André Janones (Avante), com 2%. José Maria Eymael (DC) e Pablo Marçal (Pros) têm 1% cada.
A pesquisa FSB/BTG Pactual explica o empenho de Lula para remover as candidaturas de Janones e Marçal e tentar atrair esse 3%. Mesmo assim, a simples soma de votos de Ciro e Simone inviabilizaria, hoje, uma vitória no primeiro turno. Vêm daí as previsões baluartistas do Palácio do Planalto, explicitadas com clareza pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, na entrevista publicada pelo Correio, no domingo. O presidente do PP fez duas previsões audaciosas: de que Bolsonaro chegará à frente de Lula no primeiro turno e o Centrão elegerá 350 dos 513 deputados da Câmara.
Presidente do PP, Nogueira é a raposa política por trás da estratégia de reeleição de Bolsonaro, cujo eixo é a PEC Emergencial, que permitirá farta distribuição de recursos pelo governo, a menos de 60 dias das eleições, burlando os princípios da “paridade de condições” e de “neutralidade da máquina pública” contidos na atual legislação eleitoral. Suas previsões sobre o desempenho do presidente nas eleições se baseiam, principalmente, no impacto do Auxílio Brasil na população de baixa renda, que receberá do governo, neste mês de agosto, as duas primeiras parcelas de uma só vez, no valor total de R$ 1,2 mil. Os subsídios para caminhoneiros, taxistas e do vale gás também estão sendo pagos. São aproximadamente R$ 41 bilhões em transferências de recursos para uma base eleitoral que está majoritariamente com Lula.
A outra previsão importante de Nogueira está diretamente relacionada às emendas parlamentares do chamado “orçamento secreto”, que devem somar R$ 16 bilhões neste ano. Essas emendas favorecem a reeleição dos parlamentares do Centrão, sem que a opinião pública saiba sequer quanto é que cada um está recebendo realmente. Pela projeção de Nogueira, serão eleitos 350 parlamentares governistas. Os deputados que estão manipulando esses recursos têm grande vantagem em relação aos concorrentes, inclusive dentro de seus próprios partidos. Nas contas de Nogueira, o bloco de esquerda liderado por Lula elegeria 150 deputados. São projeções muito otimistas, mas que refletem a confiança no sistema de blindagem da base de apoio do governo montada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Obviamente, entram nessa contabilidade parlamentares que estão nos partidos de oposição e votam sistematicamente com o governo.
Agenda conservadora
Nos cálculos de Nogueira, a peça chave da governabilidade é a eleição de uma ampla maioria na Câmara, no primeiro turno. Em qualquer resultado, na avaliação do ministro, o próximo presidente eleito terá uma taxa de rejeição acima de 40% e precisará de uma base parlamentar sólida, no caso o Centrão. Isso vale para Bolsonaro e dificultaria muito a vida de Lula no segundo turno, porque seu projeto político estaria em franca oposição à maioria parlamentar eleita. O candidato natural dos parlamentares do Centrão, mesmo no Nordeste, no segundo turno, será Bolsonaro. Não haveria mais adesão por conveniência eleitoral, pois os parlamentares já estarão eleitos. Vale destacar que isso também garantiria a reeleição de Lira na Câmara, o controle do Orçamento da União pelo Centrão e a aprovação de uma reforma constitucional ultra-conservadora.
É um cenários que restabelece a expectativa de poder de Bolsonaro, que havia se transferido para Lula, desde quando as pesquisas mostravam a possibilidade de o petista vencer no primeiro turno. Entretanto, como diria Mané Garrincha, é preciso antes combinar com o eleitor. Até porque existe uma contradição entre a estratégia política traçada pelas raposas do Centrão e o modo como Bolsonaro faz campanha eleitoral, com uma narrativa ideológica de cunho messiânico, ultra-conservadora, com ataques à urna eletrônica, à Justiça Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal (STF), com impacto negativos na sociedade civil e até mesmo na alta burocracia federal. O próprio Nogueira reconhece que isso mina a reeleição de Bolsonaro.
Auxílio Brasil dá fôlego a Bolsonaro, mas Lula mantém vantagem na liderança
Redação Brasil de Fato*
A nova pesquisa Quaest, encomendada pelo Banco Genial e divulgada nesta quarta-feira (3), aponta que o governo de Jair Bolsonaro (PL) dá sinais de recuperação na opinião pública, mas segue com dificuldades na corrida pela reeleição.
A queda na rejeição da gestão do presidente, que ocorreu principalmente entre beneficiários do Auxílio Brasil, impactou pouco a disputa eleitoral. O estudo aponta que o ex-presidente Lula (PT) segue firme no topo e com chances de vitória no primeiro turno.
A retomada do Auxílio Brasil fez com que o governo Bolsonaro atingisse o menor nível de rejeição desde que a pesquisa começou a ser feita, em julho de 2021. Agora, 43% avaliam a gestão federal de forma negativa, enquanto 27% consideram positiva.
O processo de recuperação da imagem do governo aparece nos eleitores que recebem o Auxílio Brasil. Em junho, a distância entre a avaliação negativa e a avaliação positiva era de 27 pontos percentuais. Em agosto, a diferença caiu para 11 pontos.
Avaliação do governo Bolsonaro entre beneficiários do Auxílio Brasil, de acordo com a pesquisa Quaest/Genial / Reprodução
O governo também voltou a recuperar sua imagem entre os eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018. Já são 57% dos eleitores do presidente que avaliam como ótimo ou bom o governo Bolsonaro. No começo do ano, eram apenas 45%.
O cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest, publicou uma análise da pesquisa no Twitter. Segundo ele, os sinais de melhora na avaliação do governo se devem a medidas do governo federal.
"A principal hipótese para explicar essa recuperação de imagem do governo e a aproximação das intenções de voto de Bolsonaro e Lula em setores importantes do eleitorado é o efeito expectativa de futuro gerado pelo presidente com as medidas adotadas nos últimos meses", escreveu.
Nunes destaca que caiu de 64% para 56% os eleitores que acreditam que a economia do Brasil no último ano piorou, e subiu de 15% para 20% os que dizem que a economia melhorou no último ano.
Ele também aponta que caiu de 25% para 21% os eleitores que acreditam que o principal responsável pelo aumento de preço dos combustíveis foi Bolsonaro.
O estudo aponta, portanto, que o atual chefe do Executivo conseguiu terceirizar a culpa da crise para os fatores externos ao país, que hoje agregam 34% dos entrevistados.
Leia a análise completa do diretor da Quaest:
Corrida eleitoral
Nas perguntas sobre eleições, o levantamento da Quaest/Genial mostra que Lula segue disparado na liderança, com 44% das intenções de voto. O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem 32%.
O petista soma 2 pontos percentuais a mais que a soma de todos os outros candidatos, o que pode significar uma vitória no primeiro turno. A vantagem, no entanto, é igual à margem de erro, de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Ciro Gomes (PDT) oscilou para 5%, enquanto André Janones (Avante) apareceu com 2%, assim como Simone Tebet (MDB). Pablo Marçal (Pros) teve 1%. Estes valores são do cenário estimulado, quando os eleitores escolhem a partir de uma lista de pré-candidatos. Os demais candidatos não pontuaram.
Em relação à última pesquisa presidencial e nacional da Quaest, Lula e Bolsonaro oscilaram dentro da margem de erro. Em julho, o petista tinha 45% e o candidato do PL aparecia com 31%.
Segundo turno
Lula segue vencendo todos os cenários no segundo turno. Em comparação com a pesquisa de julho, Lula e Bolsonaro oscilaram dentro da margem de erro. O petista tinha 53%, agora 51%. Já Bolsonaro cresceu de 34% para 37%.
Em julho, Ciro tinha 25% em um segundo turno contra Lula, que tinha 52%. Agora, o político do PDT tem 27% e o petista, 51%. Contra Tebet, Lula manteve os 55%, enquanto a senadora oscilou de 20% para 22%.
O levantamento entrevistou 2.000 pessoas face a face, entre os dias 28 de junho e 31 de julho e foi encomendada pela Genial Investimentos. O índice de confiança é de 95%. A pesquisa foi registrada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sob o número BR-02546/2022 e custou R$ 139.005,86.
*Texto publicado originalmente em Brasil de Fato. Título editado.
Datafolha: 54% afirmaram ter vivido situação de constrangimento ou ameaça
G1*
A dois meses do primeiro turno, 54% dos eleitores afirmaram ter vivido alguma situação de constrangimento, ameaça física ou verbal em razão de suas posições políticas nos últimos meses, aponta pesquisa Datafolha divulgada neste domingo (31) pelo jornal "Folha de S.Paulo".
O contingente é mais alto entre simpatizantes do PT (63%), eleitores de Lula (58%), mais instruídos (62%), que reprovam o governo Bolsonaro (62%), autodeclarados pretos (60%) e homossexuais e bissexuais (65%).
Entre todos os entrevistados, 49% dos eleitores brasileiros diz ter deixado de conversar sobre política com amigos e familiares nos últimos meses para evitar discussões. Além disso, 15% disseram já ter recebido ameaça verbal e 7%, física.
A pesquisa Datafolha, contratada pela Folha, ouviu 2.556 pessoas em 183 cidades do país entre quarta (27) e quinta (28). A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos. O levantamento foi registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com o número BR-01192/2022.
O Datafolha apresentou três situações de constrangimento ou coação e pediu aos entrevistados que respondessem se já passaram ou não por casos do tipo:
- Deixou de conversar com amigos ou familiares sobre política para evitar discussões
- Foi ameaçado verbalmente por causa das suas posições políticas
- Foi ameaçado fisicamente por causa das suas posições políticas
Apoiadores de Lula são mais afetados
Entre aqueles que deixaram de conversar com amigos ou familiares sobre política para evitar discussões, o índice é maior entre os eleitores do ex-presidente Lula (54%). Entre os apoiadores do presidente Bolsonaro, o percentual é de 40%.
Entre os que afirmam ter sofrido ameaça verbal, o índice passa a 19% entre os que têm intenção de votar em Lula. Já entre os que dizem votar em Bolsonaro, o índice é de 12%.
Em relação a ameaças físicas, o índice é de 9% entre eleitores de Lula e de 5% entre os de Bolsonaro.
Redes sociais
O mesmo comportamento é observado nas redes sociais. O Datafolha aponta que 53% dos entrevistados mudaram a postura nas redes sociais para evitar atritos com amigos e familiares e 41% deixaram de comentar e publicar conteúdo eleitoral.
O Datafolha apresentou três situações vividas entre quem tem redes sociais:
- Deixou de comentar ou compartilhar alguma coisa sobre política em grupo de WhatsApp para evitar discussões com amigos ou familiares
- Deixou de publicar ou compartilhar alguma coisa sobre política nas suas redes sociais para evitar discussões com amigos ou familiares
- Saiu de algum grupo de WhatsApp para evitar discussões políticas com amigos ou familiares
No WhatsApp, 43% pararam de falar sobre política e 19% saíram de algum grupo.
Também neste caso, as taxas são mais altas entre os eleitores de Lula do que entre os de Bolsonaro. Na primeira situação, o índice entre apoiadores do ex-presidente é de 46%, contra 38% entre apoiadores do atual presidente.
Na segunda situação, 44% ante 35%, e na terceira, 23% ante 13%.
Embora 78% dos eleitores tenham pelo menos um aplicativo de mensagens, só 8% participam de grupos de apoio aos dois presidenciáveis que lideram a pesquisa, sendo 4% em grupos sobre Lula e 4%, sobre Bolsonaro.
Nos dois lados, 13% responderam seguir o perfil de seu candidato em outras redes sociais.
*Texto publicado originalmente no g1.
Nas entrelinhas: O establishment se mexe em defesa das urnas
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O encontro do presidente Jair Bolsonaro com diplomatas estrangeiros para falar mal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e levantar suspeitas de que haveria fraudes nas urnas eletrônicas virou uma espécie de “efeito borboleta”, uma variante da Teoria do Caos, que consiste em grandes acontecimentos provocados inicialmente por pequenas alterações. O conceito passou a ser usado quando certas escolhas provocam desastres, principalmente depois do filme Efeito Borboleta, lançado em 2004, pela dupla Eric Bress e J. Mackye Gruber.
Evan Treborn (Ashton Kutcher), um jovem de 20 e poucos anos, em luta contra as memórias traumáticas de sua infância, descobre uma técnica que pode levá-lo de volta ao passado e passa a alterar diversos acontecimentos, com objetivo de mudar para sempre o seu futuro. Porém, o “efeito borboleta” trará consequências inesperadas para sua vida e daqueles que estão ao seu redor. Na tentativa de ficar com a namorada, Kayleigh, cria realidades alternativas que não terminam como gostaria. Entretanto, o que nos interessa não é um “spoiler”, mas o fenômeno ligado à Teoria do Caos.
Em 1952, o escritor de ficção científica norte-americano Ray Bradbury publicou o conto O som do trovão, no qual um personagem pisa em uma borboleta, provocando graves consequências, inclusive a chegada de um líder fascista ao poder. Em 1961, o que era ficção virou realidade científica. O meteorologista norte-americano Edward Lorenz desenvolveu um modelo matemático para a previsão do tempo, processando dados como temperatura, umidade, pressão e direção do vento no seu computador. Depois de observar os resultados, repetiu a operação. Inesperadamente, a segunda previsão foi completamente diferente da primeira.
Quanto mais o modelo avançava no tempo, as diferenças entre os dois resultados se tornavam maiores. O computador de Lorenz havia arredondado os dados de algumas casas decimais. Para Lorenz, isso equivalia a dizer que o vento provocado pelo bater de asas de uma borboleta no Brasil poderia ocasionar um tornado no Texas, nos Estados Unidos. Assim nasceu a Teoria do Caos, com seu “efeito borboleta”. É mais ou menos o que conseguiu o presidente Jair Bolsonaro com o seu inusitado e espantoso ataque às urnas eletrônicas na reunião de presentantes de quase 70 países, que provocou a forte reação da sociedade civil.
Manifestos
O establishment jurídico e empresarial resolveu dar um basta aos ataques de Bolsonaro à democracia. Suprapartidariamente, saiu em defesa do Supremo Tribunal Federal (STF). A iniciativa partiu de ex-ministros da Corte, professores e estudantes da tradicional Faculdade de Direito do Largo do São Francisco (USP), com uma declaração que começou com três mil assinaturas e já soma mais de 300 mil signatários. Outro manifesto, organizado pela poderosa Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), mobilizou o grande empresariado nacional, inclusive a Febraban. Recebeu apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Força Sindical e de outras centrais sindicais. Os principais banqueiros do país assinaram os dois manifestos, como pessoa física.
Enquanto o establishment se mexia, o governo divulgava dados positivos sobre a economia, entre os quais a redução do preço da gasolina, a geração de emprego e a distribuição do Auxílio Brasil. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tentava minimizar a importância dos manifestos. Segundo ele, os banqueiros assinaram os documentos porque perderam R$ 40 bilhões com o PIX. O lucro dos bancos não condiz com essa tese. A adesão também é resultado da PEC das Eleições, que agrediu a institucionalidade da economia e a segurança jurídica.
Protagonista do rolo compressor governista montado no Congresso, com recursos das emendas secretas ao Orçamento da União (somam R$ 16,5 bilhões), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi ao Twitter como se nada houvesse: “Má notícia para os pessimistas de plantão! Estamos na contramão do mundo, mas isso é bom! Inflação em baixa, PIB em alta”. Levou um banho de água fria com a divulgação do DataFolha de ontem. O pacote de bondades do governo ainda não mudou os humores dos eleitores. Na pesquisa estimulada, Lula (PT) tem 47% e Bolsonaro (PL), 29%; Ciro (PDT), 8%; Simone (MDB), 2%; Janones (Avante), Marçal (Pros)n e Vera Lúcia (PSTU) têm 1%. Branco/nulo/nenhum: 6%. Não sabe: 3% (4% na pesquisa anterior). Os demais candidatos não pontuaram. Lula venceria no primeiro turno.
Em meio a disputas internas, MDB oficializa candidatura de Simone Tebet à Presidência
Luiz Felipe Barbiéri e Paloma Rodrigues*, G1 e TV Globo
Em convenção virtual, o MDB oficializou nesta quarta-feira (27) a candidatura da senadora Simone Tebet (MS) à Presidência da República nas eleições deste ano. O placar na votação interna do partido foi de 262 votos favoráveis e 9 contrários.
As convenções nacionais marcam a confirmação de um candidato. Conforme calendário fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o período vai de 20 de julho a 5 de agosto. Após a convenção, o partido fica apto a registrar a candidatura — o prazo é o dia 15 de agosto.
"A candidatura da futura Presidente da República do Brasil teve aprovação de 97% da nossa convenção. Hoje, anunciamos esse resultado, com muita alegria. Não percorremos o caminho mais fácil da velha política, do toma lá dá cá, das negociações não republicanas", afirmou o presidente nacional do partido, Baleia Rossi (SP).
"Apresentamos hoje ao povo brasileiro uma alternativa equilibrada, moderada, uma alternativa aos polos que são colocados e que infelizmente não dão respostas ao nosso país. A candidatura da Simone Tebet é uma candidatura da pacificação nacional. O povo brasileiro quer paz".
Delegados de Amazonas, Ceará, Piauí e Bahia, representantes de estados considerados “lulistas” , participaram da votação. Apenas Alagoas e Paraíba não registraram votos. No total, 182 dos 279 delegados aptos a votar participaram. O número de votos é maior do que os votantes porque alguns delegados têm direito a mais de um voto.
Também nesta quarta, em convenção em Brasília, a federação formada por PSDB e Cidadania formalizou o apoio à candidatura de Simone Tebet.
Pesquisa Datafolha divulgada em junho deste ano mostrou Simone Tebet em quinto lugar, com 1% das intenções de voto, atrás do ex-presidente Lula (PT), com 47%; do presidente Jair Bolsonaro (PL), com 28%; do ex-ministro Ciro Gomes (PDT), com 8%; e do deputado André Janones (Avante), com 2%.
Apesar de oficializar a candidatura de Simone Tebet, o MDB está dividido. Isso porque parte das lideranças do partido defende apoio a Lula (leia detalhes mais abaixo).
Simone Tebet, porém, conta com o apoio do presidente nacional do MDB, Baleia Rossi (SP). E após investidas de Lula sobre setores do MDB, o partido divulgou uma nota assinada por dirigentes em 19 estados reiterando o apoio à senadora.
*Texto publicado originalmente no g1
MDB rachado e presidenciável com pouco voto: uma história recorrente
Glauco Faria*, Brasil de Fato
Caso não haja nenhuma surpresa, o MDB deve confirmar hoje a candidatura à Presidência da República da senadora do Mato Grosso do Sul Simone Tebet. Mas, de saída, a legenda já sai rachada. Líderes emedebistas de onze estados manifestaram apoio à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, embora o presidente nacional da sigla, Baleia Rossi, tenha declarado que a candidatura da parlamentar tem o apoio de 19 diretórios estaduais, a divisão já é evidente.
Não que isso seja novidade na história da legenda. Partido que antagonizava com a Arena no período da ditadura civil-militar, o PMDB da pós-democratização chegou a eleger todos os governadores do país, exceção ao de Sergipe, em 1986, fazendo ainda 38 dos 49 senadores e 261 dos 487 deputados federais naquele ano. Mesmo com tamanho poderio, não chegou forte e tampouco unido nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime autoritário, em 1989.
Àquela altura, o "Senhor Diretas", presidente da Assembleia Constituinte e figura histórica da luta contra a ditadura, Ulysses Guimarães, foi o candidato de uma legenda castigada pela impopularidade do governo Sarney e pelo papel dúbio que exercia frente à opinião pública. No ano da eleição, a sigla havia se retirado do governo, mas mantinha alguns ministérios e cargos importantes.
E se Ulysses seria o nome certo da legenda em uma eventual eleição direta em 1985, a história foi bem diferente em 1989. Em 29 de abril daquele ano, o PMDB realizou sua convenção nacional com quatro candidatos. No primeiro turno da escolha, Ulysses Guimarães foi o mais votado com 302 votos, seguido pelo então governador da Bahia Waldyr Pires, com 272, vindo em seguida Iris Rezende (251) e Álvaro Dias (72). Para evitar um segundo turno, Ulysses e Waldir formaram uma chapa única, que na prática não representou a unidade esperada, ainda mais por conta de uma parte significativa da sigla sonhar com a candidatura do governador paulista Orestes Quércia.
O presidenciável peemedebista foi "cristianizado" e viu muitos daqueles que deveriam ser seus correligionários aderirem a outras candidaturas, em especial a de Fernando Collor (PRN). Ao fim, terminou a eleição com parcos 4,6%, ficando em sétimo lugar. Ao menos o jingle de sua campanha, "Bote fé no velhinho", entrou para a história como um dos mais bem marcantes das campanhas eleitorais.
Em 1994, um novo revés do PMDB
Se Ulysses seria um nome natural para uma eleição direta que não aconteceu em 1985, a candidatura mais forte da legenda em 1989 talvez fosse a de Orestes Quércia. Mas quando ele se tornou de fato presidenciável em 1994, seu tempo tinha passado. Àquela altura já havia sofrido com inúmeras denúncias de irregularidades que abalaram sua popularidade, tendo ainda problemas internos em São Paulo e desavenças com seu ex-afilhado político, o então governador Luiz Antônio Fleury.
Disputou a prévia com o ex-governador do Paraná Roberto Requião e saiu vitorioso. A declaração de seu rival após o resultado já dava o tom que iria imperar nas hostes da sigla dali em diante. "Com Quércia concorrendo à Presidência, o PMDB mostra sua face horrível e corrupta", disse Requião.
O CPDOC da Fundação Getulio Vargas relembra a divisão naquele momento, apontando o alto índice de abstenção daquela prévia, sobretudo no Rio Grande do Sul, foco da dissidência comandada por Antônio Brito e Pedro Simon, e no Maranhão, reduto do ex-presidente José Sarney. "O senador José Fogaça, dissidente da bancada gaúcha, lamentou que o ex-presidente do PMDB não tivesse compreendido, antes da convenção, o 'desajuste' provocado por sua candidatura e afirmou que Quércia era 'sinônimo de inadequação ao pensamento político do partido, uma dificuldade de contexto'."
Seu último comício, na Praça da Sé, em São Paulo, marcou o fim de uma campanha melancólica em 30 de setembro. Na ocasião, atacou o candidato tucano Fernando Henrique Cardoso afirmando que "o PSDB é um partido fraco, sem tradição, sem estrutura. Com Fernando Henrique, quem vai comandar? O governo vai ser como um monstro, com várias cabeças e vários braços". E não poupou seu colega de legenda José Sarney, que apoiava FHC, chamando-o de "canalha".
Quércia terminou a eleição com 4,38%, atrás de Enéas Carneiro, do Prona. Talvez um dos fatos mais lembrados daquela disputa presidencial tenha sido seu embate com o jornalista Rui Xavier no programa Roda Viva, da TV Cultura, com um desfile de xingamentos, ofensas e ameaças nada usual na grade televisiva.
Sem candidatos do PMDB
A candidatura presidencial de Quércia foi a última do PMDB durante um bom período. Em 1998, a base da legenda aliada a FHC conseguiu barrar a candidatura própria na convenção realizada em março daquele ano. O placar de 389 contrários com 303 a favor já deixava à vista o diagnóstico recorrente de desunião. "Houve uma descortesia. Humilharam o Itamar Franco. Vai ser difícil reconstruir a unidade do partido", disse o senador Ronaldo Cunha Lima, defensor da candidatura própria, em referência ao ex-presidente que acabou candidato vitorioso ao governo de Minas Gerais. O partido não fechou apoio formal à reeleição do tucano, mas a maioria seguiu esse caminho.
Já em 2002, com a implosão da aliança dentre o então PFL, hoje DEM, e o PSDB, os peemedebistas indicaram a deputada federal capixaba Rita Camata como vice na chapa de José Serra. Mais uma vez a tese da candidatura própria foi vencida, assim como a pretensão renovada de Itamar Franco de ser o candidato peemedebista. Em 2002, nova derrota para os defensores de um presidenciável da sigla: a disputa teve a ala governista (agora pró-Lula) com 351 votos contra 303, mas não houve a formalização da aliança.
Em 2010, a vitória dos governistas foi expressiva, com 560 dos 660 votos apurados na convenção nacional optando pela coalizão com o PT e a indicação de Michel Temer para vice de Dilma Rousseff. O ex-governador do Paraná, Roberto Requião, e Antônio Pedreira, do PMDB do Distrito Federal, que buscavam a vaga para disputar a Presidência, conseguiram 95 e 4 votos, respectivamente. Em junho de 2014 a manutenção da aliança foi aprovada com 69,7% dos votos dos convencionais. Ali, Temer fez um discurso profético por vias tortas ao seus correligionários pedindo unidade (que efetivamente não ocorreu).
"Uma maior presença do PMDB na área social, assim como teve no passado. São ações relativas à saúde, à educação, à integração nacional, entre outras”, prometeu o vice.
A falta de um projeto nacional
"O atual MDB já há algumas eleições tem mostrado que não tem um projeto nacional. Ou ele embarca numa candidatura a vice ou em uma candidatura como a do Henrique Meirelles que não chegava a ser sequer uma aventura, com números insignificantes para um partido que ainda tem uma bancada de senadores e deputados federais expressiva", explica a cientista política e professora da PUC-SP Rosemary Segurado, em entrevista ao Jornal Brasil Atual. "Fica sempre numa negociação ou de uma candidatura à vice-presidência ou numa composição governamental em que possa ter alguns ministérios. Parece que isso lhe é suficiente. Um partido que tem uma história importante, desde antes da democratização."
Rosemary faz referência à candidatura do ex-ministro do impopular governo Temer às eleições de 2018, que cumpriu o rito de candidatos pouco expressivos ao Planalto por parte da sigla, marcando então o pior desempenho de um presidenciável do partido. Henrique Meirelles, mesmo tendo investido R$ 54 milhões em sua própria campanha, teve somente 1,2% dos votos válidos, finalizando sua participação atrás do Cabo Daciolo (Patriotas).
Henrique Meirelles investiu pesado, mas ganhou poucos votos em 2018 / Antonio Cruz/Agência Brasil
Com a candidatura de Simone Tebet, o desempenho deve ser pouco melhor que o da última eleição, mas nada que inspire possibilidade de vitória. "Uma das perguntas é como o MDB vai fazer para manter essa candidatura, até porque tem questões relacionadas ao recebimento do fundo eleitoral, que são importantes para o partido, mas certamente esse desembarque da candidatura da Simone Tebet é anterior ao embarque porque parte expressiva do MDB atual não vê essa candidatura com nenhuma possibilidade de representar o partido nacionalmente", aponta Segurado, destacando que a política local também se torna determinante para o apoio ou não a um presidenciável.
"O que um candidato do MDB em determinado estado olha: quem vai alavancar minha candidatura? É Simone Tebet ou o ex-presidente Lula? E as pesquisas estão mostrando que a influência de Lula em algumas regiões pode ser decisiva para os candidatos a governador. Obviamente aquele candidato do MDB e aqueles acordos locais estão olhando para sua própria sobrevivência", pontua.
A questão local é vital para a sobrevivência não apenas de políticos em determinadas regiões, mas do próprio poderio da legenda. O partido continua sendo o líder no ranking de prefeituras comandadas no Brasil, mas viveu um recuo expressivo em 2020, passando de 1044 em 2016 para 784. Isso pode ser um indicativo de redução de bancadas, com a perda de espaço para outras agremiações, em especial do chamado Centrão. No Senado, os emedebistas ainda são a maior sigla com 12 parlamentares, mas na Câmara ocupam um hoje modesto sétimo lugar, com 37 deputados.
O que pode ser dado como certo, independentemente dos resultados de 2022, é que parte do MDB deve buscar compor com um novo governo. Como lembra o professor de História do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) Cássio Augusto Guilherme, sem contar a gestão de Fernando Collor e o período inicial do primeiro governo Lula, até 2017 o PMDB permaneceu por 28 anos em coalizões governistas. Nisso, a história também pode se repetir.
*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato. Título editado
Nas entrelinhas: No meio do caminho tem um Janones
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro vive o rescaldo da grande convenção de domingo que oficializou sua candidatura. Seu discurso no Maracanãzinho mirou aquilo que as pesquisas estão mostrando e seus marqueteiros também: (1) precisa do voto das mulheres, daí o discurso de Michelle, a primeira-dama, na convenção, dirigido ao mundo evangélico para chegar ao eleitorado feminino; (2) está em franca desvantagem junto à população de mais baixa renda, em que o ex-presidente Lula nada de braçadas, situação que tenta reverter prometendo manter o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 após as eleições (apesar de a equipe econômica só conseguir garantir R$ 400 remanejando o Orçamento da União de 2023); e (3) sonha com os votos de classe média que recebeu em 2018 e está perdendo, por causa de seu radicalismo, principalmente nos estados do Sudeste. Jovens e o Nordeste são batalhas perdidas.
Acontece que Bolsonaro não se aguenta e fala o que realmente pensa, não o que as pesquisas qualitativas da equipe de campanha estão mostrando: na convenção, fugindo ao script, partiu novamente para cima do Supremo Tribunal Federal (STF) e das urnas eletrônicas, o que é um tiro no pé, porque reforça a imagem de candidato perdedor e a ideia de que prepara um golpe de Estado, ainda mais depois de ter feito uma nova convocação para mais uma manifestação contra o Supremo no 7 de Setembro.
O Dia da Independência pode ser um Rubicão. É aí que o papel do candidato a vice, general Braga Netto, precisa ser observado com atenção. Além de ser o responsável pelo programa de governo, que promete entregar nas próximas semanas, ascendeu à condição de articulador da campanha e está viajando aos estados. O ex-ministro da Defesa transita muito bem no universo de apoiadores de Bolsonaro, não esconde sua afinidade com as teses golpistas e é o mais preparado para cuidar, com outros militares, da mobilização da militância de campanha. Como todos sabem, Bolsonaro tem uma milícia política armada.
Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (cuja candidatura sofre um ataque da ala lulista do MDB, às vésperas da convenção para homologar seu nome) e André Janones (Avante), juntos, somam de 12% a 13%, o suficiente para levar a eleição ao segundo turno e manter Bolsonaro dois dígitos distante de Lula, caso a polarização entre ambos se mantenha. Mesmo que esse quadro não se altere a favor de uma terceira via, são candidaturas que têm um papel a cumprir no debate político e na negociação do segundo turno, porque forçariam um entendimento em direção ao centro. Entretanto, temos uma eleição com forte tendência de polarização, com 70% do eleitorado supostamente já definido, que pode registrar o voto útil tanto em favor de Bolsonaro como de Lula na reta final do primeiro turno.
Esse é um tipo de aposta incorporada à narrativa da frente de esquerda que apoia Lula, para vencer no primeiro turno, alimentada pelos arreganhos autoritários de Bolsonaro e da extrema direita que o apoia. Mas não existe eleição decidida de véspera, os 45 dias de campanha de rádio e televisão tanto podem abduzir completamente os candidatos de terceira via como provocar o contrário, com um dos três postulantes à terceira via se beneficiando do aumento da rejeição aos dois candidatos, em razão da pancadaria entre Lula e Bolsonaro.
David contra Golias
A candidatura do deputado André Janones à Presidência da República foi oficializada no sábado. A convenção foi em Belo Horizonte, com o grande Teatro do Minascentro lotado. Advogado, filho de uma empregada doméstica, Janones é um fenômeno das redes sociais, seu primeiro emprego foi como cobrador de ônibus. Nas pesquisas divulgadas ontem, figurava com 2% de intenções de votos; vem sendo assim, teimosamente. Ele é um fenômeno da antipolítica: em 2016, quando se candidatou à Prefeitura de Ituiutaba pelo PSC, perdeu; em 2018, surfou a greve dos caminhoneiros e foi o terceiro mais votado nas eleições para deputado federal em Minas. Disputa pela primeira vez a Presidência da República, é um David contra Golias.
Janones é uma pedra no caminho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porque a resiliência de seus eleitores pode inviabilizar uma vitória do petista no primeiro turno, somada aos votos de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). O candidato do Avante tem seu discurso na ponta da língua: “Só de eu poder dizer que nós temos de fato um projeto para o país, para mim, já fez tudo valer a pena. Hoje, nós temos um projeto que contempla todas as áreas: saúde, segurança, educação, agro… Todas as áreas e todos com a mesma mensagem, com o mesmo objetivo: a diminuição da desigualdade social no nosso país, a diminuição da distância entre os mais ricos e os mais pobres”, explica.
O deputado mineiro defende um programa de combate à pobreza, financiado por uma reforma tributária, para taxar lucros e dividendos, e criar um imposto sobre grandes fortunas, rever os atuais incentivos fiscais, sem sacrificar a classe média com mais tributação. Na convenção, André Janones defendeu a democracia; em entrevistas, já disse que não apoiará Bolsonaro, no segundo turno. O Avante tem oito deputados federais, 16 deputados estaduais, 82 prefeitos e 1.074 vereadores.