eleição
Diretora de rádio que se "autodenunciou" ao TSE faz campanha para Bolsonaro
Paulo Motoryn e Felipe Mendes*, Brasil de Fato
Citada pelo servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Alexandre Gomes Machado em depoimento à Polícia Federal (PF) em uma suposta "autodenúncia" sobre não publicação de inserções de rádio da campanha de Jair Bolsonaro (PL), a rádio JM Online, de Uberaba (MG), está diretamente ligada ao bolsonarismo. A diretora da rádio, Lídia Prata, deixou clara a preferência política ao postar no Instagram fotos com a primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Machado, que foi exonerado do cargo de assessor de gabinete da Secretaria Judiciária do TSE, disse, em depoimento à PF, que "na condição de Coordenador do Pool de Emissoras do TSE, recebeu um e-mail emitido pela emissora de rádio JM ON LINE no qual a rádio admitiu que dos dias 07 a 10 de outubro havia deixado de repassar em sua programação 100 inserções da Coligação Pelo Bem do Brasil", de Jair Bolsonaro (PL).
Porém, em entrevista à CNN, o próprio servidor disse que "estão tentando criar uma cortina de fumaça sobre a exoneração", e afirmou: "em tese, eu não tenho nada a ver com a fiscalização. O meu trabalho é fazer com que as rádios tenham o conteúdo. Eu tinha feito todo o meu trabalho e achei que estava tudo tranquilo".
O próprio TSE, em seu site oficial, explica que não é função do Tribunal distribuir o material a ser veiculado no horário gratuito. As emissoras de rádio e televisão devem se organizar para ter acesso às mídias e divulgá-las, de acordo com as regras vigentes.
Para garantir que as propagandas cheguem aos veículos, foi montado um pool de emissoras que recebe o material encaminhado pelos partidos em formato digital e faz a geração do sinal dos programas. Esse pool está instalado na sede do TSE, mas é formado por representantes de canais de comunicação.
Cabe aos partidos encaminhar o conteúdo e às emissoras buscá-lo junto ao pool. Assim, não faria qualquer sentido a alegação de que algumas emissoras teriam deixado de exibir as inserções da campanha bolsonarista, enquanto outras tiveram acesso ao material.
Rádio JM Online
Citada nominalmente pelo servidor em seu depoimento à PF, a JM Online é um veículo do grupo Jornal da Manhã, fundado em Uberaba pelo pai de Lídia Prata, Edson Prata, depois da aquisição do jornal Correio Católico na década de 1970. Lídia assumiu o controle da empresa nos anos 80, junto da mãe e do marido. A empresária foi responsável por ampliar o trabalho do grupo, criando duas revistas e a rádio, que foi inaugurada em 2009.
Além da foto com Michelle Bolsonaro, publicada no último dia 23, Lídia não esconde a preferência pelos políticos de extrema-direita. Em outra postagem no Instagram, ela fez questão de compartilhar imagem em que aparece ao lado do ex-jogador de vôlei e deputado federal eleito Maurício Souza (PL), uma das figuras mais alinhadas a Jair Bolsonaro no esporte.
Deputado eleito bolsonarista Maurício Souza e a empresária Lídia Prata / Reprodução/Instagram
O Brasil de Fato entrou em contato com o grupo JM por e-mail, mas não recebeu retorno. O espaço segue aberto para manifestações.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Lula diz que, se eleito, Brasil passará por um processo de reconciliação
Victoria Azevedo*, Folha de São Paulo
A quatro dias do segundo turno, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quarta-feira (26) que, caso ele seja eleito, o Brasil irá passar por um processo de reconciliação.
"O bolsonarismo vai continuar, o ódio vai continuar por um tempo, os fanáticos vão continuar por um tempo. Mas acho que a gente vai ter um processo de reconciliação da população brasileira", disse.
O ex-presidente afirmou ainda que o presidente Jair Bolsonaro (PL), seu adversário na corrida eleitoral, é "anormal" e que ele criou "um determinado ódio" no país que "não existia nas eleições".
"Nasci na vida política fazendo negociação. Acho que vamos estabelecer uma política de boa convivência com a sociedade brasileira. Chega de animosidade", seguiu o petista.
Lula concedeu entrevista à Rádio Mix Manaus na manhã desta quarta.
O petista também criticou declarações de Bolsonaro sobre as urnas eletrônicas e disse que o atual mandatário ataca as urnas porque "como sabe que vai perder, ele está tentando encontrar uma coisa para culpar".
"O povo vai decidir soberanamente e o que ele decidir todo o mundo vai acatar porque nós não duvidamos da urna."
Lula seguiu dizendo que as eleições deste ano são entre a "manutenção e a conquista da democracia" no país ou "a continuidade da barbárie que que representa o governo Bolsonaro".
Ao ser questionado sobre qual será a composição de seus ministérios em um eventual governo, Lula disse que não vai sentar na cadeira antes de ganhar e que, primeiro, é preciso ganhar as eleições para depois discutir essa questão.
"Não está na hora de anunciar nada. Está na hora de ganhar as eleições. Vou fazer [composição de] ministério que represente a sociedade brasileira, com gente competente e com gente fora do PT."
"Falta apenas quatro dias para as eleições, só quatro dias. Quando chegar às 19h, às 20h vamos ter o resultado. E aí, sim, se eu ganhar, vou começar a discutir os ministérios."
Sobre uma eventual participação da senadora Simone Tebet (MDB), terceira colocada no primeiro turno e aliada de Lula na segunda rodada do pleito, o petista disse que ela é um quadro político importante, mas que anunciar algo agora seria se precipitar.
"Obviamente que a gente pode ter muita contribuição da Simone mas eu só não posso dizer que Simone vai ser ministra porque eu estaria precipitando uma coisa que eu não quero precipitar."
Ele disse que sua eventual equipe ainda não está formada porque "depende de muitas coisas". "Tenho pensado no meu travesseiro, porque se eu comentar com alguém vai vazar a notícia. E eu não quero que vaze notícia. Quero primeiro ganhar as eleições, esse é o principal objetivo."
Lula também voltou a fazer um apelo para que as pessoas comparecem às urnas e disse que essas eleições são as mais importantes dos últimos anos no Brasil.
"Não se abstenha. Não anule o voto. Escolha o seu candidato a presidente da República. É muito importante que o povo compareça a votar", disse.
O ex-presidente também defendeu a realização de uma reforma tributária que "cobre mais de quem tem mais e cobre menos de quem ganha menos", afirmou que irá manter o auxílio de R$ 600 com acréscimo de R$ 150 para crianças menores de seis anos, que terá aumento do salário mínimo com aumento real acima da inflação e disse que defende isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Ao ser questionado se chegou a hora de taxar as grandes fortunas, Lula respondeu: "Chegou a hora, sempre é a hora".
Texto publicado originalmente no Folha de São Paulo.
Revista online | A economia política dos corpos
Delmo Arguelhes*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)
Em outubro de 2022, numa entrevista a um podcast, o então presidente da República disse que, em determinada ocasião, ao passear de moto em uma periferia de Brasília, ter “sentido um clima” ao ver meninas venezuelanas bem-vestidas e maquiadas, e concluiu que elas só poderiam estar daquele jeito para “ganhar a vida”. Não iremos discutir aqui todos os desdobramentos desse episódio. Trataremos tal incidente como um sintoma, uma ocorrência que pode desvelar estruturas subjacentes da sociedade brasileira.
Como é de conhecimento geral, as meninas não eram prostitutas; estavam tão somente participando de um projeto social, uma oficina de maquiagem. O olhar lançado sobre elas, no entanto, enxergou outra coisa. Tal olhar não é explicado apenas por deficiências cognitivas ou de caráter do indivíduo. É revelador, pois trás para a superfície os preconceitos da elite nacional acerca das classes desfavorecidas.
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Preconceito, seguindo os desenvolvimentos de Hans-Georg Gadamer, em Verdade e Método (1960), é tão somente o juízo prévio, emitido anteriormente à análise do ente em foco. Existe, inclusive, um preconceito acerca dos preconceitos, propagado pelos iluministas do século XVIII. Ele não é, necessariamente, pejorativo ou errôneo. Apenas precisa ser revisto – para ser confirmado ou rejeitado –, a partir do exame do ente.
Enganosamente simples – pois a coisa simples é sempre complicada, segundo Carl von Clausewitz –, o preconceito é inescapável, pois a intermediação entre o ser e a realidade é operada por meio de preconceitos. Tal característica obrigatória, no entanto, pode ser remediada pela exortação de Gadamer: “saiba controlar os próprios preconceitos”.
O controle dos próprios preconceitos é um exercício constante. Discriminações de classe ou de raça não se originam no interior do indivíduo, mas são aprendidos e internalizados no convívio em sociedade. Havia uma propaganda institucional, nos meios de comunicação no país, há alguns anos, onde se perguntava: “onde você guarda seu preconceito?” Racismo e ódio de classe são ideologias, são reproduzidos na cultura e na linguagem, funcionando como ficções simbólicas, que regulam a realidade. Dito isso, há também décadas de pensamento social, antirracista, pós-colonial e decolonial, os quais forneceram e ainda fornecem a base para uma crítica eficaz daqueles preconceitos.
Confira, a seguir, galeria:
O psiquiatra e psicanalista Wilhelm Reich (1897-1957), oriundo do antigo Império Austro Húngaro, publicou, dentre outras obras clássicas, Psicologia de Massas do Fascismo (1933). Nesta obra, Reich vincula a repressão sexual à desvalorização da sexualidade feminina diante da reprodução, contrapondo dois tipos ideais: a mãe e a prostituta.
Numa sociedade em que as mulheres têm de estar dispostas a ter filhos, sem qualquer proteção social, sem garantias quanto à educação das crianças, sem mesmo poderem determinar o número de filhos que terão, mas que mesmo assim têm de ter filhos sem se insurgirem contra isso, é realmente necessário que a maternidade seja idealizada, em oposição à função sexual da mulher (Reich, 2001: 99) Grifos nossos.
Trazer todo o raciocínio de Reich para a atualidade, quase um século após a publicação da obra, por óbvio, guardaria muitos problemas, se não forem feitas as devidas ponderações sobre as mudanças de mentalidade e atitude na sociedade ocidental desde os anos 1930. Isso inclui a revolução sexual dos anos 1960, a pílula anticoncepcional e toda a luta por direitos civis dos últimos 70 anos. Não vamos tomar esse caminho. Pensaremos apenas na dicotomia reichiana mãe/prostituta que existe num país com passado escravista e colonial, e como tal dupla fica patente na clivagem social.
Por colonização, sempre adotamos a definição da fundamental obra de pensamento pós-colonial de Alfredo Bosi, Dialética da colonização (1992). Colonizar é ocupar um novo chão, explorar a terra e submeter os naturais. Ou seja, um processo profundamente violento e genocida. Os colonizados, vítimas desse processo, servem, primariamente, como mão de obra barata, pronta para ser explorada.
Benjamin Moser, um estudioso estadunidense da obra de Clarice Lispector, já havia observado que a elite brasileira trata a terra e o povo como objetos de conquista colonial. Ou seja, para a elite, as classes subalternas ainda seriam objeto de domínio, como na antiga América Portuguesa. A concepção de trabalho doméstico, no Brasil, ainda guarda muito das características do passado colonial e escravagista.
A repressão sexual não age sem deixar marcas no inconsciente, como bem já havia observado Sigmund Freud. Os corpos das classes oprimidas não servem apenas para a exploração no trabalho. Servem também como deleite sexual, já que as mulheres que seriam recatadas e “do lar” estariam destinadas à maternidade. Há décadas se pensa o fenômeno fascista como uma aliança transitória entre canalhas – que pregam uma sociedade ideal homogeneizada e excludente –, e pessoas amedrontadas, indignadas com a perda de privilégios ou ávidas por lucro. No caso brasileiro, além de tudo isso, há também a identificação do projeto fascista com o inconsciente colonial, que conquista, explora e oprime.
Sobre o autor
*Delmo Arguelhes é doutor em História pela Universidade de Brasília (UnB), com estágio pós-doutoral em estudos estratégicos na Universidade Federal Fluminense (UFF). É pesquisador associado sênior do Núcleo de Estudos Avançados do Instituto de Estudos Estratégicos (NEA/INEST) da UFF. Autor do livro Sob o céu das Valquírias: as concepções de honra e heroísmo dos pilotos de caça na Grande Guerra (1914-18).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nas entrelinhas: Eleição pode ser decidida no debate da Globo
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A campanha eleitoral entrou na reta final, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um passo da vitória e o presidente Jair Bolsonaro, a dois. No universo das pesquisas eleitorais, pode-se dizer que é mais ou menos essa a distância da linha de chegada, considerando-se a margem de erro das pesquisas. Com certeza, será a decisão mais apertada da história de nossas eleições, mais até do que a vitória da presidente Dilma Rousseff (PT) contra Aécio Neves (PSDB) nas eleições de 2014.
A contestação do resultado da eleição de domingo será líquida e certa no caso de Lula vencer Bolsonaro, conforme sinalizam auxiliares do presidente da República, como o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e o ministro das Comunicações, Fábio Faria, autor de uma denúncia de manipulação de inserções de propaganda eleitoral por rádios do Nordeste. A declaração de Bolsonaro, ontem, sobre a análise da segurança das urnas feita pelo Exército, ao dizer que não foram conclusivas, nesse aspecto, corrobora a narrativa golpista.
Temos uma crise contratada no horizonte imediato, que está se armando faz tempo, mas que foi fragilizada pelo episódio envolvendo o ex-deputado Roberto Jefferson, ao disparar 50 tiros de fuzil e três granadas contra policiais federais. Eleitoralmente, acertou no pé de Bolsonaro. Jefferson está preso em Bangu 8, por tentativa de homicídio dos policiais federais e ofensas à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (TSE), e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, que cassou sua prisão domiciliar.
Os elementos
Terra — a disputa eleitoral pode ser decidida numa “guerra de posições”, na qual Lula e Bolsonaro se movimentam com objetivo de alterar o cenário que emergiu do primeiro turno. Bolsonaro tenta ampliar sua vantagem em São Paulo, virar a eleição em Minas e reduzir a vantagem de Lula no Nordeste. Lula resiste em São Paulo, avança no Rio de Janeiro, tenta manter sua vantagem em Minas e, sobretudo, ampliá-la ainda mais no Nordeste. Lula aposta nas grandes manifestações políticas, Bolsonaro no apoio de governadores e prefeitos.
Água — existe uma batalha ideológica em curso na sociedade, que já não se estrutura em classes sociais definidas. A chamada sociedade líquida. Essa batalha opõe reacionários e progressistas, num universo em que conservadores e liberais flutuam entre os dois polos, sem força para impor sua própria hegemonia. A extrema-direita dá o tom da campanha de Bolsonaro nas redes sociais, como no gesto tresloucado de Jefferson, impondo constrangimentos aos conservadores que o apoiam. No campo de Lula, a entrada na campanha de Simone Tebet (quem disse que ela não iria para o segundo turno?) mudou a qualidade de suas alianças, que evoluíram de uma frente de esquerda para, finalmente, a tal da frente ampla.
Fogo — a artilharia dos candidatos continua muito mais focada na rejeição dos adversários do que nos problemas do país, mas nem tudo é a baixaria das redes sociais. Qual será o principal divisor de águas da eleição? Lula bate forte no reacionarismo de Bolsonaro e seu projeto autoritário, de implantar uma espécie de Executivo forte, iliberal, dominante em relação aos demais Poderes. Também ataca Bolsonaro nos temas econômicos, que sensibilizam a população mais pobre, assalariados e aposentados. O presidente da República corre contra o prejuízo com o empréstimo consignado tendo como garantia o Auxílio Brasil, medida juridicamente questionável, mas que tem impacto junto aos eleitores de baixa renda, não se sabe a escala ainda.
Vento — Bolsonaro ataca Lula no seu ponto mais fraco: explicar o mensalão e o escândalo da Petrobras, invocando a Lava-Jato, operação que ajudou a encerrar. Mas tem o telhado de vidro da sua histórica relação com as milícias e a compra de imóveis com dinheiro vivo por seus filhos. O conservadorismo nos costumes dá voto para Bolsonaro de um lado, os evangélicos, mas joga no colo de Lula os intelectuais, os artistas, as mulheres e a juventude.
Vácuo — pode ser que a eleição seja decidia no debate de sexta-feira, na TV Globo, como num duelo de samurais. Esse é o vácuo da reta final. Nele, é preciso enxergar na escuridão. Não se deve fazer nada de inútil, tudo pode se decidir com base no condicionamento físico, na capacidade de discernimento, na verdade das coisas, no espírito e na vontade de fazer o certo. Num gesto e na força do olhar.
*Título editado.
Revista online | Luz (Verde) no fim do túnel?
André Lima e Bazileu Margarido*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)
Em que ponto estamos? Naquela situação em que não há nada tão ruim que não possa piorar ou já é possível ver um ponto de luz logo ali, após a eleição?
Há muitos motivos para acharmos que a situação está muito ruim. A política ambiental no governo Bolsonaro tem sido desastrosa. Os órgãos ambientais federais, principalmente o Ibama e o ICMBio, foram sufocados. Estão de joelhos.
Servidores que insistiram em cumprir suas atribuições fiscalizatórias de forma republicana foram afastados de funções de chefia ou deslocados para unidades remotas, onde não poderiam molestar os agressores do meio ambiente.
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Além de reduzir drasticamente o número de multas aplicadas, a atual gestão anulou as multas aplicadas entre 2008 e 2019 em que os infratores foram avisados por edital (recurso corrente em órgãos de fiscalização, quando o infrator não pode ser alcançado por outros meios). Segundo o Ibama, devem ser anuladas quase 40 mil multas, com valor aproximado de R$16 bilhões.
O torniquete orçamentário foi uma estratégia aplicada com requintes de crueldade. Dos valores previstos no orçamento de 2021 para a fiscalização ambiental, que já eram insuficientes, menos da metade foi efetivamente utilizada. Infelizmente, o mesmo está ocorrendo neste ano. Com isso, o desmatamento na Amazônia quase dobrou, cresceu de 7,5 milhões de Km² em 2018 para 13 milhões de Km² em 2021.
Essa situação ainda pode piorar, se considerarmos o resultado da eleição de deputados federais e senadores. O Painel Portal Farol Verde avaliou o mandato dos atuais congressistas com base em suas votações em 12 das principais matérias da pauta socioambiental. Entre os 486 parlamentares que concorrem à reeleição, os parlamentares “ambientalistas” caíram de 30% para 27% na nova legislatura, os moderados caíram de 33% para 30% e os contrários à pauta ambiental subiram de 37% para 42%.
No caso dos parlamentares amazônicos, o índice médio de reeleição dos deputados considerados ambientalistas foi de apenas 26%, frente a um índice médio de reeleição de 57% para toda a Câmara Federal. O índice de reeleição dos deputados de estados Amazônicos considerados anti-ambientais foi 126% superior ao índice dos verdes. Esse quadro indica que haverá maior pressão para alteração, para pior, das regras que regulam as atividades predatórias em todos os biomas, mas principalmente na Amazônia.
Não se pode deduzir, a partir dessas informações, que a sociedade brasileira não esteja priorizando as questões ambientais na hora de definir o seu voto. É preciso avaliar, ainda, se houve diferença significativa nas condições financeiras que o grupo de parlamentares “ambientalistas” teve para fazer campanha, comparado aos demais candidatos à reeleição. Como sabemos, a distribuição do Fundo Eleitoral em cada partido é definida centralizadamente e a menor disponibilidade de recursos pode ser decisiva no resultado eleitoral. Além disso, o orçamento secreto beneficiou a base Bolsonarista no parlamento. PL, PP, União Brasil e Republicanos juntos, os piores partidos pela avaliação do Farol Verde, possuirão 48% dos votos na Câmara e 40% no Senado.
Galeria de imagens a seguir:
Mas pode haver uma luz no fim do túnel, uma ponta de esperança. Em 30 de outubro (domingo) haverá o segundo turno da eleição para presidente da República. Além da continuidade da desarticulação da política ambiental do atual governo, a reeleição de Bolsonaro reforçará a pressão à favor das mudanças legais que poderão intensificar a grilagem de terras, a extração ilegal de madeira, o garimpo predatório e o uso indiscriminado de agrotóxicos. Se o Brasil optar por Lula na Presidência da República poderá haver, com muito esforço do governo, um certo reequilíbrio de forças no parlamento em relação às pautas de clima e meio ambiente.
O Brasil pode optar pela criação de emprego e renda a partir de uma economia sustentável e de baixo carbono, aumento da produtividade no campo, desenvolvimento tecnológico e uma matriz energética renovável, limpa e segura. Só a eleição de Lula poderá reposicionar o Brasil no cenário mundial e recuperar a liderança que o País já teve na agenda socioambiental. A alternativa é o atraso e o negacionismo climático, com suas consequências sobre o comércio internacional de nossos produtos.
Sobre os autores
*André Lima é advogado, ex-secretário de Meio Ambiente do Distrito Federal, colunista do Congresso em Foco e coordenador do projeto Radar Clima e Sustentabilidade, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
*Bazileu Margarido é engenheiro de produção e mestre em economia. Foi presidente do Ibama, entre 2007-2008, secretário de Fazenda de São Carlos, São Paulo, em 2001 e 2002 e chefe de gabinete da ministra de meio ambiente Marina Silva de 2003 a 2007.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Censura? As decisões polêmicas do TSE sobre eleições, fake news e Jovem Pan
Shin Suzuki*, BBC News Brasil
Nesta quinta-feira (20/10), foi aprovada uma resolução afirmando que, em casos de fake news que já tenham sido consideradas irregulares pelos integrantes do tribunal, em decisão colegiada, a determinação de retiada do ar vale também para conteúdos idênticos que sejam replicados na internet.
Ou seja, se uma fake news idêntica a uma já julgada pelo TSE começar a circular, o presidente do tribunal pode ordenar que ela saia do ar sem a necessidade de uma nova ação de partidos, do Ministério Público ou uma decisão judicial pedindo isso.
O TSE também deu direitos de resposta a Lula em razão de falas ofensivas feitas por comentaristas da Jovem Pan contra o petista. O canal paulista, que dedica boa parte de sua programação diária a críticas ao ex-presidente, disse que foi censurado e orientou que não sejam ditos no ar termos como "ex-presidiário" e "ladrão" em referência a Lula.
Outra decisão que provocou discussão se refere a uma frase do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello que seria usada em uma peça eleitoral do presidente e candidato do PL Jair Bolsonaro e foi suprimida.
Veja abaixo pontos dessas decisões do TSE e o que falam especialistas em direito eleitoral e constitucional sobre o teor delas.
1. Mais poderes para o TSE retirar fake news
O TSE, presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, não aguardará pedidos de solicitação de partes atingidas ou do Ministério Público para a retirada de desinformação da internet que já tenha sido alvo de decisão colegiada do tribunal e que esteja sendo replicada por outras pessoas e plataformas.
"Verificando que aquele conteúdo foi repetido, não haverá necessidade de uma nova representação ou decisão judicial, haverá extensão e imediata retirada dessas notícias fraudulentas", disse Alexandre de Moraes.
A resolução também reduziu o prazo para as plataformas retirarem conteúdo considerado enganoso do ar. Ao julgar um conteúdo problemático, a corte determinará sua remoção às plataformas no prazo máximo de duas horas. Esse prazo cai para uma hora de dois dias antes da eleição (que é no dia 30/10) a três dias depois.
Segundo Moraes, o objetivo é reduzir o tempo de informações inverídicas no ar. "Uma vez verificado pelo TSE que aquele conteúdo é difamatório, é injurioso, é discurso de ódio ou notícia fraudulenta, não pode ser perpetuado na rede", destacou o presidente do TSE.
Cada hora de descumprimento acarretará multa entre R$ 100 mil e R$ 150 mil. Se o mesmo conteúdo reaparecer em outros links e posts, sua derrubada deverá ser feita sem a necessidade de uma nova tramitação judicial.
Segundo a resolução, o "descumprimento reiterado de determinações" poderá levar à suspensão do acesso aos serviços da plataforma.
"Acho que isso mostra uma preocupação extrema do TSE nessa última semana de campanha. O TSE vê que daqui para frente vai ser na base do tudo ou nada. É elogiável querer proteger o eleitor contra fake news", afirma o advogado Alberto Rollo, especializado em direito eleitoral.
"Mas é discutível mudar a regra do jogo aos 40 minutos do segundo tempo."
Outro ponto que Rollo vê com reservas é a interpretação de que o TSE agirá "de ofício".
"Normalmente o juiz age quando é provocado pelo Ministério Público ou por alguém ofendido. A Justiça tem que agir só quando ela é provocada. Ela não pode tomar a dianteira", diz.
Vera Chemim, especialista em direito constitucional, estranha o "poder de polícia" da corte. "Qual é a função típica do Judiciário? É julgar. O poder policial é inerente ao Poder Executivo."
Mas ela vê responsabilidade do Legislativo sobre essa situação. "Deveria ter sido feita uma lei anteriormente disciplinando o tema. E quem cria a lei é o Legislativo, não o Judiciário."
Projetos que tratam de fake news e desinformação ainda estão sob análise no Congresso.
Amplamente usados na eleição de 2022 na disputa eleitoral, os anúncios políticos pagos para veiculação em redes sociais e sites deverão ser suspensos no período de 48 horas antes do dia da votação até 24 horas depois.
2. Decisão sobre a Jovem Pan
Na última segunda-feira (17/10), sessão do TSE concedeu mais três direitos de resposta à campanha de Lula após comentários considerados ofensivos ou distorcidos sobre ele proferidos na rede Jovem Pan.
Os comentaristas da emissora não poderão repetir que o ex-presidente mente e que não foi inocentado no processo da Lava Jato — sob pena de multa de R$ 25 mil. O pedido da coligação de Lula cita que foi falado no ar durante um dos programas que "o petismo é uma escória".
Além disso, foi também determinado pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, investigar se há falta de isonomia da Jovem Pan em sua cobertura, com favorecimento a Bolsonaro.
A emissora divulgou comunicado interno proibindo que seus comentaristas usem termos como "descondenado" e "chefe de organização criminosa" em referência ao candidato petista.
Na quarta-feira (19/10), a Jovem Pan veiculou um editorial afirmando que "justamente aqueles que deveriam ser um dos pilares mais sólidos da defesa da democracia estão hoje atuando para enfraquecê-la e fazem isso por meio da relativização dos conceitos de liberdade de imprensa e de expressão, promovendo o cerceamento da livre circulação de conteúdos jornalísticos, ideias e opiniões".
"Não há outra forma de encarar a questão: a Jovem Pan está, desde a segunda-feira, 17, sob censura instituída pelo Tribunal Superior Eleitoral."
A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) emitiu nota afirmando que vê receio de interferência na programação das emissoras por parte do TSE.
Alberto Rollo afirma que "rádios e TVs são concessões públicas e têm que cumprir a lei. Não é falar o que quer porque 'a TV é minha, a rádio é minha'. Concessão você tem regras, e a lei eleitoral diz que rádio e televisão não podem dar tratamento privilegiado em época de eleição. Ou seja, não pode falar só bem de um e só mal de outro".
Sobre as expressões proferidas pelos comentaristas da emissora, o advogado considera que "se algum dia eu fosse condenado por alguma coisa pela qual eu pudesse ser chamado de ladrão e o meu processo fosse anulado, estaria errado me chamar de ladrão empiricamente. Ladrão é aquele que foi condenado em transitado em julgado [quando não há mais possibilidade de recursos]."
"A mesma coisa a expressão 'ex-presidiário'. Juridicamente está errado porque Lula esteve preso preventivamente, não cumpriu pena de prisão."
Já Vera Chemim considera que a decisão "fere o direito à liberdade de expressão, de pensamento e de opinião. A Constituição garante esses direitos plenamente fundamentais. Ela atropelara o direito constitucional de comunicação".
"A despeito das críticas serem extremamente duras, ácidas e até grosseiras, elas se inserem no exercício da liberdade de expressão, ainda mais quando se trata da liberdade de comunicação social."
A especialista em direito constitucional vê censura na decisão. "A Constituição garante, posteriormente a uma ofensa, um direito de resposta e uma indenização por danos materiais e morais ou pessoal. Se aconteceu, existe esse mecanismo".
3. Decisão sobre fala de Marco Aurélio
Um trecho de 7 segundos de uma entrevista com o ex-ministro do STF Marco Aurélio, que seria veiculado em uma propaganda eleitoral de Bolsonaro na quarta (19), foi substituído por um QR Code que levava a um canal de tira-dúvidas eleitorais no WhatsApp e uma frase em que se lia "suspenso por infração eleitoral".
Na entrevista, concedida à Band, Marco Aurélio dizia: "O Supremo não o inocentou [Lula]. O Supremo assentou a nulidade dos processos-crime, o que implica o retorno à fase anterior, à fase inicial".
O corte do trecho foi feito com base em uma decisão do ministro do TSE Paulo de Tarso Sanseverino proibindo que Lula fosse mencionado como "verdadeiro ladrão" e "corrupto" pelo locutor do programa de Bolsonaro, palavras que não foram usadas pelo ex-STF.
"Acho que aí o TSE errou, foi um exagero", diz Rollo.
"Lula realmente não foi absolvido. A Justiça analisa se tem prova ou não para condenar alguém ou decidir se foi absolvido. O caso da anulação da condenação foi porque a vara competente não era Curitiba, essa foi a questão."
Chemim afirma que a anulação da condenação diz respeito a "normas de caráter processual e não sobre o mérito" e também criticou a decisão do TSE sobre o spot eleitoral.
Marco Aurélio, ao jornal O Estado de S. Paulo, disse que "os tempos são estranhos. Não podemos permitir censura a quem quer que seja".
À Folha de S. Paulo, o TSE informou que "a corte não pratica censura e que todas as decisões são avaliadas em casos concretos".
4. A situação do TSE nesta eleição
O ministro Alexandre de Moraes, que conduz o processo eleitoral à frente do TSE, declarou que houve um crescimento de 1.671% na divulgação de conteúdo considerado falso se comparado com a votação de 2020 e uma alta de 436% nos episódios de violência política via redes sociais em relação a 2018.
O tribunal vem tendo que lidar com desafios como a propagação de fake news sobre as urnas eletrônicas, a necessidade de garantir segurança ao eleitor em meio à votação mais tensa em décadas e a ameaça de violência na contestação do resultado das eleições.
"É um papel extremamente ingrato [para o TSE] nesse momento político que o Brasil vive, dividido meio a meio, em que se eu não concordo com a outra metade, acham que eu não presto, sou uma pessoa ruim", afirma Rollo.
"É um papel complicado, principalmente porque no processo do direito eleitoral não se pode decidir daqui a um ano, quando as coisas estiverem mais calmas. Tem que ser na hora e às vezes acaba errando."
O advogado recorda o caso do festival Lollapalooza, de março deste ano, em que o TSE proibiu expressão política após manifestações das cantoras Pabllo Vittar e Marina (antiga Marina and The Diamonds) durante os shows.
"Decidiu na hora, decidiu errado, voltou atrás depois. Mas a decisão tem que ser na hora."
O ministro Raul Araújo, autor da decisão, acabou por derrubar a própria liminar em que mandou censurar os atos no festival dois dias depois.
"Há agora um ambiente de tensão, tanto institucional quanto no que diz respeito a cidadão de maneira geral", diz Chemim.
"Mas acho que o TSE anda pesando a mão. Acho perigoso, na minha opinião, porque agilizar a remoção de notícias falsas para dar uma resposta rápida e repentina pode levar em algum contexto a uma sugestão de caráter antidemocrático."
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil
Quem não compareceu ao primeiro turno poderá votar no segundo mesmo sem justificativa
Mariana Lemos*, Brasil de Fato
No próximo dia 30 de outubro ocorre em todo o Brasil o segundo turno da eleição para presidente da República. Além disso, 12 estados estarão escolhendo seus futuros governadores. Mas você sabia que caso não tenha conseguido votar no primeiro turno, pode mesmo assim comparecer às urnas no segundo turno das eleições?
Isso ocorre porque a Justiça Eleitoral compreende cada turno como processos distintos. E como o prazo máximo para justificar a ausência é de 60 dias corridos e o segundo turno ocorre dentro desse prazo, quem não votou no dia 02 de outubro, mesmo que ainda não tenha justificado a ausência, pode votar no próximo dia 30.
É importante saber que se o eleitor não votar no primeiro e nem no segundo turno, deve realizar uma justificativa para cada turno. Também vale lembrar que não existe um número máximo de vezes em que o eleitor pode usar a justificativa eleitoral.
No Brasil o voto é obrigatório para todos os cidadãos entre 18 e 69 anos e, em caso de não comparecimento às urnas, a justificativa deve ser feita à Justiça Eleitoral.
Para justificar você pode utilizar os serviços do aplicativo e-Título, disponível para os sistemas Android e iOS.
Uma outra forma é acessar o portal justifica.tse.jus.br e preencher o requerimento de justificativa. Este mesmo site possibilita a consulta ao requerimento já enviado.
No caso de ausência do eleitor nas eleições e falta de justificativa, é cobrada uma multa no valor de R$3,51 por turno de votação no momento em que o título for regularizado. Acessando o site do TSE você pode realizar a consulta de débitos do eleitor.
Entretanto, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, quem não votar e não justificar fica impedido de ter acesso a vários direitos, como se inscrever em concursos públicos, obter carteira de identidade e passaporte, renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial, obter empréstimos em bancos oficiais, entre outros.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
A extrema direita está se tornando mais feminina?
Barbara Wesel,* Made for Minds
"Sou mulher, sou mãe, sou cristã!": esse grito de guerra, que Giorgia Meloni tem repetido em inúmeras aparições em público, contém a essência de seu sucesso político na Itália. Após longos anos em que homens como o conservador Silvio Berlusconi atraíram os eleitores com seu comportamento abertamente machista, dominando a política italiana, o êxito eleitoral de Meloni também se fundamenta na ênfase em sua feminilidade.
Ela será a líder de uma nova coalizão governamental cuja lua-de-mel entre os parceiros já parece estar no fim. Em meio à briga continuada pelos altos postos do governo, o conservador Berlusconi desqualificou a chefe do partido Irmãos da Itália (FdI) como "presunçosa, prepotente, arrogante e ofensiva". Em sua campanha eleitoral, contudo, a extremista de direita conseguiu projetar uma imagem bem diferente.
Por um lado, ela foi escolhida por muitos católicos graças a sua visão de uma família tradicional e cristã – embora Meloni, que não é casada no papel com o pai de sua filha, associe esse ideal ao rechaço do aborto e dos direitos LGBTQ+. Aliás, tais ideais conservadores da boa mãe e boa esposa remontam à Itália dos anos 1930, sob o regime fascista de Benito Mussolini.
Além disso, Meloni deve sua vitória aos votos de muitos trabalhadores autônomos. Eles a apreciam como emergente das classes baixas combativa, que conhece os problemas dos pequenos comerciantes e empresários. No entanto, seu êxito junto aos Irmãos da Itália tem caráter excepcional, pois ela é uma dos confundadores e ocupa a presidência do partido há dez anos, tendo-o levado de nanico a governista.
Direita aposta no eleitorado feminino
Descontado o sucesso singular de Giorgia Meloni, contudo, esta eleição foi um revés para as mulheres da política italiana: entre os deputados do Parlamento, sua participação caiu de 35% para 31%. Então será que a estratégia das legendas radicais ou extremistas de direita é fazer uma mensagem, em essência, agressiva, parecer mais "suave" através de uma líder mulher?
A socióloga Katrine Fangen, da Universidade de Oslo, crê que haja um quê de verdade nesse estereótipo: "Há muito tempo, diversos partidos populistas de direita têm líderes políticas, isso não é novo. Mas pode perfeitamente ser uma decisão estratégica apostar mais nas mulheres que podem se identificar mais com uma figura de liderança feminina."
"As siglas populistas de direita seguem sendo eleitas principalmente por homens, mas a diferença não é mais tão grande como no passado: em âmbito internacional, cerca de 40% do eleitorado extremista de direita são mulheres", comentou Fangen em entrevista à revista norueguesa Framtide. Isso, apesar de os partidos ultradireitistas da Europa serem muito diversos: na França e Holanda, por exemplo, eles defendem a igualdade de gênero e, em parte, até mesmo os direitos LGBTQ+.
O modelo Marine Le Pen
A socióloga Dorit Geva, da Central European University, em Viena, considera o exemplo da francesa Marine Le Penparte da nova estratégia populista de direita: "É uma tendência que Le Pen iniciou há cerca de dez anos. Gradativamente, ela tornou mais branda a imagem do partido [então Frente Nacional], cujos aspectos repugnantes incluíam o jeito machista." A política herdou de seu pai, Jean-Marie Le Pen, a sigla que era um ponto de convergência para ex-militares e ex-combatentes da guerra na Argélia.
A italiana Meloni, por sua vez, configurou nos últimos anos a imagem e a orientação do FdI, em grande medida por conta própria, até chegar aos atuais 20% de vantagem na preferência do eleitorado. "Ela compreendeu sua própria força de atração e seu poder", frisa Geva.
Na França, por outro lado, o fato de Le Pen ser mulher tornou-se um aspecto central da mensagem política nas últimas duas campanhas eleitorais. "Trata-se de cuidado e proteção, de uma imagem materna acoplada à política do Estado de bem-estar social." Desse modo, abrandou-se a imagem de uma legenda "lei e ordem".
"O que vemos é uma nova variante da extrema direita, que se apresenta como protetora dos cidadãos, o que não ocorria antes." Meloni enfatiza, por exemplo, que as mães necessitam mais apoio social pelo fato de sua própria mãe ser solteira; enquanto Le Pen promete mais Estado social, subsídios para os aluguéis e salários mais altos, afirmando que até agora os imigrantes têm sido favorecidos.
"É uma estratégia para ampliar a base do eleitorado, em que se dança de ambos os lados, falando de Deus, da família e dos valores conservadores, sem excluir totalmente o outro lado", analisa Dorit Geva. Esses partidos são agora incluídos no bloco de centro-direita, sem que esteja claro quais de seus slogans resultará em medidas da prática política.
Há uma cisão Leste-Oeste?
Nos países do Leste Europeu, seja o governista PiS da Polônia ou o Fidesz da Hungria, por enquanto os homens seguem dominando. No entanto Pawel Zerka, do think tank político Council on Foreign Relations, acredita tratar-se menos de uma cisão geográfica do que da origem diversa das legendas populistas de direita.
"Na Europa Ocidental, em geral eles se apresentavam como formações antielitistas, antimigração, eurocéticas ou pós-fascistas. No Leste da Europa não havia partidos estabelecidos devido ao processo de democratização. Por isso, os maiores entre os considerados populistas ou nacionalistas eram antigos partidos conservadores que resvalaram ainda mais para a direita."
Para Zerka, também eles terão que cada vez mais apelar ao eleitorado feminino, "senão poderão facilmente – e, em geral, corretamente – ser vistos como misóginos". As mulheres votavam menos neles, no que se denominava a "lacuna dos gêneros" do comportamento eleitoral. "Foi assim com Donald Trump nos Estados Unidos, Eric Zemmour na França, Konfederacja na Polônia e Vox na Espanha. É interessante que não haja lacuna dos gêneros para Marine Le Pen ou para os Irmãos da Itália."
A rigor, essa lacuna tampouco existe para o PiS, já que a chefe de governo interina Beata Szydlo concentrou o partido em temas socioeconômicos, como segurança empregatícia, adicionais para quem tem filhos e outros. "Isso ajudou Marine Le Pen na 'desintoxicação' do seu partido e parece ter ajudado o PiS no pleito de 2015." O chefe partidário linha-dura e clandestino Jarosław Kaczyński não teria conseguido isso, supõe Zerka.
O caso do sucesso eleitoral de Giorgia Meloni, contudo, é diverso, pois ela pôde se apresentar como alternativa para as demais siglas do governo de Mario Draghi, e a Liga de Matteo Salvini perdera sua atratividade. Agora é preciso aguardar para ver como será a política da provável primeira-ministra da Itália.
"Seu partido atrai tanto mulheres quanto homens. O gênero não importa, ao contrário da idade e do grau de instrução, apesar de suas metas tradicionais e das raízes fascistas." Pawel Zerka resume: Giorgia Meloni pode ter aprendido com Le Pen, mas seu futuro político depende das especificidades da política e da sociedade da Itália.
Texto publicado originalmente no Made for Minds.
TSE proíbe propaganda eleitoral paga 48h antes da eleição e 24h depois
Manoela Alcântara,*Metrópoles
Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovaram por unanimidade, nesta quinta-feira (20/10), resolução que proíbe o pagamento de qualquer tipo de publicidade 48h antes das eleições e 24h posteriores à votação.
Pela nova norma, está proibida “a veiculação paga, inclusive por monetização, direta ou indireta, de propaganda eleitoral na internet, em sítio eleitoral, em blog, em sítio interativo ou social, ou em outros meios eletrônicos de comunicação da candidata ou do candidato, ou no sítio do partido, federação ou coligação”, diz os termos da resolução.
Se verificado descumprimento dessa vedação, o TSE, em decisão fundamentada, determinará às plataformas a imediata remoção da URL, URI ou URN, sob pena de multa de R$ 100 mil a R$ 150 mil por hora de descumprimento, a contar do término da primeira hora após o recebimento da notificação.
A desobediência à decisão também vai configurar realização de gasto ilícito de recursos eleitorais, apto a determinar a desaprovação das contas do candidato. Haverá ainda apuração da responsabilidade penal, do abuso de poder e do uso indevido dos meios de comunicação.
Novidade
A legislação eleitoral (artigo 5º da Resolução 23.610) proibia o impulsionamento de conteúdo na internet nesse período da eleição, sendo a única exceção à propaganda gratuita.
No entanto, conforme ressaltou o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, houve “um aumento exponencial de monetização de blogs e sites interativos que recebem dinheiro para realizar essa propaganda eleitoral”, mesmo durante o período proibido pela lei. Por isso, a nova determinação.
Poder de polícia
A mesma resolução aumenta o poder de polícia da Justiça Eleitoral. A partir de agora, a JE está autorizada a agir de ofício caso o conteúdo seja sabidamente inverídico, já julgado por colegiado e republicado em outros sites. Ou seja, se a Justiça determinou a remoção de um conteúdo, a plataforma digital o fez, mas ele foi republicado, não há necessidade de nova representação ou julgamento para remoção.
Pela resolução, assim que comunicadas pela Justiça Eleitoral, as plataformas devem fazer a imediata remoção das URLs, URIs ou URNs consideradas irregulares, sob pena de R$ 100 mil por hora após a determinação de retirada de desinformação das redes. O prazo máximo a partir de agora é de duas horas. Às vésperas da eleição, será de uma hora.
“Quando uma pessoa consegue uma decisão judicial para retirar algo calunioso, quando a plataforma remove, mas percebe que isso foi replicado em outros endereços, isso precisa ser retirado sem nova decisão. Se verificarmos que aquele conteúdo foi repetido, não há necessidade de nova representação. O conteúdo precisa ser removido. As plataformas informaram que isso poderia demorar devido à necessidade de identificar cada URL. Nós podemos identificar isso rapidamente com a nossa assessoria, e isso ajuda a reduzir o conteúdo injurioso, já julgado, a ser disseminado”, ressaltou Alexandre de Moraes.
Os conteúdos que devem ser removidos seguirão indicação da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE.
Aumento
Segundo Moraes, houve crescimento 1.671% no volume de denúncias encaminhadas às plataformas digitais em relação às eleições de 2020. Foram 130 matérias para desmentir informações falsas de um candidato contra o outro. No segundo turno, houve diminuição do ataque às urnas e a desinformação se voltou para as pesquisas e entre os postulantes.
Texto publicado oficialmente no Metrópoles.
Nas entrelinhas: Lula tenta reduzir desvantagem entre os evangélicos
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Quem visita os bairros de periferias ou favelas das grandes cidades brasileiras, com muita facilidade consegue identificar uma família evangélica por meio da simples observação visual. Geralmente, moram nas casas mais bem cuidadas, mesmo que menores e com aparência mais pobre. A principal razão costuma ser o fato de que seus ocupantes integram uma família estruturada, cuja rotina de trabalho e estudo está sustentada na harmonia familiar, na disciplina, na resiliência, na austeridade e na ordem. Existe uma funcionalidade na presença das igrejas pentecostais na organização da sociedade nas periferias que não pode ser ignorada.
É óbvio que há católicos, espíritas, umbandistas etc. com família unicelular e casas bem organizadas, mas estamos falando de famílias desestruturadas. O eixo da atuação dos evangélicos nas comunidades pobres é a preservação da família unicelular patriarcal e a defesa dos seus costumes tradicionais, o que leva à formação de uma base cultural conservadora, facilmente capturada pelas narrativas políticas reacionárias. Há setores reacionários na Igreja Católica, mas a doutrina católica é menos conservadora e sua presença como organização nas periferias é muito menor, porque suas igrejas fisicamente estão fora da maioria dessas comunidades. Por força da nossa própria formação como nação, os católicos até são a maioria nessas comunidades, mas não representam uma força organizada a partir do cotidiano de seus moradores, ao contrário dos evangélicos.
O presidente Jair Bolsonaro, como um fenômeno eleitoral de massas, emergiu da periferia em 2018 ancorado nas comunidades evangélicas, porque capturou o sentimento de preservação da família unicelular patriarcal. Com uma narrativa conservadora, confrontou a revolução dos costumes, que é identificada pelos evangélicos como uma das causas da sua desestruturação, cujas consequências são dramáticas para uma família de baixa renda, porque bagunça a vida de todos os seus integrantes do ponto de vista até da sobrevivência física, ao contrário do que ocorre com um núcleo familiar de classe média, que sofre consequências sérias, mas tem mais mecanismos de defesa.
A agenda identitária da renovação dos costumes serviu de plataforma para que o PT e outros setores de esquerda, após o impeachment de Dilma Rousseff, reagrupassem suas forças e iniciassem o resgate de sua influência na sociedade, que havia sido fragilizada pela cooptação dos movimentos sociais durante os governos Lula e Dilma. A centralidade dessa pauta na luta contra Bolsonaro, porém, foi um erro em 2018, quando já estava em jogo a questão democrática, o que por muito pouco não se reproduziu nas eleições deste ano. Isso fez com que o apoio dos evangélicos se tornasse a principal ferramenta de Bolsonaro para penetrar nas camadas mais pobres da população, ainda que seja rejeitado pela maioria dos mais pobres e das mulheres.
Pesquisa
O Datafolha divulgado ontem, por exemplo, mostra que Bolsonaro lidera a disputa contra Lula entre os evangélicos, por 66% a 28%, enquanto a liderança do petista entre os católicos é de 58% a 37%. Lula vence entre os mais pobres, com renda de até dois salários mínimos, de 57% a 37%, mas perde em todas as faixas de renda acima disso, inclusive entre os que ganham entre dois e cinco salários mínimos, em que Bolsonaro lidera por 53% a 41%, faixa com forte presença evangélica.
Lula manteve a liderança geral, com 49% de intenções de votos, mas diminui a distância para Bolsonaro, como 45%. Só manteve a dianteira por causa da maioria das mulheres (51% a 42%), do Nordeste (67% a 29%) e dos negros (58% a 38%), além dos católicos e dos mais pobres.
Não à toa Lula, divulgou ontem a sua carta aos evangélicos, na qual reiterou a defesa do Estado laico e da liberdade religiosa. “O respeito à família sempre foi um valor central na minha vida, que se reflete no profundo amor que dedico à minha esposa, aos meus filhos e netos. Por isso, compreendo o lugar central que a família ocupa na fé cristã”, diz o documento. “Também entendo que o lar e a orientação dos pais são fundamentais na educação de seus filhos, cabendo à escola apoiá-los dialogando e respeitando os valores das famílias, sem a interferência do Estado”, completa.
O documento procura repelir a acusação de que pretende fechar as igrejas evangélicas, muito difundida pelos pastores que apoiam Bolsonaro para disseminar ojeriza ao PT e ao ex-presidente Lula nas comunidades evangélicas: “Todos sabem que nunca houve qualquer risco ao funcionamento das igrejas enquanto fui presidente. Pelo contrário! Com a prosperidade que ajudamos a construir, foi no nosso governo que as igrejas mais cresceram, principalmente as evangélicas, sem qualquer impedimento, e até tiveram condições de enviar missionários para outros países.”
Nas entrelinhas: Talvez a pergunta seja “quem perdeu com o debate?”
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Sempre achei muito complicado analisar o resultado de debates entre candidatos a partir da minha própria percepção. O debate da Bandeirantes, entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) não foge à regra. É possível fazer uma leitura racional dos debates a partir do conteúdo das respostas dos candidatos, mas existe fatores subjetivos que alteram completamente a percepção da imagem dos debatedores pelos eleitores. Tanto é assim que as pesquisas mostram uma divisão de opiniões sobre a atuação dos candidatos que mais ou menos gravita em torno dos índices de intenção de voto. Quando o resultado destoa muito, aí sim podemos afirmar que fulano ou beltrano venceu o debate. Mas não é o caso. Por isso, alguns acham que Lula se saiu bem, outros apontam Bolsonaro como vitorioso.
Como numa luta de boxe, num debate eleitoral todo mundo apanha. Alguém somente vence inequivocamente quando o adversário vai a nocaute. Quando isso não acontece, a decisão é por pontos, depende dos jurados, e nem sempre corresponde ao gosto do público.
No plano das subjetividades, diria que o Bolsonaro entrou no debate em desvantagem por causa do “pintou um clima” no caso das jovens refugiadas venezuelanas que visitou. O assunto virou meme petista nas redes sociais e deixou o presidente na berlinda durante o fim de semana. Entretanto, a decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, mandando tirar do ar a live do presidente que relatava o caso, por ter sido descontextualizada, resgatou Bolsonaro do canto do ringue. Foi como se o juiz interrompesse a luta por causa de um golpe sujo.
Na troca de socos, Lula manteve a ofensiva no caso da pandemia, responsabilizando o presidente pelas mortes que poderiam ter sido evitadas se o seu negacionismno não tivesse atrasado a compra das vacinas. Mas isso não foi suficiente para abater Bolsonaro, até porque sua falta de empatia com as vítimas também serve de couraça para que esse assunto não abata o seu ânimo.
Mesmo em desvantagem nas pesquisas de opinião, na campanha eleitoral, em nenhum momento, Bolsonaro se sentiu espiritualmente derrotado. Passou à ofensiva num tema em que o petista tem revelado muita dificuldade de se defender: o escândalo da Petrobras. Lula não respondeu à altura e ainda gastou o tempo que tinha desnecessariamente, deixando o presidente em grande vantagem ao final do bloco, porque falou por último, com tempo de sobra. Esses dois momentos influenciaram muito as opiniões dos analistas.
Mas como reagiram os eleitores? Quem tentou responder essa pergunta foi a AtlasIntel, empresa de pesquisas que se destacou por ter o melhor desempenho do primeiro turno. Usou um recurso que as campanhas utilizam para avaliar os debates: pesquisas qualitativas. A AtlasIntel ouviu 100 eleitores que não votaram em Lula ou Bolsonaro. A maioria (54%) considera que Lula ganhou o debate, 32% acham que foi Bolsonaro e 14% não souberam responder.
A maioria dos eleitores que votaram em Simone Tebet (60%), Ciro Gomes (60%), outros candidatos (50%), branco/nulo (57%) e também não votaram (57%), em nove grupos, concorda que Lula venceu o debate. Os grupos focais foram formados em Paraná/Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Tocantins, Bahia, Acre e Mato Grosso/Mato Grosso do Sul. Esse tipo de estudo, porém, não tem valor estatístico para avaliar a opinião da população. É um instrumento para avaliar tendências e informar análises, como essa aqui.
Rejeição
A disputa política do segundo turno está se dando em torno de quatro grandes temas: a situação da economia, os serviços prestados à população, a ética na política e a questão democrática. O debate não é programático, voltado para o futuro imediato e/ou o programa do novo governo. O debate está ancorado no passado, nos governos Lula e Dilma Rousseff e no primeiro mandato de Bolsonaro. Mira a rejeição dos candidatos, que manteve a polarização e certamente decidirá a eleição.
Lula cresce quando sai em defesa da democracia e das políticas públicas, principalmente na área social; Bolsonaro, quando ataca a corrupção nos governos petistas. Na questão econômica, o petista leva vantagem, mas não mais como no primeiro turno. Um tema subjacente, ora à questão democrática, ora às políticas públicas, é a pauta dos costumes, na qual Bolsonaro tenta surfar para neutralizar o fracasso administrativo do governo em área como a saúde e a educação. De outro lado, a mudança dos costumes serve de linha de resistência para os militantes das causas identitárias, que são pro-Lula.
Nos programas eleitorais, nas redes sociais e nos debates, esses são os eixos da disputa desde o primeiro turno. Em termos de intenções de votos, Lula se mantém na dianteira, mas Bolsonaro encurta a distância. Haverá tempo para uma virada? Uma projeção linear das pesquisas diz que não, mas as eleições são uma caixinha de surpresa e, na reta final da disputa, sempre pode haver alterações.
É aí que os dois outros debates programados, no SBT e na Globo, podem fazer a diferença. Nesse caso, será decisivo o fator subjetivo do desempenho pessoal dos candidatos e sua capacidade de emocionar os indecisos.
Mas quem perdeu com o debate? Todos que esperavam boas propostas para o futuro.
Nas entrelinhas: A disputa pela direção intelectual e moral da sociedade
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Um dos organizadores da edição brasileira dos Cadernos do Cárcere, de Antônio Gramsci, sob a liderança de Carlos Nelson Coutinho e a participação de Luiz Sérgio Henriques (obra que acaba de ser reeditada pela Editora Civilização Brasileira), o cientista político e professor livre docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Marco Aurélio Nogueira, a propósito da coluna publicada ontem, intitulada Guerra de posições, fez observações muito pertinentes sobre a disputa pela direção intelectual e moral da sociedade.
Transcrevo a seguir seus comentários sobre a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) nesse terreno: “Você usa o conceito de direção intelectual e moral, que é utilíssimo na formulação da hegemonia. Mas acho que não está certo falar que ‘o segundo turno das eleições opõe, de um lado, o domínio político do governo Bolsonaro e, de outro, a direção intelectual e moral da sociedade protagonizada pela oposição liderada por Lula’. Você acrescenta que ‘Quem conseguir juntar domínio, pela via eleitoral, e direção, exercendo o poder, governará o país pelos próximos quatro anos’. E mais: ‘O chefe do Executivo já tem o domínio, mas perdeu a direção moral, que tenta recuperar'”.
Depois desse resumo, Nogueira comenta: “Duas coisas me vieram à mente. (1) Bolsonaro não perdeu a direção intelectual e moral: 50% dos eleitores estão com ele e o seguem justamente como ‘dirigente’. (2) Lula está disputando essa direção, mas ainda não a tem. Numa eleição, vence quem dirige, não quem domina. E o poder é uma situação típica de domínio, não necessariamente de direção. Quem exercer o poder pode dirigir também, mas desde que busque fazer isso, não automaticamente. Por isso, Gramsci fala que antes de se chegar ao poder, seria conveniente que se tratasse de conquistar a direção”.
São observações que ilustram a complexidade do cenário eleitoral, no qual Bolsonaro, neste segundo turno, estabeleceu como eixo de campanha exatamente a disputa pela “direção moral” da sociedade, com uma estratégia na qual empunha as bandeiras da ética, da família unicelular patriarcal, da fé em Deus e da liberdade individual. Com isso, conseguiu reduzir a vantagem de Lula no primeiro turno, que mantinha uma liderança folgada até às vésperas da votação.
Senso comum
Bolsonaro estruturou sua campanha em torno dessas bandeiras e organizou uma base política orgânica nas redes sociais, que tem revelado grande poder de mobilização e protagoniza a radicalização política e ideológica na sociedade desde as eleições de 2018. O uso de fake news para aumentar a rejeição de Lula e reduzir a sua própria vem sendo recorrente na campanha do presidente, mas isso não elimina, e até reforça, o fato de que ancora seus ataques ao petista no senso comum da população, que é majoritariamente conservador.
Conversando sobre isso, Nogueira chamou-me a atenção para o fato de que a campanha de Lula está focada, principalmente, na comparação dos resultados econômicos de seus dois mandatos com os de Bolsonaro, que pleiteia a reeleição. Ou seja: o petista privilegia o terreno das questões econômicas. Até agora, vem tendo sucesso ao escolher esse terreno de batalha, porém, é inegável que as ações do governo para melhorar o ambiente econômico estão influenciando os eleitores, como comprovam as pesquisas, que mostram redução da rejeição de Bolsonaro e da desaprovação de seu governo. Isso limita o peso da economia na decisão de voto.
É bom lembrar que o governo é a forma mais concentrada de poder e Bolsonaro não tem o menor pudor em utilizar a máquina federal para alavancar sua candidatura. O fato de estar no poder, ou seja, numa situação de domínio, é uma vantagem estratégica na campanha eleitoral dos que concorrem à reeleição, porque controla estruturas capazes de mudar a correlação de forças eleitorais. Mas, no caso de Bolsonaro, isso ocorre de forma sem precedentes, devido à aprovação do “estado de emergência” pelo Congresso, que possibilita a realização de gastos e outras ações governamentais em plena campanha eleitoral.
Nesse cenário, o que pode fazer a diferença é a tal capacidade de liderança intelectual e moral da sociedade. Lula chegou a exercê-la, em razão da alta rejeição de Bolsonaro, até o resultado das urnas em 2 de outubro. Já no primeiro turno, revelou dificuldades nos debates para lidar com as agendas negativas do mensalão e do petrolão. Juridicamente, a Operação Lava-Jato morreu de morte matada, mas a questão ética está vivíssima em termos eleitorais, como comprova a eleição do ex-juiz Sergio Moro ao Senado, pelo Paraná. Esse é o maior obstáculo a ser enfrentado por Lula no segundo turno contra Bolsonaro.