eleição

Novos conselheiros e diretores da FAP são eleitos em reunião online

Luciano Rezende e Caetano Araújo serão os próximos presidente do Conselho Curador e diretor-geral da fundação, respectivamente

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O prefeito de Vitória (ES), médico Luciano Rezende (Cidadania), foi eleito o novo presidente do Conselho Curador da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), para o biênio 2020-2022. Em eleição conjunta, também foram eleitos os integrantes da próxima diretoria da entidade, que terá como diretor-geral o sociólogo Caetano Araújo, consultor do Senado e professor da UnB (Universidade de Brasília). A eleição foi realizada, neste sábado (26), de forma virtual, durante reunião ordinária, com transmissão ao vivo pela página da FAP no Facebook. Todos assumirão seus mandatos no dia 7 de novembro (veja lista de nomes ao final do texto).

Confira o vídeo da reunião sobre eleição da FAP



Sediada em Brasília e fundada em 2000, a FAP é vinculada ao Cidadania e atua para promover o estudo e a reflexão crítica da sociedade, de maneira a construir referências técnicas e culturais relevantes para a defesa, consolidação e reforma do Estado Democrático de Direito. O objetivo da fundação é ser referência para a cultura e a política democrática no Brasil, com base nos valores da transparência, sustentabilidade, solidariedade, reformismo, ética, equidade, democracia e cosmopolitismo.

Confira aqui o Relatório do Seminário de Planejamento Estratégico da FAP da FAP

Confira aqui o Mapa Estratégico da FAP 2021-2022

A reunião online foi coordenada pelo atual diretor-geral da FAP, jornalista Luiz Carlos Azedo, que recebeu elogios dos conselheiros pelos resultados de sua gestão. O próximo presidente do Conselho Curador da fundação, que termina seu segundo mandato de prefeito de Vitória em 31 de dezembro e vai ocupar o lugar do ex-senador Cristovam Buarque, parabenizou a atual diretoria pelo planejamento estratégico, que foi discutido em três seminários online.

Luciano Rezende será o próximo presidente do Conselho Curador da FAP. Foto: Ana Volpe/Agência Senado

“O planejamento estratégico está muito bem feito. É um plano de voo”, disse Rezende, destacando orientação de Azedo sobre a possibilidade de a FAP interagir com organizações e movimentos internacionais nos próximos anos, além de continuar com suas frequentes publicações, eventos e cursos de formação política. “A Fundação Astrojildo Pereira presta um serviço de formação absolutamente necessário em um ambiente de política tão rasa e desqualificada. É uma luz na escuridão”, ressaltou.

Interlocução

O sociólogo Caetano Araújo foi eleito novo diretor-geral da FAP. Foto: ITV

Desde sua fundação, a FAP teve como diretriz o diálogo com o mundo da cultura e da ciência, de acordo com o diretor-geral eleito. “Ao longo dos anos, essa diretriz se consolidou, no cultivo de parcerias diversas, no meio acadêmico e artístico. Hoje, demos um passo à frente e integramos grupos de interlocução permanentes com outras fundações partidárias e movimentos sociais”, disse Araújo, que atualmente integra a diretoria-executiva da FAP.

Em um país marcado por intensa instabilidade política e guerras ideológicas, agravadas ainda mais por causa da crise sanitária da pandemia do coronavírus, a fundação terá, cada vez mais, de fortalecer sua luta pela defesa da democracia e dos valores republicanos. “Vivemos uma conjuntura marcada pelo risco do retrocesso da ordem democrática. Nesse quadro, a FAP terá que assumir com firmeza a defesa permanente do Estado de Direito, além de manter sempre a abertura para o diálogo com todos os democratas”, analisa o sociólogo.

Araújo também lembra que, em 2022, o país vai celebrar três datas relevantes: os centenários da Semana de Arte Moderna e do Partido Comunista e o bicentenário da independência. “As três datas serão motivo para um calendário de debates e comemorações nos quais estarão em discussão a identidade e o projeto de pais, o balanço do que foi alcançado até agora e as principais vulnerabilidades que precisamos superar no futuro próximo”, antecipou ele.

O diretor financeiro eleito para o próximo biênio, engenheiro civil Raimundo Benoni Franco, afirmou que a FAP tem “papel extremamente relevante e indispensável”. “Tem como função principal motivar o debate, construir argumentos técnicos e culturais, para ter visão democrática e progressista e ajudar a sociedade brasileira”, pontuou. Ele, que é ex-presidente do Fórum Nacional de Ouvidores do Setor Elétrico, também tem ampla experiência em gestão de políticas públicas e executiva.

“Minha experiência na ouvidoria me traz muita lucidez sobre índices de controle e atuação de qualquer instituição”, afirmou Benoni. Além da sua capacidade técnica, ele pretende levar para a fundação muita sensibilidade política para criar ambiente de maior harmonia possível e fazer a instituição exercer sua missão de contribuir com a formação de quadros e discussões técnicas de ideias para fortalecer a democracia brasileira.

Integração

Cofundador do Movimento Acredito, José Frederico Lyra Neto é um dos integrantes da diretoria eleita e confirma a integração da FAP com grupos de inovação política. “Faço parte de uma nova geração que olha para a política como forma de mudar o Brasil e a sociedade e entende a importância do passado e da formação. Quero ajudar muito com políticas públicas e conexão com movimentos políticos”, afirmou.

Fundador e coordenador nacional do núcleo Diversidade23 do Cidadania, o psicólogo Eliseu de Oliveira Neto destacou que, cada vez mais, a FAP busca maior pluralidade de representações em sua composição, integrando “novas vozes” para enriquecer os debates. “A fundação tem obrigação com educação política dos jovens do Brasil e espero que a gente possa cumpri-la”, acentuou.

O atual presidente do Conselho Curador da FAP, Cristovam Buarque, disse que continuará participando das ações da fundação e colaborando com os novos conselheiros. “Desejo que o Conselho aproveite o momento que virá, naquilo que é mais ou menos devaneio de muitos de nós, de buscar rumos para o país. Agora vai ser uma exigência concreta. Terminando as eleições municipais, a gente vai começar a debater o futuro do Brasil”, salientou.

Professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), o historiador Alberto Aggio, que também deixará a diretoria da FAP e passará a integrar o Conselho Curador, disse que há muitos desafios a serem enfrentados. “O principal deles é que essa fundação vinculada ao Cidadania seja, como diz o Cidadania, seja um novo partido. Tem que colaborar para que esse partido não seja, ou não se mantenha inercialmente, o mesmo PCB desde 1922 porque a sociedade é fundamentalmente distinta e nós ainda mantemos essa cultura política de maneira inercial. Esse é um desafio extraordinário”, afirmou. “Espero que a nova diretoria e o novo conselho curador possam seguir essa trilha de maneira exitosa”, asseverou.

Veja, abaixo, composição da Fundação Astrojildo Pereira para o biênio 2020-2022

» DIRETORIA EXECUTIVA

  • Caetano Ernesto Pereira De Araújo (Diretor Geral)
  • Raimundo Benoni Franco (Diretor Financeiro)
  • Ana Stela Alves De Lima
  • Ciro Gondim Leichsenring
  • Jane Monteiro Neves
  • José Frederico Lyra Netto
  • Marco Aurelio Marrafon

» CONSELHO CURADOR

  • Luciano Santos Rezende (Presidente do Conselho Curador)
  • Bazileu Alves Margarido Neto (Vice-Presidente do Conselho Curador)
  • Juarez Amorim (Secretário Executivo)
  • Alberto Aggio
  • Alexandre Youssef
  • Arlindo Fernandes De Oliveira
  • Dora Kaufmann
  • Dulce Galindo
  • Eliana Calmon
  • Eliseu de Oliveira Neto
  • George Gurgel de Oliveira
  • Ivair Augusto Alves dos Santos
  • Jane Maria Vilas Bôas
  • Leandro Machado da Rosa
  • Lenise Menezes Loureiro
  • Ligia Bahia
  • Luiz Carlos Azedo
  • Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira
  • Maria Terezinha Carrara Lelis
  • Sérgio Besserman
  • Sionei Ricardo Leão de Araújo
  • Tibério Canuto de Queiroz Portela
  • Vinícius De Bragança Müller e Oliveira

Suplentes

  • Luzia Maria Ferreira
  • Cezar Vasquez
  • Miguel Arcangelo Ribeiro
  • Indaiá Griebeler Pacheco
  • José Maria Alencar

» CONSELHO FISCAL

  • Benjamin Sicsu (Presidente do Conselho Fiscal)
  • Marluce de Paula
  • Carlos Alberto Muller Lima Torres

Suplentes

  • Paulo Morais Santa Rosa
  • José Arnor Brito Silva

» CONSELHO CONSULTIVO

  • Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque (Presidente do Conselho Consultivo)
  • Nestor Borba (Secretário Executivo)
  • Alexandre Pessoa
  • Amílcar Baiardi
  • Anderson Martins
  • André Gomyde Porto
  • Any Machado Ortiz
  • Elimar Pinheiro do Nascimento
  • Gisele Santoro
  • Hamilton Garcia de Lima
  • Henrique Mendes Dau
  • Ivanir dos Santos
  • Joaquim Falcão Filho
  • José Antônio Segatto
  • José Arlindo Soares
  • José Jorge Tobias de Santana
  • Jose Luiz Oreiro
  • Juliet Neves Matos
  • Luciano Pinho
  • Luiz Sérgio Henriques
  • Manuel Thedim
  • Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez
  • Mauricio Rudner Huertas
  • Paulo Baía
  • Paulo Fábio Dantas Neto
  • Pollyana Fatima Gama Santos
  • Raquel Dias
  • Renata Eitelwein Bueno
  • Rogério Baptistini Mendes
  • Sérgio Camps de Morais
  • Sérgio José Cavalcanti Buarque

Míriam Leitão: Risco democrático é o ponto central

“Esta eleição é sobre preservar a democracia”, disse o senador americano Bernie Sanders na convenção do Partido Democrata. A mensagem foi passada até nos cenários escolhidos. O ex-presidente Barack Obama falou diretamente do icônico “National Constitution Certer”, museu da Constituição, na Filadélfia. O candidato Joe Biden confirmou no seu discurso que essa é a luta principal. No Brasil, o Supremo deu o mesmo recado. Proibiu o Ministério da Justiça de fazer dossiê contra funcionários que não apoiam o governo. “É incompatível com a democracia”, segundo o ministro Luiz Roberto Barroso. A Corte condenou a espionagem de adversários feita pelo Ministério da Justiça, confirmando, por nove a um, o voto claro da ministra Cármen Lúcia.

A democracia, que parecia garantida, passou a ser ameaçada por governantes sem valores democráticos e com desprezo pelas instituições. O importante no dossiê contra policiais antifascistas e pessoas notáveis, como os professores Paulo Sérgio Pinheiro e Luiz Eduardo Soares, é que ele não pode ser feito. É inaceitável. Simples assim. Alguns ministros ressaltaram que o relatório tinha péssima qualidade como documento de inteligência. Isso é assunto lateral. O relevante é a atitude do Ministério da Justiça, de usar a máquina para investigar servidores que não concordam com o governo.

O ministro André Mendonça é o maior derrotado, mesmo tendo sido poupado, e até defendido pelo presidente Dias Toffoli. O país viu seu contorcionismo. A ministra relatora quis saber: existe ou não existe o dossiê? Ele tentou escorregar, mas a realidade se impôs. O pior momento do ministro da Justiça foi alegar questão de segurança nacional para negar ao STF o acesso ao documento. Felizmente, a ministra Cármen não se deixou enganar pela mentira embrulhada na bandeira. Exigiu conhecer o teor e fundamentou seu voto: “O Estado não pode ser infrator, menos ainda em afronta a direitos fundamentais que é sua função garantir e proteger.”

A existência dessa atitude infratora do governo, de montar um dossiê identificando servidores contrários ao fascismo, foi revelada pelo jornalista Rubens Valente no UOL. O país não caiu no erro de deixar passar para ver como é que fica. A Rede Sustentabilidade foi ao Supremo. O STF estabeleceu que o Ministério da Justiça não faça mais esse tipo de investigação, porque isso ameaça a democracia e é “desvio de finalidade”.

Na discussão, duas coisas ficaram claras: mesmo que seja nomeado ministro do Supremo, André Mendonça não merece a cadeira. Ele se comportou mal com suas versões conflitantes, mas o pior foi não entender a função constitucional do Supremo. Outro ponto a ficar explícito foi a constrangedora submissão do procurador-geral da República ao executivo. Colocando-se, na prática, como assistente do advogado-geral da União, Augusto Aras traiu o papel que a Constituição entregou ao chefe do Ministério Público.

Nos Estados Unidos, a convenção democrata, toda virtual, trouxe um recado real. Obama disse que Donald Trump representa a maior ameaça às instituições americanas. “É isso que está em jogo neste momento, a nossa democracia.” E por fim avisou sobre a dureza da luta dos próximos 70 dias: “Essa administração já mostrou que destroçará a nossa democracia, se é isso que precisa para ganhar.”

O candidato democrata Joe Biden confirmou a mensagem de toda a convenção. Falou dos tempos sombrios que Trump representa. “O caráter nacional está em disputa nas urnas. A decência, a ciência, a democracia.” Falou em “salvar nossa democracia”. Em tempos de descrença, alguém pode perguntar para que ela serve afinal? Para ter líderes que tragam uma palavra de conforto quando o país atravessa período de sofrimento. “O melhor caminho para superar a dor, a perda e a desolação é encontrar um propósito”, disse o candidato democrata, que em sua vida pessoal viveu o que diz. E o propósito final tem que ser sempre ampliar a inclusão de todos os grupos da sociedade. A convenção democrata trouxe de volta à cena a nova demografia da América, colorida, diversa, multicultural, ecumênica, que está explícita na exuberante diversidade de Kamala Harris, negra, filha de imigrantes — mãe indiana e pai jamaicano — e que estará na chapa que enfrentará Donald Trump.


Vera Magalhães: Democracia acima de tudo

Firmeza dos democratas nos Estados Unidos deveria inspirar os brasileiros

“Este presidente e aqueles no poder estão contando com o seu cinismo. (…) E é assim que nossa democracia murcha, até não ser mais democracia. Não deixe isso acontecer. Não permita que nos tirem nossa democracia.”

O discurso, dito olhos nos olhos por um Barack Obama bem mais grisalho e com semblante muito mais grave que aquele que incendiou os Estados Unidos em 2008, já nasceu histórico.

Foi a primeira vez que um ex-presidente do país se referiu ao seu sucessor, ao presidente em exercício, com palavras tão duras e diretas. Obama chamou Donald Trump textualmente de incompetente, que encara a presidência “como outro reality show”.

No próprio discurso, o democrata deixou explícito por que resolveu romper a liturgia e chamar as coisas pelos nomes que têm: “O que nós fizermos nos próximos dias vai ecoar pelas gerações que virão”.

A mesma falta de meias-palavras esteve presente nas falas de Michelle Obama, Bill e Hillary Clinton e dos candidatos a presidente, Joe Biden, e a vice, Kamala Harris. Sim, são todos do mesmo partido, mas estão longe de ocupar as mesmas casas no tabuleiro ideológico, de ter as mesmas origens, de concordar em muitas políticas públicas.

A democracia emerge da convenção democrata como um bem inegociável. Porque ela é fundamental, e não um mero detalhe.

Corta para o Brasil. Na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal teve de dar mais uma reprimenda no Executivo por vilipendiar a democracia, desta vez produzindo dossiê contra 579 adversários, os mesmos ministros trataram de dar aquela aliviada para o ministro responsável pela excrescência, André Mendonça. E a Polícia Federal comandada por ele acaba de convocar um jornalista a depor com base na Lei de Segurança Nacional, um resquício da ditadura, por uma coluna de opinião.

Aqui a democracia é um apêndice, um adereço contra o qual o presidente investe diuturnamente sob um dar de ombros preguiçoso dos políticos, dos juízes, dos procuradores e da sociedade entre anestesiada e cúmplice da barbárie.

Adversários de Bolsonaro estão mais preocupados em criar uma narrativa para si que em se unirem na defesa incondicional de princípios inegociáveis e dizer com todas as letras que Bolsonaro é, sim, uma ameaça ao estado democrático de direito. Como Trump também é.

Em seu novo livro, O Tempo dos Governantes Incidentais, o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches se debruça sobre esse novo tipo de mandatário eleito em circunstâncias excepcionais (daí por que “incidentais”) e que, recorrendo à desinformação, a um passado falsamente idealizado e ao populismo barato, além da estratégia de aniquilação dos adversários, corroem as instituições por dentro.

Os democratas perceberam que não se combate um adversário descompromissado com a ética, a verdade e as responsabilidades do cargo com palavras vazias. E foram ao ponto ao apontar também que Trump não faz o seu trabalho, não lidera o país em seu momento mais grave no século.

Bolsonaro também passou meses sem fazer o seu trabalho: comandando claques golpistas, no lombo de cavalos, mostrando cloroquina para a ema e mais preocupado em lotear os órgãos de Estado que em dirigir o País na pandemia.

E ainda assim os presidentes da Câmara e do Senado não o chamam à responsabilidade, e os postulantes a seu lugar em 2022 seguem cometendo os mesmos erros e se preparando para repetir a polarização nefasta que o elegeu.

Há tempo de os políticos brasileiros acompanharem os artifícios de que Trump vai lançar mão, de teorias da conspiração à sabotagem dos Correios, para se preparar para enfrentar um presidente que não hesitará em lançar mão de todos os expedientes para se perpetuar no cargo, sua única preocupação genuína.


Alon Feuerwerker: Pode dar certo. De vez em quando dá errado

O título é acaciano, eu sei. Mas vamos lá.

A história registra que a tática eleitoral do PT em 2018 acabou dando errado no segundo turno. No primeiro deu certo. Mesmo fortemente fustigado havia anos, o partido levou seu candidato à final presidencial e elegeu boas bancadas legislativas, além de manter razoável cota de governadores, próprios e aliados. O que deu errado, para o PT, foi a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República.

No desenho tático petista, a ida de Bolsonaro à decisão permitiria, até forçaria, a formação de uma frente ampla antibolsonarista, e a onda montante acabaria dando a vitória a Fernando Haddad. A história também registra que essa frente nunca chegou a se formar, pois uma parte dos votos potencialmente frentistas absteve-se, e outra votou mesmo foi no capitão. É a fatia de mercado que até há pouco achava o governo regular mas apostava que acabaria melhor.

Por uma dessas curiosidades históricas, a linha estratégica do bolsonarismo rumo a 2022 é aquela mesma petista, só trocando o sinal. Supõe que basta manter fiel algo em torno de 30% do eleitorado, apostar num replay da polarização do segundo turno de 2018 e levar novamente a taça para casa surfando na onda do antipetismo, ou do antiesquerdismo, ou do anticomunismo. Tem lógica. Como tinha muita lógica a linha petista de 2018.

O que pode dar errado agora? A mesma coisa que deu errado em 2018. Na operação para manter a hegemonia no núcleo mais fiel da base, você acaba produzindo atritos em volume suficiente, acaba isolando-se numa intensidade cujo efeito colateral é dificultar lá na frente o reagrupamento. Cria-se uma situação em que o adversário nem precisa se esforçar muito. Ele acaba fazendo uma colheita de votos quase espontânea.

Talvez o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril não venha a produzir maiores consequências jurídicas. Vamos aguardar. Mas já produziu efeito político. Dificultou um pouco mais aos não bolsonaristas de raiz apresentar o atual presidente como alternativa aceitável. Não chega a ser irreversível, mas o quadro merece atenção. Também porque a ofensiva contra certos importantes personagens institucionais vai pedir destes algum tipo de resposta.

E eles têm tempo para isso. A vingança, sabe-se, é um prato que pode perfeitamente ser comido frio.

Entrementes, à esquerda basta esperar e assistir ao progressivo descolamento entre a direita e o chamado centro. Esta semana o PT e partidos aliados entraram com um pedido de impeachment. Talvez deva ser visto como o cumprimento de um ritual. Aquilo que na política se chama “ocupar o espaço para evitar que outro ocupe”. A esquerda fez o que dela se esperava. Se não der em nada, sempre poderão dizer que fizeram algo.

Mas é visível, até palpável, o pouco entusiasmo na esquerda pela ideia de impeachment. Se Bolsonaro é a instabilidade, o que viria na sequência seria a estabilidade do mesmo projeto.

À esquerda basta agora assistir ao esgarçar da frente adversária, avivando de vez em quando a fogueira que consome as boas relações entre a direita e o dito centro. A reunião ministerial ofereceu matéria-prima abundante para a continuidade do esgarçamento. Que poderá ser potencializado no momento certo por o Brasil caminhar forte na disputa do pódio de mortes pelo SARS-Cov-2.

E tem ainda a economia. Last but not least.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação.


El País: Bolsonaro lidera pesquisa para reeleição em todos os cenários, inclusive contra Lula

Alento na economia faz reprovação de presidente ter queda de 5 pontos percentuais, aponta levantamento da consultoria Atlas Político. Sem Lula e Moro, ele aparece com 41% das intenções de voto

A aprovação do Governo de Jair Bolsonaro se mantém estável, sua reprovação caiu e, se as eleições fossem hoje, o presidente largaria na frente em todos os cenários. É o que mostra levantamento realizado pela consultoria política Atlas Político entre os dias 7 e 9 de fevereiro. A pesquisa aponta que, até o momento, os principais rivais de Bolsonaro são o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-juiz Sergio Moro. Sem o petista e o ministro da Justiça na disputa, o presidente aparece com 41% das intenções de voto, com larga distância entre o segundo colocado, o apresentador Luciano Huck (sem partido), com 14% dos votos. Atrás deles estão o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), com 13%, e o governador de São Paulo João Doria (PSDB), com 2,5%.

A quantidade de eleitores indecisos ou que declararam voto branco ou nulo é expressiva, chegando a 27%. O percentual é muito próximo da realidade das presidenciais de 2018, quando essa faixa do eleitorado bateu 30%. Por outro lado, as abstenções diminuem significativamente quando Lula e Moro entram na disputa. Neste cenário, o total de votos brancos, nulos e indecisos fica em 9%. Bolsonaro e Lula brigam pelo primeiro lugar, com 32% e 28% das intenções de voto, respectivamente. Moro, que tem refutado oficialmente qualquer intenção de disputar a presidência como rival do atual presidente, segue logo atrás, com 20%, seguido de Huck (6%), Dino (3%) e Doria (0,6%). A pesquisa foi realizada na Internet via convites randomizados com 2.000 pessoas, entre os dias 7 e 9 de fevereiro, em todas as regiões do país. A margem de erro é de 2% para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%.

O cenário em que Lula disputa a eleição é meramente hipotético hoje. Condenado em segunda instância no processo do tríplex, mesmo solto desde novembro, o petista não pode se candidatar, já que se enquadra na Lei da Ficha Limpa. Seus advogados, no entanto, tentam anular a condenação, questionando a atuação do então juiz Sergio Moro no caso. O pedido começou a ser julgado no Supremo Tribunal Federal no ano passado, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Caso a maioria dos ministros do STF decidam que Moro atuou de forma parcial, a condenação do ex-presidente no caso do tríplex volta à estaca zero, retornando para a primeira instância. Neste caso, Lula deixaria de ser ficha suja e estaria livre para se candidatar.

Em linhas gerais, a pesquisa do Atlas Político de agora mostra cenários bastante parecidos com o de 2018. Naquele ano, o PT lançou Lula candidato enquanto o petista ainda estava preso. Os levantamentos mostravam que ele liderava com folga em todos os cenários. Mas, impedido de disputar, o ex-presidente acabou substituído no último instante do prazo para o registro de candidaturas pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. As intenções de voto no “candidato de Lula” despencaram, mas ainda assim Haddad foi para o segundo turno. Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos, contra 44% do ex-prefeito paulistano.

Esse cenário se repete nesta pesquisa. Se o segundo turno das eleições fosse hoje, um candidato apoiado por Lula —qualquer que fosse ele—também ficaria em segundo lugar nos dois cenários criados pelos pesquisadores. Contra Jair Bolsonaro (45%), um candidato apoiado por Lula teria 35% dos votos. O percentual do indicado pelo petista permanece parecido (36%) quando a disputa é contra Sergio Moro. O que muda, no entanto, é que o ministro ganharia com ainda mais folga, com 54% das intenções de voto.

Otimismo com a economia

O levantamento também mediu a aprovação do Governo Bolsonaro, que se manteve estável: 29% agora, contra 27% em novembro de 2019. Enquanto isso, a reprovação registrou uma queda de cinco pontos percentuais, de 42% em novembro, para 37% agora. O otimismo com a gestão Bolsonaro também se reflete sobre as expectativas para a economia: metade da população diz acreditar que a situação econômica do país deve melhorar nos próximos seis meses. Ainda houve uma ligeira melhora na percepção sobre a criminalidade e a corrupção. Trinta por cento dos brasileiros dizem acreditar que a criminalidade está diminuindo —contra 27% em novembro do ano passado— e 26% disseram o mesmo sobre a corrupção, contra 17% em novembro.

O ciclo de deterioração do ministro Sergio Moro, observado desde as revelações dos diálogos entre ele e os procuradores da Lava Jato pelo The Intercept Brasil, também parece que está se revertendo. A aprovação do ex-juiz cresceu seis pontos de novembro para cá, batendo 54%. Em maio do ano passado, no entanto, ele era avaliado positivamente por 60% dos entrevistados. No mês seguinte, as mensagens começaram a ser reveladas, em reportagens de diversos veículos, dentre eles, o EL PAÍS, e a aprovação de Moro chegou a cair para 50%.

A pesquisa também avaliou a imagem de outros políticos e personalidades junto aos entrevistados. Enquanto Moro lidera o ranking dos que tiveram maior avaliação positiva (54%), seguido de Bolsonaro (43%) e Paulo Guedes (43%), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM) aparece com o maior índice de avaliação negativa (66%), seguido de João Doria (64%) e Fernando Haddad (59%).


Míriam Leitão: A esperança dos recomeços

Dilema argentino é que reduzir a crise social é urgente, mas sem estabilidade na economia qualquer plano estará fadado ao fracasso

A Argentina vai experimentar de novo o mesmo caminho de ampliar os gastos, estimular o crescimento, não pagar a dívida externa. Esses foram os sinais dados ontem pelo novo presidente Alberto Fernández. O discurso peronista volta com força diante do fracasso do liberalismo defendido pelo ex-presidente Mauricio Macri. O truque do discurso de Alberto Fernández é o mesmo de qualquer político: colocou toda a culpa nos últimos quatro anos. É verdade que Macri fracassou na economia, mas Cristina Kirchner deixou um país já com a crise instalada.

A esperança é sempre tentadora em recomeços, principalmente quando o ritual democrático é respeitado. O Congresso estava lotado de peronistas cantando diante do novo presidente e sua vice eleitos pelo voto direto. Podiam comemorar, era a hora da vitória depois de terem saído do governo há quatro anos. O presidente derrotado em sua tentativa de permanecer no poder, Mauricio Macri, ouviu respeitosamente o canto dos vencedores. No discurso de posse, Fernández exibiu os dados inegáveis da crise e prometeu derrotá-la com os remédios nos quais acredita.

Ele avisou que primeiro quer fazer a economia crescer para depois pagar os credores e disse que o país já está em “default virtual”. Ainda que o FMI tenha mandado mensagem simpática avisando que quer se entender com o novo governo argentino, o fato é que os juros não podem ser pagos por falta de dólares em caixa. Só neste dezembro são US$ 5 bilhões para quem tem reservas líquidas que podem estar abaixo de US$ 10 bilhões. De qualquer maneira, apesar de ele ter falado em renegociação, é possível que o novo governo deixe para anunciar qualquer medida em relação à dívida junto ao FMI e credores privados depois de uma negociação com o Fundo.

O novo governo prometeu um plano de combate à pobreza, mas também diz que vai estimular a produção, decretou emergência na saúde, avisou que fará acordos com os trabalhadores, industriais, produtores rurais. Não disse como pretende combater a inflação, que na Argentina tem sido um problema crônico.

O país, na verdade, há muito tempo não tem inflação sob controle. Em 2002, chegou a 40% ao ano. Foi o ano da crise que levou à moratória. Caiu para 3% em 2003, mas logo tornou a subir e em 2005 já tinha voltado aos dois dígitos, para 12,3%. Cristina tomou posse em 2007 e em 2014 o aumento de preços já tinha disparado para 23,9% ao ano. De 2015, não há estatística oficial, porque ela fez uma intervenção no Indec, o IBGE de lá, que comprometeu toda a credibilidade do índice. Como não vencia a febre, tentou alterar o termômetro. Macri revogou essa intervenção no índice e os preços subiram em parte porque o registro estava subestimado anteriormente. Além disso, estava represada em vários preços, como nos de energia. Essa é a história inteira. Ontem o presidente Alberto Fernández disse que é a primeira vez desde 1991 que a inflação chega a 50%. Isso é verdade, mas apenas parte dela.

O grande dilema argentino é que reduzir a grave crise social é urgente, mas sem estabilidade econômica qualquer plano de transferência de renda aos mais pobres está fadado ao fracasso. Deixar de pagar a dívida externa é mais do que razoável. É determinado pela realidade de não haver dólares. Mas o país precisa voltar a ter moeda. Hoje o peso serve para o pagamento das transações, mas não como reserva de valor, ou poupança, como explicou Carlos Melconian no “Clarín”. O peso é uma meia moeda, com apenas uma parte das funções clássicas.

Alberto Fernández deu também outro recado: vai mandar ao Congresso um projeto de reforma do Judiciário. Afirmou que a Justiça, em vez de julgar, “perseguiu”. E o fez “com agentes de Estado infiltrados e anuência da mídia”. Com uma vice que responde a nove processos, essa será mesmo uma perigosa batalha travada no coração da democracia argentina.

Não há tarefas fáceis pela frente, na economia e na política. Mas como qualquer presidente eleito ele tem a força do voto com ele neste começo. Que saiba usar com sabedoria seu capital político. E saiba que valores quer preservar. Os aplausos o cobriram quando disse: “vamos ouvir os movimentos sociais, como a juventude, o ambientalismo, o feminismo, os setores acadêmicos”. Nesse aspecto, um país normal.


Folha de S. Paulo: Vamos superar pauta econômica antes de discutir a de costumes, diz Maia

Para deputado, debate sobre temas como Escola sem Partido cria ambiente prejudicial a reformas

Marina Dias, Angela Boldrini, da Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Eleito pela terceira vez presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou à Folha que é possível votar a reforma da Previdência até julho se o Congresso deixar a agenda de costumes em segundo plano.

Durante café da manhã na residência oficial, neste domingo (3), o deputado avaliou que um debate acalorado sobre temas como o Escola sem Partido —apoiado pelo governo Jair Bolsonaro— cria “um ambiente de guerra no plenário” que pode prejudicar a votação de reformas.

O presidente da Câmara relativizou sua má relação com o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), articulador do Planalto que trabalhou contra sua reeleição, e disse que seu partido, o DEM, deve observar o cenário político pulverizado para não “fracassar” no comando das duas Casas.

Para ganhar o comando da Câmara —com 334 dos 513 votos— Maia contou com uma ajuda extra à costura política: pediu que o alfaiate colocasse uma medalhinha de Nossa Senhora no forro do terno que usou na sessão de sexta (1º).

O DEM ficou com o comando de Câmara e Senado, mesmo não tendo as maiores bancadas. O que significa isso para o partido? 
O DEM já tinha a presidência da Câmara, então ficou mais fácil de organizar essa eleição. No Senado, é mais fácil de falar, o que aconteceu é que um sentimento de que não era o melhor momento para o Renan [Calheiros (MDB-AL)] somado a erros de alguns candidatos que tinham potencial em tese maior que o Davi [Alcolumbre (DEM-AP)], acabaram concentrando os votos nele.

O Davi construiu isso com apoio do governo e com as próprias energias, porque de fato o DEM não podia trabalhar para duas candidaturas.

O DEM à frente das duas Casas impõe um ritmo do partido independente do governo ou faz a sigla ser um alicerce do Planalto? 
Não somos linha auxiliar do governo nem do partido do governo.

O grande desafio do DEM vai ser a capacidade de compreender que a construção da presidência de um partido que não é o majoritário é sempre coletiva. Você não é o presidente que vai defender os interesses do DEM, tem que defender a agenda de todos os partidos. É um momento de mudança, um quadro pulverizado, e ninguém consegue ter a hegemonia que o MDB teve no passado no Senado.

Com a derrota, o sr. acha que o Renan Calheiros atuará para atrapalhar a votação da reforma da Previdência? 
Eu não acredito que um político com a experiência e história do Renan vá fazer algum movimento no curto prazo que sinalize uma revanche, não acho que é do estilo dele... Mas o governo vai ter que saber construir pontes com ele.

O sr. defendeu o voto secreto nas eleições do Senado. Acha que o fato de os senadores terem aberto o voto cria precedente perigoso? 
A gente tem que tomar muito cuidado, porque o voto secreto é a garantia do eleitor. O voto secreto não defende o conchavo, como muitos acham.

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), articulou contra o sr., mas a favor do Davi. O governo venceu ou perdeu na eleição do Congresso? 
Eu acho que o Onyx tinha uma outra formatação, eu de fato não apoiei o Bolsonaro e acho que no primeiro momento o governo queria a construção de um nome que tivesse apoiado. Era legítimo isso, mas o governo não interveio como poderia porque senão tinha viabilizado a candidatura do João Campos [PRB-GO], do Alceu [Moreira (MDB-RS)] ou do Capitão Augusto [PR-SP].

Não interveio porque não quis ou por inabilidade da articulação do Onyx? 
O Bolsonaro não quis dar os instrumentos [a ele] para isso. Quando o Bolsonaro pega um ministério e entrega a chave para o ministro nomear os auxiliares, ele tira as condições de construir uma maioria no formato antigo.

Mas dado que o chefe da Casa Civil atuou contra o sr., como fica a relação com o Planalto? 
Não tem problema nenhum a relação com o Planalto, nem com o Onyx nem com ninguém.

O sr. não tem boa relação com o Onyx. 
Tive a vida inteira. Tive um conflito que eu nem considero conflito nas [votação das] 10 Medidas [Contra a Corrupção, em 2016], em que o relatório dele acabou sendo derrotado, não por um comando meu para derrotá-lo, porque eu não tinha 310 votos. Fora isso, sempre tive relação boa, sempre foi meu amigo.

Mas quem será o seu canal de diálogo? 
Quem escolhe o canal de dialogo é o presidente da República, não eu.

É possível votar a reforma da Previdência nas duas Casas até julho, como o governo quer? 
É, até julho é. Assim, tem que construir [a maioria]... eu não conheço ainda o ambiente do plenário.

O sr. fala em construção coletiva para o texto da reforma. Onyx diz que já está pronto. Vai haver muita mudança da proposta original para a que chegar ao plenário? 
Isso é matemática, não deve ter muita equação diferente do que os governadores estão pensando.

Mas, se você não incluí-los nesse debate, vai ter mais dificuldade para aprovar. Eles estão vivendo o mesmo drama que o governo federal, até pior.

O governo pensava na possibilidade de fazer uma emenda e colocar o texto para votação direto no plenário. Como o sr. enxerga isso? 
Eu acho que uma PEC ser apensada sem passar pela CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] me parece próximo do impossível. Depois, ou a gente vai construir coisa pactuada com governadores ou não será uma votação fácil, ter os 308 votos. Estamos em um momento que todos compreenderam que vai ter uma ruptura definitiva da política se esse país não voltar a crescer. Então não dá para errar o tiro da Previdência.

O sr. foi eleito com apoio de parte da esquerda —PDT e PC do B. Como vai tratar a agenda conservadora de costumes do governo? 
Depois que superarmos a agenda econômica, vamos discutir o que fazer com essa agenda de costumes.

Tem deputados que foram eleitos para essa agenda de costumes [conservadora], como alguns deputados de esquerda também foram eleitos para uma agenda mais liberal nos costumes, mas acho que a Câmara não deve ser um ambiente de radicalismo, a gente tem que tentar ter uma pauta que construa com equilíbrio as agendas prioritárias do Brasil e eu enxergo, a curto prazo, que a agenda prioritária é a reforma do Estado.

O sr. vai barrar o projeto da Escola sem Partido? 
Quem vai barrar é o STF [Supremo Tribunal Federal], não eu. Quem é a favor da Escola sem Partido tem que tomar cuidado porque, na hora que começar a tramitar no Congresso, o Supremo vai derrubar, vai declarar a inconstitucionalidade.

O sr. vai evitar que essas votações polêmicas cheguem ao plenário? 
Não sou contra que a Câmara faça debate. Uma coisa é o debate em comissão, outra é plenário.

Não sei se jogar esses temas dentro do plenário ajuda um país que precisa, com urgência, ser reformado. Você acaba gerando relações de atrito entre base e oposição que vai dificultar votar as matérias econômicas no plenário.

Você não pode ficar gerando um ambiente de campo de guerra no plenário porque precisa de um ambiente mais distensionado para que tenha as condições de trazer governadores do Nordeste, de oposição, para ajudar nesse diálogo [das pautas econômicas]. Se ficar estressando o plenário antes da Previdência, o ambiente para votá-la vai ser muito precário.

O sr. acha que polarização da política e sociedade que vimos na eleição continua ainda hoje? 
Hoje, antes de o Congresso começar a trabalhar, está mais calmo. Mas a gente não sabe como será o plenário.

Técnicos da Câmara dizem que os deputados novos da base devem usar mais tempo de fala do que as anteriores, o que poderia atrasar as votações. 
É como se fosse um jogo de futebol, né? Se o Flamengo vai jogar contra o meu time, eu vou jogar também. Alguns como são pessoas que vêm desses movimentos de redes sociais e precisam estar lá sempre vão ter o embate com a Maria do Rosário [PT-RS], com a [Erika] Kokay [PT-DF], ou o Jean Wyllys [PSOL-RJ] —que agora saiu.

Como o sr. viu a renúncia do deputado Jean Wyllys? 
Momento ruim da política, né? O Jean Wyllys representava uma parte da sociedade que precisa de voz no Parlamento. E a partir do momento que ele considera que o Estado não tem condição de garantir a preservação da vida dele e da família, eu acho que é uma sinalização perigosa para a democracia brasileira.


Bruno Boghossian: Circo da eleição mostra que nem senadores levam a política a sério

Entre Renan e Bolsonaro, parlamentares fazem concurso de trapaças e se dobram a curtidas

O circo erguido na eleição para o comando do Senado prova que a briga pelo poder é sempre feia, mesmo que se tente disfarçá-la com ares moralizadores. A disputa que durou mais de 24 horas começou com uma trapaça, passou por uma suspeita de fraude e terminou com um cacique abatido.

Com o patrocínio do governo, Davi Alcolumbre (DEM) armou uma tramoia para capturar a presidência da Casa e entregá-la aos pés do Palácio do Planalto. Amarrou-se à cadeira e, para tentar derrotar Renan Calheiros (MDB), resolveu mudar as regras do jogo com a bola rolando.

O código do Senado diz expressamente que a eleição deve ser secreta, mas Alcolumbre decidiu que isso não importava e tentou fazer o voto aberto. O grupo do MDB bateu no Supremo Tribunal Federal de madrugada para manter o sigilo.

Renan quase foi vítima de uma arte que domina: a manipulação para preservar o poder. O desenrolar da história mostra que seu tempo passou.

A disputa chegou ao ponto do vexame com a cena infantil em que Kátia Abreu (PDT) roubou a pastinha do presidente da sessão. No dia seguinte, uma excelência tentou fraudar a eleição ao depositar dois votos na urna. Para o deboche ficar completo, o senador escalado para triturar as cédulas foi Acir Gurgacz (PDT) —que cumpre pena de prisão, mas dá expediente no Congresso.

Ao fim da tragicomédia, Davi venceu com o impulso dos calouros do Senado, que queriam destronar Renan. Os novos tempos da política, porém, caem podres quando abraçam o discurso demagógico rasteiro.

Lasier Martins (PSD), por exemplo, defendeu atropelar as regras do jogo porque as vozes nas redes sociais eram “a-vas-sa-la-do-ras”. Jorge Kajuru (PSB) disse que tudo se justificava porque não queria ser vaiado ao embarcar num avião.

As autoridades deveriam levar a sério o papel que desempenham no plenário. A responsabilidade é maior do que as curtidas nas redes sociais ou a tentativa desesperada de manter o poder a qualquer custo.


Vera Magalhães: Levanta, Senado!

Cenas lamentáveis de 2019 são o ápice de uma deterioração que começou em 2000

A derrota de Renan Calheiros é um marco delimitador de uma crise do Senado que durou quase 20 anos. Curiosamente, o processo começou com uma briga de titãs entre PMDB e PFL, nas figuras de Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães, e ontem teve seu episódio mais bizarro protagonizado por MDB e DEM, as versões repaginadas no nome, mas não nas práticas, dos mesmos partidos.

Em 2000, o Senado cassou o primeiro senador de sua história, o hoje presidiário Luiz Estevão. Começava ali a deixar de ser a Casa das altas discussões e da aposentadoria dos políticos para frequentar o noticiário policial. Naquela votação, o então todo-poderoso ACM exigiu que uma funcionária do Prodasen, Regina Célia, extraísse e lhe fornecesse a lista de como votaram os senadores, em escrutínio secreto.

Estevão era do PMDB de seu arqui-inimigo Jader. ACM passou a usar a lista para chantagear senadores que votaram no escurinho para salvar o mandato do brasiliense. A violação se tornou pública, ACM teve de renunciar ao mandato para não ser cassado, logo em seguida Jader enfrentou o mesmo processo e o Senado nunca mais voltou a ser o mesmo.

Renan, o velho Renan, viveu seu calvário em 2007, quando sobreviveu a cinco pedidos de cassação sucessivos. Começou com a acusação de que usara dinheiro de empreiteira para pagar pensão à filha que teve com uma amante, resvalou para negócios mal explicados com a compra de gado, desaguou em denúncias de uso de laranjas para emissoras de rádio e outros problemas. Se safou de todas.

Dois anos depois foi a vez do escândalo dos atos secretos de José Sarney, unha e carne com Renan. De novo, um peemedebista se safou de sucessivos pedidos de cassação. De novo no voto secreto. O reinado do PMDB no Senado dura desde 2001, com um breve período, na renúncia de Renan, em que o petista Tião Viana (AC) assumiu.

O desespero demonstrado pelo antes frio e calculista Renan, distribuindo em público, a golpes de cusparadas no microfone, as ameaças que sempre fez a seus pares em privado, foi a reação de um dos poucos sobreviventes da onda de renovação de outubro às evidências de que, por mais que ainda use as manobras nas quais é expert, seu tempo está chegando ao fim.

Renan caiu. Teve sua maior derrota no Senado. Foi vaiado por senadores novatos, desafiado dentro da bancada, derrotado no voto secreto. Levou um nó tático até mesmo em matéria de manobras de um novato como Davi Alcolumbre e de um articulador político neófito e questionado, o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, que sai vitorioso de sua primeira batalha.

Tal qual o inseto que citou duas vezes, o tal cavalo do cão, que tem uma ferroada considerada letal e enfrenta mesmo bichos maiores, Renan tentará ir à forra da derrota tendo o governo Jair Bolsonaro como alvo. Antes um entusiasta das reformas, deve passar ato contínuo a miná-las.

A reforma da Previdência começa na Câmara, onde deverá ter o trâmite facilitado pela vitória sem sobressaltos de Rodrigo Maia (DEM). Depois chegará ao Senado.

Por mais que tente armar a picada, Renan, o cavalo do cão, está com o enxame reduzido a poucos espécimes. Alguns do MDB e outros de um anêmico PT, que foi um coadjuvante assustado da batalha do Senado, como já havia sido na Câmara.

A queda de Renan mostra que os ecos de outubro de 2018 não se restringiram à onda que varreu velhas raposas, ainda que algumas tenham se segurado nos galhos. Não fosse a opinião pública, talvez o emedebista tivesse conseguido operar no terreno em que antes era mestre. Sua queda encerra um ciclo de 20 anos de crises no Senado.

Que depois de uma catarse pública vexatória nos últimos dois dias a Casa volte a ser a Câmara alta e deixe de se rebaixar.


El País: Davi Alcolumbre, o aspirante do baixo clero que desbancou o MDB no Senado

Renúncia de Renan Calheiros facilita caminho e candidato do ministro da Casa Civil é novo presidente do Senado. Apesar da tensão, Governo Bolsonaro anota vitória na estreia do Legislativo

Errou quem achou já ter visto de tudo em uma sessão do Senado brasileiro na sexta-feira. No sábado a confusão e a tensão foram ainda maiores na longa jornada para escolher o senador que vai comandar a Casa e o Congresso pelos próximos dois anos. Depois de recorrer ao Supremo Tribunal Federal e garantir que o voto da eleição interna fosse sigiloso, Renan Calheiros (MDB-AL), um dos mais experientes operadores políticos da redemocratização, um atingido pela Operação Lava Jato que sobreviveu nas urnas, capitulou. O senador alagoano decidiu renunciar de sua candidatura para presidir o Senado - seria a quinta vez dele no cargo - no meio do processo eleitoral e acabou facilitando e jogando a vitória no colo do até então inexpressivo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Sem Renan, a votação acabou assim: 42 votos para Alcolumbre, 13 votos para Espiridião Amin (PP-SC), 8 para Álvaro Coronel (PSD-BA), 6 para José Reguffe (Sem partido – DF) e 3 para Fernando Collor (PROS-AL).

Com o resultado deste sábado, o MDB perde todos os nacos de poder que tinha nacionalmente, assim como a hegemonia no Senado – desde 1985 em apenas três ocasiões o Senado não foi presidido por um emedebista. E o DEM ganha um protagonismo inédito ao presidir as duas casas do Congresso Nacional simultaneamente, mesmo sem ter a maior bancada em nenhuma delas. Na Câmara, na sexta-feira, o eleito foi presidente em primeiro turno foi Rodrigo Maia (DEM-RJ). No caso de Maia, ele teve o apoio explícito do PSL do presidente da República, Jair Bolsonaro. Enquanto que no caso de Alcolumbre, o Governo foi mais discreto –só quem agiu com maior dedicação com o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS).

O novo presidente foi ungido em uma conturbada eleição em quatro atos. O primeiro foi na sexta, quando a sessão, presidida por Alcolumbre, aprovou instaurar voto aberto provocando um impasse que obrigaria o adiamento da eleição. O segundo foi o judicial, quando o presidente do STF, Antonio Dias Toffoli, decidiu, já às 3h45 deste sábado, que o voto aberto estava proibido para a escolha do comando do Senado e que a sessão deveria ser presidida por José Maranhão (MDB-PB), um renanzista. O terceiro foi o da organização de uma tropa de choque contra Renan, com três dos nove pleiteantes à presidência (Simone Tebet, Álvaro Dias e Major Olímpio) renunciando a suas candidaturas em favor de Alcolumbre. E o quarto, a fraude eleitoral ocorrida na primeira votação em cédula de papel – na hora em que se abriu a urna havia 82 cédulas, mas há 81 senadores. Ocorreu, então, uma segunda votação. Foi nessa que Renan decidiu renunciar e facilitou o caminho para o representante do DEM.

“Este processo não é democrático. Tudo o que havia na primeira votação poderia ter acontecido na segunda. O que não podia era o PSDB, na segunda, abrir o voto”, disse Renan ao abandonar o plenário. Pelas suas contas, ele teria quatro votos entre os tucanos que acabaram virando para Alcolumbre, a partir do momento em que o PSDB orientou os seus parlamentares a votarem no adversário.

Outra razão para o cacique emedebista abdicar da candidatura foi porque o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), também acabou abrindo o seu voto, algo que não fez na primeira votação. Em seu Twitter, Flavio justificou, primeiro, que queria “evitar especulações com intuito de prejudicar o Governo”. Foi massacrado por boa parte de seus seguidores e acabou abrindo o voto no segundo pleito, num dos lances mais explícitos da lógica imediata de cobrança de políticos via redes sociais. Pivô da primeira crise do Governo, por estar sendo investigado pelo Ministério Público do Rio no chamado caso Queiroz, o senador dos Bolsonaro parece não ter querido ampliar a lista de problemas com apoiadores.

Um irritado Renan não escondeu a frustração diante da situação. Disse que Alcolumbre e seus apoiadores estavam atropelando o regimento e a Constituição. E acabou fazendo uma comparação com a história bíblica entre Davi e o gigante Golias “Eu retiro a postulação porque entendo que o Davi não é o Davi, é o Golias. Davi sou eu. Ele é o Golias, atropela o Congresso. O próximo passo é o Supremo Tribunal Federal sem o cabo e sem o sargento", declarou Renan, alfinetou o emedebisma, citando a inglória frase de desdém do deputado Eduardo Bolsonaro sobre a mais importante corte do país.

Pouco quisto entre militares
A mágoa de Renan deixa no ar a pergunta sobre que tipo de resistência ele estará disposto a impor ao Governo Bolsonaro após ser obrigado a capitular. Mas esse não é o único problema de Alcolumbre. Apesar de ser o candidato do chefe da Casa Civil, o senador pelo Amapá não era o favorito do braço militar da gestão Bolsonaro, nem de parte dos técnicos do Governo. O motivo é que ele responde a dois processos no STF por caixa dois e falsificação de documentos na eleição de 2014, quando se elegeu senador.

Aos 41 anos, o novo presidente do Senado está na política desde o ano 2000. Foi vereador em Macapá até 2002. Entre 2003 e 2014, foi deputado federal, sempre no baixo clero, com pouquíssima projeção nacional. “Esse é o maior desafio da minha vida”, disse ele após o resultado da eleição ser anunciado. Ele foi derrotado nas duas eleições para o Executivo que disputou, em 2012, quando tentou ser prefeito de Macapá, e em 2018, quando perdeu o Governo do Amapá.

No Congresso Nacional, ficou marcado, principalmente, por retirar assinaturas de duas CPIs. Em 2005, desistiu de apoiar a CPI dos Correios, que investigava o mensalão petista e em outra que investigaria os contratos do time Corinthians com a empresa MSI. Pesou a favor de Alcolumbre a juventude, a pouca ligação com antigos caciques políticos e um movimento nas redes sociais contrário à candidatura de Renan Calheiros. Entre seus apoiadores, apenas Tasso Jereissatti (PSDB-CE) é da velha guarda. Os demais ou são neófitos ou nunca tiveram posição de comando no Congresso. Entre eles estavam três que desistiram de suas candidaturas na última hora: Simone Tebet (MDB-MS), Major Olímpio (PSL-SP) e Álvaro Dias (PODE-PR). Agora, o desafio de Alcolumbre será se descolar o quanto possível do ministro Onyx, o articulador político de Bolsonaro, para ganhar trânsito mais amplo na Casa e sanar sequelas da turbulenta sessão. Seja como for, somados os resultados de Câmara e Senado, o Governo de neófitos no Executivo passou sem maiores sobressaltos pelo primeiro para valer no Legislativo.


El País: “Temos que ter todas as correntes partidárias aqui, do PT ao PSL”, diz Maia

Deputado do DEM foi reeleito presidente da Câmara com 334 votos, 77 a mais que o necessário

Fazia alguns anos que a eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados não ocorria de forma tão suave. Após o furacão Eduardo Cunha, em 2015, da atribulada primeira eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) em meio a um processo de impeachment, em 2016, e da tumultuada reeleição em 2017, Maia se manteve seu cargo mais uma vez, agora com 334 votos. A folgada margem de 77 votos acima dos 257 necessários é prova da tranquilidade com que o democrata se reelegeu como presidente da Câmara — em sua primeira eleição, ele tinha recebido 285 votos, que foram ampliados para 293 em 2017.

"Teremos muitos desafios", disse em seu discurso de vitória. "A Câmara, que é a Casa do povo, precisa de modernização, modernização e modernização na nossa relação com a sociedade, nossos instrumentos de trabalho: as novas ferramentas de comunicação". Maia disse que é preciso simplificar as leis e compactuar as reformas com governadores e prefeitos. “Nada vai avançar neste país se não trouxermos para o debate aqueles que estão governando e estão sofrendo pela inviabilização do Estado brasileiro como um todo. Por isso que nós temos que ter todos aqui, de todas as correntes partidárias, do PT ao PSL”, discursou após a eleição.

O presidente Jair Bolsonaro parabenizou Maia publicamente por meio de seu perfil no Twitter. "Parabenizo o Deputado Rodrigo Maia pelo resultado obtido na eleição da presidência da Câmara, fato que caracteriza o respeito à democracia e a independência dos poderes. Este cargo é de extrema responsabilidade para conduzir a votação dos projetos que o brasileiro tanto almeja", escreveu o presidente. "Os Deputados eleitos escolheram hoje o novo Presidente da Câmara Federal. Desejo-lhe sucesso e sabedoria, para que a população brasileira seja a voz soberana e que seus anseios prevaleçam dentro do parlamento, em prol do nosso Brasil e de nossa democracia", disse Bolsonaro em outra postagem.

Jair M. Bolsonaro

@jairbolsonaro
Parabenizo o Deputado Rodrigo Maia pelo resultado obtido na eleição da presidência da Câmara, fato que caracteriza o respeito à democracia e a independência dos poderes. Este cargo é de extrema responsabilidade para conduzir a votação dos projetos que o brasileiro tanto almeja.

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22:11 - 1 de fev de 2019
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O segundo colocado na eleição foi Fábio Ramalho (MDB-MG), com distantes 66 votos. Marcelo Freixo (Psol-RJ) ficou em terceiro, com 50 votos, seguido por JHC (PSB-AL), com 30 votos, Marcel Van Hattem (Novo-RS), com 23 votos, Ricardo Barros (PP-PR), com 4, e General Peternelli (PSL-SP), com 2.

A 1ª Vice-Presidência da Câmara será ocupada pelo deputado Marcos Pereira (PRB-SP), que foi eleito com 398 votos. A 2ª Vice-Presidência foi definida em segundo turno entre dois candidatos do PSL: Luciano Bivar (PSL-PE) bateu Charlles Evangelista (PSL-MG), por 198 votos a 184. A 1ª Secretaria ficou com a deputada Soraya Santos (PR-RJ), eleita com 315 votos. Já a 2ª Secretaria será responsabilidade do deputado Mário Heringer (PDT-MG), eleito com 408 votos. A 3ª Secretaria será do deputado Fábio Faria (PSD-RN), eleito com 416 votos. Na 4ª Secretaria, fica o deputado André Fufuca (PP-MA), eleito com 408 votos.


Murillo de Aragão: Despertar da cidadania no condomínio Brasil

Nas urnas, a luta contra o privilégio e a favor da subordinação do Estado ao interesse da sociedade

Desde os tempos coloniais, o governo é mais importante que a sociedade. A vida brasileira gira em torno do Estado. E quem se relaciona bem com ele, seja vendendo produtos e serviços ou trabalhando para ele com uma incontável série de benefícios, está feito. Criamos duas castas no Brasil: a dos que se servem do Estado e a dos que são escravizados por ele.

A mão grande dos exploradores dos cofres públicos atingiu todos os ramos da administração pública, criando um Estado gastão, ladrão, ineficiente e preguiçoso. Ao cidadão tem restado ruminar as narrativas politicamente corretas que impunham a lógica de que o Estado sabe o que faz pela sociedade.

A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) como presidente do Brasil, cujo mandato se inicia agora, representa uma espécie de despertar da cidadania. Ainda que parte da imprensa, das esquerdas derrotadas, da academia e do mundo politicamente correto diga que não. Pois a nova lógica demole o projeto de poder que transferia a subserviência das oligarquias econômicas para as oligarquias de esquerda.

No entanto, sem entrar no mérito, a escolha em si representou uma libertação em muitos sentidos. Aliás, não é a primeira vez que tal fenômeno acontece, uma certa independência da população em relação ao pensamento das elites. Em 2005, quando o “não” ao desarmamento foi derrotado em referendo, o universo (pretensamente) politicamente correto também foi.

Em 2013, no auge das manifestações em São Paulo, que se espalharam pelo País, declarei no programa GloboNews Painel, a William Waack: “O mundo político está completamente atônito porque, evidentemente, é um fator novo e que tem profundas repercussões políticas. Pode até ser considerado um despertar da cidadania”. Pois ali prosseguia o lento despertar, que continuou este ano com o resultado das eleições para a Presidência, em outubro.

No momento, o despertar da cidadania significa que, em 2018, parte expressiva do eleitorado rejeitou a tutela da grande mídia, do universo “cultural-Rouanet” e da academia pública. E também a tutela do clientelismo escravizador de bolsas variadas. Da bolsa BNDES, com seus 13 salários e até quatro salários de bônus para seus funcionários, à finada TJLP, que beneficiava os campeões nacionais.

A cidadania pode errar em sua escolha. Mas tem o livre-arbítrio para tal. Em especial, quando as elites acadêmicas, midiáticas e culturais buscam incutir um padrão ideológico que deveria ser hegemônico, baseado na crença de que o modelo do Estado forte é o único que pode propor a redenção do povo.

Fica claro que, depois de quase 40 anos orbitando em torno de fórmulas social-democráticas e socialistas tupiniquins, não fomos a lugar nenhum de forma consistente. O roubo e o privilégio aumentaram. Os gastos com salários mais do que dobraram. Bilhões de reais foram surrupiados em corrupção, corporativismo, clientelismo e fisiologismo. Auxílios-moradia, planos odontológicos e pagamento de faculdade para filhos de juízes são a ponta de um iceberg profundo que envolveu crimes e privilégios ilegítimos, mas legalizados por leis anticidadania.

Todo o discurso do bom-mocismo dos últimos tempos serviu para encobrir uma brutal exploração dos cofres públicos em favor de políticos, empresários corruptores e corporações de funcionários públicos. A eleição de Jair Bolsonaro significou que a cidadania não quer o sistema que vigia até agora. Deseja outra relação entre o governo e a sociedade. Enfim, representa um despertar cujas repercussões não são apenas nacionais.

O Brasil da era Lula-Dilma (PT) foi um anteparo para os movimentos de esquerda não democráticos em todo o mundo. As duas gestões mantiveram relações espúrias com países e movimentos, alguns deles terroristas, cujo objetivo era implantar ditaduras sob os mais variados pretextos. Agora, consternados, devem assistir ao desmonte do aparelhamento estatal promovido diante da nossa imensa complacência. Ainda agora, após exaustivos debates, o PT decidiu que não faria nenhuma autocrítica sobre a sucessão de erros, fracassos e escândalos.

A cidadania não quer mais relações com quem não respeita, de verdade, os direitos humanos. A esquerda petista tolera as violências contra os direitos humanos em Cuba, na Venezuela e na Nicarágua, mas trata de desmoralizar e desinstitucionalizar a polícia no Brasil. Tampouco a cidadania quer aposentadorias diferenciadas ou privilégios, tais como os 16 salários pagos aos funcionários do BNDES, auxílios-moradia sem justificação e educação paga para filhos de juízes. Deseja uma segurança pública forte e uma política feita em bases de honestidade.

A cidadania demanda que o governo Bolsonaro abra a caixa de Pandora dos privilégios no Brasil. De forma ampla e transparente. E, passo seguinte, comece a cortá-los. Doa a quem doer. Não será uma batalha fácil. Não há aqui, no meu texto, uma intenção de oposição ao serviço público, que é mais do que necessário para a cidadania. Não podemos, contudo, viver num condomínio em que os moradores trabalham para os funcionários, e não o contrário.

Em junho, em artigo que publiquei na IstoÉ, afirmei que as eleições de 2018 não resolveriam os nossos problemas. Não deverão resolver, sobretudo, porque são questões incrustadas em nossa cultura há séculos. Ao longo do tempo mudou a narrativa, mas não o propósito de tutelar uma cidadania carente de educação. No entanto, a tomada de decisão do eleitorado apontou uma nova direção: a luta contra o privilégio e a favor da subordinação do Estado aos interesses da sociedade. Essa é a mensagem que veio das urnas e que Jair Bolsonaro deve receber como sus principal missão.

*Murillo de Aragão é escritor, cientista político, doutor em sociologia (UNB) e professor da Columbia University (Nova York).