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O Estado de S. Paulo: Parlamentares que trocaram Baleia por Lira receberam verba extra do governo
Dos 235 deputados que dizem votar no candidato apoiado por Bolsonaro, conforme o placar ‘Estadão’, 140 aparecem em planilha do governo; ministro diz que ‘não está havendo nenhuma conversa relativa à negociação de voto’
Breno Pires, Patrik Camporez e Vinícius Valfré, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Parte dos apoiadores do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) que mudou seu voto e passou a apoiar o candidato do governo Bolsonaro na disputa, o deputado Arthur Lira (PP-AL), foi contemplada com recursos extras do Ministério do Desenvolvimento Regional, segundo uma planilha informal de distribuição de recursos ao qual o Estadão teve acesso. No total, 285 parlamentares puderam indicar o destino de R$ 3 bilhões para seus redutos eleitorais. Todas as autorizações e repasses da planilha foram feitas em dezembro, mês em que o governo intensificou as articulações para eleger seus candidatos.
O candidato do MDB tem dado declarações públicas acusando o governo de cooptar seus eleitores com a distribuição de verbas e cargos, além de demitir apadrinhados dos seus apoiadores acomodados na administração federal. Dos 235 deputados que dizem votar em Lira, conforme o placar Estadão neste domingo, 140 aparecem na planilha do governo indicando R$ 1,2 bilhão em recursos extras para obras em seus Estados (veja a lista ao fim do texto).
Os parlamentares dizem que a liberação de recursos extras neste momento de campanha não está relacionada ao voto no Congresso, mas a acordos anteriores que visam atender necessidades legítimas de seus Estados.
Conforme revelou o Estadão, o governo despejou verbas não rastreáveis por mecanismos de transparência. Nesse modelo, não é possível identificar quem indicou o montante caso haja algum esquema de corrupção envolvendo determinada obra. Os ministérios fazem planilhas informais, que não são acessíveis às autoridades e à sociedade. É o contrário do que ocorre com as emendas parlamentares, onde é possível acompanhar desde a indicação do recurso até a execução da obra.
O líder do governo no Senado, Eduardo Gomes (MDB-TO), contemplado com R$ 85 milhões de verba extra do Ministério do Desenvolvimento Regional, admitiu ao Estadão que os recursos ajudam a “sensibilizar” os parlamentares a votarem de acordo com o governo. “É evidente que, quando o governo tem essa sintonia e trabalha com municípios e estados, tem uma tendência de que fique com o governo”, afirmou. O senador reconhece a falta de transparência nessa modalidade de repasse, mas recomenda que as pessoas acompanhem as redes sociais dos 513 deputados e 81 senadores, além dos sites das prefeituras (o País tem 5.570 municípios) e dos Estados (são 26 mais o DF) para tentar rastrear quem indicou a verba.
Candidato do governo na Câmara, Arthur Lira tem operado diretamente nas negociações de repasse das verbas. A ofensiva inclui ainda o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e o titular do Ministério do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, pasta que concentra os projetos que vão receber os recursos.
Responsável pela articulação política, o general Ramos disse ao Estadão que as planilhas não são da Secretaria de Governo. “Não está havendo nenhuma conversa relativa à negociação de voto. Seria até ofensivo, de minha parte, negociar voto em troca de cargos e emendas”, afirmou.
O presidente Jair Bolsonaro, que tem recebido pessoalmente parlamentares, já disse que “se Deus quiser vai influir na presidência da Câmara” e, neste sábado, 30, prometeu desalojar o atual ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, o que abre espaço para lotear o ministério que cuida do Bolsa Família, uma demanda do Centrão. O presidente não comentou sobre as acusações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e de Baleia Rossi de que seu governo está trocando verbas por votos.
Na campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu acabar com o chamado toma lá dá cá e a montar um ministério sem indicações partidárias, acabando com uma prática comum entre seus antecessores. O chamado presidencialismo de coalizão, quando o governo distribui cargos para os partidos em troca de apoio no Congresso, já resultou em esquemas de corrupção como o mensalão e o petrolão (desvendado pela Lava Jato). “Nosso maior problema é o toma lá dá cá e as consequências desse tipo de fazer política são a ineficiência do Estado e a corrupção”, disse o então candidato Bolsonaro na campanha de 2018.
Deputados ignoram orientação das bancadas e declaram voto em Lira
Ao passo que as conversas com Ramos prosseguiam, parlamentares deixaram de lado a orientação de suas bancadas de votar no deputado Baleia Rossi e declararam voto em Arthur Lira. É o caso de oito deputados do DEM, partido do presidente atual da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), fiador da candidatura de Baleia. Entre os dissidentes do DEM pró-Lira listados na planilha do governo estão Elmar Nascimento, Arthur Maia e Leur Lomanto Júnior, todos da Bahia. Além deles, Carlos Henrique Gaguim (TO), Pedro Lupion (PR) e David Soares (DEM-SP) e Alan Rick (DEM-AC) também estão com Lira. A liderança do DEM foi procurada, mas não se manifestou.
O deputado Alan Rick (DEM-AC) diz que os recursos haviam sido negociados há tempo, sem qualquer relação com a disputa interna da Câmara. De acordo com ele, sua opção contra Baleia explica-se pelo incômodo com a adesão dos partidos de esquerda ao candidato. “É recurso do ano passado e não tem nada a ver com a votação. Não negociei votação. Saí do Republicanos porque queriam fazer bloco com o PT no Acre. Não vou assinar bloco com PT. Não pedi um centavo. Não tem nada a ver com a eleição da Câmara, mas com luta nossa”, disse.
O deputado Pedro Lupion (DEM-PR) também rechaça a relação entra o apoio ao candidato do governo e a liberação de verbas. Segundo ele, o voto pró-Lira é coerente com a postura que adota no Parlamento. “Sou vice líder do governo no Congresso. Apoiei Bolsonaro na eleição e continuo apoiando. Sigo com Arthur Lira desde o lançamento de sua candidatura”, declarou. Procurados, Elmar Nascimento (DEM-BA) e David Soares (DEM-SP) não quiseram comentar.
A maior dissidência registrada, no entanto, foi a do PSL, partido que elegeu o presidente Jair Bolsonaro. A sigla anunciou no dia 21 de janeiro apoio à candidatura de Arthur Lira. Isso ocorreu duas semanas após a liderança do partido ter participado do lançamento da campanha de Baleia Rossi. Segunda maior bancada da Câmara, o PSL tem 52 deputados. Desses, 16 que estão na planilha do governo declararam voto a Lira, de acordo com o placar do Estadão.
O PSDB, que declarou e ainda mantém apoio a Baleia, tem ao menos seis deputados que estão na planilha do governo que, contrariando orientação partidária, declararam voto em Arthur Lira. São eles: Mara Rocha (AC), Adolfo Viana (BA), Luiz Carlos (AP), Edna Henrique (PB), Celso Sabino (AP) e Rose Modesto (MS).
O deputado Adolfo Viana (PSDB-BA) diz que é importante ter o apoio do governo para levar recursos às regiões carentes da Bahia. No entanto, ele diz que os recursos extras aos quais teve acesso não prejudicam sua independência para escolher em quem votar. “Não teve nada condicionado. Não vejo problema em estarmos buscando recursos para as cidades que representamos. A gente busca o apoio do governo federal, mas não existe o ‘toma lá, dá cá’. Precisamos de apoio do governo, o Estado é carente. Mas nem por isso somos controlados”, disse.
No campo da esquerda, as legendas manifestaram apoio a Baleia Rossi, mas não impediram as dissidências. Gil Cutrim (PDT-BA) revelou voto em Lira. Ele poderá indicar R$ 2 milhões de verbas extras para obras, conforme a planilha a que o Estadão teve acesso. No PSB, os dissidentes são Liziane Bayer (RS), contemplada com R$ 2,6 milhões, e Felipe Carreras (PE), R$ 2 milhões. Em dezembro, uma indicação feita pelo parlamentar de ações da Codevasf, teve sinal verde do Ministério do Desenvolvimento Regional.
“Não tenho conhecimento do assunto e de nenhuma lista. Se não for algo forjado, como uma lista folclórica que estava circulando, e esse recurso existir e for liberado para o governo de Pernambuco, você (repórter) está dando uma grande notícia”, disse Carreras ao Estadão. “Meu apoio a Arthur nunca esteve condicionado à liberação de emendas”, garantiu.
O Estadão procurou as lideranças na Câmara do Avante, DEM, PP, Pros, PRB, PSDB, Podemos e PSL, mas elas não quiseram comentar os repasses a deputados das siglas. No Senado, a reportagem procurou as lideranças do DEM, Podemos, PP, PT, Republicanos, Pros e PSD, que também não se pronunciaram.
Ramos dá aval aos ‘recursos extras orçamentários’
Os pagamentos são feitos pelos chamados “recursos extra orçamentários”, sempre com o aval do ministro Luiz Eduardo Ramos. Há casos em que os valores liberados correspondem a acordos anteriores ao período eleitoral, mas que só agora foram honrados, em meio às articulações para a eleição no Congresso.
Embora os poderes sejam independentes, o governo tenta interferir na disputa para colocar aliados nos comandos das Casas Legislativas de forma que possa dominar a agenda de votações. Bolsonaro se queixa que Maia barrou sua agenda ideológica prometida na campanha.
Maia focou o último ano em aprovar uma agenda econômica e medidas para ajudar a combater a pandemia do novo coronavírus. Partiu do Legislativo, por exemplo, aprovar uma ajuda emergencial para pessoas de baixa renda afetadas economicamente pela crise na saúde. O governo era contra inicialmente e só aderiu a essa agenda quando percebeu que o Congresso iria impô-la de qualquer maneira.
O trâmite para a liberação das verbas tem sido providenciado em tempo “recorde”, segundo parlamentares que têm participado das conversas, a portas fechadas, com Ramos revelaram de forma confidencial ao Estadão. O gabinete do ministro, no quarto andar do Palácio do Planalto, mesmo prédio onde despacha Bolsonaro, tornou-se uma espécie de “QG” do “Balcão de negócios” de apoio a Lira e Pacheco. De acordo com as consultas feitas nos sistemas de pagamento no governo, os empenhos de verbas (primeiro passo para a liberação) ocorrem em menos de uma semana após a visita ao gabinete do ministro.
No último dia 9 de dezembro, por exemplo, o deputado Zé Vitor (PL-MG) teve uma reunião a portas fechadas no gabinete de Ramos. “Eu estive lá, acho que foi… não me recordo. Acho que foi para tratar alguma questão… ambiental. Nós temos um monte de eventos. Eu sou coordenador de meio ambiente da Frente Parlamentar da Agropecuária. Acho que foi para tratar de alguma participação do governo em algumas ações nossas lá”, disse.
Três dias depois, chegou aos sistemas do Ministério de Desenvolvimento Regional uma proposta de R$ 700 mil, com o nome do deputado, para realização de obras viárias no município de Serra do Salitre (MG). Essa foi uma das 22 propostas listadas na planilha de Ramos, ao lado do nome de Zé Vitor, na condição de aprovadas. O parlamentar pode direcionar R$ 22,5 milhões.
Ao Estadão, Zé Vitor informou que a última vez que conversou com Lira foi em Belo Horizonte, há uma semana. “Comigo não tratou desse assunto (troca de apoio). Estou falando a verdade para você. Pode ter certeza”. Questionado se a planilha do governo, com os nomes dos parlamentares, seria uma forma de manter o controle de quem está sendo beneficiado, Zé Vitor discordou. “Não acho que é controle, é alguma organização, não é? Até para ter um mínimo de um ambiente organizado”.
A engenharia criada por Ramos para atender aliados ignora regras básicas da divisão do orçamento previstas em lei e permite o fatiamento, entre aliados, do dinheiro reservado aos ministérios. Apenas no PL, 14 deputados que declararam apoio em Lira, aparecem na planilha de Ramos. Eles foram beneficiados com o repasse de R$ 291,7 milhões.
Braço direito de Lira, o líder do PL na Câmara, deputado Wellington Roberto (PB), foi o parlamentar do seu partido mais contemplado pelo governo, com R$ 81,5 milhões. A sigla destinará um total de R$ 321 milhões. Em 2016, o deputado estava em lado oposto de Bolsonaro, quando votou contra o impeachment de Dilma Rousseff (PT), com quem o atual presidente rivaliza.
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Segundo o deputado, a liberação de verba extra é algo “natural”. “Até porque quando o parlamento é eleito pelas suas bases, ele já assume compromissos de trazer ações oriundas do governo federal ou do governo do estado, é para ajudar seu município”, afirmou. “Essa coisa que está sendo trazida, agora, só porque é época de eleição da mesa, só para tentar, na verdade, dar uma conotação diferente da responsabilidade do governo federal”, completou. “O governo federal é o guarda-chuva central. O governo tem que ajudar sim os Estados e municípios.”
Procurada, a liderança do PL afirmou que o governo é quem deveria explicar a listagem de deputados numa planilha. “A Liderança do PL confirma que os deputados citados na suposta lista são filiados à legenda liberal. Entretanto, esclarece que a inclusão de nomes em qualquer listagem só pode ser explicada por quem fez a suposta lista”, afirmou.
Conforme revelou o Estadão, caciques partidários têm sido mais contemplados do que os deputados do chamado baixo clero – por não terem influência nas decisões, embora seus votem valham como os dos demais. Para incômodo de quem apoia Lira, o governo usou escalas diferentes na distribuição das verbas extras na Câmara. Um seleto grupo de 47 deputados foi contemplado, cada um, com recursos a partir de R$ 5 milhões para obras. Numa faixa intermediária, 39 puderam destinar entre R$ 2,5 milhões a R$ 4,9 milhões. A lista dos que aparecem abaixo desses valores é formada por 50 parlamentares.
A soma dos valores destinados atendendo a indicações desses 139 deputados que abriram seus votos é de R$ 1,197 bilhão. Além deles, no entanto, outros 15 deputados que já declararam apoio ao candidato governista constam na planilha do governo e indicaram transferências que somam R$ 59,2 milhões. No caso desses, porém, as propostas constam como “não empenhadas por falta de tempo hábil”.
No Senado, a soma dos recursos das obras indicadas pelos 24 parlamentares pró-Lira chega a R$ 945,85 milhões. O senador Acir Gurgaz (PDT-RO) aparece na planilha como destinatário de R$ 12,6 milhões do orçamento. À reportagem, ele disse que o apoio em Pacheco não tem relação com as verbas do governo. “Até porque esse recurso foi empenhado para 2020, antes de qualquer candidatura à presidência do Senado”.
O senador Zequinha Marinho, do PSC do Pará, também aparece na planilha do governo e declara apoio a Rodrigo Pacheco. O parlamentar, no entanto, nega que o nome dele na planilha tenha a ver com a eleição no Senado. “Só gostaria de lembrar que a candidatura do senador Rodrigo Pacheco é algo recente”, disse.
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