el país
El País: “O imbróglio sobre Lula incita os cidadãos a um total descrédito com a Justiça”, diz Gilson Dipp
Ex-corregedor do CNJ e ex-ministro do STJ diz que os quatro juízes que agiram no caso Lula erraram, mas nenhum deve ser punido administrativamente
Por Afonso Benites, do El País
O advogado Gilson Dipp atua no Direito há quase meio século. Aos 73 anos de idade, depois de ser advogado no Rio Grande do Sul, desembargador no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ministro do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral, membro do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho da Justiça Federal, além de corregedor-geral de Justiça, ele se diz espantado com as últimas decisões envolvendo o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenado a 12 anos e 1 mês pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. A estranheza se deve, tanto pelas seis decisões judiciais que ora soltavam ora prendiam o petista, como pelas reações vindas do STJ e da Procuradoria-Geral da República.
Depois do imbróglio do domingo passado, 145 habeas corpus foram impetrados no STJ. Ao negar um deles, a presidente da Corte, Laurita Vaz, criticou apenas um dos quatro magistrados envolvidos na peleja judicial de Porto Alegre (sede do TRF-4). Vaz foi além. Elogiou o juiz Sérgio Moro, o responsável pela Operação Lava Jato que descumpriu a ordem de um desembargador, que está hierarquicamente acima dele no sistema judicial. Já a PGR, sob o comando de Raquel Dodge, decidiu que apenas o desembargador Rogério Fraveto deveria ser punido pelos erros cometidos em suas decisões que soltaram Lula, mas não considerou como problemas a conduta de Moro e de outros dois magistrados que se manifestaram no processo quando, de acordo com alguns especialistas, também não lhes cabia manifestação.
Pergunta. Qual imagem fica do Judiciário após essa confusão ocorrida no último domingo, com seis decisões que se confundiam entre prender e soltar o ex-presidente Lula?
Resposta. A imagem é péssima, externamente e internamente. Incita os cidadãos a um total descrédito com a Justiça. Foi o maior imbróglio jurídico que já vi na minha vida. Em especial vindo de um tribunal do qual fui integrante e presidente. Conheço e sou amigo de todos os atores, em especial do juiz Sérgio Moro. Mas também conheço e já convivi com os desembargadores Rogério Favreto, Gebran Neto e Thompson Flores. Todos são pessoas sérias e inteligentes. Não existiria a Lava Jato sem o Moro.
P. O desembargador Rogério Favreto acertou ou errou ao conceder a liminar soltando o Lula?
R. No meu modo de ver, ele errou. A decisão é errônea. Porque ela não tinha urgência. Plantão é para matéria de urgência. O plantão não tinha essa urgência até porque o desembargador relator ia assumir o caso no dia seguinte. Era um plantão de fim de semana, não de um mês inteiro. Se eu fosse decidir este caso no plantão eu diria: “A matéria não é urgente, não há fato novo e remeto para o relator”.
P. A decisão foi política?
R. Não posso afirmar que foi política porque estou falando de um colega da magistratura. A gente sabe que as posições dele sempre foram de esquerda porque ele foi ligado a certos partidos. Assim como o Dias Toffoli e o Alexandre de Moraes também foram (ao PT e ao PSDB respectivamente). Mas eu não posso afirmar que foi uma decisão política ou preparada de olho em quem estaria no plantão.
P. E o argumento usado pelos deputados de que entraram com o habeas corpus de que haveria um fato novo para soltar o ex-presidente?
R. Aquilo que foi alegado como fato novo é muito subjetivo no ponto de vista judicial e todo mundo sabe que o Lula se declarou candidato há muito tempo.
P. Voltando aos magistrados. Como o senhor avalia as decisões dos quatro magistrados que agiram no último dia 8?
R. Favreto tinha competência para dar a decisão? Sim. Ela foi correta, incorreta, teratológica? Para esse tipo de decisão judicial, sempre tem os recursos processuais cabíveis a serem examinados pela autoridade competente. Naquele momento, o desembargador de plantão era o tribunal. Ele não tirou isso do colete. O tribunal o colocou ali. Nesse meio tempo, há uma decisão do juiz Moro que disse que o Favreto não era competente.
P. Essa decisão do Moro foi correta?
R. Não. Colocaram a autoridade coautora como o Sergio Moro. Mas não deveria ser. A autoridade coautora é a juíza de execuções penais. Por isso ele não deveria se manifestar. A juíza de execuções penais é quem deve cumprir um alvará de soltura. Então, o Sergio Moro, atravessou uma decisão de um desembargador. Se fosse para ele ser ouvido, ele seria no prazo de cinco dias, após o cumprimento da liminar. O momento de manifestação, infelizmente, não era esse. Depois disso, ainda entra o relator da ação [Gebran Neto] avocando a si o processo. A hierarquia dos dois desembargadores é idêntica. Naquele momento, a competência era do plantonista. Não há hierarquia maior ou menor. Então, essa decisão também foi incorreta. Finalmente, o presidente do tribunal também não tinha competência para esse caso. Ele tem certas competências jurisdicionais de admissibilidade de recursos especiais, extraordinários, suspensão de segurança em matéria administrativa ou civil, que possa causar um prejuízo imediato à saúde pública ou à ordem econômica, mas não no aspecto penal em relação a um habeas corpus.
P. Aparentemente, o Thompson Flores entrou na história para acabar com essa celeuma, não?
R. Dirimiu aquela confusão? Sim, dirimiu. Mas também erroneamente. Em matéria de competência, quem errou menos foi o Favreto. Estou falando de competência, não tratando do mérito da decisão. Ele tinha competência para julgar? Tinha. O tribunal tinha que cassar essa decisão do Favreto? Tinha, mas não dessa maneira que foi feita. Tudo isso aconteceria de um modo diferente se, na capa do processo, não tivesse o nome de Luiz Inácio Lula da Silva. Sem dúvida, a capa do processo influenciou nesse imbróglio envolvendo o Lula.
P. Se o réu fosse qualquer outro cidadão, como se desenrolaria esse caso?
R. O réu seria libertado e só voltaria a ser preso na segunda-feira pelo relator originário. Foi um imbróglio em que o Judiciário brasileiro fica desacreditado perante a população e traz uma insegurança jurídica. Mas não difere muito do que o Supremo [Tribunal Federal] vem fazendo em termos de decisões contraditórias. Em decisões em que determinados ministros não acolhem decisões de seu próprio plenário.
P. E essa estratégia dos deputados do PT de escolherem o desembargador que estava no plantão para julgar o habeas corpus do Lula?
R. Moralmente, eticamente não é aceitável, mas é algo normal no Brasil. Vou esperar fulano de tal entrar no plantão. É uma linha de defesa que eu não faria como advogado. Já discutiram que até fariam isso no STF, quando o Dias Toffoli assumiu interinamente a presidência enquanto a Cármen Lúcia assumiu a presidência da República por causa de uma viagem do Temer.
P. Como o senhor viu o posicionamento da presidente do STJ, Laurita Vaz, que, enquanto negava um HC para o Lula, criticava o desembargador Favreto, mas não tratou dos outros magistrados?
R. Julguei dez anos com a ministra Laurita em uma mesma turma. Na minha opinião ela deveria decidir apenas sobre o que havia no pedido do habeas corpus. Eu não iria fazer outras considerações, senão as constantes do pedido. Neste caso, como juiz, eu não poderia emitir juízo, quase condenatório de um outro juiz, por mais que eu entenda que ele esteja errado. Eu teria que me limitar ao habeas corpus.
P. E sua avaliação sobre a PGR, que pediu punição apenas do Favreto?
R. Tudo isso é uma loucura. O Favreto teria praticado um ato, segundo a PGR, passível de punição. Estamos entrando no assunto CNJ. Eu acho que todas as seis decisões do domingo são decisões, bem ou mal, ju-di-ci-ais. E decisão judicial não pode ser reexaminada ou modificada pelo Conselho Nacional de Justiça que é um órgão de controle administrativo, financeiro e disciplinar do Judiciário. Não posso dizer que não vai se apurar isso. Não vejo nenhum ato ilícito ou falta disciplinar de nenhum deles. Agora, o STJ pedir a abertura de inquérito contra apenas um dos juízes é fazer uma condenação prévia. A PGR não deveria reacender um debate desnecessário.
P. O que está dizendo é que nenhum desses magistrados cometeu uma falha passível de punição no CNJ?
R. Não vejo nenhuma falta. As decisões foram abertas e públicas. Certas ou erradas. Desde a do Favreto até a do presidente. Salvo alguma coisa que não se tenha notícia, não se pode julgar isso como um desvio de conduta ou afronta à magistratura nos termos da Lei Orgânica da Magistratura. Para mim, o CNJ não poderia, sequer, processar esses pedidos. Eu acho que os que representam junto ao CNJ e, mesmo a Procuradora-Geral da República [Raquel Dodge], tem todo o direito de fazer, mas o mérito eu discordo dessa posição pelo que eu vi. Não estou julgando nem A, nem B, nem C. A efervescência do momento também está patente. Para que a PGR vai, neste momento, de maneira drástica, agir precipitadamente? A PGR é fiscal da lei. Segundo lugar, se todos tinham competência, a PGR deveria pedir para apurar o conjunto das decisões. Não apenas de um juiz. Apurar se houve algum ato de indisciplina em todo o quadro de decisões daquele domingo, cheio de idas e vindas. Se há alguma espécie de infração, seria sobre o fato em geral, não em relação a um desembargador. A Polícia Federal também deveria ser investigada, por não ter cumprido uma decisão judicial.
P. A análise que o senhor faz é que houve uma série de decisões incorretas. Mas, diante de tanta decisão errada, qual seria o caminho a se seguir?
R. Todas as decisões judiciais têm os recursos cabíveis. Houve um imbróglio em que todos proferiram decisões judiciais e, no momento inapropriado, quem tinha naquele dia competência era o juiz Favreto.
P. Por que chegamos nesse ponto, de tanta confusão inclusive na Justiça?
R. O Brasil está vivendo um momento de instabilidade política, ética, moral e econômica. Que apareceu com o mensalão e se reforçou com a Lava Jato. Temos hoje um Governo comprometido com uma série de denúncias, uma mudança de ministros nunca vistas, de pessoas ligadas diretamente ao presidente da República respondendo inquéritos, um Governo que não tem força e submetido a um Congresso altamente comprometido e pouco respeitado pela sociedade. Nesse cenário, o Supremo se viu com a capacidade de, não só decidir questões que eram levadas a ele, mas também de legislar. Aí, vemos a politização do Judiciário e a judicialização da política. Isso ficou acirrado depois com essa controvérsia do STF. Com duas turmas distantes, ministros dando decisões cautelares e sentando em cima dos processos. Além de serem contrárias ao que decidiram o plenário.
P. A responsabilidade é do Supremo?
R. O Supremo tornou-se hoje uma corte penal, ao invés de constitucional. O STJ também. Eles não têm essa vocação de instrução processual. Esse exemplo patético que vem do Supremo de divergências acentuadas e discussões imoderadas por todos atores acabam legitimando que cada juiz dê decisões divergentes em um mesmo tribunal, sobre um mesmo tema, com competências naquele momento totalmente diversas. Nesse do Lula isso ficou claro. Um juiz estava de férias [Moro]. O outro [Gebran], tinha a mesma hierarquia do plantonista [Favreto]. E o presidente [Thompson] não tinha competência para decidir sobre essa matéria. O grande problema é que, seguindo a ordem natural das coisas, o Lula seria solto no domingo e preso no dia seguinte. O que isso traria para a sociedade? Um caos no Judiciário. Mas a politização não pode afetar a decisão da Justiça. A politização não pode afetar uma certa parcialidade do Ministério Público que quer dar uma resposta à sociedade. Estamos diante de um Poder Executivo inerte e sem qualquer ascendência para um chefe de Governo. Também tem um Congresso deslegitimado. O sistema judicial está todo impregnado de um ativismo político. Há também um ativismo desmesurado do Ministério Público. Nesse momento em que o Judiciário poderia ser um poder moderador, é consultado até para trocar uma vírgula no processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Aí, o Supremo começa a legislar e as instâncias ordinárias começam também a extrapolar.
El País: Nicaraguenses saem às ruas contra Ortega
Após a onda de terror desatada pelo presidente, dezenas de milhares exigem sua saída do poder
Por Carlos Salinas, do El País
Aos seus 76 anos, Marta Rivas se plantou desde as 10h da manhã desta quinta-feira, 12, na praça Cristo Rei, em Manágua, para participar da manifestação convocada pela oposicionista Aliança Cívica e apoiada pelas câmaras empresariais para expressar seu repúdio ao presidente Daniel Ortega e exigir o fim de seu mandato, depois de mergulhar a Nicarágua na sua pior crise política desde 1990, com um saldo de 300 mortos até agora. “Estou aqui para que tenhamos justiça, paz e liberdade”, disse Rivas enquanto agitava a bandeira azul e branca da Nicarágua. “Estou aqui para que nunca mais sejamos escravos de nenhum ditador, para que sejamos livres como as pombas.” Ao seu ao redor, reuniam-se centenas de pessoas à espera do início da manifestação, a mais importante desde a Marcha das Mães de 30 de maio, que foi atacada por hostes de Ortega, em confrontos que deixaram dezenas de mortos.
“Já houve muita tortura, muito assassinato, por parte desse casal de desequilibrados”, disse Rivas, uma secretária-executiva aposentada, referindo-se a Ortega e à sua esposa, a vice-presidenta Rosario Murillo. A manifestação ocorreu quando se completam 86 dias da crise, que já ameaça destruir a frágil economia nacional. Um relatório da Fundação Nicaraguense para o Desenvolvimento Econômico e Social (FUNIDES) revelou que desde abril, quando as manifestações contra Ortega começaram, já foram fechados 215 mil postos de trabalho, e os prejuízos superam um bilhão de dólares. Rivas, que seria afetada por uma reforma previdenciária que Ortega tentou impor sem consenso, disse que, apesar das perdas materiais e de vidas, as pessoas deveriam permanecer nas ruas para demonstrar seu rechaço ao regime. “Não se deve ter medo. O que ocorreu em abril foi o motivo para iniciar este movimento. A mensagem é clara: este homem precisa sair. É preciso pressioná-lo, sufocá-lo, com passeatas, paralisações nacionais, deixando de pagar impostos”, disse a mulher, que cobria o rosto com uma viseira porque o sol já ardia com força àquela hora.
Uma onda azul e branca avançou pelas ruas de Manágua em um percurso de vários quilômetros que pretendia desafiar o poder de Ortega, que no domingo causou o pior massacre já vivido neste país em tempos de paz, quando suas hostes atacaram as cidades rebeldes de Diriamba e Jinotepe, a 40 quilômetros de Manágua, deixando pelo menos 21 mortos num só dia. “Como jovem, minha obrigação é estar nas ruas para prestar homenagem a essas 351 pessoas que perderam a vida por causa deste governo criminoso”, disse Emilio Morales, um sociólogo de 29 anos que marchava carregando um cartaz com os dizeres: “Protestar é meu direito, reprimir é seu delito”. Ele disse que Ortega só deixará o poder se os nicaraguenses o pressionarem a partir das ruas, mas também fez um apelo à comunidade internacional para que dedique mais atenção à tragédia deste país centro-americano. “Que a OEA aplique a Carta Democrática”, disse, em referência ao instrumento interamericano que isolaria o Governo de Ortega por considerar que houve uma ruptura da ordem institucional no país. É precisamente essa a acusação do presidente: que quem se manifesta contra o Governo está tentando forjar um golpe de Estado na Nicarágua.
Fontes diplomáticas disseram que o Conselho Permanente da OEA cogita duas resoluções sobre a Nicarágua, uma relacionada à implementação das recomendações feitas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) depois de sua visita ao país, exigindo esclarecimento e punição dos assassinatos registrados desde abril, e outra com propostas para uma saída pacífica da crise, com a antecipação de eleições gerais. As mesmas fontes acrescentaram, porém, que as duas resoluções não contam com os 18 votos necessários para sua aprovação, principalmente porque não foi possível convencer os países do Caribe e do resto da América Central.
A solução, sabem os nicaraguenses, não virá de fora. A pressão social nas ruas da Nicarágua é a via para obter uma saída pacífica para a crise, opinaram analistas consultados em Manágua. Na quinta-feira houve manifestações em outras cidades do país, embora a maior tenha sido a de Manágua. Marta Rivas, apesar do calor e da idade, avançava em meio à passeata. A passos lentos, mas decididos, por uma cidade que pelo menos durante um dia recuperou a liberdade, após semanas de um toque de silêncio informal imposto pelas hostes de Ortega. Marta, como os milhares de nicaraguenses que a cercavam, também gritava as palavras de ordem: “O povo pede: vá embora, carniceiro!”.
El País: “O BNDES não tem intenção de deixar a Embraer”, diz Dyogo de Oliveira
Presidente do banco afirma que participação da empresa na JBS pode ser vendida e quer retomar ritmo de concessões de crédito que caíram nos últimos quatro anos
Por
Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Dyogo Oliveira diz que a instituição não pretende vender sua participação na Embraer, que acaba de anunciar um acordo para a joint-venture com a Boeing no valor aproximado de 15 bilhões de reais. Hoje, o banco tem 5,4% da empresa de aviação. Em entrevista ao EL PAÍS – concedida em duas etapas, uma presencial e outra por e-mail –, Oliveira ressalta, contudo, que não está descartada a venda das ações na empresa de alimentos JBS, uma das envolvidas no escândalo da operação Lava Jato e responsável por criar uma das maiores crises políticas da gestão Michel Temer. O banco é acionista de 21% da companhia controlada pela família dos irmãos Joesley e Wesley Batista.
Nos últimos 15 anos, o banco estatal se deparou com uma curva em que houve um aumento exponencial de concessões de crédito às empresas no Brasil. Em seguida, veio a queda provocada pela recessão. Mas, após quatro anos de maus resultados, o banco começa a retomar sua concessão de créditos. “Ano passado o BNDES financiou 83.000 empresas. Em anos anteriores chegou a financiar 140.000 empresas”, diz. Em 2017 foram concedidos 70,7 bilhões de reais, patamar semelhante ao de 2007. No período em que mais financiou empresas brasileiras, em 2013, foram distribuídos 190,4 bilhões de reais. “Temos um estoque a desembolsar de 149 bilhões de reais nos próximos anos”, afirma.
Às vésperas de participar da conferência “Infraestrutura para a integração da América Latina”, na próxima segunda-feira, o presidente do BNDES, ex-ministro do Planejamento de Temer, tentará convencer empresas espanholas a investirem no Brasil. No evento, promovido pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Oliveira tem a missão de vender o Brasil para empresas da Espanha, o terceiro país que mais investe em território brasileiro, com um estoque de 64 bilhões de dólares.
Pergunta. O BNDESPar continua na Embraer, após a joint venture com a Boeing?
Resposta. O BNDES não tem nenhuma intenção de deixar a Embraer. Isso nunca foi discutido. Estamos avaliando essas mudanças todas que estão acontecendo de maneira bastante positiva. A empresa precisa ter aliança estratégica com um grande player global, uma vez que seu principal concorrente [Bombardier, que seu aliou à AirBus] fez esse movimento. É mais ou menos como você mudar de categoria no boxe. Sair do peso leve para o peso pesado. A Embraer competia no mais leve. Agora, entrou um peso pesado no ringue. Não dá para lutar da mesma maneira.
P. O BNDES hoje detém cerca de 21% em ações na JBS. Ainda há o interesse do banco em vender sua participação na empresa?
R. Todas as nossas ações estão passíveis de alienação. A JBS inclusive. Evidentemente, que só faremos isso se houver uma oferta vantajosa para o banco.
P. O senhor foi obrigado a sair do Ministério do Planejamento e vir para o BNDES? O que o motivou?
R. Foi uma decisão do presidente [Temer] que há época teve a intenção de deslocar para a equipe do BNDES alguém da confiança dele. Ele gostaria de valorizar o BNDES. Nesse sentido, ele me convidou e, no meio de uma mudança importante na estrutura ministerial, eu achei conveniente poder colaborar com o BNDES e trabalhar nessa instituição valorosíssima.
P. Como está a concessão de crédito às empresas brasileiras?
R. Estamos tendo até junho um crescimento nas consultas e enquadramentos, que são as fases iniciais do processo. Estamos com 4% de crescimento em consulta e 9% de crescimento em enquadramento. Como nos anos anteriores foram muito fracos, os nossos desembolsos ainda estão caindo. No período até junho, tivemos uma queda de 17% nos desembolsos. Mas o nosso estoque de valores a desembolsar que vinha caindo durante vários anos seguidamente, em junho voltou a crescer suavemente. Temos um estoque a desembolsar de 149 bilhões de reais nos próximos anos. Tudo está muito concentrado até meados do ano que vem. A tendência é que haja uma acomodação e uma retomada do crescimento dos desembolsos do BNDES neste ano e no ano que vem.
P. Essa queda na concessão de crédito se deve a quê exatamente?
R. É resultado de três anos seguidos sem crescer e um 2017 em que crescemos 1%. Isso desacelerou a demanda, principalmente da indústria para novos investimentos.
P. De que maneira a operação Lava Jato influenciou nessa redução?
R. Diretamente no banco, as empresas investigadas pela Lava Jato representam pouco em relação ao montante de recursos que o banco administra. A questão é mais no impacto no conjunto da economia. Houve uma desorganização das empresas, que tinham muitos empregados. Isso tem um impacto econômico que não é desprezível. O elemento principal não é isso. É a recessão. O elemento que implica na maior parcela pelos investimentos e impacta nos negócios do BNDES é a atividade econômica. Uma atividade baixa impacta diretamente em nossa demanda. Agora, essa reversão em consulta e enquadramento é a sinalização ao contrário. Muitas empresas passaram a procurar o banco para ver se tem linha de crédito disponível, apresenta proposta. Essa linha demonstra que está começando a ter uma retomada de investimento.
P. Qual argumento vocês usam para convencer uma empresa a investir no Brasil?
R. O Brasil tem um mercado interno muito grande. Em muitas áreas temos uma demanda revelada, principalmente por infraestrutura. E muitos setores da economia brasileira vão muito bem: agronegócio, setores exportadores, mineração, papel e celulose, petróleo. Esses são os que mais demandam investimentos.
P. Após seguidas quedas nas notas das agências de rating, como está a captação de recursos?
O BNDES nunca teve dificuldades em captar recursos. Seja no Brasil ou no exterior. Se não captou mais é porque não precisou. A dificuldade sempre esteve em repassar os custos de mercado em função do diferencial que a antiga TJLP apresentava. Como o custo da nova TLP converge para custos da NTN-B de 5 anos até 2023, isso abre novas possibilidades de captação no futuro, a exemplo da securitização de recebíveis. A antiga TJLP é uma taxa administrada repactuável a cada três meses, o que torna a venda de ativos de crédito em TJLP inviável em função do prejuízo que o banco teria que incorrer para que os investidores assumissem o risco de carregamento de uma taxa cuja remuneração pode mudar em função de decisões de Governo. A securitização não é algo para logo. Estamos fazendo os ajustes necessários nos contratos para tornar a transferência de risco viável no futuro, desde que os projetos estejam maduros e consolidados.
P. Quais projetos estão sendo financiados no exterior?
R. Importante esclarecer que, por intermédio de suas linhas de apoio à comercialização no exterior de bens e serviços, o BNDES não financia projetos em outros países, mas a exportação de bens e serviços produzidos no Brasil. Em quaisquer das modalidades de apoio à exportação, não há remessa de recursos para o exterior. Os desembolsos de recursos são efetuados em reais, no Brasil, diretamente ao exportador brasileiro, com base nas exportações efetivamente realizadas e comprovadas. O BNDES financia exportações brasileiras de bens de capital e aeronaves, há 25 anos, tendo financiado 28 bilhões de dólares nas operações de comercialização ao exterior deste segmento. No segmento de serviços, o banco também financiou as exportações brasileiras de bens e serviços de engenharia para 13 países, englobando cerca de 150 projetos, no valor total de 10,5 bilhões de dólares, nos últimos 19 anos. Para bens, aeronaves e serviços de engenharia, foram realizados financiamentos para 43 países no valor de US$ 48 bi, em 25 anos. Atualmente o saldo devedor dos financiamentos dos serviços de engenharia é de US$ 4,2 bilhões e a carteira total possui um saldo devedor aproximado de US$ 10 bi.
P. E hoje qual é o principal projeto financiado no exterior?
R. A maior operação que temos hoje é a de exportação de trens e comboios para a Argentina. O valor aproximado é de 1 bilhão de dólares. O contrato estava pronto para ser esse mês, mas a Argentina atrasou o edital para outubro. Só vamos saber quando fecharem a proposta.
P. Quais empresas estão envolvidas nesse contrato?
R. São empresas instaladas no Brasil, mas são empresas internacionais que fabricam vagões. Como a licitação está em curso, não posso citá-las nominalmente para não criar qualquer embaraço.
P. Sobre o porto de Mariel, em Cuba. Qual o valor que o BNDES tem a receber? Qual é o prazo?
R. No conjunto das operações de financiamentos de bens e serviços para Cuba, o valor a receber monta cerca de US$ 530 mm, com prazo total inferior a 18 anos.
P. O BNDES está discutindo com o Palácio do Planalto o pagamento dos repasses feitos ao Tesouro. Como está essa questão? Qual é o valor devido?
R. O BNDES captou com o Governo Federal, entre 2008 e 2014, 414 bilhões de reais em valores históricos para buscar reverter os efeitos da crise internacional, em um primeiro momento, e depois para atender as políticas oficiais de crédito então vigentes. Com a deterioração das condições fiscais, o ritmo de investimentos que se observava até meados de 2014 sofreu queda acentuada. Nessas circunstâncias, dada a frustração de demanda elevada que havia no período pré-crise fiscal, o BNDES emprestava menos do que recebia de volta de serviço financeiro das suas operações de crédito. Foi o diagnóstico, revisado periodicamente, de que a redução da demanda por recursos do BNDES era prolongada é que justificou o primeiro pagamento antecipado ao final de 2015, o que voltou a acontecer nos anos seguintes, e nesse ano será de 130 bilhões de reais. Até o final do ano, o BNDES terá devolvido 310 bilhões de reais dos recursos originalmente recebidos e o saldo-devedor, estima-se, deverá ser algo na casa dos R$ 260 bilhões.
P. A ideia é antecipar esse saldo devedor, certo? Ele estava previsto para ser quitado até 2060?
R. Estava previsto para ser pago entre 2058 e 2060. Estamos redistribuindo esses pagamentos de uma maneira mais linear e isonômica ao longo desse período e também reduzindo o prazo. A gente deve, provavelmente, reduzir em aproximadamente 15 anos. Queremos terminar de pagar em 2045.
P. Qual a importância de reduzir esse prazo?
R. Primeiro, dá uma previsibilidade maior para o BNDES se adaptar durante esse tempo, porque não seria nada trivial chegar no último ano e ter 230 bilhões de reais para entregar para o Tesouro. E porque melhora o desempenho do Tesouro no período, reduzindo a dívida pública. É uma maneira de encerrar esse capítulo da dependência do BNDES em relação ao Tesouro. O BNDES tem capacidade, tem acesso a recursos nacionais e internacionais, não precisa depender do Tesouro para exercer a sua função de banco de desenvolvimento. E pode fazer isso com seus próprios recursos e com a captação de recursos em mercado.
P. Sendo o cargo de presidente do BNDES um cargo de indicação do presidente da República, qual a garantia que o senhor tem de que esse acordo será cumprido pelos seus sucessores?
R. É uma política razoável. É uma decisão correta. Só posso acreditar que meus sucessores darão sequência em decisões corretas que beneficiem o país. É claro que a principal decisão cabe sempre ao eleitor escolher bons governantes que tomem decisões acertadas.
P. Em linhas gerais, o que dá de se fazer até o fim deste Governo, em dezembro?
R. Até o final do ano temos de consolidar uma série de inciativas de reformas e ações de controle fiscal que já estão em andamento. A Câmara acabou de aprovar o projeto de lei das distribuidoras, isso é fundamental. Cabe ao BNDES conduzir o processo de privatização dessas empresas, que vai deixar seis Estados com energia elétrica. A falta de privatização dessas distribuidoras trazia o risco desses seis Estados ficarem sem energia elétrica. O projeto da cessão onerosa também acabou de ser aprovado, que é medida muito importante no ponto de vista de receitas para a União e dinamizar os investimentos. Há uma série de agendas microeconômicas, que estão dentro de um grupo de trabalho criado pelo Ministério da Fazenda para o desenvolvimento do mercado de capitais. Há medidas conduzidas pelo Ministério do Planejamento para melhorar a gestão pública, inclusive essa medida que permite o remanejamento dos servidores do Governo, para evitar mais despesas e novas contratações. Há uma pauta muito densa ainda que pode ser conduzida até o final do ano que o Governo tem total condição de conduzir. A própria privatização da Eletrobras que pode avançar alguns passos.
P. O senhor acha que é possível concluir essa privatização da Eletrobras ainda no Governo Temer?
R. Talvez não seja possível concluir, mas é possível avançar.
P. Mas se não concluir essa privatização agora, volta algumas casas no tabuleiro, não?
R. Não. Não volta. São coisas corretas, acertadas, que qualquer governante vai chegar, que qualquer novo Congresso vai chegar e compreender a importância de se fazer, de se ter o saneamento da empresa. A Eletrobrás encontra-se completamente descapitalizada, você tem de capitalizar a empresa, atrair recursos para que ela volte a investir, gerar energia, volte a cumprir seu papel e se torne uma das maiores empresas de energia do mundo. A Eletrobrás tem condições plenas e capacidade técnica para ser uma das maiores empresas de energia do mundo. Só precisa ter uma boa gestão e um arcabouço legal adequado. É isso que estamos trabalhando para fomentar.
P. Qual é papel do BNDES para a retomada do crescimento?
R. O BNDES está passando por um processo vigoroso de transformações. Fizemos um planejamento estratégico do BNDES para fazer a transição do banco dependente do Tesouro e de subsídios, para um BNDES que conduz o processo de desenvolvimento do país através de ações objetivas e de acessos a recursos para as empresas que agregam o valor e geram crescimento. Estamos focando, principalmente a área de infraestrutura e a área de pequenas e médias empresas. Em vertentes que têm inovação tecnológica, comércio exterior, tecnologias ambientalmente sustentáveis. Isso exigirá do BNDES uma transformação interna de todos os seus procedimentos, a digitalização interna do banco e a relação com seus clientes, o lançamento de novos produtos próprios deste mundo dinâmico de empresas inovadoras. Ano passado o BNDES financiou 83.000 empresas. Em anos anteriores chegou a financiar 140.000 empresas. O BNDES precisa financiar ainda mais. Vamos ter de fazer a mudança de todos os processos internos de aprovação. O BNDES tinha um único modelo de análise de projetos. Não havia nenhuma diferenciação no tipo de projeto, de garantia. Até os projetos não reembolsáveis tinham o mesmo processo. Agora, estamos segmentando. Várias características serão mais adequadas.
P. Era o mesmo para uma empreiteira como para uma empresa de software?
R. Sim. O mesmo. Independentemente para quem fosse. Identificamos vários problemas de duplicação, de aprovações circulares. Agora, com as mudanças, haverá uma redução de tempo enormemente. O BNDES trabalhava com uma meta de ter 50% das operações aprovadas em até 180 dias. Com as mudanças que estamos implementando, serão raras as operações que vão passar dos 180 dias. Muitas das operações não demorarão nada, serão automáticas. Nós vamos fazer a pré-aprovação dos clientes e do limite que cada um pode operar com o banco. Já constitui as garantias e define as linhas de crédito que cada um pode solicitar. Quando ele decide qual a linha de crédito, a aprovação será automática. Não vai demorar nada. Vamos antecipar as análises para que quando o cliente necessite do recurso ele tenha o crédito quase que de imediato. Muitas linhas para pequenas empresas já são digitalizadas e online. Por ter fácil acesso a subsídios do Governo, ao longo de sua história o banco não precisou ser mais proativo. Sempre foi mais receptivo. Hoje criamos uma área de “originação” de crédito. Hoje, ele vai mais atrás das empresas, mostrar seus produtos e que o acesso ao banco está facilitado.
P. O que vocês pretendem com esse encontro do Banco de Desenvolvimento da América Latina, na Espanha?
R. Evidente que vamos aproveitar o evento para fazer uma extensa agenda de encontros com empresas espanholas. Muitas que já têm negócios no Brasil e outras que não têm e manifestaram interesse. Vamos fazer contato com essas empresas no sentido de municiá-las de informações sobre a capacidade de investimentos no Brasil e da capacidade que o BNDES tem de apoiar esses investimentos.
P. Há alguma área específica que o banco está focando mais?
R. Basicamente, infraestrutura. E principalmente a participação nos processos de leilão, concessões de todos os setores: energia, transporte, logística.
P. Leilão e concessão de que, especificamente?
R. Tem de tudo. Aeroportos, rodovias, ferrovias, energia. Empresas de todos os setores. O estoque de investimentos espanhóis está acumulado em 64 bilhões de dólares no Brasil. A Espanha hoje é o terceiro maior investidor no Brasil hoje. Fica atrás dos Estados Unidos e China.
El País: “As ondas gravitacionais nos dirão o que aconteceu uma fração de segundo depois do Big Bang”
‘Pai’ do experimento LIGO conta como o fenômeno previsto por Einstein pode explicar as maiores incógnitas sobre o universo
Barry Barish foi o primeiro de sua família a ir à universidade. Seu pai, norte-americano filho de imigrantes judeus, ficou órfão aos 12 anos e teve de ir trabalhar para ajudar a família. Sua mãe recebeu uma bolsa para estudar na Universidade de Nebraska, mas seu pai não a deixou ir. Foi dona de casa a vida toda.
Quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu, o pai de Barish começou a trabalhar na fábrica de aviões perto de Omaha onde foram produzidos os bombardeiros que lançaram as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, entre muitos outros. Terminada a guerra, a família se mudou a Califórnia. Barish queria ser engenheiro, mas, quando entrou na Universidade da Califórnia em Berkeley, novas partículas elementares estavam sendo descobertas, e ele foi seduzido pelas possibilidades de entender “do que somos feitos”.
Em 1994, Barish – que já era professor de física na Caltech – conseguiu o trabalho da sua vida: diretor do observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria Laser (LIGO), um experimento no limite da tecnologia existente. Segundo a teoria da relatividade de Einstein, as estrelas que entram em colapso, as estrelas de nêutrons e os buracos negros liberam parte de sua massa em forma de ondas gravitacionais que se expandem pelo universo como as ondas de um lago ao cair uma pedra. O objetivo do LIGO, com um custo total de 1,1 bilhão de dólares (4,2 bilhões de reais), era captar esses sinais. Sob as ordens de Barish (Omaha, 1936), o LIGO passou a ser uma colaboração internacional no qual trabalham 1.000 cientistas de 18 países.
Em 14 de setembro de 2015, às 5h51 pela hora local, o detector LIGO em Livingston, Louisiana, captou um sinal. Sete milésimos de segundo depois, o detector do LIGO em Hanford (Washington) – a mais de 3.000 quilômetros de distância – detectou um sinal idêntico. Era a primeira onda gravitacional da história, produzida há 1,3 bilhão de anos por dois buracos negros que se fundiram, liberando uma energia equivalente a três estrelas como o Sol. Ao chegar à Terra, o sinal era tão fraco que mal produziu um movimento nos feixes de luz laser, inferior a um bilionésimo de centímetro.
Em 3 de outubro de 2017, Barish recebeu o prêmio Nobel de Física junto com Rainer Weiss e Kip Thorne pelo descobrimento das ondas gravitacionais. De passagem por Madri para proferir uma conferência na Fundação Ramón Areces, o físico explica nesta entrevista a importância dessa descoberta e critica que a ciência tenha se tornado muito conservadora para conseguir descobrimentos realmente inovadores.
Pergunta. A academia disse que as ondas gravitacionais “abrem a porta a novos mundos jamais observados”. Por quê?
Resposta. Tudo o que sabíamos de astronomia antes de 1608 era através da observação do céu a olho nu. Naquela data se inventou o primeiro telescópio. Galileu o usou para observar Júpiter e viu que tinha quatro luas – há mais, mas ele viu quatro. Foi o início da astronomia. Desde então aprendemos muitíssimo sobre o universo usando telescópios cada vez maiores, capazes de observar em vários espectros. Mas tudo o que sabemos vem das interações eletromagnéticas. As ondas gravitacionais não têm nada a ver com essas interações, a não ser pelos efeitos gravitacionais. Pela primeira vez olhamos o universo de uma forma totalmente nova.
P. Como vai evoluir este novo campo?
R. A primeira coisa que observamos foram fusões de buracos negros e estrelas de nêutrons. Mas há muitos outros fenômenos que as ondas gravitacionais devem produzir, como por exemplo uma supernova, o colapso de uma estrela. Outro é um pulsar, uma estrela de nêutrons em rotação. O mais interessante de todos são os sinais da origem do universo. Todos queremos saber o que aconteceu nos primeiros instantes depois do Big Bang [há 13,7 bilhões de anos]. O problema é que a radiação eletromagnética só permite observar até 400.000 anos depois do Big Bang, depois disso os fótons são absorvidos. As ondas gravitacionais não são absorvidas, e por isso podem ser usadas para entendermos o que realmente aconteceu. Como se formaram as primeiras partículas, como aconteceu a inflação do universo? Por enquanto só temos conjeturas. Se pudermos chegar à primeira fração de segundo, saberemos como tudo começou. Para isto necessitamos de experimentos diferentes dos atuais. Acredito que demoraremos 50 ou talvez 100 anos para consegui-lo, mas é um objetivo claro.
P. Que outras grandes perguntas será possível responder estudando as ondas gravitacionais?
R. Em física, estamos numa situação muito embaraçosa porque temos duas teorias fantásticas. Uma, inventada por Einstein, explica as grandes distâncias, e funciona à perfeição até o momento. Há uma segunda teoria, a teoria quântica de campos, que descreve à perfeição o que acontece quando as partículas elementares se chocam entre si. O problema é que só pode haver uma teoria da física, não duas. Os cientistas há décadas tentam unificá-las, sem nenhum sucesso. Necessitamos de pistas experimentais sobre onde pode estar a intercessão entre ambas. A possibilidade mais interessante são os buracos negros. Agora que podemos estudar melhor estes corpos graças às ondas gravitacionais, é preciso estarmos muito atentos para o que acontece tanto no quântico como no referente à relatividade. Minha esperança é que as pistas que precisamos venham das ondas gravitacionais emitidas pelos buracos negros.
P. As ondas poderão dizer o que são a matéria escura e a energia escura?
R. Sabemos tão pouco sobre energia escura que não sabemos o que fazer com ela. Sobre a matéria escura sim há muitos experimentos que tentam mostrar o que é. Se você olhar os progressos que fizemos na física da última década, os mais interessantes foram em neutrinos, o CERN, que descobriu o bóson de Higgs, responsável pela massa, e as ondas gravitacionais. Os três exigem grandes instalações de alta tecnologia. Talvez isto continue sendo assim no futuro. O problema é como fazer experimentos em grande escala que possam gerar descobrimentos inovadores, dentro de um sistema científico no qual é tão complicado conseguir financiamento e que tende ao conservadorismo, que tem aversão ao risco, de forma que só é possível obter descobrimentos pequenos e progressivos. Não fazemos muitos experimentos que fracassam. Deveríamos fazer muitos mais. Isso nos faria progredir mais rápido.
P. Quais são as perspectivas da ciência nos EUA sob o Governo de Donald Trump?
R. Meu maior temor não é que Trump deixe de financiar a ciência , mas sim que cancele projetos específicos em áreas nas quais há um viés claro, como a mudança climática. Para ele, a ciência não é uma prioridade, mas tampouco acredito que a destrua. Um problema maior é que não há nenhuma contribuição científica na Administração. Não há cientistas, embora muitos dos problemas dos quais eles tratam exijam um conhecimento científico. E vai além de Trump. Em todo o congresso dos EUA só há um congressista com um doutorado em ciência, um entre 600 membros. Historicamente, a maioria dos congressistas era de empresários e advogados, e isso funcionou durante muito tempo, mas agora vivemos numa sociedade cada vez mais tecnológica e com assuntos que exigem conhecimento científico. Não digo que sejam uma maioria, mas um entre 600...
P. A Espanha tem um novo Governo no qual há um ministro da Ciência, o astronauta Pedro Duque. Uma das prioridades é fazer com que a ciência seja um pilar do crescimento econômico. Que conselho lhe daria?
R. Fazemos ciência por um valor fundamental, a curiosidade humana. Além disso, há impactos técnicos da ciência sobre a sociedade. Todo país moderno tem que participar da tecnologia. Não pode depender de outros para obter tecnologia, dos componentes de um telefone celular aos softwares bancários, financeiros e de segurança. A Espanha deveria participar mais nesses campos. Odeio quando os jornalistas me perguntam “para que servem as ondas gravitacionais?”, mas entendo o sentido da pergunta. Se você olhar de forma geral é fácil de entender. Não se deve olhar projeto por projeto. Quando eu estava em Berkeley, nos anos setenta, havia um experimento que demonstrou a emissão estimulada, outra previsão de Einstein. Ninguém soube ver que teria um grande impacto em nossas vidas. Dez anos depois, perceberam que servia para fazer feixes de luz. Hoje é a base dos lasers, uma indústria de 20 bilhões de dólares. E é só um exemplo próximo. Assim você percebe que a pergunta que deve ser feita é para que nos serve a pesquisa básica? E assim é fácil de ver.
P. 99% dos ganhadores do Nobel de Física são homens. Você acha isso um problema?
R. Nos EUA, só 10% das pessoas que trabalham em física são mulheres. A situação está melhorando, mas devagar. Neste ano os jornalistas nos perguntaram depois da concessão do Nobel por que foram três homens brancos e mais velhos? Quanto a sermos mais velhos é lógico, porque normalmente demoram bastante para lhe dar o Nobel. Mas é constrangedor para as mulheres, porque passaram pelas mesmas provas que os homens. De alguma forma fechamos o seu caminho desde que são muito jovens, e isto é sobretudo verdade na física, onde a percentagem se mantém obstinado em 10%.
El País: EUA redobram pressão sobre a China com novas tarifas em 6.000 produtos
Donald Trump ordenou a ativação do processo para fixar novas tarifas de 10% sobre mais mercadorias, cujo valor de importação ronda os 200 bilhões de dólares
A batalha comercial entre os Estados Unidos e a China entrou numa zona de cifras graúdas, que vão além da gesticulação —por si só perigosa para a confiança dos investidores— e começam a apontar para uma guerra comercial em grande escala. Donald Trump ordenou nesta terça-feira ao Escritório do Representante de Comércio Exterior dos EUA que ative o processo para fixar novas tarifas de 10% sobre mais de 6.000 produtos chineses, cujo valor de importação ronda os 200 bilhões de dólares (763,3 bilhões de reais) por ano. É a resposta à represália de Pequim da sexta-feira passada, ao adotar novas alíquotas para produtos norte-americanos num valor de 34 bilhões de dólares, horas depois de Washington fazer o mesmo.
A escalada tarifária entre as duas maiores potências econômicas do mundo vem seguindo a mesma sequência desta semana. A Administração Trump ameaça com tarifas, e o regime chinês faz o mesmo, com as idênticas tarifas e o mesmo volume econômico afetado. Depois de negociações infrutíferas, os EUA ativam as tarifas e ameaçam impor outras se a China responder. E a China responde, então os EUA lançam uma nova rodada de tarifas alfandegárias. Assim ad infinitum, ou melhor, até superar os 500 bilhões de dólares, que é a quantidade total de exportações que serão afetadas pelas taxas se todas as ameaças sobre a mesa forem cumpridas. A cifra é vertiginosa: o intercâmbio de produtos entre ambos os países beirou os 600 bilhões de dólares em 2016 (com 115,6 bilhões exportados para a China, e 347 bilhões para os EUA).
Pequim considera que a nova lista é “totalmente inaceitável” e prometeu responder “com as contramedidas necessárias” se estas tarifas afinal entrarem em vigor. “Com esta atitude, os Estados Unidos ferem a China, o mundo e a si mesmos”, disse o Ministério de Comércio em um comunicado, informa Xavier Fontdeglòria. Será impossível para o país asiático devolver um golpe da mesma intensidade, simplesmente porque suas importações procedentes dos EUA não alcançam os 200 bilhões de dólares. É provável, segundo especialistas, que Pequim abra a torneira das medidas não tarifárias: ao ter um controle considerável sobre a economia, as autoridades podem facilmente dificultar a atividade das empresas norte-americanas em território chinês, ou mesmo promover um boicote encoberto ao país, deixando de comprar seus produtos ou restringindo o turismo chinês nos EUA, por exemplo.
A lista adicional de bens aos quais o Escritório do Representante de Comércio Exterior dos EUA propõe aplicar a tarifa, divulgada na noite de terça-feira, ocupa 205 páginas e inclui uma grande variedade de produtos (do carvão ao tabaco, passando por produtos químicos e pneus). O embaixador Robert Lighthizer argumentou em nota que a reação de Pequim “não tem base legal nem justificativa”, e que a tarifa de 10% que ele propõe para os novos produtos é uma “resposta apropriada” a políticas industriais “nocivas” por parte da China. Washington mira desta vez nos produtos que se beneficiam da nova política industrial para 2025, o grande plano econômico de Pequim.
A lista será submetida a uma fase de consultas entre os dias 20 e 23 de agosto, e uma decisão deve ser tomada no dia 25. No caso da última rodada de tarifas, a que foi ativada na sexta-feira passada, a fase de consultas reduziu o impacto de 50 bilhões para 34 bilhões de dólares, enquanto os restantes 16 bilhões continuam em estudo. A aplicação das tarifas anunciadas nesta terça-feira deve demorar, e, enquanto isso, a Administração de Trump e o regime de Xi Jinping podem tratar de aproximar suas posições. Até agora, isso não foi possível: os EUA criticam o enorme déficit comercial com relação à China (na ordem de 400 bilhões de dólares) e acusam o regime de competir de forma desleal e de criar um marco regulatório de associação com investidores locais que favorece o roubo de propriedade intelectual dos investidores norte-americanos.
“Há muitos anos a China recorre a práticas abusivas que vão em detrimento da nossa economia, nossos trabalhadores e nossas empresas”, reitera Lighthizer em seu comunicado, qualificando a conduta chinesa de “ameaça existencial”. “Durante mais de um ano pedimos pacientemente à China que ponha fim a estas práticas injustas, que abra seus mercados e que se comprometa com uma concorrência real”, argumenta. “Fomos muito claros em relação às mudanças que eles deveriam fazer. Mas em vez de resolver uma preocupação legítima reprimiram nossos produtos.”
El País: Quando empresas estrangeiras são pegas patrocinando corrupção no Brasil
Cartel de empresas internacionais operou esquemas fraudulentos entre 1996 e 2017, diz Lava Jato. 'Modus operandi' se assemelha ao de grandes construtoras brasileiras
Por Felipe Betim, do El País
A Operação Lava Jato desvendou todo um modus operandide como tradicionais construtoras brasileiras pagavam propinas ou patrocinavam campanhas para políticos e partidos a partir de contratos superfaturados com empresas públicas como a Petrobras. Agora, entram em cena grandes companhias multinacionais que, fora de seus países sede, vêm atuando em cartéis e mantendo esquemas fraudulentos há décadas para ganhar licitações. Essa é a conclusão dos investigadores do braço da Lava Jato no Rio de Janeiro, que nesta semana avançou em direção a companhias — as conhecidas Philips e Johnson & Johnson entre elas — que atuam no setor de saúde do através venda de equipamentos médicos e materiais hospitalares, como próteses e órteses, para a Secretaria de Saúde do Estado e para o Instituto Nacional de Traumatologia (INTO). Assim como no esquema das empreiteiras brasileiras, contratos superfaturados abasteciam campanhas e mesadas para autoridades.
O chamado "clube do pregão internacional" durou entre 1996 e 2017, segundo o Ministério Público, e abastecia a cúpula política fluminense com generosas propinas, nos últimos anos, sobretudo o ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes (preso em abril, mas solto em dezembro pelo ministro do STF Gilmar Mendes) e o ex-governador Sérgio Cabral (preso desde 2016). Prosperou inclusive quando o Estado entrou em graves dificuldades econômicas e financeiras, sendo a saúde pública fluminense uma das áreas mais afetadas pela queda na arrecadação em meio a altos gastos.
Entre 2015 e 2016, hospitais estaduais entraram em colapso e precisaram ser fechados ou municipalizados, enquanto mais da metade das Unidades de Pronto Atendimento (UPA), cujos trabalhadores terceirizados ficaram sem receber salário, pararam de atender durante determinados dias ou períodos. Estar à beira da morte tornara-se critério para ser atendido, segundo relatou este jornal na época. O governador Luiz Fernando Pezão (MDB) vivia então de pires na mão tentando conseguir mais recursos junto ao Governo Federal e prometendo a normalização dos atendimentos e intervenções cirúrgicas, mas apenas durante alguns dias.
Hoje, no Rio de Janeiro do caos da segurança pública, do atraso no pagamento de servidores e da lenta morte da UERJ, a saúde pública continua a definhar. Em 2017, a pasta de Saúde sofreu um corte de 1,4 bilhão de reais, levando a fechamentos de setores inteiros em alguns hospitais estaduais. Paralelamente, a fila para atendimentos e operações aumenta, sobrecarregando hospitais federais e municipais.
Como funcionava o esquema
O que o Ministério Público Federal vem revelando ao longo do último ano é que essa tão sensível área da saúde também saciou o apetite voraz por propinas e outras vantagens ilícitas de uma classe política fluminense corrompida e atendeu aos interesses de grandes grupos empresariais que, afoitos por grandes contratos públicos, se tornaram corruptores. A partir de dados do Tribunal de Contas da União, a Procuradoria concluiu que, entre 2006 e 2017, as "contratações em valores estratosféricos" apenas no INTO somaram 1,5 bilhão.
O último capítulo dessas investigações ocorreu na última quarta-feira, 5 de junho, quando o juiz federal Marcelo Bretas autorizou prisões preventivas e temporárias de 22 pessoas, além de 43 mandados de busca e apreensão, inclusive na sede de empresas, e o bloqueio de 1,2 bilhão oriundos desse esquema fraudulento. Entre os presos está o CEO da General Electric (GE) para a América Latina, Daurio Speranzini Junior, devido a fatos ocorridos no período em que ocupou o cargo de CEO da Philips Healthcare no Brasil, embora a Procuradoria também afirme que ele "permaneceu realizando as contratações espúrias com o poder público" após assumir o comando da GE. Esta empresa não é uma das 37 investigadas, mas em nota garante estar "profundamente comprometida com integridade, conformidade e o estado de direito em todos os países em que opera, assim acredita que os fatos serão esclarecidos ao longo da investigação". Já a Philips afirmou que sua política é a de "realizar negócios de acordo com todas as leis, regras e regulamentos aplicáveis" e garantiu que "quaisquer investigações sobre possíveis violações dessas leis são tratadas muito seriamente pela empresa". Por sua vez, a Johnson & Johnson Medical Devices Brasil diz seguir "rigorosamente as leis do país e está colaborando integralmente com as investigações em andamento".
A operação de quarta foi o desdobramento da Operação Fratura Exposta, deflagrada em abril de 2017, que investiga os crimes de formação de cartel, corrupção, fraude em licitações, organização criminosa e lavagem de dinheiro. No centro da trama estão o empresário Miguel Iskin, presidente da Oscar Iskin, e seu sócio, Gustavo Estellita, além do ex-secretário da Saúde Sérgio Côrtes e o ex-governador Sérgio Cabral. Côrtes chegou a receber cinco milhões de dólares no exterior a partir do esquema, enquanto Cabral recebia pagamentos mensais de 400.000 a 500.000 reais, segundo delatores. Os três primeiros personagens haviam sido presos na ocasião, mas foram soltos meses depois pelo ministro do STF Gilmar Mendes. Na última quarta, os empresários voltaram a ser presos, enquanto Côrtes foi chamado a depor, apesar do pedido de prisão feito pelo MP. Cabral está preso desde 2016.
Iskin é acusado de liderar o chamado "clube do pregão internacional", o cartel de fornecedores que fraudava licitações e abasteciam a grande teia criminosa liderada por Côrtes e Cabral. Ainda segundo o MP, o núcleo liderado por Iskin e seus funcionários era o responsável por fazer "as ligações entre o setor público (núcleo administrativo-político) e os empresários cartelizados (núcleo econômico), por meio de atividades que envolviam o direcionamento das demandas públicas (especificação de insumos médicos a serem adquiridos e cotação de preços fraudada) e o direcionamento das contratações públicas (mediante ilícita desclassificação de concorrentes que não faziam parte do cartel)".
Para manter esse esquema, as empresas do cartel vencedoras das licitações pagavam "comissões" no exterior que correspondiam a cerca de 40% dos contratos assinados ou pagavam pedágios no Brasil que variavam entre 10% e 13% dos contratos. Estellita, sócio de Iskin, era o controlador desse pedágio "cobrado dos fornecedores de próteses e órteses do INTO", escreve o MP. Assim, formava-se um "grande caixa de propina" administrado por Iskin, "de forma a retroalimentar o sistema e permitir a sua hegemonia no mercado da saúde pública durante décadas", diz a Procuradoria.
Surge como personagens do núcleo administrativo da trama o atual diretor-geral do INTO, André Loyelo, e Jair Vinnicius Ramos da Veiga, conhecido como coronel Veiga, responsável por controlar as licitações tanto no INTO como na Secretaria Estadual de Saúde. Ambos foram presos na quarta. Já no núcleo econômico da trama estão os executivos de grandes fabricantes internacionais de equipamentos médicos, tais como Maquet, Drager, Philips/Dixtal e Stryker, que pagavam as comissões milionárias para manterem os contratos. Também atuavam empresas intermediárias que vendiam produtos fabricados por terceiros, assim como empresas laranjas (como Rizzi, Medlopes e Agamed), que serviam para dar uma aparência de legalidade às licitações.
Segundo o MP, apenas as vendas para a Maquet teriam gerado comissões, correspondentes a 40% dos contratos, que somavam 300 milhões de reais que abasteciam o caixa de propina de Iskin. Um dinheiro que, desviado dos cofres públicos do Estado, hoje faz falta para as milhões de pessoas que enfrentam o colapso da saúde pública fluminense.
El País: Dilma Rousseff, em busca de uma redenção nas urnas em Minas Gerais
A ex-presidenta confirma candidatura ao Senado em sua terra natal, considerada uma batalha menos difícil do que tentar a sorte no Rio Grande Sul. Se Aécio conseguir concorrer, disputa 'dois caídos' pode reeditar 2014
Por Afonso Benites, do El País
Quase dois anos depois de ser destituída da presidência da República por meio de um impeachment, Dilma Rousseff volta à cena político-eleitoral. A petista anunciou sua pré-candidatura ao Senado pelo seu Estado natal, Minas Gerais. Após meses de especulação, a confirmação de que a ex-presidenta buscará uma redenção —e um novo rumo político— nas urnas, com o incentivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, se deve a uma série de fatores, entre eles o desejo de ter um palco para defender suas ideias e confrontar as agendas dos Governos petistas (2003-2016) e a de seus principais adversários, o PSDB e seus satélites (1995-2002).
Seu principal adversário ao Senado pode ser Aécio Neves, o mesmo que disputou com ela, e perdeu, a Presidência em 2014. Se a candidatura do tucano é incerta por causa dos escândalos de corrupção que o envolvem –nem mesmo seus aliados o querem no mesmo palanque—, a dela também pode sofrer alguns questionamentos jurídicos. É que Dilma só conseguiu manter seus direitos políticos após costurar uma manobra no Senado Federal que a cassou. A primeira batalha já foi anunciada. O PSDB de Minas Gerais tentará evitar que ela seja candidata por entender que, por ter sofrido impeachment, ela teria seus direitos políticos cassados. Quando a petista foi destituída, o Senado votou uma cláusula que mantinha o direito da ex-presidenta de concorrer, desde que não fosse para o cargo máximo da República. Ou seja, os senadores a liberaram para disputar vagas no Congresso Nacional. Os tucanos dizem que, se o Ministério Público Eleitoral não impugnar a candidatura dela, o próprio PSDB o fará.
Antes mesmo de ser indagada sobre a razão de estar concorrendo por Minas, onde nasceu, e não pelo Rio Grande do Sul, onde fez sua carreira política, a ex-presidenta afirmou, na semana passada: “Por que Minas Gerais? Primeiro porque eu nasci aqui (...) Não saí daqui porque quis. Saí porque eu fui perseguida pela ditadura militar”. Militante de movimentos de resistência ao regime militar, Rousseff se mudou para Porto Alegre e acabou presa e torturada.
Essa mudança de domicílio eleitoral será um dos pontos a serem explorados pelos seus adversários em um dos Estados mais bairristas do país. “Ela veio para cá para explorar o discurso nacional. Colocar em debate duas agendas para o país. Mostrar que, depois que ela saiu do Governo, estamos passando por um desmonte. Não se trata de ser uma eleição mais fácil do que em outros lugares”, afirmou o deputado federal Patrus Ananias (PT-MG), que será um dos articuladores da campanha dela ao Senado.
Apesar das falas oficiais seguirem neste caminho, uma das análises do PT é a de que no Rio Grande do Sul Rousseff poderia dividir votos com Paulo Paim, um histórico senador do partido que disputará a reeleição. Em Minas, não havia um candidato ao Senado pela legenda com tanta aceitação popular. Além disso, a máquina estatal está nas mãos do amigo da ex-presidenta, o governador Fernando Pimentel, que concorrerá à reeleição.
E como enfrentar a má avaliação de seu Governo que, na véspera do impeachment, tinha a aprovação de 8% da população? “Há um crescente sentimento da população de solidariedade a ela e de repulsa ao golpe que a afastou da presidência. Tanto que a aprovação ao presidente que a substituiu [Michel Temer] é de 4%. E a rejeição supera os 80%", diz Patrus.
Apesar de Rousseff querer se digladiar com Aécio, o fato é que ambos poderão ser eleitos. Neste ano, cada Estado elege dois senadores. As pesquisas mais recentes colocam tanto a petista quanto o tucano com chances de eleição. Conforme um levantamento do DataPoder360, Dilma teria 13% dos votos dos eleitores mineiros. Aécio, 12%. Em uma pesquisa que tem margem de erro de dois pontos percentuais, estão tecnicamente empatados com outros dois concorrentes: Bruno Siqueira (MDB, 13%) e Carlos Viana (PHS, 11%). O primeiro embate de Aécio, contudo, será contra seus aliados. Seu afilhado político e pré-candidato ao Governo, o senador Antonio Anastasia, já deixou claro que não quer dividir o palanque com ele. Uma possibilidade é que Aécio concorra a uma vaga na Câmara.
Histórico eleitoral
Em seu primeiro discurso como pré-candidata oficial, Dilma seguiu a linha que tem sustentado desde que deixou a cadeira presidencial. Repetiu que foi vítima de um golpe. Revelou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba (PR), foi um de seus incentivadores e que tentará transferir para Minas a disputa nacional. A mágoa com a imprensa também ficou registrada em sua fala para um pequeno grupo de jornalistas que a aguardava no hall de um hotel de Belo Horizonte. “A imprensa pactuou com o meu golpe. Hoje fingem dar moleza. Mas não pensem que eu me esqueci. Não esqueci, não. Sei perfeitamente o processo que fizeram contra mim. Sei perfeitamente da campanha misógina e machista que fizeram contra mim.”
Antes de se eleger presidenta em 2010, Rousseff nunca havia disputado uma eleição. Foi chamada de “o poste do Lula”, por ter sido a aposta dele para a sucessão presidencial tendo esse histórico. Acabou reeleita em 2014 na disputa mais apertada do país, na qual ganhou de Aécio Neves pela diferença 3,4 milhões de votos. Um dos Estados em que venceu o tucano foi exatamente Minas Gerais, onde ela teve 5,9 milhões de votos e ele, 5,4 milhões.
Considerada sem traquejo político, Rousseff enfrentou uma profunda recessão econômica e a eclosão da Operação Lava Jato com força total: sem ter onde se sustentar, acabou sofrendo o impeachment pelo Congresso Nacional em 2016 por um motivo tido como menor - as chamadas pedaladas fiscais. Desde então, passou a se dedicar a frequentar encontros internacionais nos quais fala de seu impeachment, assim como marca presença em eventos de apoio a Lula. Não consta que tenha poder decisório ou influência no PT.
Se chegar ao Senado, Rousseff seguirá os passos de três dos outros cinco ex-presidentes após a redemocratização do país. José Sarney (MDB), Fernando Collor (PTC) e Itamar Franco (PPS) acabaram se elegendo senadores depois que passaram pela presidência. No caso de Collor, há uma semelhança a mais com Dilma, ele também sofreu um impeachment. Dos os outros dois presidentes restantes, um não disputou a eleição, caso de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), outro está preso por corrupção e tenta na Justiça se candidatar novamente à presidência, caso de Lula da Silva.
El País: “Comentaristas de matérias políticas no Facebook falam sozinhos”
Pesquisadora Fernanda Cavassana de Carvalho fala sobre análise de 600.000 comentários feitos em matérias referentes às eleições de 2014
Por Talita Bendinelli, do El País
Se não quer se estressar, não leia os comentários do Facebook. A recomendação, que costuma ser feita pelos menos crédulos na capacidade de argumentação nas redes, não foi seguida, definitivamente, por uma equipe de pesquisadoras da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Isabele Batista Mitozo, Michele Goulart Massuchin e Fernanda Cavassana de Carvalho, do grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública, analisaram 610.660 comentários feitos nas páginas dos três principais jornais de abrangência nacional durante a campanha eleitoral de 2014. Elas avaliaram o que diziam os internautas em 14.794 postagens feitas na rede pela Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo, que citavam os candidatos Dilma Rousseff, Aécio Neves e Marina Silva (ou o ex-titular da chapa, Eduardo Campos, morto durante a campanha).
A conclusão?
A maioria das pessoas fala mesmo sozinha e não tem qualquer interesse em debater, explica Fernanda, uma das autoras do artigo Debate político-eleitoral no Facebook:os comentários do público em posts jornalísticos na eleição presidencial de 2014. Doutoranda em Ciência Política pela UFPR, ela explica nesta entrevista como as premissas do bom debate estão ausentes nos comentários das matérias no Facebook e dá dicas para quem quer quer tornar a discussão nas redes mais qualificada às vésperas do início da próxima campanha.
Pergunta. Há um conselho que costuma ser comum: evite ler os comentários das matérias no Facebook. Por que vocês decidiram analisá-los?
Resposta. A gente tem visto que as pessoas interagem muito com temas políticos e, especialmente no período eleitoral, com temas de campanha. Acreditamos que havia a necessidade de uma pesquisa empírica que olhasse para essa discussão nas redes sociais também. As redes trazem uma possibilidade maior de interatividade entre as pessoas. E há uma promessa de que esses meios mais interativos e digitais possam promover ampliação do debate público. Então, resolvemos avaliar: será que a Internet está funcionando mesmo como uma ampliação dessa esfera pública, onde as pessoas teriam possibilidade de debater? Como será que se dá esse debate?
P. E há um debate qualificado ou as pessoas só buscam reforçar as suas opiniões?
R. Pelo nosso recorte, que foi a sessão de comentários de páginas jornalísticas no Facebook, a gente percebeu que aqueles ideais teóricos de um debate público, que seriam mais voltados para o diálogo, o respeito e a abertura de ouvir o outro não se dá. As pessoas acabam falando sozinhas. São pessoas que muitas vezes só estão ali para colocar sua opinião e não necessariamente se abrir para ouvir o outro. E quando há uma abertura ao outro, as pessoas tendem a tentar persuadir o interlocutor. Para isso, utilizam a própria posição como justificativa: "Eu sou Dilma porque eu sou Dilma. Eu sou Aécio porque eu sou Aécio". E não necessariamente uma justificativa que explique seu posicionamento. Por outro lado, quando havia, a maioria das justificativas era interna também, referente a própria experiência pessoal. Um debate ideal seria aquele em que há reciprocidade, a pessoa está aberta ao outro, e que quando você tenta progredir, você traz informações: "Eu apoio esse candidato porque eu apoio a proposta de política pública dele porque há dados sobre isso".
P. Comentar na internet, então, é perda de tempo?
R. Não necessariamente. O nosso trabalho tinha este recorte, de matérias sobre eleição no Facebook. Esse espaço não se mostrou construtivo, um espaço respeitoso em que há abertura para o diálogo. As pessoas apenas se manifestam ali, não necessariamente debatem. O Facebook tende mesmo a polarizar cada vez mais o debate e isso não é bom porque acaba criando alguns grupos que só falam entre eles e não estão abertos ao posicionamento contrário. Em alguns espaços da internet em que há regras de participação os debates tendem a ter maior qualidade, como portais específicos de consultas públicas, a página do Senado, por exemplo.
P. Por que no Facebook é diferente?
R. O Facebook é uma plataforma para interação. Deixa disponível botões para que a gente comente, interaja e compartilhe e isso vai alimentando esses comportamentos naquele ambiente. Tem a coisa do algoritmo, que se você interage com um material, com um tema, com uma pessoa que acaba tendo a mesma visão de mundo, a mesma opinião sua, a rede vai buscar mais material, mais informação, mais post em relação a isso, o que acaba ajudando a polarizar a rede.
P. Nas campanhas eleitorais, qual a importância do Facebook como uma ferramenta político-partidária?
R. Pelo fato de ter essa característica de interatividade, de ser uma plataforma de relacionamento, os eleitores se sentem mais próximos dos candidatos na página deles nas redes sociais. O candidato que tem aquela página na rede social está trazendo conteúdo diretamente para a pessoa, no feed dela, é a mesma coisa que um amigo, um parente, trazendo aquilo. É uma proximidade maior do eleitor com seus candidatos.
Mas é importante saber usar esse tipo de ferramenta e incentivar esse tipo de interação. Porque, por mais que muitos candidatos façam posts patrocinados [pagos para atingir diretamente um público alvo específico], as publicações no Facebook também têm a visibilidade orgânica que vem desse conteúdo interativo. O candidato que tem mais visibilidade agora já vai sair na frente porque ele vai ter mais contatos. E a rede social na internet tem um aspecto de viralidade. Quanto mais as pessoas [que curtem a página] interagem, mais vão expandindo aquela postagem para os seus contatos.
P. Vocês conseguiram perceber a presença de robôs nos comentários das notícias?
R. Há algumas limitações técnicas em relação a como a gente conseguiu esses comentários. Isso foi feito por um aplicativo que puxa dados que o Facebook disponibiliza. A gente só analisou os conteúdos, não tinha o perfil de quem publicou, então não poderia mensurar se havia um perfil específico que publicava mais. Mas a gente tinha informações como horário do comentário e o próprio conteúdo. Então, a gente percebia, sim, a presença de robôs, porque muitos textos eram repetidos em várias publicações jornalísticas. E tinha algumas horas com pico de comentários, o que a gente acredita que era efeito de robôs, com comentários programados.
P. Se os comentários geralmente não trazem argumentos e dificilmente as pessoas mudam de ideia, qual o efeito que um robô pode ter comentando para um determinado candidato?
R. Depende do conteúdo disseminado por esse robô. Eles funcionam mais na questão de difusão, de querer circular determinado conteúdo. Têm mais efeitos ao seguirem mais os candidatos, darem mais likes, compartilharem mais conteúdos, o que faz com que ele viralize. Já na sessão de comentários, não seria pelo volume, mas pelo tipo de conteúdo que aquele comentário tem. Um robô pode trazer uma mentira, um boato sobre o outro candidato, o que a gente via muito ao fazer a análise: aqueles comentários enormes com histórias para difamar um candidato.
P. Que dica você daria para quem quer ser bem sucedido ao debater na internet?
R. Tem que ter conteúdo para justificar o que se está falando. Nossa pesquisa mostrou que o debate progride quando tem mais justificativa. Por mais que sejam justificativas internas, de experiências pessoais, se puder embasar isso em argumentos, tem mais chances de convencer o interlocutor. Tem que saber que você pode ser ouvido ou não. E que se uma pessoa tem mais predisposição para ouvir outras pessoas, elas têm mais chances de serem ouvidas também. E não adianta fazer textão, porque as pessoas não têm tempo e a informação principal tem que ser do jornal, de quem a está passando. Mas, já que você está comentando ali, tente contribuir com o tema e trazer mais informações.
El País: O que o STF e o Congresso decidiram e você provavelmente não viu por causa da Copa
As duas casas tomaram decisões polêmicas em momento festivo no país. Segunda Turma da Corte liberta ao menos três condenados pela Lava Jato e isola Fachin
Por Afosno Benites, do El País
Enquanto boa parte da população está de olho na Copa do Mundo, o Supremo Tribunal Federal e a Câmara dos Deputados tomaram decisões importantes. O Judiciário atuou como o carcereiro que abre a porta da prisão para diversos condenados - até o ex-deputado Eduardo Cunha recebeu habeas corpus, ainda que não tenha ficado em liberdade -, num movimento que enfraqueceu a Operação Lava Jato e expôs mais ainda a guerra aberta no Supremo. Já o Legislativo trabalhou sob o forte lobby da bancada ruralista. Listamos algumas dessas decisões importantes que podem ter passado despercebidas.
Na terça-feira, a segunda turma do STF decidiu, por 3 votos a 1, soltar o ex-ministro José Dirceu, um dos caciques do Partido dos Trabalhadores. Mesmo condenado em segunda instância a 30 anos e nove meses de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, a trinca formada por Antonio Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski entendeu que ele não precisava começar o cumprimento de sua pena. Os três contrariaram a decisão do próprio Supremo que disse que um condenado por um colegiado pode iniciar o cumprimento da pena.
O caso de Dirceu provocou análises de correlação com o processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está preso em Curitiba há 81 dias. Assim como Dirceu, Lula foi condenado em segunda instância. Sua pena é de 12 anos e 1 mês pelos delitos de corrupção e lavagem de dinheiro. Seus advogados agora tentarão replicar o entendimento para ele. A diferença entre os dois casos é que o relator do caso do ex-ministro é Dias Toffoli, um ex-petista que já foi subordinado ao próprio Dirceu. No caso de Lula, o relator é Edson Fachin, responsável pela Lava Jato no STF e que tem sido duro em suas decisões, em divergência com a trinca "garantista" da segunda turma. O mais importante, contudo, é o foro onde os julgamentos dos dois petista ocorrem. No caso do ex-ministro, foi na segunda turma, uma subdivisão onde a postura de liberar os condenados tem sido comum e há apenas cinco ministros. No do ex-presidente, o colegiado é o plenário, composto por 11 ministros em que a maioria tem se mostrado favorável à prisão após segunda instância. Ainda não há data para o plenário analisar o caso de Lula. Mas em julho, ou seja, na próxima semana, o tribunal entra em recesso. Dessa maneira, apenas em agosto haveria um dia disponível para o julgamento
Ainda na seara contra a Lava Jato, os mesmos magistrados do Supremo tomaram três decisões contrárias aos seus colegas de primeira ou segunda instâncias. Pelo mesmo placar (3 a 1) os ministros da segunda turma tiraram da prisão o ex-tesoureiro do Partido Progressista João Cláudio Genu e confirmaram uma liminar concedida por Gilmar Mendes ao operador dos senadores do MDB nos esquemas ilícitos, Milton Lyra.
A tríade Gilmar/Toffoli/Lewandovski também invalidou as provas que foram obtidas no apartamento da senadora Gleisi Hoffmann – na semana passada já a haviam inocentado em um processo de corrupção e lavagem de dinheiro. Agora, eles entenderam que um juiz de primeiro grau não poderia emitir tal mandado de busca e apreensão na residência de uma parlamentar federal, que possui prerrogativa de foro. Neste caso, o alvo da busca e apreensão era o marido de Hoffmann, o ex-ministro Paulo Bernardo, que não tem foro privilegiado. Ainda assim, as provas não foram reconhecidas. A guerra de poder e de nervos dentro do Supremo entra em pausa por causa do recesso, mas volta com tudo em agosto. Devem ser semanas movimentadas até que a configuração da corte mude, com saída de Cármen Lúcia da presidência e a modificação da composição das turmas.
'Habeas corpus' para Cunha, que, porém, permanece preso
O ex-deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ) obteve uma pequena vitória no Supremo Tribunal Federal. Alvo de quatro decretos de prisão, ele conseguiu anular um deles, em um processo que responde na Justiça Federal do Rio Grande do Norte. Nesta quinta-feira, o ministro Marco Aurélio Mello emitiu alvará de soltura em um processo que Cunha responde em Natal (RN). Porém, há outros três mandados de prisão contra ele. Seno que dois deles se referem a condenações na Justiça Federal do Paraná e do Distrito Federal. Ao todo, o ex-deputado que impulsionou o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) já foi condenado a 39 anos de prisão por crimes como lavagem de dinheiro, corrupção, evasão de divisas e violação de sigilo funcional.
Máfia da merenda e voos fantasmas
A Segunda Turma ainda suspendeu uma ação judicial contra o deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP), no qual era suspeito de participar do desvio de recursos destinados à compra de merendas para escolas públicas. A denúncia contra Capez ocorreu pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O caso ficou conhecido como Máfia da Merenda. O deputado é suspeito de receber propina de uma cooperativa de suco de laranjas para interferir a favor dela junto ao governo estadual. Em troca, teria recebido recursos para bancar sua campanha eleitoral.
Os ministros também rejeitaram uma denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o deputado federal Thiago Peixoto (PSD-GO). A acusação era de que ele tinha fraudado sua declaração de campanha eleitoral. Ele apresentou uma doação de 30.000 reais em voos que teriam sido doados por uma pessoa que já havia vendido a aeronave no período em que Peixoto alegava ter voado. Os ministros entenderam que não houve crime, apenas uma falha na declaração que não era passível de punição.
Pacote de venenos
Na Câmara dos Deputados, os parlamentares aprovaram em uma comissão especial mudanças na lei dos agrotóxicos. O projeto, batizado por ONGs ambientalistas de “pacote de veneno”, foi aprovado na segunda-feira em meio ao forte lobby da bancada ruralista e da indústria química. Prevê, principalmente, a facilitação na liberação de agrotóxicos e enfraquece os mecanismos de controle e vigilância adotados pelos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.
A aprovação na comissão foi por 18 votos a favor e 9 contrários. O projeto ainda será levado ao plenário da Câmara. Não há data para essas votações. Caso se torne lei, enfrentará também a oposição do Ministério Público Federal, que, em uma nota técnica, apontou que a proposta é inconstitucional em pelo menos seis de seus artigos.
Pacote de bondades em SP
Na cidade de São Paulo, os vereadores aproveitaram os holofotes focados em outros assuntos para aprovarem uma série de benefícios aos servidores do Tribunal de Contas do Município que totalizam um custo de 16 milhões de reais anuais aos cofres públicos. Entre os benefícios, há o pagamento de auxílio-saúde (de até 1.079 reais por mês) e de auxílio-alimentação (de até 573 reais mensais). Os benefícios vão na contramão de um movimento que defende a redução dos gastos com funcionalismo público pelo país.
El País: Lava Jato quer montar sua bancada policial no Congresso
Ao menos cinco ex-juízes também tentam chegar a cargos eletivos nesta eleição. Deputados apoiam CPI para investigar investigadores
Por Afonso Benites, do El País
Tentando aproveitar a onda de combate à corrupção e a operação Lava Jato, um grupo de policiais federais e juízes tenta obter nas urnas o apoio para se elegerem deputados e governadores. Ao menos 35 tentam viabilizar suas candidaturas para se colocarem como opção aos eleitores. Três deles são ex-juízes, que desistiram da toga para tentarem se eleger governadores de seus Estados. São eles: Odilon de Oliveira (PDT-MS), Márlon Reis (REDE-TO) e Wilson Witzel (PSC-RJ). Mais dois ex-magistrados tentarão concorrer ao Congresso, Julier Sebatião (PDT-MT) e Selma Arruda (PSL-MT). E outros 30, são policiais federais que disputarão vagas em Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados.
Esses agentes de segurança pública se uniram em uma frente que dá suporte às candidaturas. Participam, por exemplo, de um debate em que se comprometeram a defender as mesmas pautas no Legislativo com relação à segurança pública, assim como na defesa dos interesses da categoria policial. Um dos desafios será, por exemplo, lutar para impedir que sejam instaladas Comissões Parlamentares de Inquérito para investigar os investigadores. Nesta semana ganhou força em Brasília a CPI da Lava Jato, que já conta com 190 assinaturas. O objetivo é investigar supostos abusos da operação que minou a classe política brasileira. “Formamos essa frente Lava Jato para tentar aproveitar esse momento de combate à corrupção. Por mais que o nome provoque amores e desamores em parte da população, entendemos que há mais pontos positivos do que negativos”, afirmou o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Luis Boudens.
Na atual legislatura, dos 513 deputados federais, dois são PFs: Aluisio Mendes (PODE-MA) e Eduardo Bolsonaro (PSL-MA). O primeiro é agente aposentado da PF e foi eleito depois de ser secretário de Segurança do Maranhão. O segundo, que estava na polícia há apenas cinco anos, garantiu sua vaga no Congresso principalmente por causa do sobrenome de seu pai, o deputado federal e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Ambos disputarão a reeleição. A meta para 2018 é eleger entre cinco e sete policiais federais.
Uma característica entre os candidatos policiais é o de se afastar de partidos pré-definidos como de esquerda. “Depois do mensalão e da Lava Jato o PT e os partidos ligados a ele ficaram marcados pela corrupção. Nossos policiais que eram filiados a uma dessas legendas ou se desligaram ou desistiram de concorrer”, afirmou Boudens.
Um dos rostos policiais mais marcados pela operação, o de Newton Ishii (o japonês da federal), não estará nas eleições deste ano. Apesar de ter se filiado ao Patriota, do Paraná, e ter recebido diversos convites, o agente aposentado decidiu não se candidatar neste ano. Diz que sua função é orientar os candidatos, por meio de palestras que profere.
Na eleição passada, de 2016, ao menos dois policiais federais já tinham se aproveitado da onda Lava Jato para se apresentarem como políticos. Ambos se elegeram vereadores em Campo Grande (André Salineiro, do PSDB) e em Três Lagoas (Renee Araújo, do PSD), no Mato Grosso do Sul. Agora, pretendem fazer uma “dobradinha” para tentarem chegar à Assembleia e à Câmara. “No legislativo o policial tenta levar a experiência que ele teve na rua”, completou Boudens.
Ao contrário dos policiais, os magistrados não são tão organizados enquanto classe. Depois que desistiram do Judiciário, apenas tiveram reuniões esporádicas com seus colegas e as entidades que os representam. Ainda assim, tentam usar suas experiências como profissionais que sentenciaram grandes criminosos para se elegerem. Um dos exemplos é Odilon. Pernambucano que fez a carreira no Mato Grosso do Sul, ele é reconhecido por decisões contrárias a narcotraficantes como Fernandinho Beira Mar e Jorge Rafaat.
Márlon Reis, do Tocantins, foi candidato na eleição suplementar que ocorreu no início deste mês, acabou em quinto lugar, mas deverá colocar seu nome novamente nas urnas em outubro. Ele é um dos autores da Lei da Ficha Limpa. Já Witzel, que presidiu a Associação dos Juízes Federais do Rio e do Espírito Santo, teve a carreira vinculada à área de execuções penais. Em seu discurso ensaiado costuma dizer que na política tentará evitar os erros que costumam ser corrigidos pelo Judiciário.
No Mato Grosso, dois ex-magistrados foram cotados para o Governo, cujo o titular é Pedro Taques (PSDB), ex-procurador de Justiça. Mas ambos desistiram. Julier tentará uma cadeira na Câmara e Selma Arruda, no Senado. Apesar de fugirem de comparações com a esquerda, todos esses antigos membros do Judiciário tentam obter o mesmo sucesso que o atual governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Antes de se engajar na política partidária, ele foi presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros e, agora, tentará a reeleição contra o clã de José Sarney (MDB).
El País: O cemitério de imóveis da União que poderia aliviar o déficit de moradia do Brasil
Parte dos mais de 10 mil imóveis vazios em todo o país poderia ser destinada à habitação popular
Por Bruno Fonseca e Caroline Ferrari (Pública)
No centro do Rio de Janeiro, a dois quarteirões da Igreja da Candelária, um edifício de 11 andares permanece vazio há cerca de oito anos. Conhecido como Palácio dos Esportes, o prédio serviu de sede para a Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (FCBIA), extinta em 1998, e, depois, para diversas associações esportivas que o ocuparam esporadicamente. O edifício chegou a ser cotado para servir de sede do Porto Maravilha. A reforma do Palácio dos Esportes, contudo, foi descartada, pois considerou-se inviável a obra: somente o custo inicial do projeto de readequação das instalações era de R$ 4,2 milhões.
Abandonado, o prédio, propriedade da União, foi ocupado por um grupo não identificado em agosto de 2015 e esvaziado, no dia seguinte, pela Polícia Militar. Hoje, segue com as portas fechadas e deve ser destinado à Marinha, que assumirá o ônus da recuperação e manutenção das instalações.
O Palácio dos Esportes é apenas um entre os mais de 10 mil imóveis do governo federal que estão vagos, segundo a Secretaria de Patrimônio (SPU), ligada ao Ministério do Planejamento. A partir de dados abertos da SPU, a Pública apurou que, dos 10.304 imóveis que a secretaria afirma estarem desocupados, apenas 2.647 estão indicados nos dados disponíveis ao público.
Essa diferença de 7.657 imóveis desocupados que não constam na lista não foi explicada pela SPU até o fechamento da matéria – a secretaria se limitou a informar que o levantamento dos 10 mil imóveis vagos foi realizado em dezembro de 2017.
Além disso, na mesma base, outras 16 mil propriedades não possuem informação se estão ou não ocupadas. Procurada, a assessoria da SPU respondeu que pode haver mais imóveis vagos entre esses 16 mil e que essas propriedades “estão passando por um processo de recadastramento que teve início este mês [junho] e deverá estar concluído no final do ano”.
Além dos comprovadamente vagos, podem existir muitos outros, já que propriedades cedidas a outros órgãos, como governos e prefeituras, podem estar sob a descrição de “em guarda provisória”, caso do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou após um incêndio no centro de São Paulo no início de maio.
O Wilton Paes de Almeida, por exemplo, não era utilizado pelo governo havia mais de dez anos. Em outubro de 2017, a União passou o imóvel para a prefeitura de São Paulo. A justificativa era que a prefeitura deveria prevenir “invasões e depredações” e fazer limpeza periódica.
O cadastro atual da SPU lista 433 imóveis em guarda provisória em todo o país. Segundo a secretaria, a responsabilidade pela gestão do imóvel passa para quem o recebe.
Além disso, há ainda imóveis que estão desocupados e em reforma há muitos anos, sem que isso conste na listagem da SPU. Em outro exemplo no centro de São Paulo, um prédio cedido ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) está desde 2014 em processo de readequação. A previsão de utilização do espaço é apenas em 2020.
A dois quarteirões dos escombros do edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, localiza-se o condomínio Dandara. O antigo prédio da Justiça do Trabalho, vazio durante dez anos, foi totalmente reformado e entregue a 120 famílias do movimento de Unificação das Lutas de Cortiços e Moradia (ULCM).
O Dandara foi o primeiro edifício reformado pelo programa Minha Casa Minha Vida Entidades em São Paulo. Em 2009, o prédio vazio foi ocupado por integrantes da ULCM que pressionaram o Governo Federal para que houvesse uma destinação ao imóvel. A resposta veio em 2010, quando o Dandara foi cedido pela União através de uma Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), uma das formas existentes para destinar propriedades à habitação popular.
“A nossa organização não ocupa para morar [indefinidamente]. Se tem um prédio vazio, sem função social, a gente ocupa para criar um fato para que o governo olhe para aquilo que está abandonado”, explica a síndica do condomínio, Marli Baffini. Com a cessão do uso, a ULCM deixou o espaço para que as reformas ocorressem. A readequação, chamada de “retrofit”, levou cerca de quatro anos e custou R$ 12 milhões.
No centro do Rio de Janeiro, a Ocupação Manuel Congo, que já existe há cerca de dez anos, também foi reformada por meio do Minha Casa Minha Vida Entidades. O prédio, antiga sede do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é hoje lar de cerca de 40 famílias do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM).
Atualmente, a SPU lista 1.684 terrenos cedidos através da CDRU em todo o Brasil, a maior parte em Maceió (450), em Alagoas. Há, ainda, 939 imóveis de uso especial concedidos para moradia (CUEM) – forma de cessão gratuita de imóveis públicos em área urbana, mais da metade (499) em Belém, no Pará.”
Segundo Danielle Klintowitz, arquiteta do Instituto Pólis – organização não governamental que desenvolve políticas públicas na área urbana –, o déficit habitacional poderia ser atenuado se parte dos imóveis vagos da União fosse reaproveitada para moradia, o que ela considera obrigação constitucional do governo brasileiro. “A Constituição fala sobre a função social da propriedade pública e privada. Quando a União deixa esses imóveis vagos em áreas centrais, ela está fazendo uma medida inconstitucional porque não dá função social para os imóveis”, afirma Danielle. Na avaliação da arquiteta, disponibilizar imóveis da União para habitação pode evitar que tragédias como a ocorrida no Largo do Paissandú se repitam. “A gente deveria ter um sistema mais ágil de destinação desses imóveis. O que a gente tem hoje é que a SPU tenta cobrir o passivo de décadas”, comenta.
Na experiência de Fernanda Accioly, que trabalhou na SPU de 2010 a 2013, a transferência de imóveis da União para moradia passa por uma série de obstáculos que vão desde a resistência de funcionários públicos à falta de organização de movimentos de moradia em determinadas localidades, além da recusa de prefeituras de conduzir projetos de habitação em terrenos valorizados. “Um grande interlocutor para essa proposta se concretizar são as prefeituras, que muitas vezes não aceitavam que determinadas áreas bem localizadas com serviço de infraestrutura e transporte fossem disponibilizadas para fazer habitação de interesse social. Às vezes era preciso mudar o zoneamento ou aprovar o projeto, e eles não se dispunham”, relembra.
Margareth Uemura, coordenadora entre 2004 a 2006 do Programa de Reabilitação de Áreas Centrais, da extinta Secretaria de Programas Urbanos, critica o fato de que o Minha Casa Minha Vida tenha destinado mais recursos para empreiteiras construírem novas habitações em vez de financiar a reforma de imóveis abandonados. “O Minha Casa Minha Vida foi um programa declaratoriamente feito para movimentar recursos da economia destinados à empreiteiras e aos grandes conjuntos”, avalia.
No mesmo sentido, a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) Maria Lucia Refinetti afirma que a compra de terrenos para construção de moradia pode sair mais caro para as políticas habitacionais. “Não adianta a União se desfazer de um imóvel público para fazer dinheiro e depois adquirir [outro imóvel] para fazer política de habitação se precisar fazer desapropriação e acabar pagando mais por isso”, pondera. Na avaliação de Klintowitz, outro problema do Minha Casa Minha Vida foi a construção de moradia em áreas mal localizadas. “Se esse programa tivesse acontecido de verdade, a gente poderia ter produzido unidades habitacionais mais bem localizadas”, analisa.
Em Brasília, condomínio fechado disputa terra pública
Segundo os registros da SPU, a cidade brasileira que mais possui imóveis da União vagos para uso é Brasília. Lá, a secretaria aponta 173 terrenos ociosos, a maioria deles, 96, na região administrativa de Santa Maria, antiga área de assentamento de famílias de baixa renda no sul do Distrito Federal.
Nessa região está o Residencial Santos Dumont, loteamento privado de casas envolvido em uma disputa com a Agência de Fiscalização do Governo do Distrito Federal (Agefis). Construído inicialmente como moradia para militares da aeronáutica, o condomínio passou a ser residência de civis – cerca de 14 mil pessoas vivem no local.
Em 2015, o residencial foi notificado pela Agefis por ter cercado irregularmente o seu entorno, isolando terrenos e serviços públicos, como uma escola e um posto policial. A Agefis ordenou a derrubada de 2 quilômetros do cercamento, mas, contestada pelos moradores, a decisão não foi levada adiante. Segundo a Agefis, o residencial “não é um local de prioridade de fiscalização neste momento”. Já a administração do condomínio afirma que a cerca sempre existiu e negou ocupar terreno público.
Além dos imóveis ociosos em Santa Maria, Brasília possui terrenos vagos em áreas nobres do Plano Piloto, como nas asas Norte e Sul. A Asa Norte é a campeã, com 38 terrenos vagos para uso; já na Asa Sul são seis. Fora os terrenos, as duas asas juntas possuem 49 apartamentos vagos. Há, ainda, dois andares em edifícios, três salas e duas residências vagas.
A SPU aponta que a maior parte dos terrenos vagos do Distrito Federal está nas proximidades do Condomínio Santos Dumont, que foi notificado pelo governo por cercar área pública.
O segundo município brasileiro com mais imóveis vagos para uso é outra capital: Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Na cidade, a maior parte dos imóveis vagos são terrenos, sobretudo os lotes do Jardim Imá, área ao redor do aeroporto e da base aérea da Força Aérea Brasileira (FAB).
A terceira cidade na lista também fica no Mato Grosso do Sul: Ponta Porã, na divisa do estado com o Paraguai. O município possui 112 imóveis vagos para uso, a maioria deles terrenos vagos na Vila Militar, bairro próximo ao centro da cidade.
Campo Grande e as cidades fronteiriças do Mato Grosso do Sul fazem do estado um dos com mais imóveis vagos para uso entre os estados brasileiros. O topo da lista, contudo, é ocupado por São Paulo – o estado mais populoso do país tem 622 imóveis da União ociosos, muitos deles ex-propriedades de estatais extintas ou privatizadas.
Os terrenos ociosos fruto das privatizações da década de 1990
A cidade paulista com mais imóveis vagos é Araraquara, onde há 103 terrenos da União sem uso. Boa parte são lotes das antigas Rede Ferroviária Federal (RFFSA) e Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), estatais privatizadas no final da década de 1990 pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Extintas, as estatais deixaram para trás terrenos não apenas em Araraquara, mas em todo o interior paulista.
Em Leme, um terreno abandonado da Fepasa chegou a ser ocupado por 120 famílias sem-teto em agosto de 2017. As famílias foram expulsas pela PM em outubro de 2017.
Em Campinas, um edifício e dois terrenos da antiga malha ferroviária foram cedidos pela SPU à prefeitura, um deles para projetos habitacionais para famílias de baixa renda.
A prefeitura de Rincão chegou a ser incluída no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Governo Federal – que limita as verbas recebidas da União – por dívidas na compra de terrenos da Fepasa na década de 1990.
El País: Candidatura de Ciro ganha corpo e atrai esquerda, direita e Centrão
Nome do PDT tenta aliança à esquerda, com PSB, enquanto mantém contato com partidos à direita e que temem ficar fora do próximo Governo. Falas polêmicas são desafio para cearense
Por Talita Bedinelli e Afonso Benites, do El País
O ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (PDT) aproveita-se do bom momento que o rodeia e está na batalha para se consolidar como o nome mais viável da centro-esquerda para as próximas eleições presidenciais. Nas últimas semanas, sua candidatura começou conversas discretas com PP, DEM e PR, partidos do espectro da direita que buscam uma saída para evitar ficar na oposição durante o próximo Governo e começam a ver o nome de Ciro como promissor. Ao mesmo tempo, tenta atrair mais à esquerda o PSB, competindo com o PT pelo apoio da sigla.
Ciro ganhou um impulso nas últimas semanas, especialmente depois de sua participação no programa Roda Viva, na TV Cultura, no final de maio, quando seu nome chegou aos trending topics do Twitter. Um levantamento feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da Fundação Getúlio Vargas há duas semanas aponta que sua presença no debate sobre os pré-candidatos tem aumentado de forma consistente nas redes sociais. O ex-governador do Ceará se apresenta atualmente como o terceiro com maior volume de referências. Está ainda muito atrás de Luiz Inácio Lula da Silva e de Jair Bolsonaro, mas à frente de Manuela D’Ávila (PCdoB) e de Guilherme Boulos (PSOL), que haviam expandido suas presenças no Twitter pelo apoio associado a Lula. "Pela primeira vez Ciro Gomes surge como foco de críticas no grupo azul [ligado a perfis de direita]. Isso demonstra uma preocupação com o pré-candidato, que passou a ser visto como um competidor mais forte na corrida eleitoral após sua aparição no programa", afirma o texto do DAPP.
"A gente está no jogo", comemora o presidente do PDT, Carlos Lupi, responsável pelas articulações políticas da campanha de Ciro, em conversa com o EL PAÍS. "Estamos na fase de solidificação da candidatura e é natural que se comece a ter uma consciência de que ele é o mais viável das forças populares de centro-esquerda", afirma ele, que ressalta que as conversas com o PSB estão avançadas e "têm tudo para dar certo." As pesquisas apontam que Ciro é, neste momento, o único nome da esquerda com viabilidade além de Lula, líder das pesquisas, que pode ter sua candidatura impugnada pela Lei da Ficha Limpa após ter sido condenado em segunda instância a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela Operação Lava Jato.
O levantamento Datafolha mais recente, divulgado no domingo, dia 10, apontava que, na ausência de Lula, Ciro aparecia com 10% das intenções de voto, bem à frente de Fernando Haddad, uma das opções petistas para substituir Lula (1%), Manuela D'Ávila (2%) e Guilherme Boulos (1%). Com o ex-presidente na disputa, seu desempenho cai para 6%. O impacto é maior especialmente no Nordeste, onde sem Lula ele alcança 13% das intenções de voto e cai para 7% quando o nome do petista é testado. Lula, entretanto, se mostra como um forte transferidor de voto. Por isso, o ideal para que a estratégia de Ciro decole é que o PT, diante de uma eventual impugnação da candidatura Lula, desista de ter um nome próprio na disputa de outubro e o apoie, algo defendido por uma parte do partido, mas que, neste momento, se mostra pouco viável.
Os desafios
Ciro enfrenta obstáculos importantes em sua campanha. O primeiro deles são as falas polêmicas. Em entrevista à Rádio Jovem Pan nesta segunda-feira, ele chamou o vereador de São Paulo Fernando Holiday, do DEM, partido que pode apoiá-lo, de "capitãozinho do mato". Nesta terça-feira, discordou de forma nervosa do formato de um painel feito com pré-candidatos pela Associação Mineira de Municípios, que limitava a três minutos o tempo de duas respostas a que teria direito. Segundo relato do jornal Correio Braziliense, ele se irritou ao ser interrompido durante a primeira resposta e, depois, de o segundo questionamento ser sobre o mesmo tema do anterior. Deixou o debate antes das considerações finais e acabou vaiado.
Depois, a falta de força no Sudeste, o maior colégio do país, com 43,6% do eleitorado —na região, ele chega a 9% das intenções de voto, em um cenário sem Lula, e a 6%, com Lula. E, por último, a resistência do mercado a seu nome: segundo a avaliação de 97% dos investidores ouvidos pela XP Investimentos há duas semanas, Ciro é apontado como alguém que contribuiria paras "desfechos negativos" para o Ibovespa por atacar as reformas propostas pelo governo Michel Temer e o teto de gastos públicos.
O ex-governador se defende ao afirmar que revogaria a PEC do teto de gastos porque ela impacta, segundo ele, a expansão de serviços públicos. "Não vamos mais atualizar os carros da polícia? Não temos como expandir o serviço!", destacou em uma sabatina do jornal Correio Braziliense. "Fui ministro da Fazenda, comandei a economia do Brasil, governei o oitavo Estado brasileiro em população, a quinta maior cidade do Brasil e não tenho um dia de déficit na minha longa história. Pelo contrário, como governador do Ceará fui ao mercado e comprei com 15, 20 anos de antecedência 100% das dívidas do tesouro cearense. Por que esse mercado vai tirar de mim a suspeição de que não sou austero?", ressaltou ele.
Apesar de Lupi negar que já tenha havido qualquer conversa oficial com os partidos de centro-direita até agora, o fato é que uma aliança com o DEM, o PP e o PR poderiam ajudar Ciro em relação a seus dois últimos problemas. Estes partidos são mais amigáveis ao mercado, o que poderia acalmar mais os analistas da área econômica. E eles poderiam oferecer como vice um nome do eixo Rio-São Paulo e da área empresarial, como o de Benjamin Steinbruch, filiado ao PP-SP, que deixou seu cargo na Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp) para se colocar à disposição do pedetista.
Depois de um mal-entendido na semana passada, em que Ciro defendeu a aliança com PSB e PCdoB para garantir a "hegemonia moral e intelectual" de sua chapa à presidência, o presidenciável precisou se desculpar com os partidos de centro que sinalizaram uma aproximação com vias à disputa presidencial. A retratação foi aceita e, entre terça e quarta-feira desta semana, ele deve se reunir com lideranças do PP, SD, DEM e PSC em Brasília para dar mais um passo nessa aproximação.
Conforme o presidente do Solidariedade, o deputado Paulo Pereira da Silva, o objetivo inicial desse grupo ligado ao Centrão, um grupo que se organizou em torno do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e foi um dos patrocinadores do impeachment, era tentar viabilizar uma das candidaturas que já estão postas. Mas nenhum dos nomes chegou aos 2% de intenções de votos. "Como nenhum dos nossos está decolando, temos de abrir a negociação com outras candidaturas viáveis. É nesse cenário que apareceram os nomes do Ciro e do Geraldo Alckmin [PSDB]".
Apesar de também haver uma sinalização ao nome de Alckmin, Silva acredita que ele estaria mais distante de receber o apoio do Centrão. "De zero a dez, o Ciro tem sete, o Alckmin os outros três". A data-limite para a declaração desse apoio é 10 de julho, dias antes das convenções que oficializam as candidaturas.
O Centrão não quer ser oposição ao próximo presidente e "vende" como moeda de troca 23% do tempo de propaganda em rádio e TV e apoio direto de 120 deputados federais da atual legislatura. A única maneira de esse grupo estar de fora de um eventual segundo turno, em um primeiro momento, seria se os concorrentes fossem Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (REDE). "Ele é de extrema direita, e não queremos isso para o país. E ela não tem nada a ver com nosso grupo político", diz Silva.