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El País: Josué Gomes, um herdeiro do lulismo que Alckmin quer como trunfo

Inviabilidade da campanha de Lula pode empurrar filho de José Alencar para ser vice na chapa oposta. Dirigentes do PR esperam definição até quinta

Por Rodolfo Borges, do El País

O nome de Josué Gomes uniu o Centrão. E o Centrão, o bloco composto agora por PP, Solidariedade, DEM, PRB e o PR de Josué, se reuniu, até agora, em torno da pré-candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) à presidência da República. Nos arranjos finais para o início da campanha eleitoral, o empresário filho do falecido vice-presidente José Alencar ganhou força como companheiro de chapa perfeito, não só para a centro-direita, e é desejado como um último trunfo do ex-governador de São Paulo para consolidar sua caminhada do rumo ao Palácio do Planalto. Um trunfo tão valioso que o PT mobilizou esforços para tentar neutralizá-lo. Toda a movimentação colocou o presidente do grupo Coteminas no centro dos holofotes nesta segunda-feira. O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), havia acenado a Josué com a posição de vice em sua chapa à reeleição. Em resposta, o ex-deputado Valdemar Costa Neto, que comanda as tratativas do Partido da República, decidiu se reunir previamente com o empresário nesta segunda, quando o empresário também conversaria com Alckmin. O tucano saiu da conversa com o mineiro sem acordo ou compromisso, mas pôde comemorar o fato de que Pimentel acabou adiando um encontro que teria o empresário. O suspense seguia.

Historicamente, Josué tem mais proximidade com os petistas, ainda que tenha feito críticas de cunho econômico que o aproximem de Alckmin. O herdeiro político de José Alencar, vice-presidente na chapa com Luiz Inácio Lula da Silva por dois mandatos, tinha um entendimento prévio com o PT, segundo a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR): só seria vice de Lula. Mas uma liderança do PR ouvida pelo EL PAÍS disse que esse acordo só faria sentido se o ex-presidente, preso desde abril, pudesse ser candidato.

Além da parceria de seu pai com Lula, o empresário, que assumiu de fato o lugar de Alencar como presidente do Grupo Coteminas em 2006, foi candidato sem sucesso como "Josué Alencar" ao Senado pelo MDB de Minas Gerais em 2014, com o apoio da então presidenta Dilma Rousseff. Os contatos são ainda mais recentes. Foi na qualidade de principal nome do grupo que controla marcas como MMartan e Santista, dono da maior operação de cama, mesa e banho da América Latina, que, em outubro do ano passado, Josué recebeu a caravana de Lula em uma fábrica da Coteminas em Montes Claros (MG). Na visita, o empresário ouviu do ex-presidente elogios ao pai, devidamente gravados em vídeo e divulgados na página de Facebook do petista.

Em abril passado, Josué, trocou o MDB pelo PR com vias a um possível acordo com o PT em Minas, mas os rumos da política tentam levar o admirado homem de negócios para um lado com o qual ele parece ter mais afinidade ideológica, como mostram suas manifestações como executivo. Desde 2005, a Coteminas se fundiu com a norte-americana Springs e deu origem à Springs Global, também sob a batuta de Josué. Em 2016, no contexto do processo de impeachment de Dilma, o empresário assinou mensagem aos acionistas da Springs Global dizendo que "a falta de convicção nas ações do Executivo, que adotou discurso de austeridade fiscal, porém privilegiando a elevação de tributos, e minimizando o imprescindível corte de despesas e a redução do tamanho do Estado brasileiro, inchado e ineficiente, não ajudaram a tranquilizar os agentes econômicos". "O Brasil se encontra numa encruzilhada, e a sociedade precisa decidir que direção tomar. O processo de crescimento do Estado vem desde a Constituição de 1988", dizia o comentário, que seguia: "Criamos um Estado provedor obeso, ineficiente, voraz, que retira seu sustento dos setores eficientes da economia e não retorna à sociedade com serviços minimamente aceitáveis e dignos".

Esse tipo de discurso pode ajudar o PSDB de Alckmin a recuperar seu protagonismo na centro-direita, considera o cientista político Rafael Cortez, sócio da consultoria Tendências. "A adesão de Josué Gomes também pode levar grandes setores econômicos a contribuir com o financiamento da campanha", diz Cortez _ainda que como pessoa física, já que as doações empresariais estão vetadas. Outra vantagem da parceria com o empresário é a potencial atração do eleitorado mineiro. "Minas é a perna que tem faltado para o PSDB materializar todo seu potencial", opina o cientista político, lembrando que Dilma ganhou de Aécio Neves no Estado em 2014. Para o cientista político Adriano Oliveira, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é possível até que Josué consiga carregar algum capital de sua proximidade com Lula para uma outra chapa.

Na semana passada, quando os partidos do Centrão sinalizaram seu apoio a Alckmin, Josué, que estava em viagem pela Europa, divulgou uma nota pouco conclusiva. "De minha parte, creio firmemente que uma coligação deva estar baseada em programas e ideias que projetem os rumos a serem seguidos pelo Brasil. Recebi com responsabilidade essa possível indicação. Agradeço a confiança que as lideranças depositam em meu nome. No meu retorno, procurarei inteirar-me dos encaminhamentos feitos pelos partidos, para que possa tomar uma decisão", escreveu. Fez menção, ainda, a José Alencar: "Relembro o meu saudoso pai, que dizia que o importante na chapa é quem a encabeça. E acrescentava: 'Vice não manda nada e deve evitar atrapalhar". A decisão, espera-se, sai até a próxima quinta-feira.


El País: Cuba elimina a palavra “comunismo” no anteprojeto de reforma constitucional

O novo texto só menciona o “socialismo” e suprime o objetivo do “avanço rumo à sociedade comunista”, que figura na atual Constituição de 1976

Por Pablo de Llano, do EL País

O regime cubano decidiu dizer adeus formalmente ao comunismo. O conceito foi eliminado no anteprojeto de reforma constitucional em andamento, segundo informaram neste sábado os veículos oficiais da ilha. Imerso num processo de liberalização controlada do modelo econômico, o Governo de Cuba inclui no novo texto o reconhecimento da propriedade privada e se desprende da referência à ideologia comunista, embora enfatize que o socialismo continue sendo política de Estado.

A Constituição vigente, promulgada em 1976 e redigida à imagem e semelhança das Cartas do bloco socialista, prevê, em seu artigo 5, o objetivo do “avanço rumo à sociedade comunista”. Com a reforma constitucional, essa ideia desapareceria. Uma mudança de enorme importância histórica, que o Governo apresenta como mera adaptação da linguagem à nova fase de continuidade revolucionária. “Não quer dizer que vamos abrir mão das nossas ideias, e sim que, em nossa visão, pensamos num país socialista, soberano, independente, próspero e sustentável”, disse na sexta-feira o presidente da Assembleia Nacional, Esteban Lazo.

O Parlamento unicameral cubano abriu neste sábado uma sessão que se estende até segunda-feira e na qual os deputados debaterão o texto da reforma, para que seja depois submetido a consulta popular. Ideologicamente, Cuba ficará na paradoxal situação de se apartar da ideia do comunismo em sua Constituição sem deixar de reconhecer o Partido Comunista como máximo órgão de direção do país. O anteprojeto de reforma, segundo o jornal oficial Granma, “ratifica o caráter socialista da Revolução e o papel dirigente do Partido”, além da “irrevogabilidade do modelo político e econômico”.

O Governo começou a remodelar o modelo econômico – e a contenção da narrativa comunista – em 2011, com a elaboração das chamadas Diretrizes da Política Econômica e Social do VI Congresso do Partido Comunista de Cuba. Os 313 pontos do documento refletiam a ordem de Raúl Castro de iniciar uma guinada do sistema que permitisse dinamizar a raquítica economia cubana, dando maior espaço ao trabalho por conta própria e abrindo o país aos investimentos estrangeiros. O raulismo marcou uma mudança rumo a um maior pragmatismo em relação à linha imposta durante décadas por Fidel Castro, muito refratário à abertura ao mercado e aferrado até sua saída do poder (por doença) à narrativa marxista-leninista.

Um gabinete de continuidade

Cuba caminha rumo à era pós-Castro sob a égide da continuidade. O presidente Miguel Díaz-Canel, de 58 anos, nascido depois da revolução de 1959 e a quem Raúl Castro, 87, cedeu o cargo em abril, após prepará-lo durante anos como leal sucessor, formou um Conselho de Ministros que mantém os desígnios de seu mentor. A Assembleia deu sua aprovação neste sábado ao novo Gabinete, que conserva 20 dos 34 ministros do general. Castro permanecerá até 2021 como secretário-geral do PC cubano, máxima autoridade da ilha, acima do Executivo.

A principal novidade no Gabinete foi a nomeação de outro ministro da Economia, Alejandro Gil, até agora vice-ministro. Desde que assumiu o comando, em 2008, Raúl iniciou uma lenta adaptação do sistema socialista ao mercado e aos investimentos estrangeiros, que Díaz-Canel terá que acelerar se quiser tirar o país de sua perpétua situação de carestia e reverter os índices quase nulos de crescimento. Gil terá a missão de agitar o complicado coquetel de estatismo e liberação. Membro da nova geração da alta burocracia cubana, o novo ministro da Economia substitui um funcionário da velha guarda, Ricardo Cabrisas, 81, que será um dos quatro vice-presidentes do Conselho de Ministros – onde permanece Ramiro Valdés, 86, do núcleo duro histórico.

Quando assumiu a presidência, em abril, Díaz-Canel – um tecnocrata com reputação pró-abertura mas que há dois anos adotou um discurso cada vez mais rígido e conservador – deixou claro que seu norte era a “continuidade”, hoje conceito-chave do status quo cubano. Em sua equipe seguirão ao seu lado pesos-pesados do sistema, como o chanceler e cérebro das relações com os Estados Unidos Bruno Rodríguez, 60; Leopoldo Cintra, 77, militar do círculo mais próximo de Raúl Castro, como ministro das Forças Armadas; e o vice-almirante Julio Césa Gandarilla, 75, responsável pelo poderoso Ministério do Interior. Os Ministérios do Comércio e Investimentos Estrangeiros e do Turismo, duas pastas de especial relevância pela necessidade urgente de Cuba de atrair capital, continuarão nas mãos de Rodrigo Malmierca e Manuel Marrero. O Gabinete, com uma média de idade de 60 anos, é formado por 26 homens e oito mulheres.

Sinal verde para o casamento gay

O texto da nova Constituição abre a possibilidade de legalização do casamento homossexual em Cuba. Segundo afirmou na Assembleia Nacional Homero Costa, secretário do Conselho de Estado, o artigo 68 define o casamento como a união “entre duas pessoas (...) e não diz de qual sexo”. A atual Constituição, de 1976, só contempla a união matrimonial entre homem e mulher. A legalização do casamento homossexual é uma reivindicação cada vez mais imperiosa da comunidade LGBT cubana. É defendida por Mariela Castro, filha de Raúl e diretora do Centro Nacional de Educação Sexual de Cuba. Grupos evangélicos se manifestaram na ilha, nos últimos dias, ante a perspectiva da mudança legal.


El País: Os quatro meses de silêncio de um brutal crime político

Investigação da Polícia Civil do Rio sobre assassinato da vereadora Marielle e de seu motorista, Anderson, segue sigilosa. Pressão da Anistia Internacional por comissão externa cresce

Por Felipe Betim, do El País

A brutal execução da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes completou quatro meses no sábado passado sem que se saiba ainda quem os matou e mandou matá-los. As investigações seguem sob sigilo absoluto do Departamento de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro, principalmente após vazar o depoimento de uma testemunha que acusou o vereador Marcello Siciliano e o miliciano Orlando de Curicica, que está preso, de serem os mandantes da execução. A pressão para que o crime fosse desvendado começou um dia depois do ocorrido, quando milhares de pessoas ocuparam as ruas nas capitais brasileiras, ao mesmo tempo em que se criava o entendimento de sua complexidade e do longo tempo que a apuração levaria. O apoio de familiares e amigos das vítimas aos investigadores sempre existiu, mas, diante de um deserto informativo imposto pela polícia, cresce a impaciência e a angústia.

"Estamos cada vez mais preocupados e ansiosos com os rumos das investigações. Cada vez que entramos em contato, eles dizem que estão avançando lentamente e que existe uma complexidade muito grande. Está na hora de a sociedade ter uma resposta", afirma o vereador Tarcísio Motta, colega de Marielle na Câmara dos Vereadores e no PSOL. Ele continua achando que de fato existe uma complexidade, mas a preocupação agora é se ela "é um limite que impede a polícia de avançar, ou se de fato estão avançando". Também garante: "Estamos num momento de virada entre a postura que tivemos até aqui, de confiança, para uma postura de cobrança".

O deputado estadual Marcelo Freixo, mentor político de Marielle, com quem trabalhou na Assembleia Legislativa do Rio, dialoga com os delegados com frequência e faz a ponte entre eles e familiares. Continua defendendo que o melhor foi que a Polícia Federal não assumisse o caso, como foi sugerido inicialmente por autoridades. Ele reafirma que a investigação não está parada, ainda que admita estar intranquilo. "Mais de uma equipe está trabalhando no caso, pessoas estão indo depor e estão buscando informações. É um crime muito sofisticado, não tem comparação com qualquer outro", argumenta o parlamentar, que também garante que quanto mais apoia os investigadores, mais cobra por resultados. "Não estou justificando a demora, mas não é um caso fácil de ser resolvido. Mas ele tem que ser resolvido, não há hipótese de que não seja resolvido", completa.

Freixo apoia o sigilo das investigações e critica o vazamento do depoimento que acusou o vereador Siciliano. Algo que, para ele, atrapalhou as apurações e serviu para desviar o foco. Acredita, porém, que "talvez falte um pouco de habilidade" da Polícia Civil "no sentido de deixar claro que algumas iniciativas estão sendo feitas". Para Renata Neder, coordenadora de pesquisa da ONG Anistia Internacional, sigilo não pode ser confundido com o silêncio das instituições e das autoridades do caso. "Detalhes devem permanecer em sigilo, mas a chefia da polícia, o secretário de Segurança, o interventor federal do Rio e o procurador-geral precisam sim se pronunciar publicamente e prestar contas à sociedade sobre de que forma estão priorizando as investigações e se comprometer em solucionar o caso da forma correta". O EL PAÍS tentou sem êxito contactar os responsáveis pelo caso. Oficialmente, a Polícia Civil reafirma o sigilo das apurações.

A pressão sobre a corporação se intensificou nos últimos dias, com a Anistia propondo a criação de uma comissão externa, formada por especialistas, peritos e juristas, que tenha acesso às investigações e possa acompanhá-las, sem nenhum tipo de conflito de interesse. Ainda que a Câmara dos Deputados tenha formado uma comissão externa, a organização fala sobre a necessidade de um mecanismo fora do aparato estatal que não esteja subordinado a seus interesses, e que possa "monitorar o trabalho da polícia, garantindo que esteja sendo feito como deve, que nada esteja sendo forjado e que não haja pressão ou interferência indevida externa", explica Neder.

A preocupação da organização se baseia sobretudo no histórico de assassinatos de defensores de direitos humanos no Brasil. De acordo com a Front Line Defenders, que utiliza dados da Comissão Pastoral da Terra, o país é um dos que mais mata ativistas: só em 2017 foram registradas 70 execuções no país —28 delas em chacinas— entre as 312 registradas em todo o mundo. A maior parte desses assassinatos ocorre no campo, durante conflitos por terra ou acesso à recursos naturais. Isso significa que o Brasil está num seleto grupo de países, junto com Colômbia, México e Filipinas, que concentra a maior parte dos homicídios. "O padrão é de não investigação devido a uma negligência do Estado, que não quer enfrentar interesses de certos grupos. Alguns casos, inclusive, contam com a participação de policiais diretamente, como foi a chacina de Pau D'arco", explica Neder, em referência ao assassinato de dez trabalhadores rurais no Pará, em 2017.

Outro padrão recorrente, e em especial no Estado do Rio, é a falta de apuração de crimes nos quais existe a possibilidade de policiais estarem envolvidos, lembra Neder. Um relatório de 2015 da Anistia mostrava que dos 220 registros de homicídios decorrentes de intervenção policial feitos em 2011, 183 permaneciam em aberto em 2015. "Um Boletim de Ocorrência foi aberto, mas nenhuma diligência foi feita", explica a especialista.

O caso Marielle reúne as duas características descritas acima: ela era uma defensora dos diretos humanos, com atuação nas favelas e periferias do Rio, e existe uma forte suspeita de que agentes estatais estejam envolvidos, dado o grau de profissionalismo e a arma utilizada —uma submetralhadora HK MP5, de alta precisão e utilizada por forças policiais de elite. "Precisamos desde já exigir a resposta adequada, não podemos esperar um ou dois anos de impunidade para mobilizar. Marielle era uma vereadora, então esse assassinato não foi apenas um ataque aos direitos humanos, mas também às instituições democráticas. O Estado precisa responder à altura, porque senão o recado é de que você pode fazer isso e se dar bem", indica Neder.

A diferença do caso Marielle com relação aos demais é a mobilização popular, à exemplo do que aconteceu após os assassinatos do pedreiro Amarildo de Souza Lima, morador da Rocinha morto por PMs em 2013, e da juíza Patrícia Acioli, executada em 2011 por policiais após ter julgado agentes que praticavam homicídios e extorsões no município de São Gonçalo. Ambos os casos foram investigados —o caso dela demorou um mês para ser elucidado; o dele, três meses— e julgados, lembra Freixo.
A falta de uma cultura investigativa

Jacqueline Muniz, antropóloga, cientista política e especialista em segurança pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que o maior obstáculo para a Polícia Civil, quatro meses depois da morte de Marielle e Anderson, é o tempo: "No mundo todo, os crimes de homicídios tendem a ser elucidados em menos de um mês. Quanto mais próximo da ocorrência, maior a chance de elucidação", explica. "Nos primeiros dias os fatos estão quentes, os envolvidos estão mais expostos à ação da polícia. Quatro meses depois, pistas se perdem, provas são descaracterizadas, pessoas que possuem informações tendem a se dispersar...", acrescenta.

No mundo inteiro, a taxa média de resolução ronda 60%, aponta Muniz, que chama a atenção para o fato de que homicídios tendem a ser de mais fácil resolução, devido a fatores como uma forte intencionalidade e a possibilidade de mapear a vida da vítima. Mas no Brasil, mais de 90% dos assassinatos não são apurados ou esclarecidos. "E boa parte dos que são descobertos são de autoria presumida. Trata-se mais de confirmar a autoria, buscar ou fabricar materialidade, do que investigar", argumenta. "A imprensa falou que o assassinato de Marielle foi limpo, profissional. Então por que os outros homicídios, que são sujos, em que o mentor deixa rastros, não são elucidados?". Para ela, não falta know how ou tecnologia, mas sim "prioridade política" em valorizar um trabalho de inteligência que significa construir um "grande acervo de conhecimento" e apostar na "qualidade intelectual e analítica das polícias", mas que é pouco visível, por vezes lento e cheio de reviravoltas — ao contrário do "espetáculo das grandes operações" policiais.

Muniz defende ainda que as investigações do caso Marielle devem seguir discretas para "preservar as garantias individuais de suspeitos, vítimas e testemunhas", uma vez que a apuração deve também "inocentar pessoas". Contudo, ela critica a falta de "uma política de comunicação social junto a população" da Polícia Civil, o que acaba gerando um cenário de desinformação "que retroalimenta o medo e a insegurança", fazendo com que os cidadãos "desconfiem ainda mais" de sua capacidade. "A polícia pode dar um conjunto de informações sobre o andamento do trabalho, o que renova a paciência e a tolerância em busca de resultados. Já a desinformação reduz a capacidade de conseguir testemunhas que deem algum fragmento de informação".


Fernando Guarnieri: “Os partidos também estão de olho nos Estados. E Bolsonaro não tem nada a oferecer”

Pesquisador explica que a estrutura dos partidos nos Estados tem grande peso para a formação de alianças nacionais. Por isso, polarização entre PT e PSDB não deve diminuir

Por Felipe Betim, do El País

Para o cientista político Fernando Guarnieri, mestre e doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e atualmente vinculado ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ), o pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL), que deve ser confirmado como candidato de seu partido na convenção deste domingo, não tem nada a oferecer para os demais partidos. Nem recursos de campanha, nem alianças locais. Isso explica, segundo o especialista no funcionamento dos partidos brasileiros, porque nem mesmo siglas pequenas como o PR ou PRP apostem no ultraconservador.

Nesta entrevista ao EL PAÍS, ele afirma que a tendência é que o pré-candidato Geraldo Alckmin (PSDB), ex-governador de São Paulo, reúna uma grande base de apoio, incluindo os partidos do chamadão centrão — que também estão flertando com o pré-candidato Ciro Gomes (PDT) —, e cresça nas pesquisas. Ele argumenta que a atuação em bloco desse centrão é uma das novidades da campanha, mas também opina que pouca coisa deve mudar: os dois grandes polos da política nacional continuarão ser o PSDB e o PT, que são os que mais têm estrutura pelo Brasil.

Pergunta. Desde 1994 temos dois polos principais, PT e PSDB. Esses dois polos se mantêm para essas eleições, ou 2018 marca o fim desta polarização?
Resposta. Essa é a pergunta que todo mundo está se fazendo [risos]. Mas eu acho que esses dois polos vão permanecer. Essa coisa muito fragmentada, com muitos candidatos, vai se reduzir muito nos próximos dias. O círculo vai se fechando, deixando gente de fora. O Flávio Rocha já saiu, os pequenos começam a sair agora, e depois deve ser a vez dos mais graúdos, depois de negociarem bem a sua saída. E quem vai ficar? Vai ficar quem tem mais estrutura e que pode garantir melhores termos de troca. Você tem desde recursos que os partidos conseguem levantar até alianças locais. Esses são os dois fatores que vão pesar a favor de quem vai receber o apoio dos que estão desistindo.

P. Isso explica o fato do centrão estar entre Ciro Gomes e Geraldo Alckmin?
R. Sim. Mas acho que estão usando o Ciro para valorizar o passe, para vender mais caro o apoio ao Alckmin. Não acredito muito na intenção verdadeira de se juntarem ao Ciro. Acho que nem ele acredita muito nisso. O Alckmin é uma aposta mais certa para o centrão, pelos recursos que ele consegue alavancar. Ele vai conseguir desenhar um arco de centro-direita, coisa que o Bolsonaro não conseguiria fazer. Ele tem mais a oferecer em termos regionais, algumas chapas em alguns Estados...

P. Mas o Alckmin está muito atrás nas pesquisas. Por que os partidos pequenos preferem ir com ele ao invés de apoiar, por exemplo, Jair Bolsonaro (PSL), que está em primeiro?
R. Os caras são macaco velho, conhecem pesquisa e sabem o que elas significam neste momento. Esses 17% do Bolsonaro é ilusório, não tende a ficar assim. Ele não vai ter tempo de televisão, apenas 8 segundos. Isso faz muita diferença, porque o eleitor começa a levar a sério a coisa, a ver quem está aí, quais são as propostas... E o tempo de TV, a exposição dos candidatos, vai contar muito nesse sentido. Todos esses políticos mais antigos estão olhando e sabem disso, e sabem quem vai ter mais recursos. Eles não estão só de olho na eleição para presidente, eles estão de olho nas eleições nos Estados. E Bolsonaro não tem nada a oferecer. O Ciro e o seu PDT também têm pouquíssimo a oferecer em termos de apoios regionais. Já o PSDB é um partido que tem um monte de cabo eleitoral que pode ajudar a alavancar os deputados dessas bancadas todas. O deputado está aí para se reeleger, não está nem aí se é Bolsonaro, Ciro ou Alckmin. E como ele garante a reeleição? Participando de uma chapa vitoriosa. E uma chapa vitoriosa é geralmente a chapa que vai ter uma coligação forte, que consiga romper o quociente eleitoral varias vezes. Então, na hora H, ele vai olhar para a estrutura partidária mesmo. Se um candidato tem 17% ou 9%, ele sabe que isso muda.

P. O PT tem muita estrutura para oferecer. Como ele entra nesse jogo?
R. Tem muita estrutura, principalmente no Nordeste, com candidatos a Governo muito fortes. Então lá existe potencial de transferência de voto e de fazer chapas muito grandes que vão conseguir eleger deputados. O PT não é carta fora do baralho. Não sei a capacidade de transferência de voto do Lula, mas em todo caso feio não vai fazer. Então é também um outro polo que vai começar a agregar parceiros interessados em se eleger localmente.

P. Então o PT também tem capacidade de atrair os partidos pequenos?
R. Sim, principalmente os concentrados no Nordeste. Por exemplo, o PSB, que não é um partido pequeno, mas também não é o que era, tem uma penetração muito forte nas cidades pequenas do interior nordestino. Acaba que, pela estrutura partidária e pelos recursos que esses grandes partidos conseguem agregar aos pequenos, esses pequenos tendem a se unir a PT e PSDB. E tem o MDB também, mas o MDB tem a figura do Michel Temer, que tira votos. É muito tóxica. Mas esses três grandes partidos vão dar o tom os próximos dias, principalmente o ex-presidente Lula. A decisão de abandonar a candidatura ou não, de apoiar alguém ou não...

P. Estão todos à espera de Lula?
R. Ele tem que se resolver, não adianta segurar e deixar acabar as convenções. A não ser que ele queira bagunçar a coisa toda, mas isso não é do interesse do PT, principalmente por causa dos candidatos a governador lá no Nordeste. Lula não pode levar essa coisa até muito mais longe. Assim que ele se decidir, o jogo está formado e o círculo vai se fechar de vez.

P. A impressão que se tem é a de que o centrão está dando as cartas, flertando com vários candidatos... A iniciativa de pactuação está com o centrão, ao invés de estar com os grandes partidos?
R. Desde o impeachment o centrão descobriu um mecanismo de coordenar sua ação e jogar unido. Essa é uma grande novidade. A partir do momento que um time desse tamanho começa a jogar junto, ele se converte em uma força muito grande capaz de influenciar muito o jogo. Agora, a probabilidade de manterem essa coisa forte e unida é baixa. Porque quem chegar primeiro pega a melhor fatia da futura coalizão de governo.

P. Esse aprendizado pode resultar no ano que vem em uma fusão de siglas, que resulte em um grande partido?
R. Na Câmara eles já são um bloco. Mas a ideia de uma fusão depende muito das regras eleitorais, de que haja uma cláusula de barreira. Cada líder de um partido é como se fosse um senhor feudal, com todo o domínio. Acho difícil que eles abram mão disso.

P. A partir do ano que vem teremos um novo pacto, um novo desenho, de governança?
R. Acho difícil que haja uma grande diferença nessa questão de realinhamento. A composição da Câmara não vai ficar muito diferente, os partidos grandes vão continuar sendo esses que estão aí. E o grande aprendizado é que as elites políticas não podem ficar descoordenadas, que isso dá um péssimo resultado. O centrão estar jogando junto é uma novidade por causa disso. Foi muito ruim toda a elite política mais à direita ter deixado tudo na mão do Eduardo Cunha. Aquilo foi desestruturando o sistema de uma maneira muito forte. A tendência é que essas elites retomem o controle da coisa, inclusive para evitar investidas da Justiça.


El País: Colecionador de polêmicas, Ciro ajusta o tom para agradar empresários e mulheres

Ex-ministro lança sua candidatura à presidência pelo PDT ainda à espera de definição do centrão para formar sua chapa

Por Afonso Benites, do El País

Ex-ministro e ex-governador do Ceará, Ciro Gomes foi oficializado nesta sexta-feira como candidato do PDT à Presidência da República, fazendo um aceno a seus dois principais pontos fracos: a rejeição que tem por parte das mulheres e sua relação acidentada com o empresariado. Em seus dois discursos feitos durante a convenção do partido, em Brasília, o polêmico político tentou ajustar suas falas e gestos. Tido como impulsivo, que oferece respostas às vezes atravessadas aos seus interlocutores, afirmou que não é um anjo e às vezes erra. “Não sou imune a erros. Minha ferramenta é a minha palavra”. Foi defendido pelo presidente do PDT, Carlos Lupi. “A maior crítica que fazem a ele é que ele é duro nas palavras. Como ser mole em um país com tanta desgraça, com um golpista no Palácio do Planalto?”, questionou Lupi, citando o presidente Michel Temer (MDB).

O candidato afirmou que, se eleito para a presidência, terá como objetivo defender o trabalhador, o povo e classe média, mas sem se esquecer de incentivar as indústrias do Brasil. “Não é só aos trabalhadores e aos pobres a quem devo primeiro a minha atenção. O colapso da economia brasileira atinge também de forma grave aqueles que estão na ponta de nossa indústria e de nosso comércio”. Foi o primeiro dos acenos a parceiros que ainda desconfiam dele. No início do mês, durante evento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ciro chegou a ser vaiado pela elite do empresariado por dizer que poderia rever a reforma trabalhista, lei que foi aprovada após intenso lobby dos industriais.

No evento desta sexta, no entanto, o pedetista também aproveitou para criticar os bancos que "lucram apenas com os pagamentos de juros" e se comprometeu a aumentar a competitividade no setor. Reclamou, por exemplo, que nos últimos anos o país pagou 380 bilhões de reais “a plutocratas do baronato financeiro”. E tentou desmistificar um discurso comum entre parte de representantes do mercado financeiro, de que ele poderia deixar de pagar parte da dívida internacional. “Não cabe aventura, ruptura, nem desrespeito aos contratos. Isso nunca resolveu problema de nação nenhuma”.

Em todo o momento, esteve também ao lado de mulheres sua esposa Gisele, a filha Lívia e a neta Maria Clara se revezavam e vestiam camisetas ou usavam adesivos com os dizeres: “todas com o Ciro”. Uma mensagem para tentar atrair o eleitorado feminino, onde tem alta rejeição. Entre os cinco primeiros colocados na disputa, o pedetista e Jair Bolsonaro (PSL) registram as maiores diferenças entre votos de homens e mulheres, de acordo com a pesquisa Datafolha de junho. A imagem de que Ciro seria machista deve ser explorada na campanha presidencial por seus adversários devido, especialmente, a uma polêmica de 2002, quando ele afirmou à imprensa que o papel de sua então companheira, a atriz Patrícia Pillar, seria o de "dormir com ele" na campanha. Para piorar, recentemente chamou de "filho da puta", sem saber que xingava uma mulher, uma promotora que pediu a abertura de uma investigação contra ele por injúria racial, em um caso em que chamou o vereador negro de direita, Fernando Holiday, de "capitão do mato".
Centrão distante

A convenção que oficializou a candidatura de Ciro ocorre um dia após a cúpula dos partidos do centrão sinalizar que vai aderir à coligação de Geraldo Alckmin (PSDB) à presidência. O PDT negociava o apoio deste grupo de legendas, formado por DEM, PR, PRB, PP e SD. Mas economistas dos dois lados não chegaram a um consenso sobre a política financeira a ser implantada em um eventual Governo do pedetista, por isso a debandada para o ninho tucano é dada como quase certa. Ainda que a campanha de Ciro não confirme. “Não houve nenhuma palavra oficial de nenhum presidente de partidos do centrão. Então preferimos aguardar”, disse Cid Gomes, irmão de Ciro e coordenador de sua campanha presidencial.

Neste momento, o PDT está próximo de anunciar um acordo com o PSB, mas também sonda o PCdoB, que lançou Manuela D’ávila como pré-candidata. No caso dos socialistas, se a aliança se formalizar, o empresário e ex-prefeito de Belo Horizonte Marcio Lacerda deverá ser o indicado para vice. O apoio das duas legendas, no entanto, também não é visto como certo, já que ambas ainda negociam paralelamente com o Partido dos Trabalhadores. Alegando uma viagem de campanha, Ciro deixou a convenção sem atender à imprensa. Preferiu, desta vez, se manifestar apenas por discursos.


El País: Merkel diz que “não é mais possível confiar no superpoder dos EUA”

A chanceler alemã deixa claro numa longa coletiva de imprensa que a fissura aberta entre a Europa e Trump está longe de ser superada

Por Ana Carbajosa, do El País

Durante 90 minutos nesta sexta-feira, a chanceler (primeira-ministra) alemã, Angela Merkel, tornou a enfrentar as perguntas dos jornalistas na tradicional entrevista coletiva do verão europeu. Suas repostas, apesar da usual prudência, deixaram entrever que a rixa com os seus aliados bávaros foi profunda, e que a fissura transatlântica que separa a Europa — e sobretudo a Alemanha — dos Estados Unidos está muito longe de ser superada. “Não é mais possível confiar no superpoder dos EUA”, afirmou.

As perguntas mais incisivas na coletiva não foram capazes de alterar a fleuma da eterna chanceler, que completou 64 anos nesta semana. Escorregadia, Merkel respondeu a tudo, sem responder a quase nada, também como quase sempre.

A governante reconheceu que “[as relações com os EUA] estão sob pressão”, mas que é necessário continuar cultivando uma relação “crucial” com os ainda aliados. A chanceler insistiu durante suas intervenções que as relações internacionais atravessam um ponto de inflexão, que dará lugar a um novo equilíbrio de poderes, ainda incerto. “O que consideramos natural durante muitas décadas, que os EUA se considerem o poder regulador do mundo, para bem ou para mal, não está assegurado no futuro”, disse Merkel.

“A ordem mundial está mudando, e há muito por fazer”, acrescentou a chanceler, após mencionar a crescente assertividade da China e da Rússia. Os novos equilíbrios situam a Europa perante novos desafios, analisou. “A União Europeia se encontra em pleno processo de transformação. […] O bloco reconhece a seriedade da situação, mas não está claro até que ponto seremos capazes de fazer frente aos desafios com a rapidez necessária".

A líder da maior economia da Europa falou também dos planos norte-americanos para aplicar tarifas a automóveis europeus, uma medida que afetaria fortemente os fabricantes do seu país. Merkel considerou a medida “uma verdadeira ameaça à prosperidade de muitos no mundo”, num momento em que “assistimos a uma situação muito grave em termos comerciais”. A guerra comercial com Berlim e seu superávit comercial com os EUA, além da deficiente contribuição militar alemã à OTAN são os principais pontos de atrito entre as duas maiores economias ocidentais. O presidente norte-americano, Donald Trump, redobrou seus ataques à Alemanha nos últimos dias, apontando-a como “prisioneira” da Rússia por causa do acordo energético entre Berlim e Moscou, materializado no gasoduto Nordstream II. Merkel novamente ignorou os ataques e, perguntada sobre as causas da hostilidade de Trump, limitou-se a responder que “certamente tem algo a ver com nosso tamanho econômico”.

Junto da volatilidade internacional, a crise interna que fez o Governo alemão tremer foi o tema que ocupou a maior parte do encontro de Merkel com os jornalistas. Os conservadores bávaros (CSU), sócios do Executivo, disputam suas eleições regionais em outubro, e a extrema direita (Afd) ameaça sua hegemonia política. A ansiedade eleitoral endureceu as posições da CSU, sobretudo em matéria migratória, a ponto de provocar um enfrentamento aberto entre a chanceler e seu ministro do Interior, Horst Seehofer, líder dos conservadores bávaros. Merkel e Seehofer fingiram fechar suas feridas com um acordo de difícil execução, mas que pelo menos serviu para virar a página e limitar, ao menos por enquanto, a crise no Governo.

Na sexta-feira, Merkel reconheceu que a disputa migratória com o ministro do Interior adquiriu “um tom muito duro, e eu dou muita importância à linguagem”. A chanceler acrescentou, como aviso, que se preocupa com a “erosão da linguagem”, e argumentou que brigas desse tipo geram rompimentos políticos também entre os cidadãos. Mas Merkel salientou que o confronto se deveu à sua tentativa de frear a aplicação de restrições unilaterais à migração, à margem do consenso com os sócios europeus, e que para ela a busca de soluções no marco da União Europeia é uma questão “central”.

Durante uma hora e meia de encontro, Merkel foi perguntada sobre tudo, inclusive se estava “esgotada”, e também sobre suas férias de verão. A sala inteira caiu na gargalhada quando uma jornalista perguntou com quem a chanceler preferiria sair de viagem: com Trump, Putin ou Seehofer. Sem fazer drama, mas valendo-se da sua conhecida ironia, respondeu: “Férias são férias”.

Pensar em demitir? “Não, não, não”
Embora o mundo atravesse um período de volatilidade extrema, dentro das fronteiras alemãs Merkel continua representado, para muitos cidadãos, um pilar sólido, difícil de derrubar e capaz de garantir a estabilidade. Tem sido assim mesmo nas últimas semanas, quando um desafio lançado pelo ministro do Interior, Horst Seehofer, o líder bávaro que exigia endurecer a política migratória, fez o Governo de Berlim cambalear por alguns instantes. Depois de 13 anos à frente do gabinete, Merkel esclareceu que nem pensou nem pensa em jogar a toalha. “Não, não, não”, assegurou a chanceler, quando perguntada se cogitou renunciar diante do recente ultimato migratório bávaro. “Quando estou imersa em um conflito importante, tenho que concentrar todas as minhas energias nele”, indicou impassível, disposta a terminar seu quarto mandato como chanceler alemã.


Simon Sebag: “O stalinismo ainda perdura”

Simon Sebag Montefiore, grande especialista em Rússia que publicou uma história da dinastia Romanov, participa da Flip deste ano

Por Javier Lafuente, do El País

O historiador britânico Simon Sebag Montefiore é um dos grandes conhecedores da Rússia atual. Natural de Londres, onde nasceu em 1965, é autor de um livro imprescindível sobre o stalinismo, 'Stálin - A Corte do Czar Vermelho', e de uma sólida construção histórica da cidade de Jerusalém. Recentemente, também publicou 'Os Romanov 1613-1918' e 'Catarina, a Grande, & Potemkin', todos lançados no Brasil pela Companhia das Letras. "Queria explicar a raiz da Rússia de hoje, como a Rússia de converteu em Rússia, Putin em Putin e por que existe hoje uma autocracia por lá. Senti que a melhor forma de chegar a entender isso era compreendendo as tradições russas", explicou ao EL PAÍS durante um evento no ano passado. Agora, ele participa da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), no dia 28, às 12h. Leia a entrevista abaixo.

Pergunta. O que descobriu nessa pesquisa que não se sabia até hoje?
Resposta. Existem muitos episódios surpreendentes. O mais interessante é ver o ciclo da história da Rússia: após grandes revoluções e períodos de instabilidade e após experimentar a democracia, retoma um velho hábito e volta à autocracia.

P. Por que a Rússia sente e transmite a ideia de que é uma exceção?
R. Acho que todos os países são excepcionais. A Rússia é uma civilização diferente, essa é a questão. Não faz parte da civilização latina, como nós. É uma cultura diferente com origens diversas, como uma vez Putin disse a um presidente norte-americano: “Nós nos vemos como vocês, mas não somos vocês”. Essa é uma das lições do livro.

P. Que Romanov o senhor acha que tem mais vigência atualmente?
R. Eu diria que Nicolau I, porque aplicava políticas semelhantes às que vemos, de alguma forma, em Putin. Ele dominou os países ocidentais e suas consignas eram as mesmas: “Autocracia, nacionalismo e ortodoxia”. Também embarcou em grandes aventuras no estrangeiro, aventuras titânicas, guerras. Era um personagem muito conservador. Acho que Nicolau I foi o líder mais parecido ao que têm hoje.

P. Os Romanov podem ser comparados a que família de políticos e personagem político hoje em dia?
R. Não vejo uma família per se, mas evidentemente Donald Trump quer ser o primeiro czar americano. E, de fato, possui alguns requisitos da figura do czar.

P. A Rússia parece ter conseguido colocar quem ela queria na Casa Branca. Como a chegada de Donald Trump afeta a Rússia?
R. Acho que os russos foram muito eficientes porque sua política se baseia em quebrar a cultura ocidental e gerar mais confiança neles mesmos. Hoje em dia essa estratégia é fácil de acontecer, porque no Ocidente algumas pessoas experimentam uma sensação de ódio contra si mesmas e um grande ódio ao sistema. Isso complicou tudo para nós, as decisões são mais difíceis de se tomar e a democracia não demonstrou ser o melhor caminho para facilitar esse processo. Uma das grandes lições do momento é que, apesar de pensarmos que a Internet era um motor para o progresso, na realidade é uma ferramenta de desinformação, mentiras e totalitarismos.

P. No ano passado, se comemorou o centenário da Revolução Russa. O que está vigente 100 anos depois?
R. Até certo ponto, o stalinismo ainda perdura. O Estado russo criado à época ainda existe. Em 1991, o Partido Comunista desapareceu, mas o serviço secreto continua sendo o mesmo. Toda essa cultura da guerra é um conceito bolchevique, por isso os russos são muito mais sofisticados nesse aspecto. Por exemplo, nos Estados Unidos temos o Vale do Silício e, entretanto, nunca nos ocorre fazer as coisas que os russos fazem.

P. Que personagem da Revolução Russa o senhor considera mais atrativo?
R. Nenhum dos bolcheviques. Talvez Nikolai Bukharin fosse um dos melhores, mas mesmo ele acreditava em coisas como expurgos maciços. É difícil sentir simpatia por qualquer um deles e a maneira como pensaram que a sociedade deveria ser reinventada, através da violência, o assassinato e a prisão. Talvez Alexander Kerensky fosse o mais moderado.

P. Quando a utopia soviética se perverteu?
R. Bem rápido. Sempre esteve viciada pelo leninismo, que por sua vez tergiversou os ideais do comunismo. Eu diria que foi perversa desde o começo.

P. Se Trotsky não fosse assassinado algo teria mudado?
R. Não, porque era mais um showman do que um político. Nunca se preocupou em construir alianças. Estava interessado em instaurar uma máquina política ao redor de si mesmo e esperava que as pessoas o aceitassem porque era brilhante.

P. O que resta de Stalin hoje em dia?
R. De alguma forma, o terror que gerou ao seu redor. Por outro lado, foi o mais bem-sucedido líder russo da história depois de Gengis Khan.

P. Como o senhor vê o futuro da Rússia?
R. A longo prazo, acho que continuará se desenvolvendo porque é um país sofisticado. A curto prazo, sou pessimista, porque há uma grande fuga de talentos, todas as pessoas inteligentes e liberais abandonam o país. O Governo está se transformando em um Estado centrado em um só homem. A possibilidade de colapso é real.

P. Como definiria Putin?
R. É um político muito talentoso e sabe ler as pessoas, mas em última instância isso já não basta. O sucesso que alcançou ao criar um Estado centrado em si mesmo lhe impede de correr qualquer risco. Está constantemente procurando a forma de se manter no poder.

P. Qual acha que é a intenção de Putin, criar uma Rússia ao estilo soviético, imperial, algo diferente, que ainda não foi visto até agora?
R. Acho que procura um híbrido entre os Romanov e o sistema soviético. Mas não é a repetição de nada, porque conta com a fachada das eleições e da democracia. Tem a popularidade e a organização que a figura do czar nunca teve, e seu regime é muito mais popular do que foi a União Soviética. A diferença é que ele não assassina as pessoas como o czar fazia, ainda que tenha conseguido se projetar como tal. A Rússia não é um Estado totalitário.

P. A Rússia hoje é mais poderosa do que nunca?
R. Sim, porque agora tem a capacidade de agir e influenciar. Antes da vitória de Trump, os Estados Unidos estavam de alguma forma paralisados pelo peso de seus extremismos. Agora a Rússia se aproveitará se Trump recorrer de novo à força dos Estados Unidos. Quem sabe.

 


El País: Convenções dos partidos ganham holofotes inéditos com dúvidas sobre alianças

PDT, de Ciro, dá início nesta sexta ao ciclo de encontros que oficializam presidenciáveis. Apoio de partidos de centro direita, decisivos para tempo de propaganda em TV, pendem para Alckmin

Por Afonso Benites, do El País

Faltam menos de três meses para que os brasileiros escolham seu próximo presidente, mas as imagens que aparecerão nas urnas no próximo dia 7 de outubro ainda são um mistério, assim como as alianças que sustentarão esses candidatos. A eleição mais enigmática das últimas décadas promoveu uma situação incomum no mundo da política: as geralmente protocolares convenções partidárias, onde tais escolhas são feitas, se tornaram, neste ano, algo a se acompanhar de perto. O PDT, de Ciro Gomes, inicia a maratona, nesta sexta-feira, em Brasília. Seu nome é um dos já considerados certos, o que explica que a legenda seja uma das primeiras a realizar sua discussão.

As convenções são um instrumento previsto na legislação que devem ocorrer, obrigatoriamente, entre 20 de julho e 5 de agosto do ano eleitoral. Elas reúnem os filiados dos partidos políticos para um processo de discussão do nome a ser lançado e das legendas que farão parte da chapa, as chamadas coligações. Nas eleições anteriores, as convenções eram apenas um momento para se bater o martelo sobre decisões já tomadas. E, se nem todos os acordos já haviam sido selados no momento em que os filiados se reuniam, a maioria deles já era praticamente certa.

Nas eleições deste ano, diversos fatores dificultam essa definição. Um deles é a decisão do PT em insistir na improvável candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pode ser impugnada após sua condenação em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Presa em Curitiba, a liderança petista continua dando as cartas sobre os rumos do partido e a ideia é que ele seja mantido como o nome da disputa até o último momento, para então tentar transferir votos para seu eventual substituto. Há ainda a dificuldade em se firmar acordos regionais. Às vezes, uma legenda condiciona o apoio nacional a alianças prévias em determinados Estados. Nem sempre esse acordo prospera, já que envolve dezenas de políticos que agem como verdadeiros coronéis em seus redutos eleitorais. O outro fator que ajuda a manter o cenário de indecisões é a incerteza sobre os rumos do centrão, o grupo de partidos de centro-direita que costuma se aliar de forma pragmática com as legendas que podem oferecer mais vantagens.

O conglomerado de siglas sem ideologia pré-definida lançou diversas candidaturas, mas, como não viu nenhuma delas decolar, agora parece um pêndulo, que balança para o lado de Ciro Gomes (PDT) e depois para o de Geraldo Alckmin (PSDB). O tucano ganhou mais força nesta semana, depois que o PR decidiu ingressar no grupo. Por fim, ainda não se sabe também o real tamanho de Jair Bolsonaro, que lidera as pesquisas na ausência de Lula, mas não consegue convencer um partido que indique a ele um vice. Há os que apostem que o militar reformado já teria atingido seu teto e, com tempo de TV inferior aos 10 segundos diários, a tendência é que comece a despencar nas pesquisas.

Para especialistas consultados pela reportagem, as convenções que se iniciam nesta semana possivelmente deixarão em aberto a questão das coligações. “Os convencionais de cada partido podem escolher o seu candidato à presidência e delegar os poderes às executivas nacionais para definirem o arco de alianças”, explicou o advogado Cristiano Vilela, especialista em direito eleitoral. Executiva nacional é o órgão de cada partido que reúne apenas os seus principais dirigentes, os caciques. “Essas convenções serão como um casamento em que cada um diz sim em um dia. Um deles fala no dia 20 de julho e o outro, no dia 5 de agosto.”

Por conta dessa série de dificuldades, os principais concorrentes ao Planalto deixaram suas convenções para o fim do prazo previsto na legislação. Apenas os que já têm certeza da candidatura farão os encontros no início. Entre eles estão além do PDT, de Ciro, o PSC, de Paulo Rabelo de Castro (ambos no dia 20), o PSOL, de Guilherme Boulos (no dia 21), e o PSL de Bolsonaro (no dia 22). No entanto, com exceção de Boulos, com Sonia Guajajara, nenhum dos outros três tem candidatos a vice. Muito menos coligações definidas.

Quem tem mais pressa e aparenta estar mais preocupado com a situação é Bolsonaro. Depois de ouvir dois nãos seguidos, ainda que extraoficiais, o deputado federal e militar da reserva tenta encontrar algum político que esteja disposto a aparecer ao seu lado nos santinhos e nos palanques eleitorais pelo país. Não basta apenas este político querer, é necessário que o seu partido também o queira. As dificuldades em fechar acordos com o PR, do senador Magno Malta, jogou o general da reserva Augusto Heleno (PRP) em seu colo como candidato. Mas, apesar de Heleno se apresentar para a batalha, foi a sua sigla que não quis se coligar com Bolsonaro. Já Ciro Gomes tem recebido sinalizações positivas de partidos como PCdoB e PSB. Nada efetivado, ainda.

Até meados desta semana, era dada como quase certa a coligação de Ciro com os partidos do centrão, PP, SD, DEM e PRB. Mas, depois que o PR desistiu de Bolsonaro e ingressou no grupo oferecendo o empresário Josué Gomes (PR-MG) como vice, ganhou força o apoio a Alckmin. O grupo entende que a o tucano teria mais condições de cumprir os acordos firmados na campanha do que Ciro. Além disso, entendem que o tucano é mais próximo a eles no quesito política econômica.

Outra legenda que, apesar de ser o maior partido do Brasil, ainda segue irrelevante em âmbito federal, já que seu candidato à presidência patina nas pesquisas, é o MDB. Rachado, como costuma ser, o partido do presidente Michel Temer carrega em si a impopularidade do mandatário. O presidente da sigla, o senador Romero Jucá, lançou o nome do ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, mas lideranças como os senadores Renan Calheiros (Alagoas) e Roberto Requião (Paraná) se negam a se juntarem a essa campanha. Tentam minar a candidatura Meirelles em prol de acordos regionais. Com eles, levam dezenas de lideranças. Se a candidatura própria não vingar, a tendência é que o MDB se omita de alianças nacionais. Para tentar aparar essas arestas nos próximos dez dias e ouvir suas bases, os medebistas jogaram a data de sua convenção para 2 de agosto. No mesmo dia, o PP e o DEM oficializarão seus apoios.

No dia 4 de agosto, véspera do prazo final ainda ocorrerão as convenções do Podemos, de Álvaro Dias, da REDE,de Marina Silva, do PSDB, de Geraldo Alckmin, e do NOVO, de João Amoêdo. A maioria das outras siglas ainda não definiram as datas das convenções.


Juan Arias: “Até pensava em votar em Bolsonaro, mas agora não”

São os sem privilégios os que melhor sabem como bate o coração do país. E são eles os que têm em suas mãos o maior número de votos a depositar nas urnas

Nós jornalistas deveríamos falar menos com os políticos e mais com as pessoas comuns, que são o verdadeiro Brasil. E mais nesses momentos de suspense às vésperas de uma das eleições mais confusas e imprevisíveis da democracia do país. Minha experiência me confirma que os que nunca aparecem nos jornais, os mudos, que são 99% da população, são os que melhor conhecem a vida real que precisam conquistar o tempo todo. São eles, os sem privilégios, os que melhor sabem como bate o coração do país. E são eles os que têm em suas mãos o maior número de votos a depositar nas urnas.

Digo isso porque nessa manhã, enquanto pensava no que escrever para minha nova coluna, encontrei um taxista jovem, negro, simpático. Fazia um calor de verão e me surpreendeu ao comentar, bem informado, sobre o drama dos problemas do meio ambiente. De repente, me perguntou em quem eu pensava em votar para presidente. Disse que não votava no Brasil e aproveitei para perguntá-lo em quem ele pensava em votar. “Está difícil. Até pensava em votar em Bolsonaro, mas agora não” e acrescentou: “O problema é que os que teriam de nos dar exemplos de vida são os que mais nos envergonham a cada dia”.

Fiquei sem saber em quem ele votaria, mas entendi uma coisa importante: não era do partido dos derrotistas que acham que todos são iguais. Eu o vi sofrendo para encontrar algum candidato que merecesse seu voto. São esses a verdadeira população, os que sofrem o mal exemplo dos governantes e ao mesmo tempo não renunciam a um Brasil em que eles tenham voz, porque são os que o constroem com seu trabalho.

Os políticos deveriam deixar seus carros blindados na garagem e caminhar a pé pelas ruas e subir nos ônibus. Deveriam escutar as pessoas como anônimos, sem escoltas, para saber o que pensam, porque essa massa que viaja nos transportes públicos poderia ser sua melhor assessora. Dessa forma, tanto a esquerda como a direita poderiam entender por que as pessoas não vão às ruas protestar quando elas querem e por que saem e se manifestam quando elas gostariam que ficassem trancadas em casa. As pessoas não são um robô que se move ao bel-prazer dos políticos. São pessoas que decidem motivadas pela urgência de uma vida com menos dificuldades econômicas e menos perigos para sobreviver.

Um amigo meu muito brincalhão me disse que teve um sonho curioso. De repente, a Brasília política havia desaparecido. Onde hoje estão o Governo e o Congresso era somente um grande parque de diversões para crianças. Os jornalistas, desesperados, tentavam saber onde estava a Brasília do poder. Eles a procuravam nas grandes avenidas de São Paulo e nos bairros ricos do Rio. Nada. Até que em uma rede social alguém contou que viu senadores, deputados e ministros caminhando nos becos de uma favela. Estavam a pé, entravam nos bares, nas escolas. Alguns corriam assustados quando as metralhadoras disparavam.

Contei o sonho de meu amigo ao jovem taxista e ele o levou a sério: “Não sei se Brasília deveria mudar a uma favela, mas os políticos deveriam ir às ruas e falar mais com a gente”, disse. Tentei saber o que ele perguntaria a um desses exilados de Brasília se subissem em seu táxi. E foi rápido na resposta: “Eu perguntaria por que precisam roubar tanto com o que já ganham”.

É essa sabedoria popular que os governantes deveriam escutar de sua própria boca. Eles não são contra a política e contra os partidos. O que faz com que tenham aversão aos governantes é saber que parecem entrar na política não para tentar melhorar o país e sim para enriquecer, eles e suas famílias. Por que cada vez mais os políticos de todos os partidos lutam agora para eleger seus filhos e parentes, começando pelos que estão na cadeia condenados por corrupção? São perguntas que as pessoas que viajam horas a pé nos ônibus também fazem. Alguém se atreve a escutá-las? Ou tem medo delas?

 


El País: Deputados aproveitam brecha para divulgar seus mandatos no Facebook

44 parlamentares que concorrerão à reeleição já gastaram 122.000 reais de recursos públicos para se promoverem na rede social

Por Afonso Benites, do El País

As regras sobre o impulsionamento de publicações em redes sociais durante a campanha só começarão a valer de fato em agosto, mas ao menos 44 deputados federais já usam o dinheiro público para ampliar a divulgação das atividades de seus mandatos e, indiretamente, se apresentarem ao eleitorado em um ano em que a maioria deles disputará a reeleição. Um levantamento feito pelo EL PAÍS na área de transparência da Câmara constatou que, entre janeiro de 2016 e junho de 2018, esses parlamentares pagaram 122.265,50 reais para o Facebook, a principal rede em que as publicações são patrocinadas e difundidas aos seus usuários. Os gastos estão dentro da cota para o exercício da atividade parlamentar.

“Impulsionar as postagens é a melhor maneira que encontrei para chegar aos meus eleitores em locais onde jamais eu teria espaço na mídia tradicional”, afirmou o deputado Hiran Gonçalves (PP-RR). Algumas de suas postagens atingiram 20.000 internautas, é mais do que o dobro do número de votos que ele recebeu na eleição passada, 9.048. Gonçalves está entre os dez deputados que mais investiram diretamente no Facebook no último ano e meio. Ele gastou 7.400 reais, conforme os dados apresentados por ele para o setor de transparência da Câmara. No topo dos que mais gastaram com impulsionamentos de posts estão Evandro Roman (PSD-PR) e Adail Carneiro (PODE-CE). O primeiro investiu 12.891 reais de recursos públicos e, o segundo, 11.129 reais.

Estes dados, entretanto, não representam a realidade fiel dos gastos de deputados com o impulsionamento nas redes. Não estão inclusos no valor gasto com o Facebook aquilo que os parlamentares pagaram para que intermediários patrocinassem suas publicações. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, investe mensalmente 20.000 reais em uma agência, que tem como atribuições coordenar toda a comunicação de seu mandato, incluindo o patrocínio de publicações.

Assim como Maia, há ao menos uma centena de deputados que usam do mesmo expediente, o que dificulta a fiscalização e a filtragem precisa do quanto é de fato gasto com o patrocínio de conteúdo nas redes sociais. Por ano, os 513 deputados brasileiros gastam em média 50 milhões de reais com a propaganda de suas atividades. São recursos que são destinados para agências de comunicação, assessorias de imprensa, gráficas, emissoras de rádio e TV, além de jornais e revistas.

Em dezembro do ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral autorizou que todo conteúdo produzido por candidatos para as eleições de 2018 seja impulsionado nas redes sociais. Ou seja, os concorrentes aos cargos de presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais poderão pagar para que as postagens feitas em redes como Facebook, Twitter e Instagram sejam direcionadas e exibidas a um grupo maior de internautas/eleitores. Essa foi uma das principais mudanças nas regras de propaganda eleitoral brasileira dos últimos anos.

Ao menos 54% dos lares brasileiros possuem acesso à Internet, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios, e boa parte delas usa as informações absorvidas pelos meios digitais para tomar decisões de maneira geral. Ainda se debate a real influência que o acesso pode ter na hora do voto. Se a controvérsia ainda é grande a respeito dos efeitos nas últimas eleições pelo mundo, como na de Donald Trump nos Estados Unidos ou no Brexit, também há pesquisas internacionais que indicam que poucos usuários se lembram de terem visto anúncios nas redes sociais.

44 deputados federais gastaram 122.000 reais em patrocínios direto de posts no Facebook

Até as eleições de 2016, nenhuma postagem feita por candidatos ou partidos políticos podia ser patrocinada. Agora, poderão, desde que sejam identificadas como propaganda eleitoral, assim como já ocorre nos anúncios feitos em revistas ou jornais impressos. As publicações impulsionadas pelos candidatos ou partidos poderão ocorrer a partir de 16 de agosto. Antes, porém, detentores de mandatos eleitorais continuarão usando do artifício para ampliar a divulgação de seus trabalhos.

Representantes do Facebook e do Google participaram de debates públicos no TSE e de reuniões privadas com técnicos do órgão para discutir as regras. Em princípio, conforme o EL PAÍS apurou, as empresas informaram que a identificação das postagens como publicidade eleitoral seria inviável. Depois, quando notaram a quantia de dinheiro que abririam mão de receber, voltaram atrás e informaram que viabilizariam essa identificação. Como o impulsionamento jamais foi usado em campanhas no Brasil, ainda não há uma estimativa oficial de quanto deverá ser gasto com essa ferramenta.

A estratégia de investir apenas na Internet, contudo, não é vista como a mais adequada para quem quer tentar se eleger, mesmo em períodos em que as campanhas terão menos recursos em decorrência do veto a doações empresariais e à reforma política, que limitou o gasto de fundos públicos em campanhas. “Como os órgãos de controle estão em cima dos gastos há um esforço para direcionar os recursos para Internet. Mas é um erro investir só na Internet ou nas redes sociais. Quase a metade da população brasileira não tem acesso a elas. O rádio e a TV não podem ser ignorados nesse momento”, ponderou o pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, Rodrigo Carreiro.

Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas, Carreiro é um dos especialistas que se debruçam sobre a influência das redes sociais na política. Em sua visão, além da preocupação com o aumento das postagens patrocinadas, os eleitores e os órgãos de controle também terão de fiscalizar a disseminação das fake news.

“Teremos muitas fake news em 2018. O cuidado que o público deve ter é o de checagem da informação. Terão de ver em que veículo ou site ou perfil está saindo essa informação. Se foi dada por mais de um veículo ou se só saiu em um específico, sem credibilidade”, alertou Carreiro. Para ele, a polarização política na qual o país está afundado nos últimos anos deverá aumentar e, por isso mesmo, haverá impulso à divulgação de boatos. “Um público mais identificado com um candidato tende a acreditar mais nessas notícias falsas. Ele tateia no mercado de informação apenas o que lhe convém”, avaliou.

 

 


El País: Recusa de dois ‘vices’ coloca em xeque o poder político de Bolsonaro

Em 24 horas, o líder nas pesquisas de opinião assistiu ao cobiçado PR e ao nanico PRP fecharem as portas para uma aliança eleitoral

Por Rocardo Della Coletta, do El País

Jair Bolsonaro (PSL) aparece como líder em todas as pesquisas de intenção de voto para presidente da República na ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso há três meses em Curitiba. Mas o entusiasmo de seus eleitores não tem se materializado nas parcerias políticas necessárias. Nas últimas 24 horas, o capitão reformado do Exército levou dois nãos de potenciais candidatos a vice-presidente, o que pode colocá-lo na corrida eleitoral em condições muito desfavoráveis em relação a outros candidatos.

As negociações com o PR (que é dono de 45 segundos do horário eleitoral) naufragaram nesta terça-feira, o que jogou por terra a única esperança que os aliados do militar nutriam para ter um tempo significativo na propaganda de rádio e televisão — o nanico PSL dá a Bolsonaro míseros oito segundos. No mesmo dia, o pré-candidato ofereceu a vaga de vice na sua chapa ao general Augusto Heleno, mas a cúpula do PRP, partido ao qual o ex-comandante das forças brasileiras no Haiti está filiado, vetou o acordo. “A consequência imediata [do fracasso das alianças partidárias] é a perda do tempo de TV. As dificuldades [para Bolsonaro] com isso serão gigantes”, avalia o cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC.

O PR era visto como a aliança mais importante pela pré-campanha de Bolsonaro. Além de ter estrutura e tempo de rádio e TV, o senador pelo Espírito Santo Magno Malta, nome cogitado para vice, seria importante para angariar votos entre o eleitorado evangélico. De acordo com fontes do PR, as exigências de Bolsonaro para selar o casamento eram inviáveis. “O Bolsonaro queria que nós não nos coligássemos com ele no Rio de Janeiro e que deixássemos de apoiar o PT na Bahia e em Minas Gerais”, diz um político que acompanhou as tratativas.

Prevaleceu o pragmatismo. Em um cenário eleitoral em que estão proibidas as doações de empresa, o objetivo número um do PR é ampliar a sua bancada na Câmara Federal e garantir, dessa forma, a maior fatia possível do fundo partidário e do tempo de rádio e televisão. Um bom desempenho em Minas e na Bahia são estratégicos para isso e, por isso, o PT era importante para a sigla nestes Estados. Além do mais, estender a aliança com Bolsonaro para o Rio de Janeiro era necessário justamente para se beneficiar dos votos de legenda que o militar deve receber no Estado.

A prevalência do cálculo político sobre a ideologia ficou ainda mais evidente com o veto dado pelo nanico PRP à indicação do general Augusto Heleno para vice de Bolsonaro. Segundo o presidente da sigla, Ovasco Resende, o convite foi feito na noite desta terça-feira, mas aceitá-lo colocaria em xeque uma série de acordos já construídos nos Estados. “O nosso objetivo é alcançar a cláusula de barreira [número mínimo de votos a partir do qual uma legenda pode ter acesso aos recursos do fundo partidário e do tempo de rádio e TV]”, afirma Resende. “Fomos surpreendidos quando nos disseram que o general Heleno tinha sido convidado e não tínhamos tempo para consultar todos os diretórios”, complementa.

Apesar do pouco tempo no horário eleitoral, o fato de Bolsonaro ser um nome muito conhecido pela população e reunir o apoio de um grupo fiel às suas ideias podem ser um atenuante na situação do pré-candidato, destaca o professor Carlos Melo, do Insper. “Mesmo sem tempo de TV, o Bolsonaro tem condições de chegar ao segundo turno. Ele é orgânico dentro do seu eleitorado, marca sempre entre 15% e 20% [nas intenções de voto]. E isso é voto suficiente para colocá-lo no segundo turno”, diz o cientista político.

Melo ressalta, no entanto, que surgirão mais obstáculos para Bolsonaro quando ele precisar ampliar o nicho dos seus votos, caso chegue à etapa final da eleição. Uma dificuldade que, ao que parece, está sendo percebida pelas legendas tradicionais e que ajuda a entender o isolamento vivido pelo pré-candidato do PSL ás vésperas do início da campanha. “Os partidos se perguntam: a gente vai com um candidato marcado para morrer no segundo turno?”, questiona Melo.


El País: Rejeição recorde de presidenciáveis abre caminho para vale-tudo na campanha

Alto índice de repúdio aos presidenciáveis deixa pouco espaço para atrair novos eleitores. Para analista, horário eleitoral gratuito deve ser palco para desconstrução de adversários

Por Rodolfo Borges, do El País

Apenas 2,2% dos brasileiros confiam no Governo Federal. Quando se trata do Congresso Nacional e dos partidos políticos, o percentual é ainda menor: 0,6% e 0,2%, respectivamente, segundo a última pesquisa CNT/MDA, divulgada em maio. Essa desconfiança com o mundo político se manifesta também nas pesquisas de intenção de voto para a presidência da República, que alcança índices recordes nos levantamentos de todos os institutos. Segundo o Datafolha, por exemplo, os votos brancos e nulos lideram a corrida presidencial e 33% do eleitorado não tem candidato nos cenários sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o pré-candidato com mais intenções de voto (30%) — e também a maior rejeição (46%) —, mas cuja candidatura mal pode ser vista no horizonte, por conta de sua condenação à prisão em segunda instância. Nesse contexto, em que os principais candidatos partem de uma rejeição de pelo menos 40%, o espaço para ampliar o eleitorado se torna mais restrito. E fica mais fácil machucar as candidaturas dos adversários.

Para o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, a impressão é de que os eleitores mais convictos são aqueles que não querem votar em ninguém. A esta altura, a persistência de um terço do eleitorado sem candidato nas pesquisas estimuladas é inédita, o que pode ser explicado em parte pela ausência de uma candidatura governista forte. "Quem não tem candidato está buscando algo que passe pela conciliação, pela clareza na definição e na exposição das propostas, e está cansado dos embates mais virulentos e que não levam à solução dos problemas urgentes", opina o pesquisador. Segundo os levantamentos do DataPoder360, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que lidera as pesquisas presidenciais nos cenários sem Lula, também se destaca entre os concorrentes pela convicção de seu eleitorado: 77% de seus eleitores dizem que não trocam mais de candidato.

Assim como o ex-presidente petista, contudo, Bolsonaro também se destaca nos números de rejeição (19% no Datafolha). Enquanto favorito no primeiro turno, o capitão da reserva deve virar alvo de concorrentes diretos, como o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) e o ex-ministro Henrique Meirelles (MDB), caso este último de fato siga na campanha. "Campanha de TV serve para três coisas: preservar a própria imagem, mudar essa imagem ou derrubar um adversário", resume Marcello Faulhaber, estrategista da vitoriosa campanha de Marcelo Crivella à prefeitura do Rio de Janeiro em 2016. Ele lembra que, em 2002, o marqueteiro de José Serra, Nizan Guanaes, conseguiu tirar o ex-governador Ciro Gomes (PDT) do segundo turno com uma campanha negativa. Em 2014, foi a vez de João Santana, marqueteiro de Dilma Rousseff, tirar a ex-ministra Marina Silva (Rede) do páreo.

"Acho que Alckmin e Meirelles — se permanecer candidato — vão bater muito em Bolsonaro, achando que, ao bater, vão ficar com os votos que ele perder", diz o estrategista. Faulhaber imagina que os atuais 19% de intenção de voto de Bolsonaro possam cair para 12% ou 13% por conta dos ataques adversários, mas isso não quer dizer que seriam Alckmin ou Meirelles a colher os votos. Marina Silva, um candidato indicado pelo PT para representar Lula, Ciro Gomes ou o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) poderiam acabar beneficiados. No caso específico do PT, a ausência de Lula claramente prejudicaria o partido no primeiro turno, por conta de sua alta intenção de votos, mas poderia ajudar o partido em um segundo turno, já que o ex-presidente tem a maior rejeição (46% além dos 28% que hoje não votariam em ninguém, segundo o Datafolha) e precisaria de mais da metade dos votos para vencer.

Os partidários de Lula podem buscar esperança em outra pesquisa, do instituto Ipsos. O levantamento não afere exatamente intenção de votos, mas a avaliação da conduta dos presidenciáveis. Na última pesquisa, Lula era desaprovado por 54% dos brasileiros. É muito, mas é menos do que os 70% que desaprovavam Alckmin ou os que não aprovavam as condutas de Ciro Gomes (65%), Bolsonaro (64%), Marina Silva (63%) e Henrique Meirelles (59%). Nessa aferição, é difícil encontrar um nome que vá bem. O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa é desaprovado por 47%, e o juiz Sérgio Moro, que decide sobre a Lava Jato na primeira instância em Curitiba, por 55%.

Antipolítica
O cientista político Antônio Lavareda destaca que o repúdio à política não é um fenômeno brasileiro — na última eleição norte-americana, tanto Hillary Clinton quanto Donald Trump tinham rejeições superiores a 50%. "Cresceu o escrutínio, o exame e a análise dos candidatos pelo eleitorado", avalia. Mas, segundo Lavareda, à medida que a campanha ocorrer no Brasil, a rejeição deve ceder. "Quando a campanha começa, a vida pregressa dos candidatos, suas realizações, o que fizeram de bom ou de mau, tudo passa a ser indicador de caráter dos candidatos mais importantes, mais que do que sua própria retórica".

O discurso do outsider, de alguém que não participa do jogo político, parece desfrutar de uma adesão maior na sociedade, diz Lavareda, que ressalva: isso não foi o bastante para sustentar na corrida presidencial nomes como o apresentador Luciano Huck e Joaquim Barbosa. Bolsonaro se vale do discurso, mas tem décadas de Congresso Nacional. "Em uma eleição geral como a brasileira, com 20.000 candidatos, fica difícil a emergência de nomes realmente novos", diz o cientista político, para quem as análises anteriores à campanha oficial têm sido bem mais dinâmicas do que as variações dos cenários eleitorais. "Essa articulação política não tem repercussão propriamente eleitoral. É a propaganda que sistematiza os programas dos candidatos. É a propaganda que atinge o eleitor".