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El País: Mourão, o controverso general que sela a chapa puramente militar de Bolsonaro
Anúncio foi feito pelo candidato de extrema-direita do PSL em convenção em São Paulo e foi referendado pelo PRTB de Levy Fidelix
Por Afonso Benites, do El País
O deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) anunciou que o general da reserva do Exército Hamilton Mourão será seu candidato a vice-presidente nas eleições de 2018. Bolsonaro falou na manhã deste domingo durante a convenção estadual do PSL em São Paulo. O nome de Mourão foi referendado pela convenção nacional do PRTB horas depois. "Eles podem ter muita coisa, mas só nós temos o povo ao nosso lado. No momento, eu deixo de ser capitão. O general Mourão deixa de ser general. Nós somos agora soldados do nosso Brasil", discursou Bolsonaro.
A estimativa é que chapa Bolsonaro-Mourão tenha 14 segundos diários do tempo de propaganda de rádio e TV, sendo 8 do PSL e 6 do PRTB. Ao todo, são 25 minutos na programação que envolve todas as legendas. O fundo eleitoral dos dois juntos -- que será dividido com os concorrentes ao parlamentos federal e estadual, assim como para os Governos -- chega aos 13 milhões de reais. Todo o fundo eleitoral distribuído entre os partidos é de 1,7 bilhão de reais. É bem pouco para o líder das pesquisas em cenários que não consideram a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, virtualmente impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa. Por isso, a estratégia é seguir apostando pela bem-sucedida estratégia nas redes sociais.
Defesa da "intervenção militar"
Antes de ouvir o sim de Mourão, Bolsonaro já havia sido rejeitado por três possíveis candidatos, inclusive o próprio general. A advogada Janaína Paschoal (PSL) e o também general da reserva Augusto Heleno (PRP) haviam sido sondados para concorrer na chapa, mas as negociações não avançaram. Para convencer Mourão, Bolsonaro contou com a ajuda de Levy Fidelix, o presidente do PRTB que já disputou outras eleições presidenciais.
Com uma chapa puro sangue militar, Bolsonaro é ex-capitão do Exército, o PSL reforça o caráter de extrema-direita da candidatura. Os companheiros de chapa tem em comum a defesa da ditadura militar brasileira (1964-1985). Durante o Governo Dilma Rousseff (PT), Mourão era o comandante do Exército no Rio Grande do Sul e chegou a defender uma intervenção militar para debelar a crise política e econômica do governo petista. Ambos, Bolsonaro e Mourão, tem em comum a admiração pública pelo coronel Carlos Brilhante Ustra (1932-2015), chefe de um importante centro da repressão durante a ditadura militar e reconhecido como torturador pela Justiça brasileira e pelo relatório oficial da Comissão Nacional da Verdade, de 2014. Na cerimônia em que se despediu da carreira, o agora general reformado elogiou Ustra em em uma concorrida cerimônia no Salão de Honras do Comando Militar do Exército, em Brasília.
Desde que entrou para a reserva, Mourão passou a dirigir o Clube Militar e defender abertamente a candidatura de seu colega de farda. Em princípio, ele deveria concorrer a um cargo no Congresso Nacional. Mas mudou de ideia após insistentes pedidos de seus aliados.
El País: Haddad, vice e plano B de Lula, ganha reforço de Manuela D'Ávila no último minuto
Plano do ex-presidente era adiar o máximo possível anúncio de companheiro de chapa, mas recomendação do TSE precipitou desfecho. PCdoB repete aliança com petistas que mantém há décadas
Por Afonso Benites e Flávia Marreiro, do El País
O PT esticou até praticamente o último minuto o suspense sobre quem seria indicado a vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do partido à Presidência apesar de estar preso e virtualmente impedido de concorrer por causa da Lei Ficha Limpa. A espera que entrou noite adentro no domingo não trouxe surpresas: o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad ficou com a vaga e ganhou, no último suspiro do prazo legal, o apoio do PCdoB. A pré-candidata comunista Manuela D'Ávila abriu mão de sua candidatura a presidenta e será uma espécie de vice stand by - por enquanto, não tem o posto, mas uma vez definida a situação de Lula, será a companheira de chapa do próprio ex-presidente, uma possibilidade considerada remotíssima, ou de Haddad.
O anúncio foi feito, já passada a meia noite, na sede do PT, pela presidenta da sigla, Gleisi Hoffmann. Ao lado dela, Haddad fez um breve discurso agradecendo a indicação. Manuela D'Ávila não estava, mas os militantes, ensaiados, já entoavam músicas aclamando a deputada gaúcha, o ex-prefeito paulistano e Lula, preso desde abril em Curitiba. Segundo Gleisi, é Haddad quem vai representar Lula em atividades de campanha, como os debates.
Dada a situação, o ex-prefeito começa o percurso de vice, mas com o escrutínio de um cabeça de chapa - Lula lidera as intenções de voto, e o Haddad, quando posto nas simulações, não decola nas pesquisas. Se não está envolvido nos megaescândalos de corrupção que marcaram a reunião do PT, o ex-prefeito tampouco foi bem em sua última campanha: ele perdeu a disputa pela prefeitura de São Paulo para João Doria em 2016.
As redes sociais do partido já divulgaram imagens da dupla Lula-Haddad. Foi a explicitação do Plano B do PT: o partido vai insistir até quando possível no nome do ex-presidente, mas não deve flertar demasiado com o abismo legal, como era ventilado numa ala do partido considerada mais radical. Uma prova disso aconteceu neste próprio domingo. Enquanto na sexta Gleisi afirmava que o prazo legal para apresentar as candidaturas era dia 15 de agosto, neste domingo, mesmo reclamando publicamente, a decisão do PT foi seguir a recomendação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de apresentar as chapas até esta segunda-feira.
As negociações na reta final com o PCdoB transpareceram tensas. "Cada um tem seu jeito, sua vida. Vou sair da minha casa agora, 22h, domingo, ficar longe de meus filhos que vejo tão pouco, para uma reunião com a direção do PT. Espero que se justifique, né?", queixou-se no Twitter Orlando Silva, integrante do PCdoB e ex-ministro de Lula, sobre as negociações neste domingo. Seja como for, o PCdoB cedeu. Após ensaiar não apoiar os petistas pela primeira vez em sete eleições, os comunistas aceitaram. Além do discurso de Manuela D'Ávila de que o partido trabalharia pela união do chamado campo progressista, pesou também o temor do PCdoB pela própria sobrevivência: as alianças regionais com o PT são importantes para ultrapassar a cláusula de barreira. Apesar da situação esdrúxula, Manuela se transforma na terceira vice mulher entre as candidaturas tidas como competitivas num momento de fortalecimento do movimento feminista no país e quando elas são a maioria do eleitorado e a maioria do contingente de indecisos neste momento.
Gosto amargo para Ciro Gomes, mas também para o PSB
Enquanto a novela PT-PCdoB se esticou até o último minuto, a do PSB encerrou-se com um gosto amargo para a sigla: nenhum partido político concluiu a sua convenção nacional tão rachado quanto os socialistas. O partido realizou sua convenção nacional e confirmou que ficará neutro no pleito, uma decisão que sufoca Ciro Gomes (PDT) e, por tabela, beneficia Geraldo Alckmin (PSDB) e o PT. Se já havia ficado isolado coma decisão do PSB, a vitória do PT com o PCdoB fortalece a candidatura do PT, mesmo com problemas maiúsculos, como a mais competitiva no campo progressista.
O clima acirrado entre os delegados no congresso deste domingo foi um retrato das divisões internas do partido. Quando Carlos Siqueira, presidente do PSB, apresentou a proposta de neutralidade, o salão do hotel em Brasília que recebeu a reunião se dividiu entre vaias e aplausos. “Um partido sem posições diferentes é um partido autoritário”, minimizou Siqueira, logo após o encontro.
O PSB tem atualmente uma bancada de 26 deputados federais e é dono de cerca de 40 segundos no horário eleitoral. Por isso, era visto como a sigla que poderia resgatar Ciro Gomes do isolamento depois que o pedetista foi rejeitado pelo Centrão (grupo de cinco partidos políticos de centro-direita que terminaram fechando uma coligação com Alckmin). O próprio Siqueira não escondia de aliados que preferia uma aliança eleitoral com Gomes.
Prevaleceu, no entanto, a vontade dos caciques dos diretórios regionais mais importantes do PSB, entre eles Pernambuco e São Paulo. Ironicamente, o governador pernambucano, Paulo Câmara, e o paulista, Márcio França, uniram forças para beneficiar dois inimigos históricos que tinham interesse em isolar o pedetista. Câmara defendeu a neutralidade dos socialistas para atender uma demanda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cabo eleitoral praticamente imbatível em seu Estado. França, por sua vez, agiu para ajudar Alckmin, seu padrinho político e candidato à presidente da República.
A ala do PSB que defendia apoiar Ciro Gomes foi derrotada na votação deste domingo que sacramentou a neutralidade, mas as sequelas do embate ficaram evidentes. “Infelizmente a força convencional de Pernambuco e São Paulo é muito grande e a vontade dos outros Estados não foi capaz de superar essa força para defender a candidatura do Ciro Gomes”, disse o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg.
Vácuo
Legenda de porte médio, o PSB perdeu em 2014 a seu principal expoente, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, morto em um acidente aéreo. Desde então, os socialistas não conseguiram encontrar uma liderança com força para unificar as diferentes facções da sigla. Uma situação que neste ano foi agravada por outro vácuo, a desistência do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, de disputar a presidência.
Embora neófito no PSB, Barbosa aparecia nas sondagens com 10% da preferência do eleitorado e figurava como um outsider com chances reais de chegar ao Palácio do Planalto. Sua recusa em se lançar na corrida presidencial acentuou o conflito interno entre os que queriam apoiar Ciro, o PT ou mesmo Alckmin. Como não havia forma de conciliar os diferentes interesses e a neutralidade trazia algum benefício aos aliados de petistas e tucanos, venceu a tese de não realizar uma aliança no cenário nacional. "Talvez ela [a neutralidade] seja a decisão menos traumática do partido, mas de forma alguma mostra uma unidade", avalia Marco Antônio Teixeira, professor de ciência política da Fundação Getúlio Vargas.
A fratura mais sentida no partido ocorreu em Minas Gerais e criou um impasse que ainda não foi solucionado. O PT havia condicionado retirar a candidatura de Marília Arraes ao Governo de Pernambuco, o que acabou acontecendo neste domingo apesar da resistência da petista, a um gesto semelhante por parte do ex-prefeito de Belo Horizonte, o socialista Márcio Lacerda, que aparecia em terceiro nas pesquisas de intenção de voto na corrida pelo comando de Minas Gerais. Lacerda, entretanto, não aceitou ser apenas uma “baixa colateral” do acerto celebrado pela cúpula do PSB. Ele realizou a reunião estadual que o oficializou candidato ao governo do Estado no sábado e entrou na convenção nacional deste domingo cobrando um preço para desistir das suas pretensões: que o PSB local não se alie formalmente ao petista Fernando Pimentel. Até esta segunda-feira, último dia que os partidos têm para comunicar a Justiça eleitoral do resultado das suas respectivas convenções, os socialistas correrão contra o tempo para tentar encontrar um arranjo em Minas que atenda os interesses do ex-prefeito de Belo Horizonte. "Eu não posso [me aliar ao PT] de jeito nenhum. Eu não vou ter os votos do PT e perco os votos que eu tenho”, justificou Lacerda.
OS CANDIDATOS E SEUS VICES
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Haddad
Ciro Gomes (PDT) e Kátia Abreu (PDT)
Geraldo Alckmin (PSDB) e Ana Amélia (PP)
Marina Silva (REDE) e Eduardo Jorge (PV)
Álvaro Dias (PODEMOS) e Paulo Rabello (PSC)
Henrique Meirelles (MDB) e Germano Rigotto (MDB)
Guilherme Boulos (PSOL) e Sonia Guajajara (PSOL)
João Amoêdo (NOVO) e Christian Lohbauer (NOVO)
El País: Ana Amélia, o amuleto de Alckmin para atrair bolsonaristas
PSDB desiste de fortalecer ex-governador no Nordeste e formaliza chapa com senadora sulista conservadora
Por Afonso Benites, do EL País
“Tenho ao meu lado a vice dos sonhos de todos os brasileiros”, discursou Geraldo Alckmin, em Brasília, na cerimônia do PSDB que o oficializou neste sábado como candidato à Presidência pela segunda vez. Ele se referia à sua recém-escolhida candidata a vice, a senadora gaúcha Ana Amélia, do PP. “Ana Amélia é empoderamento”, seguiu o tucano, usando, não por acaso, uma palavra cara ao movimento que quer fortalecer a presença na política das mulheres: elas são a maioria do eleitorado e a maioria dos indecisos atualmente.
Em princípio, Ana Amélia, 73 anos e em seu primeiro mandato como senadora, contava com forte restrição de seu partido, que preferia indicar uma mulher do Nordeste, como a vice-governadora do Piauí, Margarete Coelho. Pesou, entretanto, a vontade do tucano de tentar avançar sobre o eleitor conservador que migrou do PSDB para Jair Bolsonaro (PSL), de extrema-direita, assim como o de tentar reforçar sua proximidade com mulheres e com a região Sul do país. Três lideranças tucanas ouvidas pelo EL PAÍS disseram que o movimento de aproximação com Ana Amélia é o claro sinal de que faltava um nome de peso no Nordeste e que, nesse cenário, ele preferiu reforçar a verve direitista do PSDB do que apresentar um vice inexpressivo. “Vencer no Nordeste vai ser difícil. O PT ainda tem a preferência lá. E a Ana Amélia vai agregar em áreas que só o Bolsonaro estava de olho, nos mais conservadores”, disse um líder tucano.
Bolsonaro lidera as pesquisas eleitorais em que Lula não é apresentado como o nome do PT. Alckmin não chega aos 10% das intenções de votos e amarga a quarta colocação, atrás de Marina Silva (REDE), e Ciro Gomes (PDT). “O nosso candidato não precisa ser do Nordeste, o que ele precisa é olhar para o Nordeste com atenção”, minimizou o presidente do DEM e prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto. Outros aliados também elogiaram. “Faltava a cereja do bolo. Esta é a cereja do bolo da candidatura Geraldo Alckmin”, afirmou Gilberto Kassab, presidente do PSD.
Fama na TV e gafe sobre Al Jazeera
Jornalista com longa carreira no Rio Grande do Sul, onde atuou como comentarista política na TV Globo local, Ana Amélia foi eleita senadora em sua primeira disputa, em 2010, com forte discurso antipetista. Perdeu o pleito para governadora em 2014 para José Ivo Sartori (MDB) e, agora, estava com elevadas chances de reeleição para o Senado. Pesquisas a colocavam com até 40% das intenções de votos dos gaúchos. Ao decidir concorrer como vice, ela abriu mão de ser uma liderança de direita no seu Estado, que nos últimos anos tem se eleito políticos com esse perfil.
Se o ex-governador de São Paulo não tem como marca frases de efeito, nem mesmo contra os petistas, Ana Amelia tem potencial para ocupar esse papel na campanha. Com seus discursos, ela caiu nas graças do MBL, o grupo de direita ultraliberal na economia e conservador nos costumes que não embarcou na campanha de Alckmin. Em abril, por exemplo, ela subiu na tribuna do Senado para criticar uma entrevista da presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, ao canal do Qatar TV Al Jazeera, falando sobre a prisão de Lula. Segundo ela, a entrevista atrairia um "exército islâmico" ao Brasil.
Ana Amélia também é uma das integrantes da bancada ruralista. Ela defende, por exemplo, ampliação do porte de armas no campo, uma proposta que Alckmin passou a ventilar recentemente - mais uma tentativa de aproximação com à liberação total proposta por Bolsonaro. No Senado, destacou-se como opositora ao Governo de Dilma Rousseff (PT) e, em alguns momentos, fez oposição ao governo Michel Temer (MDB), apesar de ter sido favorável à reforma trabalhista e já ter declarado apoio à reforma da Previdência. Em seus discursos também pediu o afastamento do senador Aécio Neves (PSDB) que, assim como Temer, foi citado na flagrado nos grampos da JBS.
Apesar do discurso contra a corrupção, a senadora não vê conflito em ser filiada ao PP, o partido campeão de investigações na Operação Lava Jato. Os próprios Alckmin e Ana Amélia já foram apontados como receptores de recursos ilícitos da empreiteira Odebrecht. Nas planilhas dos executivos da empreiteira, que concordaram em fazer delação, eles eram apelidados de Santo e de Velha. Ambos negam quaisquer irregularidades nos valores doados pela empresa, que assinou uma delação premiada e um acordo de leniência com as autoridades brasileiras. Contra ele há um processo aberto na Justiça por essa razão. Contra ela, o inquérito não foi conclusivo.
Seja como for, isso pode ser considerado leve no contexto da coalizão que dá suporte a Alckmin, que se destaca pelo número de siglas apoiadoras ( PSD, o PP, o PR, o PRB, o DEM, o PTB, SD e o PPS) assim como pelo envolvimento de boa parte de seus aliados em escândalos políticos como mensalão e a Lava Jato. Uma das figuras notórias da convenção foi Roberto Jeferson, do PTB, condenado pelo mensalão, e sua filha, Cristiane Brasil, defenestrada do Ministério do Trabalho antes de conseguir tomar posse. No campo das ausências, chamou a atenção a de Aécio Neves. Candidato derrotado por Rousseff, em 2014, Aécio foi convencido a não concorrer à reeleição para que não precisasse aparecer no mesmo palanque que o candidato a governador do partido em Minas Gerais, Antonio Anastasia, nem no do próprio Alckmin. Difícil que essa retirada de cena surta efeito sobre os adversários.
"Precisamos da ordem democrática, que dialoga, que não exclui, que tolera as diferenças, que não busca resolver tudo na pancadaria nem usa o ódio como combustível da manipulação eleitoral”, discursou Alckmin, em mais um sinalização que escolheu Bolsonaro como adversário a ter a imagem desconstruída, no jargão do marketing político.
Se, ao contrário do que parecia no começo de junho, Alckmin conseguiu chegar como candidato competitivo na campanha, agora com Ana Amélia, amuleto direitista, acredita ter ganhado forçar para enfrentar dois desafios. O primeiro é chegar ao segundo turno. E, uma vez nele, a prova será superar o trauma de 2006. Com um série de erros na campanha, naquele ano Alckmin perdeu para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no embate final com um raro recorde: recebeu menos votos no segundo turno do que no primeiro.
El País: A ala do PT que defende o ‘tudo ou nada’ para levar a candidatura de Lula até o fim
Avaliação de petistas é que recursos ao Supremo não teriam como ser analisados antes de data limite para substituição. Partido deve formalizar nome de ex-presidente neste sábado
Por Ricardo Della Coletta, do El País
Os aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmam que usarão todos os recursos na Justiça para garantir que o petista participe das eleições neste ano, mas, caso insistam nessa estratégia, o país pode enfrentar uma situação inédita —e cheia de incertezas— no pleito de outubro: o líder nas pesquisas de opinião com uma candidatura com o risco de ser impugnado no meio (ou mesmo depois) do processo eleitoral. Embora alguns petistas avaliem que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) vão correr contra o tempo para indeferir a candidatura de Lula antes de 17 de setembro, a data limite para a troca de candidato, os prazos apertados que a Justiça Eleitoral terá para analisar o processo e a possibilidade de apresentar recursos ao STF fazem com que a hipótese de não substituir Lula seja debatida dentro do PT.
"Dependendo das condições, sim, é muito possível [manter a candidatura de Lula sub judice]", afirmou ao EL PAÍS a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann. A senadora deve presidir neste sábado a convenção do partido que prevê formalizar o petista como candidato ainda que sem nome de vice, em mais uma estratégia para ganhar tempo. O segundo da chapa, disse Gleisi, só seria anunciado no dia 14 e ela fez questão de repetir que o Ciro Gomes seria um bom nome para o posto. "Se for verdade que Lula será candidato, conversemos; se não for, por favor, Brasil: muita calma nessa hora! Nosso país não aguentará outra aposta no escuro", retrucou o pedetista em carta aberta na qual disse que "até as pedras" sabem que Lula, que está preso desde abril devido a uma condenação em segunda instância por corrupção que o enquadra na Lei da Ficha Limpa, será impedido.
A tese da candidatura sub judice ganha eco na ala mais radical do PT, que acredita que a solução drástica —não trocar a candidatura de Lula no dia 17 de setembro caso ele ainda possa apresentar recursos ao Supremo— seria uma forma de reforçar ainda mais o discurso de que a sigla e o ex-presidente estariam tendo seus direitos desrespeitados. Além do mais, a meta desse grupo é tentar garantir que, mesmo com o registro negado, o nome de Lula apareça na urna eletrônica. Com 33% das intenções de voto, segundo o último levantamento Ibope, tudo indica que o petista teria uma votação expressiva, o que deixaria o Supremo contra a parede: afinal, os juízes anulariam os votos dados a Lula, um candidato que poderia muito bem liderar o primeiro turno? "Ninguém na condição em que está o Lula hoje deixou de ser candidato", afirma o senador Lindbergh Farias, líder do PT no Senado. "Qualquer decisão definitiva no STF só ocorrerá depois das eleições. Então vai surgir a seguinte questão: não será o candidato Lula que estará sendo julgado, mas o presidente eleito", complementa o líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta.
Encruzilhada
Mas como esse cenário seria possível? Caso o TSE e o Supremo indeferirem em definitivo o pedido de candidatura de Lula até 17 de setembro, não há mais o que discutir. A única opção do PT seria ungir um candidato alternativo e esperar que a popularidade de Lula transfira votos ao escolhido (o nome mais especulado hoje em dia é o do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad). Mas a coisa se complica se, devido a eventuais recursos no STF, uma decisão em definitivo da última instância do Judiciário não ocorra antes desse prazo.
Dessa forma, se a peleja jurídica se estender, o partido vai se deparar com uma encruzilhada em 17 de setembro: caso insistam numa disputa judicial "até o fim", a sigla não poderá mais substituir seu representante, mesmo se o STF vier a bloquear a candidatura de Lula depois disso. Haveria dois caminhos a seguir. Abrir mão de eventuais recursos que ainda poderiam beneficiar o ex-presidente na Suprema Corte e lançar um substituto no pleito ou redobrar a aposta no líder petista, numa espécie de "tudo ou nada" eleitoral. É uma aposta de alto risco. Segundo explica um ex-ministro do TSE, que falou sob condição de anonimato, no caso de uma impugnação após 17 de setembro o PT ficaria sem candidato e — se não houver tempo hábil para retirar o seu nome da urna — os votos dados a Lula seriam anulados. Mesmo assim há quem defenda esse caminho dentro do PT.
"É uma coisa que nós só saberemos nos dias 15 e 16 de setembro. Nós não adiantamos essa discussão, por isso que a gente tem insistido tanto que não tem plano B", contemporiza Gleisi, presidenta do PT. "Nós não temos essa clareza: se vamos substituir [o Lula] ou se vamos continuar sub judice. Vai depender muito do desempenho da disputa jurídica no Tribunal Superior Eleitoral. Nós temos argumentos fortes, o presidente tem aí recursos muito plausíveis e a jurisprudência eleitoral nos faz acreditar que é possível disputar uma eleição sub judice e levantar a elegibilidade", complementa.
O precedente que mais se parece ao cenário do "tudo ou nada" defendido pela ala mais radical do PT ocorreu em 2006, quando Rui Costa Pimenta, então candidato pelo Partido da Causa Operária, disputou o Palácio do Planalto. O Tribunal Superior Eleitoral negou seu registro por problemas na prestação de contas de pleitos anteriores, mas Pimenta recorreu ao STF e seu nome apareceu na urna eletrônica. O caso dele só foi resolvido pelo Supremo em 25 de outubro daquele ano, mais de 20 dias depois do primeiro turno. A candidatura foi considerada irregular e os votos depositados em Pimenta, anulados. Uma questão pequena já que o postulante em questão era de uma legenda nanica e teve poucos votos. Quando se pensa nessa hipótese com o nome de Lula na urna, o problema se torna significativamente maior.
Pelas declarações mais recentes de membros do Tribunal Superior Eleitoral, no entanto, a indicação é que o caso Lula será analisado de forma célere. O presidente do TSE, ministro Luiz Fux, argumentou recentemente que o petista está numa situação de "inelegibilidade chapada". Ministros do tribunal dizem reservadamente que a tendência é que a Corte julgue o processo do ex-presidente até 31 de agosto, portanto antes do início do horário eleitoral gratuito. Em outra frente, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, afirmou na semana passada que o Ministério Público vai pedir o ressarcimento dos recursos públicos usados por partidos políticos nas campanhas de políticos inelegíveis.
Divergência
Apesar de Gleisi afirmar que esse assunto só será tratado às vésperas do prazo limite para a troca de candidato, o tema já gera discussões internas dentro do PT. Um grupo de petistas mais moderados acredita que manter a candidatura sub judice mesmo depois da determinação da corte eleitoral seria uma espécie de plano suicida, com consequências imprevisíveis para o partido e para as próprias eleições. Um parlamentar ouvido reservadamente disse, por exemplo, que o ideal seria considerar a decisão do TSE como a linha definitiva para a troca de candidato.
De qualquer forma, o caminho que será seguido depende — como tudo no PT — da estratégia traçada pelo próprio ex-presidente Lula. Quem o visita na carceragem em Curitiba garante que ele está determinado a manter a sua candidatura até as últimas consequências, mas alguns interlocutores do petista acreditam que o plano é esticar o discurso de que não há plano B pelo máximo de tempo possível — se conseguirem até o dia 17 de setembro, melhor. O cálculo é que quanto mais próximo das eleições, mais chances o substituto terá de herdar o eleitorado que votaria no ex-presidente. Apostar numa candidatura com risco de ser anulada durante ou depois do pleito, dizem, seria igual a abdicar das possibilidades de um petista chegar ao segundo turno das eleições.
El País: Dois em cada três jovens da América Latina não admitem que “não é não”
Mais de 80% dos menores de 25 anos acham que os homens podem ter relações sexuais com quem quiserem, mas não as mulheres, segundo uma pesquisa em oito países
Por Pillar Alvarez, do El País
Está nas letras do cantor colombiano Maluma e nas conversas das turmas. “Estou apaixonado por quatro babys/ Sempre me dão o que eu quero/ Transam quando eu mando / Nenhuma me diz que não”, canta o estribilho da sua Quatro Babys. É o imaginário que coisifica as mulheres, as julga pela forma como se vestem ou pelo que bebem e que normaliza a violência contra elas. Ideias que são transmitidas pela música, pelas redes sociais e pelas amizades, estabelecendo-se com força entre os jovens da América Latina. Dois em cada três deles não sabem com clareza que “não é não”: as mulheres se fazem de difíceis, dizem nãoquando querem dizer sim. A grande maioria (86%) não interviria se um amigo batesse na sua namorada, segundo uma macropesquisa apresentada no dia 25 de julho.
“É algo que têm em sua cabeça e reproduzem em seus comportamentos”, diz Belén Sobrino, responsável pelo relatório Rompendo Moldes: Transformar Imaginários e Normas Sociais para Eliminar a Violência Contra as Mulheres, da ONG Oxfam Intermon, que analisa jovens de 15 a 25 anos com mais de 4.000 questionários com pessoas de áreas urbanas e com ensino médio e universitário de oito países da América Latina: Bolívia, Colômbia, Cuba, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana. Mais de 80% concordam os homens podem ter relações sexuais com quem quiserem, mas que as mulheres não podem. E três em cada quatro consideram incorreto que uma mulher aborte em caso de gravidez indesejada.
Não incluído neste levantamento, o Brasil também tem dados alarmantes sobre a percepção de igualdade de gênero. Pesquisa Datafolha realizada em 2016 mostrou que uma de cada três pessoas acredita que, nos casos de estupro, a culpa é da mulher. Entre os homens, o pensamento ainda é mais comum: 42% deles dizem que mulheres que se dão ao respeito não são estupradas. Outros dados foram apontados em 2017 por uma pesquisa da Global Advisor. Os entrevistadores perguntaram a brasileiros se as mulheres são inferiores aos homens. 16% responderam que sim.
O trabalho da Oxfam Intermon, apresentado em Bogotá na semana passada, numa série de conferências sobre como relatar as violências machistas, às quais o EL PAÍS foi convidado, analisa o comportamento e o pensamento dos jovens numa região com a mais elevada taxa de taxas de gravidez entre adolescentes (73,2 por mil) e onde em 2016 foram assassinadas 1.831 mulheres pelo mero fato de sê-lo. E põe o foco na prevenção “que começa com a rejeição e a mudança de olhar de certo imaginário e certas normas sociais nocivas que se reproduzem e alimentam uma violência totalmente instalada” entre a juventude, explica Sobrino. Aqui alguns conceitos desse imaginário:
Ele vigia o meu celular porque me ama
A grande maioria das garotas pesquisadas não considera violência que as pessoas com quem se relacionam vigiem seus celulares e redes sociais, ou controlem a forma como se vestem. Seis em cada 10 menores de 20 anos e 4 de cada 10 garotas justificam que os ciúmes são parte do amor. O relatório não alude à Espanha, mas trabalhos prévios mostram que as percepções não são tão diferentes. O barômetro de novembro de 2017 da Fundação de Ajuda contra a Dependência de Drogas (FAD) refletia que os jovens espanhóis tampouco consideram violência de gênero coisas como vigiar o celular ou os ciúmes. Um de cada quatro via, além disso, a violência como uma conduta "normal" dentro do casal.
Se beber, a culpa é dela
Dois de cada três jovens de 15 a 19 anos justificam a violência sexual pelo consumo de álcool dos homens, 72% culpam as mulheres pela roupa que usam. Metade dos espanhóis também considera que o álcool é o causador dos estupros, segundo um estudo sobre a percepção de violência sexual lançada pelo Governo em junho, que não aludia a faixas etárias.
O Estado que resolva
A grande maioria acredita que a violência contra as mulheres é produto das desigualdades e aponta isso como um problema grave. A responsável pelo relatório destaca este fato como um dado positivo: “Demonstra que existiu um trabalho de conscientização, embora muitos entendam que não é problema seu”, destaca Sobrino. Na verdade, dois de cada três acreditam que cabe exclusivamente ao Estado reduzir essa violência.
O relatório considera que há diversos lugares a partir dos quais é possível combater essas mensagens, das famílias às igrejas. Observa também a responsabilidade dos meios de comunicação e dos centros educacionais, embora nos países analisados ocorra como na Espanha: as matérias e disciplinas escolares relativas à igualdade e educação sexual brilham por sua ausência.
Há leis, mas faltam recursos e falham os sistemas de informação, com um precário registro de dados dos casos de violência contra a mulher em todos os países da América Latina e Caribe. As autoras do trabalho salientam a falta de vontade política e uma repetição de padrões culturais que minimizam a violência. Por exemplo, os tribunais não impõem medias de proteção porque “consideram que as surras ou qualquer fato de violência deve ser resolvido dentro do lar".
A mensagem das redes
As jovens e as redes também podem ser parte da solução. Mulheres como as que na Espanha saíram em massa para reivindicar a importância do consentimento, as que faziam coro dizendo que “só sim é sim” nas manifestações e que acompanharam durante todo o processo judicial a jovem abusada por cinco homens de um grupo chamado La Manada nas festas de San Fermín de 2016.
As redes sociais são o espaço onde os jovens mais se encontram e se informam, e onde se geraram campanhas globais contra o assédio, como o #Metoo norte-americano, e contra os feminicídios, como o #NiunaMenos da Argentina. Redes onde se propagam também vozes de outros artistas e cantores nos antípodas das letras de Maluma. Vale o exemplo da rapper mexicana Mare Advertencia Lirikade: “Para de engolir o lixo sexista!/ Para de pensar que é melhor quem melhor se veste!/ Para com essas revistas! O que controla a sua vida / porque você nasceu livre e virou escrava da moda”.
El País: Bolsonaro ignora o Brasil real que ganha até dois salários mínimos
Em seu primeiro teste de fogo, no Roda Viva, candidato mobiliza só seu público e derrapa sobre saúde, educação e economia
Por Talita Bedinelli, do El País
No primeiro teste de fogo real de Jair Bolsonaro nestas eleições, a aparição diante de jornalistas no programa Roda Viva, da TV Cultura, o eleitor ficou sem saber o que, de fato, planeja para os temas que afetam seu cotidiano o líder das pesquisas, na ausência de Lula. Que ele defende a ditadura e a tortura, odeia a esquerda (e qualquer pauta progressista e pró-direitos humanos) e quer que todos tenham o direito de usar arma de fogo, já se é sabido. É na polêmica, campo onde cresceu e apareceu, que ele brilha para sua plateia de fiéis seguidores, que nesta segunda mais uma vez mostraram sua musculatura e ajudaram a atração a ser a mais recordista de audiência entre todos os presidenciáveis. Mas, quando deixa de ser a caricatura já conhecida da Internet é que o candidato se perde e falha em apresentar propostas para melhorar a educação, a saúde e a economia. Ao que parece, recorrerá, para isso, a uma ampla rede de postos Ipiranga, expressão usada por ele para se referir a seus futuros ministros, caso eleito. Para o longevo legislador (deputado federal desde 1991), as políticas públicas parecem ser seu calcanhar de Aquiles.
Em suas respostas, Bolsonaro demonstra pouco conhecimento do Brasil real. Quando questionado, por exemplo, sobre o que fazer em relação à mortalidade infantil, que voltou a aumentar pela primeira vez desde 1990, creditou a situação ao nascimento de prematuros, algo que, de fato, é um problema, mas que está longe de responder pela complexidade do tema. Dados publicados pela Folha de S.Paulo neste mês apontam o preocupante crescimento de 12%, em um único ano, de mortes de menores de cinco anos por diarreia, doença relacionada com pobreza e falta de saneamento básico. Quando confrontado sobre o impacto das questões sanitárias nesta estatística, o candidato à presidente desconversou. "Tem um mar de problemas, tem a ver com o passado sanitário daquela pessoa, com a alimentação da mãe, um montão de coisas. Muita gestante não dá bola para sua saúde bucal ou não faz os exames do seu sistema urinário com frequência. Certos problemas advém disso e a possibilidade de prematuros aumenta assustadoramente", respondeu.
O militar reformado também defendeu propor ao Congresso a redução da porcentagem das cotas para negros nas universidades, ignorando análises que mostram como tais ações afirmativas são positivas para o país e negando que o Brasil tenha uma dívida com a população afrodescendente por conta da escravidão, raiz da desigualdade —"Que dívida? Eu nunca escravizei ninguém. Se for ver a história realmente, o português nem pisada na África, os próprios negros é que entregavam os escravos". E afirmou que pretende investir com mais força no ensino fundamental, o mais coberto justamente por uma obrigatoriedade constitucional, quando os principais gargalos do país são os ensinos infantil (enorme falta de creches) e o médio, um limbo geralmente esquecido pelos Estados. Para a área da ciência e da tecnologia, seu posto Ipiranga seria o polêmico astronauta Marcos Pontes, criticado por passar ainda jovem para a reserva militar apenas dois anos depois de o país investir 10 milhões de dólares em sua ida ao espaço —foi atuar na iniciativa privada e fez até propaganda de travesseiros potencializados com a "tecnologia da Nasa".
Na economia, mais ausência de respostas. O desemprego no campo, para ele, por exemplo, é culpa do avanço tecnológico, que extinguiu postos de trabalho. E, para ele, quem perdeu o emprego precisa se capacitar para exercer outra profissão, como se as opções fossem abundantes no interior do país.
Nestes próximos dois meses que antecedem a eleição, a campanha que levará à escolha do próximo presidente ruma, espera-se, para além da histeria das redes sociais e ganha também a vida real. É agora, quando os candidatos passam a poder falar como candidatos, que os eleitores começam a prestar atenção. E a escolha é pragmática, se baseia em como a própria vida pode mudar para melhor, afirmam os cientistas políticos. A maioria da população, aquela que ganha até dois salários mínimos, que sente mais os efeitos de uma economia em recessão e do desemprego, que depende de uma saúde pública de péssima qualidade e que têm acesso a uma educação sofrível é justamente o quinhão da população que menos confia em Bolsonaro, mesmo sem Lula nas pesquisas. Enquanto entre os que ganham até 10 salários mínimos a intenção de votos no militar reformado é de 34%, entre os que ganham até 2 salários é de 13%, aponta o último Datafolha, realizado no início do mês passado.
Ao ignorar os temas caros para a maior parte da população, Bolsonaro parece não ter entendido ainda que não concorre mais ao Legislativo, onde a polêmica rende votos. Quando encarado como candidato sério, não parece ter qualquer proposta concreta. Resta saber se ele conseguirá se manter na liderança com uma campanha baseada apenas em raiva e ódio. Pode ser que este seu discurso batido funcione e seja suficiente para levá-lo, ao menos, para o segundo turno, em uma eleição fragmentada e sem candidatos fortes e onde as previsões de analistas políticos parecem não alcançar a realidade. Mas é possível também que ele pare de crescer. Porque os problemas do Brasil real não se resolvem num posto de gasolina. E quem acorda cedo para enfrentar esta realidade sabe disso.
El País: Após estagnar, Bolsonaro dá sinais de recuperação nas redes, sua boia de salvação
Candidato sai de sua zona de conforto na Internet para participar do programa Roda Viva. Resiliência da candidatura mesmo sem tempo de TV é maior incógnita da campanha até agora
Por Afonso Benites, do El País
Aconteça o que acontecer, o futuro do fenômeno Jair Bolsonaro, o pré-candidato de extrema-direita ao Planalto, vai depender de sua capacidade de capitalizar o uso das redes sociais. É que o seu PSL não conseguiu fechar alianças e, por causa disso, o ex-capitão do Exército terá reduzido espaço na propaganda oficial de rádio e TV – o partido terá menos de 10 segundos diários na programação de 24 minutos – e ausência de palanques fortes nos Estados. O problema para o presidenciável, e não só para ele, é que ainda não se sabe o quanto a eleição brasileira ainda é dependente do horário eleitoral gratuito, que começa em 31 de agosto. Antes mesmo que essa pergunta crucial seja respondida, a Internet, considerada maior trunfo e boia de salvação do militar reformado, deu sinais de arrefecer no fervor por sua candidatura. Nas últimas semanas, o apoio a Bolsonaro na redes sociais estagnou em relação ao seus concorrentes de campanha, segundo levantamento da consultoria Atlas Político. Só deu sinais de recuperação nos últimos dias, justo antes e na esteira de sua participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, nesta segunda-feira.
A participação no Roda Viva é um dos testes de fogo de Bolsonaro, que lidera as pesquisas de opinião, ainda que sem grandes crescimentos recentes, se o nome de Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, não é considerado. No centro do cenário e cercado de jornalistas, ele deixou sua zona de conforto nas redes, onde fala para boa parte dos convertidos, e se deparou com representantes dos principais jornais brasileiros, muitos dos quais ele critica frequente e insistentemente. Os primeiros momentos do pré-candidato foram tensos. Aparentando estar nervoso, ele enfrentou uma bateria de perguntas sobre as violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar. Ele repetiu sua argumentação negacionista: argumentou que não houve golpe em 1964 e minimizou o uso de tortura, que descreveu como o uso, "talvez", de "algumas maldades". Em outro momento, chegou a elogiar o ex-deputado preso pela Operação Lava Jato, Eduardo Cunha, pelo apoio do carioca ao projeto que obriga a existência de voto impresso. "Eu gostaria de ter estado mais vezes ao lado do Eduardo Cunha", disse. No decorrer dos blocos, fugiu de perguntas específicas sobre propostas programáticas, como para a recuperação econômica, e manteve o tom de enfrentamento e discurso contra as mazelas da escravidão e as cotas raciais.
Do seu desempenho na espécie de paredão midiático depende uma nova injeção de ânimo nas redes, como já aconteceu com pré-candidatos que passaram na bancada antes dele. Até agora, quem se deu melhor na aparição foi Manuela D'Ávila (PCdoB), que ganhou mais de 18.000 novos seguidores contando apenas o dia da entrevista e os dois dias de repercussão - as frequentes interrupções à pré-candidata provocaram um debate sobre machismo no programa. "De todos, Manuela, Guilherme Boulos e Álvaro Dias se destacaram. Geraldo Alckmin e Marina Silva não impressionaram", comenta Andrei Roman, do Atlas Político.
Nos números da consultoria, desde que intensificou sua campanha eleitoral e passou a participar de entrevistas e sabatinas, o número de seguidores do presidenciável Bolsonaro no Facebook - ele é recordista, com mais de 5 milhões de pessoas - ou caiu ou estagnou na comparação dia a dia. Nem mesmo em 22 de julho, quando foi oficializado como o candidato à presidência do PSL, ele registrou crescimento considerável. Naquele dia, entre 13 pré-candidatos monitorados pelo Atlas Político, o deputado de extrema direita ficou na sétima colocação dos que mais recebiam novos seguidores. Nos últimos dias, contudo, começou a receber novos seguidores. Só entre os dias 27 e 29 deste mês, ele ganhou 30.799 seguidores. Atualmente, é o segundo que mais registra novos fãs na rede social. Fica atrás apenas de João Amoêdo, do NOVO. No caso desse, porém, esse crescimento é resultado do patrocínio de posts.
Não só Bolsonaro depende das redes. Outros nomes concorrentes de partidos nanicos como Amoêdo, Marina Silva (REDE), Guilherme Boulos (PSOL) e Álvaro Dias (PODEMOS) também. De outro lado, conglomerados de esquerda e direita dividirão a maior fatia da propaganda oficial. Até o momento, Geraldo Alckmin detém quase 12 minutos diários da programação por causa da aliança de seu PSDB com outros oito partidos. Ainda aguardando uma definição de legendas como PSB, PCdoB e PT, Ciro Gomes (PDT) poderá agregar outra fatia desse bolo – se o PT desistir de candidatura própria—, enquanto que o MDB, sozinho, somará outros dois minutos e meio. “Dado que a gente vive uma situação diferente, em que parte dos líderes das pesquisas não tem tempo de TV, as redes sociais passam a ser o principal espaço que eles têm para atuar. Por isso sua importância aumenta neste ano”, explicou o cientista de computação e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Fabrício Benevenuto, que coordena um projeto de acompanhamento da campanha política nas redes.
Gráfico mostra o desempenho dos pré-candidatos nas redes no dia da aparição do Roda Viva e nos dois dias seguintes. Manoela D'Ávila foi a que mais capitalizou a aparição.
Gráfico mostra o desempenho dos pré-candidatos nas redes no dia da aparição do Roda Viva e nos dois dias seguintes. Manoela D'Ávila foi a que mais capitalizou a aparição. Atlas Político
Variação de engajamento
Desde o início de junho, proporcionalmente o espaço que Bolsonaro tinha em comparação com os demais concorrentes também sofreu grandes oscilações de 11% a 38%, ainda segundo a consultoria de Andrei Roman. No dia 29, último dado disponibilizado pelo Atlas Político, 27% das interações com os presidenciáveis eram feitas por meio de Bolsonaro, atrás apenas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 39%. O engajamento é o sinônimo de todas as interações envolvendo um perfil do Facebook. Isso inclui os compartilhamentos, os comentários e as curtidas feitos sobre as postagens desse usuário.
A par da redução de seguidores e a grande oscilação entre o engajamento de suas postagens, Bolsonaro decidiu orientar seus admiradores a o seguirem em outra rede social chamada Mano, na qual tem a TV Bolsonaro. É um aplicativo nacional no qual, segundo os coordenadores da campanha dele, seria mais confiável do que o Facebook. Em um dos vídeos em que pede o apoio de seus fãs, o deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do presidenciável ele diz que a campanha de seu pai tem sofrido um ataque covarde, uma censura. “Como muitos de vocês já sabem o alcance das nossas postagens nas grandes redes sociais, como o Facebook, tem sido absurdamente restringido”.
A aposta nas redes não é simples porque o terreno ainda é movediço. Ainda há dúvidas sobre a utilização das ferramentas - pela primeira vez os candidatos poderão investir dinheiro das campanhas para que sua mensagem chegue a mais pessoas - e sobre como a Justiça Eleitoral vai monitorá-la na prática. Há um debate em curso sobre o que é permitido ou não publicar, até mesmo porque tudo está sujeito às regras do Facebook, o gigante norte-americana que também é alvo de polêmicas nos EUA. Na semana passada, a companhia fechou quase duas centenas de páginas e 87 contas que, segundo a rede, infringiam suas normas. Parte delas é ligada ao Movimento Brasil Livre, um grupo de direita que influenciou no impeachment de Dilma Rousseff (PT). Oficialmente, a companhia alegou que havia “uma rede coordenada" "com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”. O conceito de "espalhar desinformação" ainda está sendo debatido e questionado e nada descarta que novos expurgos voltem a ocorrer afetando as mesmas ou outras forças dos espectro político.
Mesmo fora do Facebook o cenário também é de mudança. A campanha de Bolsonaro diz apostar nos grupos de WhatsApp movimentados - que são quase 900 segundo disse seu apoiador, deputado Major Olímpio, à revista Piauí - para difundir sua mensagem. A questão é que o próprio WhatsApp resolveu restringir o número de encaminhamentos simultâneos de mensagens. Antes, não havia restrição. Desde o dia 19 de julho, contudo, esse número no Brasil foi diminuído para 20 contatos ou grupos.
https://www.facebook.com/rodaviva/videos/2033964346647837/
El País: Corrida de presidenciáveis pelos vices vira missão quase tão difícil quanto ganhar a eleição
Principais presidenciáveis vivem temporada de 'nãos' a convites para compor chapas. Articulações esbarram em acordos regionais e indefinição do PT
Por Afonso Benites, do El País
A busca por um(a) candidato(a) a vice-presidente nas eleições brasileiras segue desta maneira: Jair Bolsonaro (PSL) já ouviu três nãos seguidos – o do senador Magno Malta (PR), o do general Augusto Heleno (PRP) e o do general Hamilton Mourão (PRTB) – e está perto de ouvir um quarto, o da professora de direito Janaína Paschoal (PSL). Geraldo Alckmin (PSDB) levou um fora, o do empresário Josué Gomes (PR). Ciro Gomes (PDT) foi sondado, mas caiu em um truque do centrão e, agora, não está entre os mais procurados. Marina Silva (REDE) já falou em oferecer a vaga de vice ao PV. Álvaro Dias (PODE) e outros representantes de partidos pequenos buscam uma solução caseira com a formação de chapas puro-sangue.
Na eleição mais incerta desde 1989, os principais concorrentes ao Planalto se deparam com uma série de dificuldades para encontrar um(a) companheiro(a) de chapa. Para despistar quem os questiona sobre o assunto costumam seguir o mesmo rumo de Alckmin, dizendo que ainda falta muito tempo para essa decisão ser tomada – quando na verdade o prazo para o fim das convenções termina no dia 5 de agosto (daqui a uma semana) e o de inscrição de chapa em 15 de setembro. “Não temos pressa. Ainda temos até o dia 4 para nos decidirmos”, afirmou o tucano nesta quinta-feira, durante o anúncio do apoio do centrão à candidatura dele. Poucas horas depois, Josué Gomes enviou uma carta agradecendo o convite e se recusando a concorrer como vice do tucano.
Algumas das razões dessa indefinição apontadas por analistas políticos ouvidos pelo EL PAÍS: 1) a incerteza do que o PT fará sobre sua candidatura inviabiliza parte das coligações – já que Luiz Inácio Lula da Silva está preso e provavelmente será impedido de concorrer; 2) Bolsonaro, Marina e Ciro, que lideram as pesquisas sem Lula, pouco têm a oferecer para atrair aliados. Não têm tempo de propaganda de rádio e TV, possuem poucos recursos partidários, assim como pequenas bancadas na Câmara dos Deputados ou prefeitos eleitos que poderiam lhes servir de cabos eleitorais; 3) longa distância do topo nas pesquisas eleitorais, casos de Alckmin e Dias; 4) polarização de candidaturas em um país que costumava se deparar com uma antiga queda de braço entre PT e PSDB e; 5) acordos regionais que acabam interferindo no plano federal. De olho nos próprios rincões, caciques regionais agem contra o que poderia ser um consenso partidário.
“Tradicionalmente o vice cumpre a função de equilibrar a chapa, do ponto de vista ideológico, geográfico, financeiro e do tempo de TV. Ou ainda na questão de gênero, se o candidato a presidente é um homem, talvez haja a preferência por escolher uma mulher e vice-versa”, explicou o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Caldas diz que o caso do PT, que insiste na improvável candidatura de Lula, causa ainda um mal-estar para as instituições e faz com que vários partidos de esquerda, como o PCdoB, o PSB e o PDT, fiquem em compasso de espera sobre uma definição sobre os rumos petistas. Em tese, o ex-presidente não poderia concorrer porque já possui uma condenação em segunda instância, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Conforme a Lei da Ficha Limpa, condenados por tribunais não podem disputar uma eleição. Mas os defensores do petista acreditam que ele tem chance de, até meados de setembro, reverter a decisão e fazer com que Lula registre sua candidatura. Se isso não ocorrer, ele tentaria transferir votos para um possível sucessor, como o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad ou o ex-governador da Bahia Jacques Wagner. “O que o PT está fazendo é uma pressão nas instituições até o limite. Assim, você estressa o sistema político e cria um clima pesado para a eleição”.
Na avaliação do professor e cientista político Wladimir Gramacho, também da UnB, a questão local tem influenciado intensamente na definição das alianças nacionais e, consecutivamente, na definição dos vices. “Essa eleição federativa dificulta muito as decisões dos partidos. A principal dificuldade em formar chapa é combinar uma decisão que seja mais simples ou óbvia, com as implicações estaduais desse vínculo”.
Um exemplo sobre essa análise de Gramacho. O PSB decidiu em seu congresso que nesta eleição presidencial haveria três alternativas a seguir. Teria um candidato próprio, apoiaria um nome com ideais de esquerda semelhantes aos dos socialistas ou ficariam neutros.
A candidatura própria naufragou depois que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa desistiu da disputa. O apoio a um nome viável de esquerda hoje restringe-se a Ciro Gomes. E a neutralidade é minoritária, mas conta com articulações antes impensadas. Uma delas foi a feita pelo governador de São Paulo e candidato à reeleição Márcio França. Na quarta-feira, ele lançou Leany Lemos candidata à presidência pelo PSB. Aliada do governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), e pré-candidata ao Senado, Lemos nem foi consultada sobre essa possibilidade. Na semana retrasada, França já tinha tentado emplacar o nome da senadora baiana Lídice da Mata. Mais um balão de ensaio que não deu em nada. “São tentativas de desviar o foco e fazer com que os convencionais [que decidem o rumo do partido] decidam pela neutralidade e, dessa maneira, beneficie o próprio Márcio, que defende a candidatura do Alckmin”, disse uma liderança socialista.
O PSB ainda se depara com embates em dois Estados do Nordeste, Pernambuco e Paraíba, onde as legendas forçam um entendimento com o PT, algo já descartado na esfera nacional. Com problemas semelhantes estão Bolsonaro e Álvaro Dias. O primeiro quase fechou com o PR, mas desentendimentos no Rio de Janeiro afastaram essa união. O segundo estava perto de se juntar ao PRB, mas não conseguiu costurar acordos regionais em postos como no Paraná e em Mato Grosso do Sul.
Assim, a tendência é que as principais definições sobre os candidatos a vice fiquem mesmo para a reta final das convenções. Ainda que, como disse o professor Gramacho, o cargo de vice na República brasileira seja um bom emprego. “Em qualquer momento ele pode se tornar presidente”, lembrou o analista antes de citar três suplentes que assumiram a presidência após a morte ou o impeachment do presidente eleito. José Sarney (1985-1990), Itamar Franco (1992-1995) e Michel Temer (2016-2018).
OS POSSÍVEIS VICES
Já tem vice
PSOL - A chapa é formada pelo líder social Guilherme Boulos e pela liderança indígena Sônia Guajajara.
NOVO - O ex-banqueiro João Amoêdo tem como suplente o cientista político Christian Lohbauer.
PSTU - Vera Lúcia com o ativista Hertz Dias.
Os que negociam a vaga de vice
PT - Partido insiste na incerta candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva e nem iniciou a busca por um vice.
PSL - Jair Bolsonaro ouviu três nãos e agora busca uma chapa puro-sangue. Os alvos são o astronauta aposentado Marcos Pontes, o suplente de deputado federal Luciano Bivar ou o advogado e presidente interino do PSL, Gustavo Bebbiano.
REDE - Marina Silva negocia com o PROS e pode ter o deputado Maurício Rands como seu vice. Mas a tendência é que um nome da própria REDE a siga, como o presidente do Flamengo Eduardo Bandeira de Mello.
PDT - Ciro Gomes espera uma definição do PSB, que poderia indicar o ex-prefeito de Belo Horizonte Marcio Lacerda ou o ex-deputado gaúcho Beto Albuquerque. Outra alternativa, seria fechar com o PCdoB, que lançou a pré-candidatura de Manuela D'ávila.
PSDB - Geraldo Alckmin espera uma sugestão de seus aliados do centrão. Após o não de Josué Gomes, os nomes sugeridos até agora são do deputado Mendonça Filho (DEM), da senadora Ana Amélia (PP), do ex-deputado Aldo Rebelo (SD), da vice-governadora do Piauí, Margarete Coelho, e do empresário Flávio Rocha (PRB).
PODEMOS - Álvaro Dias esperava definições do PRB para negociar a vice. Pode ser obrigado a encontrar uma chapa caseira ou se aliar a um dos nanicos que sonda.
MDB - Isolado, Henrique Meirelles ainda não sugeriu nenhum vice. Mas também deve recorrer a algum correligionário.
PCdoB - Manuela D'ávila lançou seu nome, mas espera definições do PT, do PSB e do PDT. Pode desistir de concorrer para ser vice de Ciro ou de algum nome petista.
PRTB, PSC e PSDC - Lançaram, respectivamente Levy Fidelix, Paulo Rabello de Castro e José Maria Eymael. Tendência é que, se não desistirem da disputa, concorram com chapas puras.
El País: Quem espalha desinformação? E quem não espalha?
A melhor forma de lidar com uma potencial mentira é permitir que ela seja dita, para que possa ser desmentida publicamente ou confrontada judicialmente
Por Rodolfo Borges, do El País
Mentir é ruim. E a internet permite que mentiras se espalhem de forma mais fácil. Logo, é preciso impedir que as mentiras se espalhem pela internet. Mas quem define o que é mentira? Nas situações em que é fácil distinguir fatos de invenções, não há problema: a vereadora Marielle Franco não era ligada ao Comando Vermelho – se foi, não há comprovação, e a ausência de prova dispensa insinuações. Ofensa e difamação também já são passíveis de punição por lei muito antes do surgimento da internet. Mas e o impeachment de Dilma Rousseff, foi golpe ou não? O ex-presidente Lula foi condenado por dois tribunais sem nenhuma prova?
As redes sociais criaram o problema involuntariamente, como um efeito colateral de seu agigantamento. É uma questão de escala: as ferramentas deram voz a todo mundo e originaram os conceitos de fake news e pós-verdade, que permeiam todo o debate político, mas que ninguém sabe definir exatamente o que significam. A notícia falsa pode ser uma mentira deliberada, uma interpretação maliciosa, uma crença genuína. A pós-verdade é uma mentira que não seria tão mentirosa assim. Quem define? A resposta liberal é: todo mundo. “A opinião que se tenta suprimir pela autoridade pode ser verdadeira. Aqueles que desejam suprimi-la naturalmente negam sua verdade; mas eles não são infalíveis”, alertou John Stuart Mill em Sobre a Liberdade na década de 1850.
Até o surgimento do Facebook e do Twitter, quem se sentisse afetado por uma declaração pública qualquer — e elas geralmente vinham pelos jornais — tinha a prerrogativa de ir à Justiça. Hoje, não há mais tempo para esperar o desenrolar de um processo, apesar de o Marco Civil da Internet prever como “alternativa ao contratante [no caso, o usuário de rede social] a adoção do foro brasileiro para solução de controvérsias decorrentes de serviços prestados no Brasil”. O artigo 8º da legislação diz que “a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet”. Mas a legislação não parece suficiente para controlar os distúrbios causados nas redes sociais.
Pressionadas, as próprias empresas se apresentaram para solucionar o problema. O YouTube estabelece quem pode ganhar dinheiro com os vídeos publicados na plataforma – e, se o produtor de conteúdo desagradar parte considerável dos usuários, pode acabar banido. O mesmo procedimento, de banimento e suspensão em caso de descumprimento de regras, é adotado pelo Twitter. Nesta semana, o presidente norte-americano, Donald Trump, reclamou que o microblog está “shadow banning” (diminuindo a exposição) de “republicanos proeminentes”. Já no Brasil, o Facebook contratou agências de checagem de notícia para separar o joio do trigo e derrubou de uma vez só 196 páginas e 87 perfis considerados inapropriados sem mencionar diretamente o tema fake news.
A remoção de “contas falsas” não parece tão controversa, mas a alegação da empresa, no informativo sobre a exclusão das contas, de que havia um “propósito de gerar divisão e espalhar desinformação” entre os banidos é ampla o bastante para incluir, por exemplo, contas de partidos políticos que promovam a candidatura de um ex-presidente que não pode se candidatar por impedimentos judiciais... O partido estaria gerando divisão? Tumultuando o processo eleitoral? Como pode uma ferramenta tão relevante como o Facebook endossá-las? As perguntas podem soar cínicas dependendo de quem ouve. Quem define?
Os membros do Movimento Brasil Livre (MBL) já publicaram várias informações erradas em seus perfis. O mesmo pode ser dito sobre deputados de partidos como PT e PCdoB, que de boa ou má fé fizeram circular imagens do que sugeriam ser grandes aglomerações de manifestantes apoiando determinada causa — quando se tratavam de protestos promovidos até em outros países. Quando confrontados com a realidade, geralmente os responsáveis pela postagem errada ou maliciosa as apagam, sob o preço do estigma de terem sido pegos na mentira.
As ferramentas virtuais têm a prerrogativa de estipular as próprias regras — e talvez a rigidez seja mesmo o melhor caminho para elas, apesar de a recente queda de ações do Facebook estar ligada a uma crise de modelo que parece afugentar novos usuários. As acusações de descuido com os dados dos usuários e a suspeita de interferência de russos na eleição dos Estados Unidos levaram Mark Zuckerberg a se explicar no Congresso norte-americano. Os expurgos periódicos atendem às demandas por um mínimo de ordem e transmitem alguma sensação de controle numa época em que se imagina que as redes sociais são capazes de definir disputas políticas. Mas as consequências dos bloqueios e banimentos podem ser bem piores para a sociedade do que a tranquilidade de uma timeline pacificada sugere.
As redes sociais se elevaram ao posto de fóruns de debate público e viraram plataformas para organização e mobilização política. É uma posição de prestígio, mas não é uma posição confortável. O fato de grupos à direita do espectro político serem os mais afetados — não apenas no Brasil — é relevante, independente do que isso signifique. Pode ser que a direita, representada massivamente no ambiente online brasileiro pelo MBL, seja mais ativa ou agressiva — ou eficiente — do que a esquerda e, por isso, chame mais atenção e se torne um alvo mais óbvio — a página Corrupção Brasileira Memes, de humor e também identificada como de direita, foi derrubada apesar de ter 1 milhão de seguidores.
Mas pode ser também que aqueles envolvidos em checar a qualidade de postagens e estratégias de atuação nas redes sejam de esquerda — como alegam os banidos — e, por isso, estejam mais atentos às mentiras da direita, das quais eles discordam. É nessa posição duvidosa que os responsáveis pelas redes sociais se colocam quando decidem arbitrar quem pode ou não participar do debate público. Para se livrar das suspeitas, o Facebook teria de encontrar um grupo esquerdista equivalente ao MBL para derrubar. Esse grupo existe? Quantos sites ou páginas teriam de cair para justificar a derrubada dos perfis ligados ao MBL? As informações disponibilizadas pelo Facebook sobre o banimento não parecem o bastante para solucionar as dúvidas que pairam no ar. Os banidos não merecem nenhum esclarecimento? Esse procedimento poderia melhorar?
As plataformas de debate virtual merecem crédito por tentar lidar com um problema que parece imenso, mas as tentativas de resolvê-lo já criaram tensões que sugerem problemas ainda maiores. Sem debate, não há possibilidade de entendimento. E o requisito mínimo para o debate é que as ideias circulem. Nem todo mundo saberá manuseá-las da melhor forma e há risco envolvido nisso, mas silenciar um ator ruim não vai fazê-lo desaparecer — e ele pode ter algo relevante a dizer em algum momento. A melhor forma de lidar com uma potencial mentira é permitir que ela seja dita, para que possa ser desmentida publicamente ou confrontada judicialmente. O mesmo vale para as fake news, seja lá o que forem.
El País: “A ideia de uma chapa com Ciro não morreu na praia. Está na ilha ainda”, diz Fernando Haddad
Atual coordenador do programa de Governo do PT, Haddad fala da simpatia pelo pedetista. Promete política de redução de spread para baixar juros de bancos e taxação de heranças e
faz críticas à mídia que teme censura com regulação, mas tem atitude de “censor”
Por Carla Jimenez, do El País
O ex-prefeito Fernando Haddad saiu do Paraíso. O bairro em que viveu enquanto foi prefeito de São Paulo, e onde era frequentemente visto passeando com seu cachorro Stick, agora faz parte do passado. Mudou-se para o Planalto Paulista, também na zona sul da cidade, e se instalou com a família na casa de arquitetura modernista onde cresceu com os pais. “Minha mãe me disse que, se eu não viesse para cá, ela ia vender o imóvel”, comenta Haddad, atual coordenador do programa de Governo do PT e da campanha de Lula à presidência da República. Nos últimos dias, a casa modernista viveu um entra e sai de jornalistas após o partido publicar as linhas gerais do programa aprovado pelo ex-presidente petista para ser adotado em um eventual Governo do seu partido.
O PT espera que seja o próprio Lula a governar o Brasil, se o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral permitirem que ele seja candidato, e a sua enorme intenção de voto se transforme em realidade. Mas é Haddad quem está dando a cara, neste momento, ao anseio do partido de voltar ao poder. O ex-prefeito está treinado para negar as especulações sobre o seu nome. “Só existe plano A [com Lula candidato na cédula]”, repete ele sistematicamente, numa frase pouco crível para quem tem como mentor um animal político como Lula. Pelo sim pelo não, a realidade vai se impor no próximo dia 17 de setembro, data limite para o TSE dar o veredito para o futuro de Lula e do PT nesta eleição. Faltarão, então, só 20 dias para o primeiro turno da eleição, quando ou ele ou outro nome do partido deverão se apresentar no lugar do ex-presidente. Ou, como alternativa, apoiar outro candidato.
Pergunta - Você, como coordenador da campanha do PT à presidência, e diante da possibilidade de que o PT tenha de escolher um nome para suceder Lula, é naturalmente associado ao papel de sucessor a candidato do ex-presidente caso ele seja impedido de concorrer.
Resposta. Essa conversa não existe dentro do PT.
P. Por enquanto.
R. Nem existirá. O PT vai registrar o Lula dia 15 [de agosto] e vai lutar, tanto no TSE, como no Supremo, para viabilizar a candidatura dele. Esse é o plano A e único.
P. [O ex-secretário de Cultura e ex-vereador] Nabil Bonduki escreveu um artigo na Folha nesta terça, cobrando do partido que seja coerente com a própria tese do golpe de que o Lula será impedido de concorrer, sugerindo que outro nome seja apresentando, pois faltam 75 dias para a eleição. Não faz sentido?
R. Mas o que sabemos... A jurisprudência do TSE consolidada até aqui garante o registro pelo artigo da lei eleitoral. Por que daríamos como certo que essa jurisprudência irá mudar? Essa é a pergunta que o Lula se faz e eu me faço. Por que vamos dar como certa a mudança da jurisprudência até aqui?
P. Porque a Justiça não tem sido...
R. Imparcial?
P. Garantista, como foi até pouco tempo atrás.
R. Sim, mas se o que você está dizendo é verdade, menos ainda podemos convalidar uma mudança completa de postura em relação aos processos.
P. Se esse processo demorar, e estiver muito em cima, não sei até que ponto o TSE pode estender a resposta a esse processo. Corre o risco do PT ficar fora de uma eleição? Com tão pouco tempo de troca?
R. Não posso antecipar movimentos do Judiciário. Quem poderia esperar que o TRF-4 agisse como agiu, em relação ao Lula, aos prazos, à tipificação do crime de lavagem de dinheiro que, para dizer o mínimo, foi absolutamente inovador? (Haverá) taxação progressiva sobre bancos. (...) Os bancos serão induzidos a reduzir as taxas de juros
P. Se Lula for candidato, como se vislumbra uma campanha? Ele é um nome conhecido, mas você, a Gleisi Hoffmann, seriam o rosto durante este período, tendo em vista que ele não vai poder gravar programa?
R. Em algum momento alguém vai ter que dar uma resposta para a questão democrática, pois no fundo é isso que está em jogo. A própria imprensa tem provocado o Judiciário no sentido de garantir o direito a livre manifestação, de liberdade de expressão. Transbordou a para esfera dos próprios fundamentos da democracia. Outro aspecto a ser considerado.
Ciro e coligações
P. Falamos sobre Lula liderando pesquisa, mas existe um percentual alto de eleitores que não querem votar em ninguém. Como o PT pretende abordar este eleitor?
R. Estamos vivendo uma crise institucional pós-golpe. E isso trouxe feridas, afetou a vida das pessoas. Precisamos fazer uma refundação democrática. Eu creio que a campanha, se for bem traduzida programaticamente, desperta esperança nas pessoas, e elas comparecem. Mas nesse momento não sei avaliar o quanto uma campanha de 30 dias vai afetar o humor das pessoas.
P. E as coligações, quais as possibilidades?
R. Eu não estou acompanhando pessoalmente as conversas, mas sempre defendi desde o ano passado que os canais com PDT, PC do B, PSB, PROS, estejam sempre desobstruídos, porque pode acontecer na etapa final uma confluência, que eu espero que aconteça.
P. Ciro chegou a falar que uma chapa junto com você seria um dream team. Essa ideia morreu na praia?
R. Não sei se se aplica o termo morreu na praia. Não saiu nadando, está na ilha ainda [risos]. Eu fui contemporâneo do Ciro na Esplanada dos Ministérios, mantenho com ele até hoje excelentes relações, e me aproximei muito do Cid quando ele foi governador. Então tenho muito respeito e admiração pelos Ferreira Gomes. São pessoas de valor, e essa afinidade acaba gerando este tipo de desejo, o que é natural. Nós incrementamos o mercado de massa, fizemos também bons trabalhos, mas não fizemos tudo. Por isso queremos voltar a governar
P. Você diz que não existe no PT uma conversa sobre os potenciais nomes para substituir o Lula. E existe um debate sobre se unir ao PDT na reta final?
R. Eu vejo declarações de simpatia mútua. Sempre estivemos juntos, desde os tempos do Brizola [Leonel Brizola, ex-governador do Rio].
P. Então não é algo improvável essa união...
R. Uma coisa que é importante para nós é a candidatura do Lula, que lidera as pesquisas e que seria eleito talvez no primeiro turno.
P. Mas esse é o plano A...
R. O problema é que se os partidos não estiverem coligados até o dia 5 de agosto, data final para as convenções, não poderão mais estar coligados dia 17 de setembro. Esse é o problema. É um problema legal.
P. E se no dia 17 de setembro o TSE diz que Lula não pode ser candidato, o que o partido fará? Abrirá mão da candidatura ou apoiará outro candidato?
R. Sem coligação pode [apoiar outro]. Como exercício jurídico pode.
P. Mas como exercício político... O PT como protesto abrir mão de sua candidatura caso Lula não possa disputar.
R. Como exercício de futurologia...
P. É uma realidade que vai se impor, não é futurologia.
R. Não sei te responder.
P. Você diz que não se fala em plano B no partido. Mas se fala muito no nome do Jaques Wagner e no seu. O partido vai aguardar até os 45 minutos do segundo tempo pra elaborar o plano B?
R. Eu desconheço. Não tenho conhecimento disso.
Fórmula para retomar a economia
P. Falando dos planos do partido. O país vive uma necessidade urgente de retomar a economia. O que vocês enxergam como caminho par retomar o investimento?
Eu consegui grau de investimento na cidade de São Paulo. Não foi a direita. A direita quebrou a cidade. Tem muito investimento travado por incompetência do governo. Você pode reativar muitas parcerias público privadas, muitas joint ventures de empresas estatais, concessões, sem dificuldade. Dou um exemplo. Queremos trocar toda a iluminação publicado do país por LED. Isso se faz sem custo. Com a economia de energia elétrica você paga o investimento privado.
P. A expansão de crédito está contemplada no programa do PT de que forma?
R. Há um projeto de indução de redução de spread (diferença entre os juros que os bancos pagam para captar recursos e o que cobram de seus clientes na hora de emprestar), por meio de taxação progressiva sobre bancos. Instrumento pelo qual obrigaremos o sistema a reduzir o spread, gradativamente. Os bancos serão induzidos a reduzir as taxas de juros praticadas em todas as linhas de crédito: cartão de crédito, cheque especial e capital de giro. Tem muita gente com boas ideias mas não tem o crédito para implementá-lo. A economia moderna é baseada em crédito. Nosso sistema de crédito é um paradoxo. Temos um sistema mais robusto em termos tecnológicos do mundo e não conseguimos oferecer crédito barato para as pessoas. Não estamos dialogando só com o consumo de massas para ter acesso ao crédito. É com o empresariado que não tem acesso também. Quem movimenta economia no Brasil é a pequena e a média empresa, que tem dificuldade de ir ao BNDES, que é quem gera emprego. Ela tem de ter um sistema bancário acessível. A agência vizinha à loja, padaria, ela tem de estar disponível com crédito barato. Não temos crédito barato para empreendedor. Precisamos retomar a expansão do mercado de capitais. Tivemos recorde de IPOs com o Lula porque havia pujança.
P. Essa mesma pujança, e um excesso de confiança, gerou efeitos colaterais, como a própria inflação que estourou. O partido chegou a ser criticado, inclusive, por ter estimulado mais a formação de consumidores e não de cidadãos.
R. Discordo com parte desse diagnóstico. Quando você faz Mais Médicos estamos falando de cidadania. Quando sai de 3 para 8 milhões de universitários isso é cidadania. Quando faz Pronatec, manda jovens para o exterior, não é consumo, é cidadania. O programa Luz para Todos não é consumo, é cidadania. Nós incrementamos o mercado de massa, mas nós fizemos bons trabalhos, mas não fizemos tudo. Por isso queremos voltar a governar. Precisamos de uma reforma tributária para tornar nosso sistema menos regressivo do que ele é.
P. Como iria funcionar?
R. Tem toda uma estratégia de transição do modelo, com mecanismos bastante sofisticados de transição que não vi em nenhum modelo até agora. Acho que nós encontramos esse caminho de transição. Por duas travas. Uma trava da carga tributária liquida, e uma da receita real dos entes federados. Criando essas duas travas, criando um imposto de valor agregado, que vai durante a transição nos garantir esses dois pressupostos para migrar de uma situação para outra. Dando garantias ao Congresso de que nosso objetivo é a mudança de composição da carga, fazendo com que quem não pode pague menos, e quem pode, pague mais, um critério universal de um regime tributário.
P. E a taxação das grandes fortunas? A cena de Bolsonaro sendo aplaudido na CNI... Alguém deve ter visto aquilo e falado: “Até onde nós vamos com essa aventura?” Acendeu o sinal amarelo, vermelho ou roxo.
R. Nós colocamos isso porque está na Constituição. Mas a nossa perspectiva de curto prazo é a progressividade de imposto sobre heranças, que é uma prática internacional bastante estabelecida. Na Europa, EUA, até os liberais defendem taxação progressiva sobre grandes heranças, pois sendo um regime pretensamente meritocrático, nada mais meritocrático contribuírem com um fundo público de acordo com suas possibilidades. Isso está mais no nosso horizonte do que outra coisa. Agora, diminuir Imposto de Renda sobre trabalhador para reintroduzir IR sobre lucro dividendos está no nosso horizonte. No sentido de calibrar a composição do fundo, sem pretender aumentar a carga líquida neste momento. Essa transição vai viabilizar uma mudança importante. Com uma mudança importante, que vamos iniciar nos primeiros meses. A isenção de IR até cinco salários mínimos implementamos no primeiro ano, mais acesso ao crédito: são duas alavancas. É acesso do empreendedor para quem quer gerar emprego.
P. Vocês têm propostas que fortalecem o trabalhador e a pequena e média empresa. Mas temos uma elite empresarial...
R. Essa já está contemplada. Aliás, a crítica que se faz é que só eles têm acesso ao Estado. Comecei falando do PPP, grandes empreendimentos. Não vamos descuidar de nada.
P. Mas como setor bancário deve reagir ao mecanismo de indução de redução de spread?
R. Acredito que eles não podem ser contra ter um sistema moderno de crédito no país. Obviamente nós vamos ouvi-los. Exemplo: execução de garantia no Brasil é algo demorado. Então eles têm o pleito de melhorar sistema judiciário em geral para executar garantias. Muitas vezes tem garantia formal, mas na prática não tem. Isso nós vamos cuidar.
P. Estamos com uma dívida pública altíssima, que se descolou, inclusive, de outros países emergentes, como Chile e Colômbia. Como lidar com essa questão, uma vez que a expansão de parte desta dívida pública é atribuída aos Governos do PT?
R. Primeiro, corrigindo esse erro. Se você olhar o que nós pegamos de dívida dos Governos do Fernando Henrique Cardoso você vai ver que ao longo dos anos a dívida pública bruta e líquida, sobretudo a líquida, caiu barbaramente. A bruta só não caiu mais porque nós compramos 370 bilhões de dólares em reservas cambiais. Você pode até criticar a compra dessas reservas, mas não dá para dizer que não caiu a dívida. Se vendêssemos todas as reservas hoje, a dívida voltaria ao patamar de 50 e poucos por cento, menor que a herdada de Fernando Henrique.
P. E como seria a correção destes erros?
R. Primeiro, temos que reativar a economia. Tem uma coisa que os conservadores falam, “ah, tem que checar a efetividade de programas, cortar programas que não têm impacto”. Isso é óbvio, não pode ser nem bandeira de campanha, qualquer um que entra lá tem que fazer as contas. Mas as pessoas têm que dizer como vão reativar a economia. Nós estamos dizendo como vamos fazer. Retomada do investimento público, concessões, PPP, joint ventures, melhoria da renda das famílias mais pobres...
P. Mas, dependendo do investimento, você bate de novo no aumento de dívida pública. Como fazer essa engenharia?
R. Depende. As estatais têm um outro regime, com investimentos que não implicam aumento de custeio. É preciso fazer uma análise caso a caso para ver quais vão ser as obras que vão impactar a produtividade da economia. Você tem estratégias para enfrentar esta questão que são tradicionais: parcerias com o setor privado precisam ser retomadas. Muita coisa por fazer que está parada. E também mudar a composição do fundo para favorecer as pessoas de renda mais baixa que tem maior propensão ao consumo, além de melhorar o sistema de crédito. Sem crédito a economia não pode retomar. São medidas de curto prazo que já implicam uma retomada da economia. E obviamente abrir o orçamento e ver qual gasto público precisa ser revisto. Isso é rotina. Eu consegui grau de investimento na cidade de São Paulo fazendo isso. Cortando custeio, renegociando dívida com a União, voltando a pagar precatórios. Não foi a direita que conseguiu o grau de investimento. A direita quebrou a cidade.
(Os donos das concessões de TV) concentram propriedade, propriedade cruzada no Brasil é prática. Combinação entre poder político e comunicação é regra. Isso é arcaico
P. E como pacificar a relação com o setor produtivo que hostilizou Dilma durante o impeachment?
R. O setor produtivo estará diante da realidade que vai se colocar a partir de 1º de janeiro de 2019... Entendo que o projeto Temer será derrotado nas urnas, seja lá quem for seu representante, provavelmente Alckmin.
Alckmin, Temer e o Centrão
P. Você acha que Alckmin representa a continuidade do projeto Temer?
R. Eu não acho, não é uma questão de achar... O ministro da Fazenda do Temer foi secretário da Fazenda do Alckmin. O ministro das Relações Exteriores é do PSDB. O ministro das Cidades era do PSDB. Então o PSDB está no Governo inteiro. E quem deu sustentação à aventura Eduardo Cunha e do impeachment foi o PSDB.
P. Esse bloco parlamentar chamado de Centrão, que hoje está fechado com o Alckmin, é um grupo que se fortaleceu muito durante os Governos do PT...
R. Não acho que se fortaleceu, ele ficou do tamanho que era. Mas ele tem uma presença muito forte. Acho que ele está mais articulado do que antes, até pela vulnerabilidade do PSDB, muito dependente de acordos. O PSDB sempre teve uma maior facilidade em compor maiorias, pela inércia das coisas. E hoje está com mais dificuldade em virtude da fragilidade da candidatura Alckmin.
P. Como você vê o embarque provável do Centrão na campanha do Alckmin? Fica aliviado pelo fato deles não darem musculatura para Bolsonaro?
R. Eu nunca acreditei que eles fossem fechar com o Bolsonaro. Deve ter havido uma ordem de comando também. Estava demais, né? Acho que a cena na Confederação Nacional das Indústrias, com o presidente entidade de braço dado com o Bolsonaro, sendo aplaudido cinco ou seis vezes, alguém deve ter visto aquilo e falado: “Até onde nós vamos com essa aventura?” Entendo que isso acendeu o sinal amarelo, vermelho ou roxo.
P. A Dilma experimentou de maneira amarga o que é lidar com um Congresso que era considerado o mais conservador já eleito, com crescimento de bancadas como a da bala. Como alcançar governabilidade, como trabalhar isso?
R. Desde a campanha é preciso angariar apoio para suas propostas. Não dar de barato de que ganhando você vai ter o mando do jogo. É preciso que haja um diálogo com a população muito precoce e permanente. Mesmo você tendo dito durante a campanha tudo o que vai fazer no Governo, você precisa manter a democracia ativada, participativa. As nossas medidas são boas para a maioria do povo. Reduzir a carga tributária do pobre que paga muito e aumentar sobre o rico, que paga pouco, é razoável. Você aumenta a renda disponível dos pobres e reativa o consumo. Isso reativa a economia. Você pode achar que está perdendo, mas de forma intertemporal você está ganhando, o próprio empresário. Ganha produzindo.
Mídia regulada
P. Algumas das propostas, como a regulação da mídia, tem potencial para indispor um futuro Governo petista com o Congresso, já que parte dos parlamentares são donos, direta ou indiretamente, de retransmissoras de TV e estação de rádio. Isso não pode acirrar a animosidade com o Governo?
R. Isso é ilegal: político ser dono de concessão é ilegal. Não podemos fechar os olhos para uma inconstitucionalidade. Isso distorce a democracia. A imprensa deveria ajudar a sanear esse problema. Me causa perplexidade que a imprensa dita liberal compactue com essas práticas oligopólicas e de confusão entre o público e o privado. Não é compreensível que essas forças que a todo momento evocam o liberalismo sejam refratárias à modernização das relações. Estamos falando de aplicar Constituição.
P. Lula quando teve todo apoio popular não o fez. Aí, agora, quando a grande mídia é alvo do PT após o impeachment, não soa como revanche?
R. Até vocês, e isso eu não gostaria que fosse suprimido da minha entrevista, são alvos da grande imprensa. Tem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) para tirar o EL PAÍS do ar [no Brasil] no STF. Na verdade, temos uma oligarquia censora no Brasil. Eles estão impedindo a livre circulação de ideias. Já pensou se o PT entrasse com ação do ar invocando lei? Eu fico perplexo. Não se toca no assunto. The Intecept, BBC, EL PAÍS podem sair do ar, se a ADIN for aceita. Quem são eles para falar de censura, se eles são censores que querem tirar sites alternativos do ar, organizações internacionais? Eles têm uma prática muito diferente do discurso. Eles concentram propriedade, do ponto de vista vertical como horizontal, propriedade cruzada no Brasil é prática. Combinação entre poder político e comunicação é regra. Isso é arcaico e patrimonialista, atrasado.
P. Como mostrar isso sem parecer que o PT simplesmente está querendo se opor...
R. Se você publicar o que estou falando, que existe uma ADIN contra vocês, as pessoas talvez comecem a entender, mas se você esconder do teu leitor o processo do qual você é vítima você não contribui com a democracia. Eu já dei entrevista em que foram suprimidas minhas palavras sobre essa questão. Quem está censurando quem?
P. Mas por que agora?
R. Isso está nos programas do PT desde sempre. Cumprir a Constituição.
P. Isso consta, mas não quer dizer que será votado, não será o primeiro ato, é isso?
R. A inspiração do que vamos levar ao Congresso é tradição americana e britânica. Que na nossa opinião é a mais avançada de concessões públicas. Não estamos falando de jornal. Estamos falando de concessão. Todas são reguladas. Menos essa.
P. A regulação da mídia não é um assunto distante para parte da população que tem necessidades mais urgentes, como alimentação e saúde?
R. Tudo tem seu tempo. Mas acho que todo mundo entende que um político não pode ser dono de concessão de rádio e TV. Isso é antidemocrático. Por isso a Constituição estabelece parâmetros para que isso não aconteça. E é um aperfeiçoamento democrático liberal, não é nada bolivariano. Sempre me chamou a atenção como cientista político o quanto nós abraçamos aqui o liberalismo de fachada. Não existem forças liberais francas no Brasil. Veja o Movimento Brasil Livre. Essa meninada chegou a chamar a atenção de alguns ricos. Foram os primeiros a pedir para fechar exposição de museu. Esse é nosso liberalismo. De araque. Não é verdade.
MPL X MBL
P. Quem lhe deu mais trabalho, o MBL ou o Movimento Passe Livre, que realizou vários protestos pela revogação do aumento da passagem dos ônibus durante seu mandato na prefeitura?
R. A agenda do MPL, transporte como direito social, é uma agenda com a qual eu simpatizo. A minha crítica é pela forma, não pelo conteúdo.
P. E a campanha do MBL contra a corrupção, não é algo que você acha interessante?
R. Se fosse verdadeira seria ótima, né? Mas você vê que eles tiraram foto com o Eduardo Cunha... Não é bem isso né.
P. Mas você apertou a mão do Paulo Maluf na campanha de 2012 para conseguir o apoio do PP.
R. Não, mas não foi nesse sentido que eu estava lá. Eu estava lá em uma agenda... Eu apertei a mão do Paulo Maluf em um dia e repatriei o dinheiro das Ilhas Seychelles [que teriam sido desviados por Maluf] no dia seguinte, né? Vamos falar a verdade para seu leitor. Apertei a mão dele e repatriei 150 milhões de reais. Não deixei cumprir minha obrigação. Eu não vejo da parte do MBL uma agenda franca anticorrupção. Acho que agiram assim quando era interessante, depois mudaram a pauta.
Grandes obras
P. Os Governos do PT foram alvos de críticas pela maneira como conduziram grandes obras, como Belo Monte e a transposição do rio São Francisco, num desenvolvimento a qualquer preço. Como o partido lida com isso?
R. Nós temos um capítulo no programa sobre transição ecológica. Resolvemos enfrentar esse desafio, da produção com conservação, adotar essa agenda. E explicitar essas diretrizes. Grandes obras como transposição do São Francisco, hidrelétrica de Belo Monte, exploração do pré-sal, sempre vão ser polêmicas. E nós temos que considerar as críticas para aperfeiçoar o modelo. Não tenho dúvida. Eu acredito que Belo Monte é uma usina muito melhor do que todas as outras que foram construídas no passado. Mas talvez não tenha chegado numa situação em que possa ser considerada um caso exemplar. Reconheço. A transposição, que antes era muito criticada, hoje sofre menos críticas.
Apertei a mão de Maluf e repatriei 150 milhões de reais. Não deixei cumprir minha obrigação
P. Com relação a Belo Monte, o que você apontaria como fator para que ela não seja um caso exemplar? Existem casos bem documentados de pessoas que foram expulsas, casas queimadas...
R. Esse assunto foi objeto de uma conversa recente minha com o Lula, a última. O Lula falou uma frase, disse: “Olha, nós temos que encontrar uma maneira de transformar a população do entorno em sócio do empreendimento. Elas não podem ser objeto da intervenção, tem que ser sujeito da intervenção”. É preciso mudar o paradigma de diálogo com essas populações e efetivamente transformá-los em sujeitos ativos de uma perspectiva transformadora. Ele usou a expressão “temos que transformar esse pessoal em sócio do empreendimento. Eles não podem ser afetados”. O Lula está muito ciente dos problemas do empreendimento. Talvez nós possamos repensar o modelo de governança dessas grandes obras.
P. O programa Minha Casa Minha Vida também teria correções? Ele é constantemente criticado por urbanistas.
R. Eles criticam, mas o programa também é muito elogiado. Eu mesmo sou partidário dessa visão de que se construiu muito onde não havia tanta infraestrutura. Aqui em São Paulo nós procuramos mudar isso. Criamos várias ZEIS [Zonas especiais de interesse social] no centro de São Paulo que estão ensejando empreendimentos, incorporações. Muitos lançamentos no centro de São Paulo que são mais acessíveis. Hoje com 200.000 reais você compra um apartamento em São Paulo. O que para uma metrópole cara como São Paulo, é significativo. Não é o ideal, mas avançamos bem.
P. Falando da Petrobras. Para além de toda a corrupção que ali se instalou, a empresa, do ponto de vista de negócio, assumiu uma dívida estratosférica numa matemática impossível de fechar. Até hoje vende ativos. Qual é a visão do partido em relação a esse assunto?
R. No caso da Petrobras, e concordando que houve uma alavancagem discutível, o fato é que todas as petroleiras foram pegas no contrapé com a crise de 2008. Você tem uma barriga no preço do petróleo, e nenhuma petroleira estava preparada para sair de 120 dólares por barril para 30. Efetivamente todos os balanços foram afetados por isso. Entendo que agora a situação específica deste setor oferece uma oportunidade de recuperação, e que devemos atuar no campo das refinarias, ao menos terminar os projetos que estão iniciados, como o Comperj e Abreu e Lima.
Plano B para Lula e Palocci
P. Levando em conta o pior cenário para o PT: Lula tem o registro indeferido e o partido vai escolher alguém dos seus quadros para disputar. Quem seria um bom nome? Você estaria confortável para ocupar essa vaga?
R. Olha, nós estamos nos valendo da jurisprudência do TSE para levar a candidatura do Lula a registro. Ele vai escolher o seu vice. E nós aguardamos duas decisões importantes: do TSE com relação ao registro, e em caso de negativa uma liminar no Supremo para garantir esse registro. Antes disso o debate está... Esse debate sobre substituição não é feito. Não há reunião sobre isso dentro do PT.
P. O Lula não ventila essa hipótese de o partido ter outro candidato?
R. Ele não discute o assunto, pelo contrário. Ele reafirma sua inocência, sua vontade de ser candidato, seu desejo de presidir o país.
P. Com relação à delação do ex-ministro petista Antonio Palocci, há um temor dentro do partido?
R. Vamos ver [o que ele traz]. A quantidade de delações que são feitas e vão caindo são expressivas. Recentemente a do Delcídio do Amaral, do Ricardo Pessoa... E as delações vem caindo por que? Porque a pessoa no desespero de estar encarcerada ela vai juntando fatos... Eu acho desprezível alguém fazer isso, mas compreendo o desespero da situação. Acho injusto que essas pessoas estejam conseguindo em troca da delação uma redução de 70% da pena e mantendo o patrimônio intacto. Considero que o corruptor não deveria ter estes benefícios todos. Não acho que o corruptor é melhor do que o corrupto, como em geral tenta se vender. Às vezes o corruptor tenta se passar por vítima: é a quintessência da hipocrisia. Nós sabemos que o corruptor é quem leva a parte do leão
Judiciário
P. Uma das propostas de vocês é alterar a forma de nomeação de integrantes do Supremo. Em um momento no qual o PT é um dos grandes alvos da Justiça isso não pode ser visto como revanchismo?
R. O STF vai manter essa composição atual por muito tempo, não há nenhuma preocupação a curto prazo com isso. Estamos falando dos novos indicados. Só forçando um pouco a interpretação para achar isso [que se trata de revanchismo].
P. Isso nunca foi uma bandeira do PT enquanto estava no poder. Agora, acuado pelo Judiciário, isso vem à tona?
R. Não é um momento de crise institucional? Porque não se inspirar em modelos avançados para entender isso. A questão do controle externo à corporação, isso vale para todas as instituições, é um traço de modernidade. Os atuais membros do STF ficarão lá até os 75 anos. Essa medida, de colocar um prazo para o mandato do ministro da Corte, tira poder do presidente, não é algo que dá poder para ele. Porque o indicado por ele terá 15 anos de mandato, ou 12. Não será vitalício.
P. Mas dá a entender que o partido está desgostoso pela maneira como a Justiça está atuando. Qual o mérito da proposta?
R. O mérito é uma pessoa que é indicada com 40 anos ficar até os 55 e não até os 75. Parece razoável não?
P. Você acha que a Corte não se renova?
R. É muito poder. Uma pessoa ficar 35 anos no STF. Eu sou cientista político e me soa bem a tese de que ninguém deve ter tanto poder por tanto tempo.
Aborto e drogas
P. O programa de Governo do PT não tem menção à questão do aborto. Por que esse ponto ficou de fora?
R. O PT historicamente trata a questão do aborto e das drogas como uma questão de saúde pública. O poder Executivo tem um compromisso em abordar esses temas sob essa ótica. Acontece que agora, neste momento, a questão foi judicializada. Os dois temas estão na pauta do STF. E muito mais forte do que uma lei ordinária do Executivo sobre o tema é o disciplinamento disso por uma jurisprudência com base em cláusula pétrea da Constituição, que não pode ser alterada por lei ordinária. Todos os indicadores internacionais dão conta de que uma mudança de postura do Estado com relação a isso faz diminuir o número de abortos. É preciso analisar a questão com uma visão mais científica, mais pragmática e menos fundamentalista, buscando objetivos concretos, como melhorar a saúde da população.
P. E com relação às drogas?
R. Se você analisar os estudos sobre prisão versus apreensão, você vai ver que prendemos um contingente enorme de pessoas com nenhuma efetividade de apreensão. Ou seja, estamos iludindo as pessoas de que estamos combatendo algo. Não estamos combatendo nada, estamos perdendo a guerra. Inclusive porque essa guerra não se ganha, a não ser pela promoção da saúde e pela prevenção da educação...
P. Mas o STF já está analisando a questão do aborto e da descriminalização das drogas há meses, os processos não andam...
R. Mas está pautado.
P. Mas com relação às drogas você deixaria apenas a cargo do STF? No México o Executivo está promovendo o debate sobre reformas nesse assunto.
R. É uma discussão sobre direitos fundamentais, dá mais robustez para a decisão quando se tem esse caminho do STF. Não é “deixar na mão do STF”. Temos três Poderes, né? Vamos puxar pela memória o que aconteceu com a comunidade LGBT em torno da questão da união estável homoafetiva. Se o Executivo tivesse mandado para o Congresso um projeto de lei, talvez estivéssemos até hoje em um impasse. Mas quando é um direito protegido pela Constituição, no STF houve um outro desfecho [com a aprovação]. Quando há uma visão distinta entre Legislativo e Executivo em torno de direito fundamentais, que são direitos ditos de minoria, muitas vezes o Judiciário harmoniza. Isso é entender o funcionamento da república moderna. Existem países mais avançados, mais abertos e menos fundamentalistas, que conseguem dirimir essas questões por meio de leis. Depende muito da correlação de forças internas... A sociedade vai encontrando caminhos para escapar dessa tradição mais obscurantista por vários mecanismos. Está ganhando expressão social uma vertente de discussão séria sobre garantias individuais.
El País: Cem dias de protestos e repressão na Nicarágua
Manifestantes pedem o fim do mandato do presidente Daniel Ortega, que tenta manter o controle de um país mergulhado na pior crise política dos últimos quarenta anos
Por Calos Salinas, do EL País
Passear pelo Reparto El Carmen, em Manágua, não é fácil. Há décadas, este velho bairro de classe média tem um morador incômodo. Daniel Ortega instalou sua residência – em uma casa de 900 metros quadrados de construção, seis quartos e duas salas de estar, que pertencera a um oligarca do regime de Anastasio Somoza, mas que o velho guerrilheiro confiscou com tudo, inclusive com obras de arte – depois da vitória da Revolução Sandinista e fez dela o seu bunker. Em abril, quando explodiram os protestos exigindo o fim do regime, o presidente mandou instalar um enorme dispositivo de segurança que inclui o fechamento de ruas a vários quilômetros de sua casa.
No bairro há dezenas de policiais fortemente armados em cada esquina e barricadas de pedras gigantescas que impedem qualquer contato com o resto de uma cidade que, um dia sim e outro também, protesta exigindo o fim do Governo Ortega-Murillo. Para os moradores de El Carmen, sair e entrar de seu velho bairro é uma odisseia de perguntas e rechaços. Ortega impôs um toque de recolher e ai de quem pretender entrar fora de hora. A partir desse labirinto de pedras e fuzis, Ortega tenta manter o controle de um país mergulhado na pior crise política dos últimos quarenta anos.
Em meados de abril, quando centenas de nicaraguenses tomaram as ruas da capital contra a polêmica reforma da Seguridade Social imposta pelo Governo do presidente Ortega, as pessoas, excitadas pela descoberta de sua liberdade, atacaram as Árboles de la Vida, estruturas de metal criadas pela primeira-dama e vice-presidenta, Rosario Murillo, que se tornaram o símbolo de poder do regime. Elas são, dizem aqueles que conheceram Murillo nos anos oitenta, um amuleto protetor para essa mulher profundamente supersticiosa. O desenho foi emprestado de uma figura de Gustav Klimt. Na Nicarágua, a jornalista Sofía Montenegro, crítica do Governo, as batizou de “arbolatas”, embora os nicaraguenses as chamem popularmente de “chayopalos”, em referência ao nome popular com o qual se referem a Murillo: “La Chayo” ou “La Chamuca”: a bruxa.
Quando a primeira estrutura caiu houve um sentimento de triunfo geral que o jornalista Carlos Fernando Chamorro, uma das figuras mais respeitadas do país, comparou com a derrubada da estátua de Somoza em Manágua, em 1979, com a vitória da Revolução Sandinista. Até agora foram derrubados pelo menos vinte dessas árvores de metal em uma ação sintomática que pode servir como advertência ao regime de Ortega, cuja imagem de indestrutível começa a se fissurar.
A resposta brutal do Executivo sandinista já deixou quase 400 mortos, entre eles a estudante brasileira Raynéia Gabrielle Lima, de 31 anos, vítima de disparos efetuados por um grupo paramilitares no sul de Manágua. Além disso, a repressão governamental provocou um rastro de destruição que ameaça afundar a frágil economia nicaraguense, que já teve 215.000 postos de trabalho perdidos e um êxodo de cérebros que fogem para o Canadá, Estados Unidos, Espanha e a vizinha Costa Rica. Ortega tenta encaixar o golpe, mas na Nicarágua, em plena primavera política, há um antes e um depois para o regime. Foi sua esposa – em um gesto de desespero – que atacou duramente os manifestantes, catalogando-os como “minúsculos”, “vândalos”, “pragas”, “delinquentes”, “vampiros”, “terroristas”, “golpistas” e “diabólicos”. “Não passarão! Os diabólicos nunca poderão governar a Nicarágua”, disse Murillo em 16 de julho.
“A saída é Ortega ir embora”, diz o historiador Alejandro Bendaña, autor do livro Sandino, Patria y Libertad. “Que apresente já [Ortega] sua carta de renúncia e negocie a logística de sua saída”, explica. Em que condições deveria sair? Este ex-embaixador nas Nações Unidas diz que na Nicarágua, depois de centenas de mortos, não se pode negociar uma anistia, assunto no qual alguns aliados de Ortega esperam poder tocar se o regime cair. “O que Ortega pode negociar é como serão suas condições de exílio”, adverte Bendaña. “Aqui Ortega já não governa, aqui ele já perdeu o poder que tinha. Talvez tenha um ataque de consciência, porque diz que é cristão, e saia”.
Aqueles que conhecem Ortega, no entanto, dizem que o presidente não está disposto a ir para o exílio. Ele se vê como um herói, o homem ao qual a Nicarágua deve respeito. Ortega nunca se sentará no banco dos réus diante de um tribunal para prestar contas de seus desmandos, então se aferrou ao poder com as armas, desencadeando a pior matança que o país sofreu em tempos de paz. A sangria continua depois que Ortega armou suas hostes, capangas que se deslocam em caravanas e espalham o terror nas cidades do país. Esses esquadrões da morte tentaram afogar o protesto em sangue e em cidades como Masaya – bastião da resistência – se impõem como um exército de ocupação aos brados de “Viva Daniel!”
Ortega conseguiu desmantelar pela força das balas as mais de 200 barricadas que mantiveram bloqueadas as estradas da Nicarágua e Manágua, a capital, isolada, levantadas como forma de protesto contra o regime. Suas hostes também romperam o entrincheiramento dos estudantes nas universidades públicas do país, epicentro do movimento popular que exige o fim do mandato. O presidente disse na segunda-feira, 23, em uma entrevista à rede conservadora norte-americana Fox que o país está se “normalizando”, mas para o analista Óscar René Vargas os protestos sociais na Nicarágua “estão em fase de refluxo”. “Isso significa que os manifestantes se encontram em um momento de definir novas táticas para enfrentar a onda de repressão lançada pelo Governo de Ortega-Murillo. A estratégia do Governo é golpear o movimento social, mas não conseguiu normalizar a situação. Prova disso é que as manifestações continuam”, explica.
Para Vargas, Ortega enfrenta um cenário internacional “totalmente desfavorável”. Já são 21 os países do continente que lhe deram as costas na Organização dos Estados Americanos (OEA), quando aprovaram uma resolução contra o Governo nicaraguense. Os Estados Unidos, que temem um vazio de poder na Nicarágua, também exigiram que Ortega antecipe as eleições e deixe o poder, uma opção apoiada por 79% dos nicaraguenses, de acordo com uma pesquisa de opinião feita pela ONG Ética y Transparencia. Países europeus como Luxemburgo e Holanda anunciaram o congelamento sua cooperação com a Nicarágua, enquanto o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – principais suportes econômicos de Ortega – advertiram que estão monitorando a situação de violência que assola o país. “A situação econômica se transformou em um calcanhar de Aquiles para Ortega, o que causará maior descontentamento social. Existe uma relação simbiótica entre os fatores de risco externos e os fatores internos que não permite dizer que o Governo Ortega-Murillo conseguiu superar a crise sociopolítica”, explica Vargas.
O presidente tampouco parece querer usar a ponte que os bispos nicaraguenses lançaram para encontrar uma solução pacífica à crise. A Igreja convocou diversos setores da sociedade para negociar com os delegados de Ortega, mas este bloqueou permanentemente o chamado Diálogo Nacional, que para a mítica guerrilheira sandinista e historiadora Dora María Téllez é um sinal de que Ortega não está interessado no diálogo. “O que ele quer é ganhar tempo para continuar pressionando para ver se consegue uma oportunidade de ficar, mas Ortega está frito! É uma tentativa desesperada. Ortega tem uma data limite para sair e sabe disso. Não importa quanto pule, quanto se jogue no chão, não importa o dano que nos cause”, adverte Téllez. Essa data, acrescenta, é março de 2019, com a antecipação das eleições, uma proposta feita pelos bispos.
Ortega também já não conta com a ajuda financeira da Venezuela para se manter no poder, 4 bilhões de dólares (cerca de 14,75 bilhões de reais) em uma década, administrados a critério do presidente e que lhe permitiram desenvolver uma política clientelista para conquistar os grupos mais desfavorecidos, enquanto forjou sua figura de homem forte e estabeleceu um regime de sucessão familiar ao nomear sua esposa como vice-presidenta, com seus filhos controlando os negócios da família formados ao amparo da cooperação petrolífera que chegava de Caracas.
Isolado internacionalmente, com a rejeição popular a poucos quarteirões de seu bunker, com cooperação reduzida e sem a ajuda do petróleo, Ortega sabe que o consenso geral é de que deve sair. Resta saber se o presidente apostará no pragmatismo ou, pelo contrário, continuará a se apegar à violência. Para alguns observadores, esse capítulo da história nicaraguense lembra Nicolae Ceauşescu e sua esposa Elena, cujo poder parecia inquebrantável na Romênia, mas terminaram seus dias fuzilados por aqueles que antes tinham se mostrado seus leais guardiões.
El País: Brasil, o país mais letal para defensores da terra e do meio ambiente
País lidera estatística compilada por ONG britânica, com 57 mortes de um total de 207 no ano passado. Governo brasileiro contesta os dados
Por Jacqueline Fowks, do El País
O Brasil foi o país mais letal para ativistas e defensores da terra e do meio ambiente em 2017, denuncia a ONG britânica Global Witness em seu terceiro relatório anual sobre as lutas pelos direitos humanos ligadas aos recursos naturais, que abrange 22 países. O texto, intitulado A Que Custo? e lançado nesta terça-feira, aponta o agronegócio como o setor mais violento, responsável por 46 mortes no período estudado em todo o mundo. Em anos anteriores, mineração desencadeava a maior parte desses conflitos.
Pelo menos 207 líderes indígenas, ativistas comunitários e ecologistas foram assassinados mundo afora por protegerem seus lares e comunidades dos efeitos da mineração, da agricultura em grande escala e de outras atividades que ameaçam sua subsistência e seu modo de vida, indica a ONG.
O Brasil foi o país com o maior número de ativistas ambientais assassinatos: 57, dos quais 80% defendiam os recursos na Amazônia. O Governo brasileiro contesta os dados (veja o box). Entre os países latino-americanos, destaca-se negativamente também a situação na Colômbia, onde houve 24 assassinatos. “No México e Peru os homicídios passaram de 3 para 15 e de 2 para 8, respectivamente”, diz o relatório.
Em 2015, a Global Witness registrou 78 casos de pessoas assassinadas por conflitos fundiários, sendo 66% delas na América Latina. Em 2017, a região continua concentrando quase 60% desses crimes. Chama a atenção também o dado das Filipinas, com 48 homicídios, a cifra mais alta documentada em um país asiático.
“O Brasil foi o cenário de três terríveis massacres, nos quais 25 pessoas defensoras da terra morreram.”
“Um fator em comum entre os países com maior número de assassinatos são os altos índices de corrupção governamental. E, embora se pudesse dizer que há menos ataques contra defensores em países mais democráticos, vale a pena examinar o papel dos países investidores que facilitam a entrada de suas empresas em contextos onde opositores e ativistas são atacados. Não há tantos assassinatos no Canadá ou na Espanha, mas esses países têm investimentos relacionados a ataques no exterior”, diz ao EL PAÍS o coordenador de campanhas da Global Witness, Ben Leather.
Alvos da violência
“Uma pessoa defensora da terra ou do meio ambiente é alguém que toma medidas pacíficas, em caráter voluntário ou profissional, para proteger os direitos ambientais ou da terra”, descreve o relatório. Frequentemente são pessoas comuns, “outras são líderes indígenas ou camponeses que vivem em montanhas remotas ou florestas isoladas, que protegem suas terras ancestrais e seus meios de vida tradicionais contra projetos de mineração, do agronegócio em grande escala, das represas de hidrelétricas e de hotéis de luxo. Outros são guardas florestais que perseguem a caça furtiva e o desmatamento ilegal. Também podem ser advogados, jornalistas ou funcionários de ONGs que atuam para expor abusos ambientais e a grilagem de terras”, acrescenta.
Na Colômbia, por exemplo, Hernán Bedoya se manifestava contra plantações de dendê e banana em terras roubadas da sua comunidade quando foi assassinado com 14 disparos de um grupo paramilitar, em dezembro último.
Das 207 pessoas assassinadas no ano passado, um quarto era de indígenas, em comparação com 40% em 2016. A população indígena representa 5% da população mundial, por isso a ONG destaca que “continuam estando enormemente super-representados entre os defensores assassinados”.
Diferentemente das populações urbanas, que costumam passar de uma casa alugada para outra ou se mudam de bairro sem sentir um deslocamento dramático, a relação com a terra é muito diferente no mundo rural e indígena. Por que é tão indispensável? Uma frase de um pesquisador peruano de literatura andina pode dar uma resposta. “A terra nos orienta, a árvore sabe mais”, afirma o catedrático Mauro Mamani, nascido em Arequipa e que cresceu cultivando um lote arrendado por um latifundiário. “Esse pedaço de terra não se cansava de parir e alimentou toda a família”, relatou numa conferência.
O ano de 2017 não foi só o mais sangrento já registrado em número de homicídios de defensores da terra; foi também o de mais massacres. Em sete casos, mais de quatro pessoas foram assassinadas ao mesmo tempo. “O Brasil foi o cenário de três terríveis massacres nas quais morreram 25 pessoas defensoras da terra. Oito ativistas indígenas foram massacrados nas Filipinas, enquanto no México, Peru e República Democrática do Congo também ocorreram incidentes que resultaram na morte de mais de quatro pessoas ao mesmo tempo”, informa a Global Witness.
Em uma dessas chacinas no Brasil, 20 indígenas gamelas ficaram gravemente feridos depois de um ataque de homens armados com facões e rifles. Alguns deles tiveram as mãos cortadas.
Nas Filipinas, oito membros de uma comunidade que se opunham a uma grande plantação de café da empresa Silvicultural Industries em sua terra foram mortos por militares. A ONG suspeita que essa força armada seja responsável por 56% dos assassinatos de ativistas no país – 67% das mortes ocorreram na ilha de Mindanao, rica em recursos, e 41% estão relacionados ao agronegócio.
“O pano de fundo desse crescente número de vítimas mortais inclui um presidente descaradamente contrário aos direitos humanos, a militarização das comunidades, múltiplos grupos armados e o fato de que os organismos governamentais não oferecem proteção”, lista a ONG.
Como evitar mais agressões?
Diante do aumento da violência, a organização britânica recomenda em quase todos os casos que os Governos fortaleçam as instituições responsáveis por proteger os direitos dos povos indígenas e seu acesso à terra, ofereçam mecanismos de segurança às pessoas ameaçadas e garantam a transparência do Estado, já que a corrupção e a participação de agentes públicos nas mortes estão associadas ao aumento das agressões.
Das 207 pessoas assassinadas no ano passado, um quarto era de indígenas
Entretanto, na América Latina a maioria de Governos não tem uma prática de transparência nem dá prioridade ao balanço de suas ações. Apesar disso, Leather salienta algumas iniciativas. “Existem propostas da sociedade civil que os Governos da região devem aplicar. Em Honduras, solicitou-se a criação de uma promotoria especial para crimes contra defensores de direitos humanos. No Brasil, pediu-se a federalização dos assassinatos emblemáticos de pessoas defensoras cujas investigações não avançam em escala local. No México também pedem aos promotores que alterem a metodologia de forma a considerar adequadamente os motivos potenciais, relacionados com o ativismo da vítima”, detalha.
O relatório cita os ineficientes mecanismos de proteção a três líderes mexicanos no último ano. “As comunidades Coloradas de la Virgen e Choreachi, na serra de Tarahumara, se envolveram numa longa disputa jurídica contra a outorga de concessões madeireiras em suas terras ancestrais. Segundo Isela González, diretora da Aliança Sierra Madre, sete membros dessas comunidades foram assassinados entre 2013 e 2016. Nenhum dos assassinos foi levado à Justiça”, afirma.
Em 2014, González começou a ser ameaçada de morte por participar de uma campanha contra as concessões. As autoridades mexicanas lhe entregaram um botão de pânico e lhe ofereceram a possibilidade de solicitar escolta policial, mas em março deste ano a ativista disse à Global Witness que não se sentia protegida.
Para o México, o relatório propõe que o Governo garanta avaliações de impacto social, ambiental e de direitos humanos “antes da outorga de qualquer permissão ou concessão para projetos de desenvolvimento ou de exploração de recursos naturais”, já que a imposição de projetos às comunidades “sem seu consentimento livre, prévio e informado é a causa dos ataques contra as pessoas”.
No Peru, seis agricultores foram assassinados a tiros em setembro após terem as mãos amarradas. O contexto foi uma disputa por terras em Ucayali, uma das duas regiões mais afetadas pela exploração ilegal de madeira e pelo desmatamento para dar lugar a cultivos de palma (dendê).
O mesmo diagnóstico é aplicável ao Peru, onde dezenas de projetos de mineração, infraestrutura e agroindústria foram implantados sem processos de consulta aos povos indígenas, o que seria obrigatório por se tratar de um Estado que desde 1989 é signatário do Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho e aprovou a Lei de Consulta Prévia em 2011.
Desde 2013, o Ministério de Cultura do Peru realizou 41 processos de consulta prévia. A ministra Patricia Balbuena disse ao EL PAÍS que esse organismo está esperando a decisão do Tribunal Constitucional para saber o que fazer com dezenas de projetos energéticos ou de mineração sobre os quais os povos indígenas deixaram de ser consultados entre 1995 e 2012. Duas comunidades da região de Puno (sul do Peru) esperam, desde 2011 e 2014, respectivamente, que o Tribunal Constitucional responda aos pedidos de liminar contra concessões de mineração que o Estado outorgou sem seu conhecimento e que se sobrepõem às suas terras.
O porta-voz de Global Witness também vê “potencial prático nas instituições internacionais independentes, quando sua operação é permitida”, e cita como exemplos a Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala e o Grupo Assessor Internacional de Especialistas (GAIPE) que acompanhava a investigação do caso de Berta Cáceres, ativista hondurenha assassinada em 2016 por enfrentar a empreiteira que construía uma hidrelétrica em terras indígenas.
A responsabilidade do setor privado
Além da Silvicultural Industries nas Filipinas, o relatório menciona também a empresa Desarrollo Energético SA em Honduras como empresas privadas ligadas aos assassinatos. “O grau de indício para poder acusar a uma empresa é bastante alto, e já é complicado citar os setores aos quais os defensores assassinados haviam se oposto”, comenta o chefe de campanhas da ONG britânica.
“Entretanto, fica claro que certos setores – e em particular a agricultura em grande escala e a mineração – não estão fazendo o devido processo para prevenir a violência contra os ativistas. Se a Global Witness pode identificar este risco, quem investe nesses setores também poderia e deveria evitar os países mais perigosos para pessoas defensoras até que seus Governos tomem medidas genuínas para abordar as reivindicações das comunidades afetadas”, acrescenta Leather.
“Somos parte da coalizão Defenders in Development, que neste ano vai publicar um relatório demonstrando que muitos defensores de direitos humanos foram agredidos por protestar contra um projeto financiado por bancos de desenvolvimento, entre eles o Banco Mundial, o Banco Holandês de Desenvolvimento e o Banco Interamericano. Até agora nenhum banco de desenvolvimento apresentou uma política específica sobre defensores e defensoras, só o Banco Holandês se comprometeu a fazê-lo”, aponta o ativista.
Uma resolução do Parlamento Europeu aprovada em 3 de julho alerta de que, diante da “febre global pela terra”, a Comissão Europeia deve considerar mecanismos efetivos sobre as obrigações de devido processo das empresas, “para assegurar que os produtos importados não sejam vinculados à grilagem de terras e a graves violações dos direitos dos povos indígenas”.
el país
Em nota à imprensa, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República afirmou que o relatório da ONG Global Witness apresenta dados equivocados, inflados, frágeis e metodologia duvidosa. Ainda segundo a nota, a morte atribuída por investigação policial ao tráfico de drogas, por exemplo, é transformada em resultado de conflito agrário. "Se consultassem fontes oficiais, os elaboradores do relatório saberiam, por exemplo, que segundo a Polícia Civil seis dos listados como mortos por serem “defensores da terra” foram assassinados em disputa de tráfico de drogas na localidade de Iúna, distrito de Lençóis, na Bahia, e um deles foi vítima de latrocínio. Isso por si só tira qualquer resquício de credibilidade que tal documento poderia ter, e mostra que a Ong distorce os fatos", afirma o comunicado.