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El País: “Não temos noção do risco em Minas Gerais. Cidades podem desaparecer de uma hora para outra”
O Estado conta com cerca de 450 barragens e pelo menos 22 delas não têm garantia de estabilidade
Miraí, em 2007, Macacos, em 2001, Mariana, em 2015. E agora Brumadinho. Os rompimentos de barragens em Minas Gerais remontam a 1986, quando foi registrado o primeiro acidente desse tipo, e as consequências são, historicamente, as mesmas: assoreamento de córregos e rios, cidades destruída pela lama e vítimas fatais. O Estado conta com cerca de 450 barragens e pelo menos 22 delas não têm garantia de estabilidade, de acordo com a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad). A Mina do Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho, que rompeu nesta sexta-feira e deixou pelo menos mortos e mais de uma centena de desaparecidos, estava "devidamente licenciada" e não recebia rejeitos desde 2015, diz a Secretaria. "Isso só mostra que não temos noção do tamanho do risco que há em Minas Gerais. Cidades inteiras podem desaparecer de uma hora para outra", afirma Guilherme Meneghin, promotor responsável pelo caso do desastre de Mariana.
"É uma tragédia anunciada. É a quarta ou quinta ruptura de barragem nos últimos anos com esse caráter tão calamitoso", concorda Marcus Vinícius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão da Universidade Federal de Minas Gerais, que monitora a atividade econômica e seus impactos ambientais nas bacias hidrográficas. Um dos problemas apontados tanto pelo promotor quanto pelo professor é que as próprias licenças de estabilidade são conseguidas depois de uma auditoria contratada pelas próprias empresas. "É uma furada", resume Polignano.
Os especialistas ouvidos pelo EL PAÍS falam de uma "repetição de Mariana", apesar das diferentes proporções —enquanto a barragem de Brumadinho armazenava uma tonelada de rejeitos, a de Mariana armazenava 50 toneladas—. A estrutura de ambas, no entanto, era similar: eram barragens à montante, o modelo mais barato, construídas a partir da compactação de terra. Essas barragens começam com a construção de um dique e um tapete drenante, que serve para eliminar a água no interior da estrutura. "Se esse tipo de barragem não tiver um sistema de drenagem muito bom, a água vai filtrando, pouco a pouco", explica Polignano. "Hoje nem estava chovendo na região, não houve nenhum fenômeno externo, a estrutura rompeu devido à sua própria fragilidade. Não havia segurança", acrescenta.
O aumento desse tipo de barragem, ou alteamento, como é chamado, é feito com o próprio rejeito em direção à barragem. Tanto em Mariana como em Brumadinho, essas construções foram feitas acima de zonas de aglomeração humana, como cidades e povoados. "O licenciamento ambiental é ridículo no Brasil. Para as empresas, é economicamente favorável construir esse tipo de barragens, mas elas representam um risco. Se a lei proibisse a construção de barragens à montante acima de comunidades humanas, como fazem muitos países, teríamos menos desastres", critica Meneghin.
Outro tipo comum é a barragem à jusante, considerada mais segura, apesar de ser mais cara. Esta também começa com a construção de um dique e do tapete drenante, mas o alteamento é feito para o lado externo da barragem e não usa o próprio rejeito. Normalmente, se usa argila e pedregulhos, retirados de outro ponto da mina, em vez de água, para evitar filtrações e eventuais rupturas. Há três anos, depois do maior desastre ambiental do país, organizações civis mineiras apresentaram à Assembleia Legislativa do Estado o Projeto de Lei de Iniciativa Popular "Mar de Lama Nunca Mais", para exigir maior rigor no licenciamento de barragens e demandar que essas fossem construídas à jusante. O PL nunca foi votada. "É lamentável que mesmo depois de um crime ambiental do tamanho de Mariana não conseguimos mobilização política para fazer mudanças nesse sentido", diz Polignano, um dos impulsores do PL.
Reparação
A lama decorrente da ruptura da barragem de Brumadinho destruiu o córrego do Feijão, afluente do rio Paraopeba, uma importante bacia hidrográfica do ponto de vista do abastecimento público. Os especialistas afirmam que a biodiversidade da região terá sequelas permanentes. “O rejeito de minério da Mina Feijão é parecido ao que atingiu o rio Doce e mata toda a fauna e flora aquática. A descontaminação é muito difícil. No rio Doce, por exemplo, a água não voltou a apresentar condições de uso”, explica Malu Ribeiro, coordenadora da ONG S.O.S. Mata Atlântica.
Mudanças na legislação que garantam a reparação ao meio ambiente e às vítimas é precisamente uma reivindicação de ambientalistas, promotores e cientistas. "Nesses casos, aplica-se o Código Civil, que prevê igualdade das partes, quando é claro que as empresas têm mais recursos que o cidadão cuja vida foi afetada. A Samarco [responsável por Mariana], por exemplo, recebeu mais de 60 multas e, até hoje, só pagou uma", critica o promotor Guilherme Meneghin. "Esperamos que essa nova tragédia desencadeie novos procedimentos de reparação. Se não, só nos restará esperar a próxima tragédia", conclui.
El País: Brumandinho luta contra o tempo em busca dos desaparecidos sob a lama
Rompimento de barragem da Vale em Minas, três anos após Mariana, põe Brasil de joelhos diante das falhas de segurança e proteção ambiental na mineração. Ao menos nove pessoas morreram e 413 estão sem contato com a empresa. "Como posso dizer que aprendemos com Mariana?", diz presidente da multinacional
Por Afonso Benites, Carla Jiménez e Heloísa Mendonça, do EL País
O Brasil cai de joelhos de novo em Minas Gerais. Uma barragem em Brumadinho, na grande Belo Horizonte, rompeu espalhando morte. A estrutura era de responsabilidade da mineradora Vale, que já esteve no olho do furacão em 2015 quando uma represa também ligada à companhia em Mariana, no mesmo Estado, cedeu, e matou 19 pessoas, além de deixar sequelas, algumas irreparáveis, no meio ambiente. Três anos depois, o país assiste nesta sexta-feira, consternado, a um novo desastre ainda mais grave, que já matou ao menos nove pessoas e hospitalizou outras cinco. A Defesa Civil informa que pelo menos 413 funcionários e terceirizados da mineradora ainda estão sem contato. “Com enorme pesar dizemos que isto é uma enorme tragédia, que nos pegou totalmente de surpresa. Estou completamente dilacerado com o que aconteceu”, disse Fabio Schvartsman, presidente da Vale. Havia pouco mais de 400 pessoas, entre funcionários e terceirizados, no momento do acidente. Era a hora do almoço, e parte do empregados estava no refeitório da empresa. “O restaurante e um prédio administrativo foram soterrados”, reconheceu o executivo, que está desde 2017 no comando da mineradora.
Uma grande operação de atendimento e resgate está montada na região de Brumadinho. Ao menos 172 funcionários da Vale já estão a salvo enquanto os bombeiros dizem ter resgatado ao menos 100 pessoas ilhadas pela lama e outras 9 já soterradas pelo rejeitos da mineração. Na manhã deste sábado, o presidente Jair Bolsonaro e parte de sua equipe farão um sobrevoo pelo local da tragédia e, quando regressar da viagem, ainda em Belo Horizonte, deverá anunciar novas ações por parte da União. "Depois de Mariana, a gente esperava que não tivesse uma outra (tragédia). Mas infelizmente temos esse problema agora”, disse o novo presidente, que fará essa passagem por Minas antes de fazer, na segunda-feira, uma cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia, sequela do atentado a faca que sofreu em setembro passado.
Assim que soube do incidente em Brumadinho, o Governo Bolsonaro instaurou um gabinete de crise e determinou o envio de contingente militar lotado em Juiz de Fora para ajudar no socorro de vítimas e nas ações da Defesa Civil. Conforme o Palácio do Planalto, três ministros também seguiram para Minas Gerais para avaliar o tamanho do desastre: Ricardo Salles (Meio Ambiente), Gustavo Canuto (Desenvolvimento Regional) e Bento Albuquerque (Minas e Energia).
Ainda sobram perguntas sobre o que aconteceu em Minas Gerais, mas o certo é que o acidente elevou a temperatura de um debate sobre a abordagem do Governo Bolsonaro para a gestão e proteção ambiental. O presidente brasileiro sempre demonstrou desdém pelo assunto e chegou a cogitar o fim do ministério do Meio Ambiente. Seu Governo já se mostrou favorável à intenção flexibilizar o licenciamento ambiental e dar mais autonomia às empresas para a gestão de projetos que demandem gestão de recursos naturais.
Licenciamento e alertas de ambientalistas
O caso da Vale, além de tudo, é emblemático. A barragem de Brumadinho estava em vias de ser desativada –de fato, segundo a companhia, desde 2015 não recebia novos rejeitos da mineração– e tinha uma licença ambiental desde dezembro, concedida pela estadual Secretaria de Estado de Meio e Desenvolvimento Sustentável (Semad). “O empreendimento, e também a barragem, estão devidamente licenciados, sendo que, em dezembro de 2018, obteve licença para o reaproveitamento dos rejeitos dispostos na barragem e para seu descomissionamento (encerramento de atividades)”, afirmou a Semad. Segundo o presidente da Vale, a barragem havia sido auditada por consultorias que atestavam estabilidade, e a empresa fazia revisões periódicas da estrutura. Uma das companhias que a auditaram foi a alemã Tuv Sud, segundo Fabio Schwartsman. A empresa contava ainda com um sistema de sirenes de emergência para avisar potenciais perigos, mas há dúvidas se elas funcionaram durante o acidente. Os primeiros relatos ouvidos pelos bombeiros é de que não houve alerta sonoro antes do tsunami de lama.
Os ambientalistas e ativistas da região contestam tanto a Semad quanto a Vale sobre a situação da represa. Afirmam que há anos denunciavam os problemas da barragem, construída com a técnica mais barata e considerada menos segura, segundo os especialistas. "Se a lei proibisse a construção de barragens à montante (feita com os próprios rejeitos) acima de comunidades humanas, como fazem muitos países, teríamos menos desastres", afirma Guilherme Meneghin, promotor responsável pelo caso do desastre de Mariana.
O panorama de Brumandinho está longe de ser isolado, ou um problema do atual Governo. Só em Minas Gerais há cerca de 450 barragens e ao menos 22 delas não têm garantia de estabilidade. A ex-senadora Marina Silva foi uma das vozes que elevaram o tom para apontar o erro do Brasil na gestão pública e privada com recursos naturais. “Depois de 3 anos do grave crime ambiental em Mariana, com investigações ainda não concluídas e responsáveis punidos, a história se repete como tragédia em Brumadinho. É inadmissível que o poder público e empresas mineradoras não tenham aprendido nada”, escreveu ela eu seu Twitter. "Como posso dizer que aprendemos após o acidente de Mariana?", disse também o próprio CEO da Vale, que viu as ações da empresa despencarem nas bolsas no Brasil e no exterior. Segundo o canal GloboNews, o Governo de Minas conseguiu na Justiça uma decisão que obriga a empresa a ajudar no resgates e congela um bilhão de reais das contas da multinacional.
À medida que passava o tempo, a tragédia de Brumandinho ia ganhando mais detalhes. Segundo as autoridades, não foi apenas uma barragem a se romper, mas três no complexo: o primeiro estouro de lama levou a que mais duas represas cedessem. Até a publicação desta reportagem, não havia uma lista oficial com o nome de desaparecidos. A angústia corria por telefone e grupos de WhatsApp na região, que trocavam informações sobre as tentativas de contato. "Muito provavelmente iremos resgatar somente corpos", disse o governador de Minas, Romeu Zema.
El País: Escândalo acende alerta para clã Bolsonaro nas redes sociais
Análise da interação no Twitter mostra impacto do caso envolvendo Flávio e reação da família. Crise precoce e opinião pública em desalinho com pauta mais radical aumenta dependência da economia
Eleito com 55,2 milhões de votos, o presidente Jair Bolsonaro enfrenta em seu primeiro mês no poder uma crise precoce com as suspeitas sobre as movimentações financeiras de seu filho e senador eleito, Flávio Bolsonaro. O escândalo, que ganhou novo fôlego na semana passada, já acendeu um alerta na principal trincheira comunicacional do clã –as redes sociais–, ainda que seja cedo, segundo os analistas, para sugerir o fim da lua de mel do novo ocupante do Planalto com o eleitorado.
Análise da consultoria AP/Exata sobre a movimentação no Twitter mostra o impacto das acusações contra Flávio provocam: agitaram opositores e provocaram mal-estar nos apoiadores do presidente. Na semana entre os dias 14 e 21 de janeiro, as menções negativas a Bolsonaro superaram as positivas e chegaram a seu auge na sexta-feira, 18, um dia depois da divulgação de que o filho do presidente foi ao Supremo Tribunal Federal pedir o congelamento das investigações que envolvem o ex-assessor e amigo da família Fabrício Queiroz , reivindicando o foro privilegiado que terá a partir de fevereiro —um expediente legal que a família Bolsonaro sempre criticou.
Eleito com um estridente discurso de combate à corrupção, Bolsonaro viu as plataformas digitais se povoarem com questionamentos e pedidos de explicação. Pela primeira vez desde a posse, o levantamento da AP/Exata mostrou que as menções negativas do termo Bolsonaro superaram as positivas por quatro dias seguidos, coincidindo com as novas revelações do caso no fim de semana, como o rastro de depósitos suspeitos na conta do próprio Flávio Bolsonaro. "Depois das entrevistas de Flavio, no domingo, nas TVs, a polaridade positiva associada ao termo Bolsonaro volta a crescer", diz Sergio Denicoli, diretor da empresa de análises, que explica que a aparição pública deu argumentos aos defensores para se posicionarem.
A dinâmica da reação mostra a faca de dois gumes de ter as redes sociais como ponta de lança. As plataformas digitais exigem um fluxo constante de interação. "Quanto menos eles falam, mais perdem capital. Por isso, a pressa em sanar os impactos negativos acabam por deixá-los expostos", segue Denicoli.
Nesta terça-feira, houve nova batalha de hashtags no Twitter medindo a força dos grupos pró e contra o Governo, em meio à repercussão do breve discurso de Jair Bolsonaro na abertura do Fórum Econômico Mundial em Davos. Nos grupos pró-Bolsonaro no WhatsApp também há a preocupação de produzir respostas claras para o caso Queiroz. O movimento convive com um chamado para concentrar forças para derrotar a candidatura de Renan Calheiros (MDB-RN) ao comando do Senado, numa tentativa de reedição da mobilização contra a "velha política" estimulada na campanha.
A fotografia do bolsonarismo 'radical' e 'light' no Datafolha
Fora da corrida em tempo real das redes sociais, o bolsonarismo encara sua primeira crise no poder com uma situação de opinião pública mista. Por um lado, Bolsonaro conta com o otimismo recorde da população em relação à situação econômica. Segundo pesquisa Datafolha divulgada em dezembro, nada menos do que 47% dos brasileiros dizem acreditar que o desemprego irá diminuir nos próximos meses, uma taxa que representa um salto de 28 pontos percentuais na comparação com agosto passado (19%). Outros índices de percepção econômica têm a mesma alta positiva.
Por outro lado, o mesmo Datafolha mostrou que falta consenso na maioria do eleitorado em torno das propostas mais controversas do novo presidente. Há duas semanas, o instituto divulgou a primeira pesquisa a medir a inserção do bolsonarismo na sociedade, que consultou os brasileiros sobre as 13 principais teses defendidas pelo presidente nos seus discursos, entre elas a ampliação posse de armas, a flexibilização das regras ambientais e a restrição a novas demarcação das terras indígenas. Com base nas respostas, identificou três grupos de bolsonaristas: heavy (ou intensos, são os que concordam com pelo menos 9 das 13 teses e representam 14% da população brasileira,), medium (ou medianos, concordam com 5 a 8 teses e representam 55% da população) e light(ou leves, são os 31% da população que defendem no máximo quatro teses do presidente).
"Percebemos que a maioria da população rejeita a maior parte dos temas. A principal atitude do presidente até agora foi o decreto das armas, mas os brasileiros não concordam com essa liberação, 68% discordam dela. Então Bolsonaro está priorizando nas primeiras semanas uma agenda que é a dos seus eleitores mais fiéis, que são 14%, e se esquecendo das maiorias. Isso pode dar um descompasso entre o representante e seus representados", avalia o diretor do Instituto Datafolha, Mauro Paulino.
A divergência entre a maioria do eleitorado e as posições do presidente acabaram de eleger não surpreende o professor da Universidade de Brasília (UnB) Rodolfo Teixeira (UnB). "A população ficou muito mal informada durante a campanha porque o programa do presidente era sucinto, com muitos chavões que não aprofundavam os temas. Não me surpreende não esteja alinhada com a agenda do atual presidente. O Brasil é conservador, mas há tópicos da agenda que são bastante questionáveis e pouco factíveis", diz. O professor cita como exemplo a viabilidade de implantar em curto prazo propostas como a Escola sem Partido. "O que de fato ele pode fazer para federalizar isso? Será que vai conseguir tanta gente alinhada com esse pensamento para fazer a avaliação dos professores?", questiona.
Em três semanas de mandato, além da facilitação do acesso às armas e do combate ao que chama de "doutrinação marxista nas escolas", Bolsonaro pouco falou sobre saúde, área considerada prioritária por 40% dos brasileiros e que enfrenta hoje o desafio de preencher mais de 1.400 vagas deixadas pelos cubanos do Programa Mais Médicos. Tampouco anunciou medida econômica de impacto, mas Teixeira aposta que é justamente na seara econômica que a relação do Governo com a opinião pública e com o próprio Congresso vai se definir. "A economia é o que vai preponderar. No meu entender, Bolsonaro tem de seis meses a um ano para mostrar melhoras significativas na economia. E vai ter problemas para lidar com questões como a reforma trabalhista, a reforma da Previdência, as privatizações. A população está mais atenta ao tamanho do Estado e ao que ele se propôs a fazer, que é reduzir o gasto público", explica.
A favor do presidente está a boa popularidade e a "lua de mel" com o Congresso Nacional, comum nos primeiros meses de mandato, tudo agora a ver quanto dura a depender da extensão e do do impacto do caso Queiroz. Seja como for, analisar a relação que começa a se desenhar com os parlamentares não é simples, já que nesta legislatura se estabelecem novas formas de interação. Primeiro porque o Governo tem sinalizado por um diálogo com as bancadas temáticas e não mais com os partidos políticos, o que retira poder das lideranças partidárias. Segundo porque, a partir de fevereiro, Bolsonaro lidará com um Congresso bastante renovado, onde os partidos tradicionais perdem forças e ganham espaço parlamentares de primeira viagem.
Nada menos do que 102 políticos eleitos para a Câmara assumem na semana que vem seu primeiro mandato na vida pública enquanto 147 assumem pela primeira vez o posto de deputado federal. Juntos, representam quase a metade das vagas da Casa. "O Poder Executivo costuma ter mais força que o Legislativo quando ele é preponderado por novatos. A gente tem que ver como a pressão do Executivo vai se dar", pondera Teixeira. Segundo o especialista, o novo Congresso também será marcado por representantes de ideias mais "extremas" de direita e de esquerda. "Há candidaturas coletivas bem sucedidas com pautas mais progressistas, de esquerda. E temos uma direita com mais militares, religiosos e pessoas com perfil mais conservador. Isso certamente vai ter impacto na forma que o Congresso vai lidar com o presidente", diz.
El País: Hamilton Mourão, gabinete aberto e opinião formada sobre tudo
Na estreia, presidente em exercício faz declarações sobre reforma da Previdência e recebe diplomatas. "É uma voz moderada", elogia embaixador alemão
Pela primeira vez desde fim da ditadura militar, há 34 anos, um alto comandante militar tem a caneta presidencial em suas mãos no Brasil. Até a madrugada da próxima sexta-feira, o general da reserva Hamilton Mourão exerce o cargo de presidente do Brasil no lugar de Jair Bolsonaro, que está na Suíça e faz nesta terça-feira seu discurso de estreia num palco estrangeiro, o do Fórum Econômico Mundial em Davos. Se os investidores seguirão palavra a palavra as promessas de Bolsonaro, não faltarão também holofotes para avaliar como Mourão se sai no Planalto. É que mesmo dizendo-se um aliado leal, que “toca a bola de lado” e nada decide sem o aval do chefe, Mourão rapidamente tem ocupado espaço relevante nas primeiras semanas do novo Governo –em que não faltaram sobressaltos, desgaste precoce por causa do escândalo envolvendo Flávio Bolsonaro e recuos. Ao mesmo tempo em que é uma sombra para o presidente –suas quatro estrelas de general reluzem e se apresentam por vezes maior do que o capitão –, Mourão também acaba sendo seu contraponto, uma espécie de moderador das falas e validador dos atos do mandatário.
Tanto é assim que a agenda de Mourão, um vice que só entrou na fórmula presidencial na reta final da campanha, é recheada de encontros com empresários de multinacionais ou embaixadores de países estrangeiros. Um leque mais variado do que o próprio Bolsonaro nos primeiros dias do poder. Em sua estreia na presidência em exercício, não foi diferente: das sete audiências que Mourão protagonizou nesta segunda, por exemplo, uma foi com um membro da siderúrgica CSN e duas foram com representantes da Alemanha e da Tailândia.
“O vice-presidente se mostrou uma pessoa muito construtiva e bem informada. É uma voz moderada e interessada pela cooperação internacional. Algo importante para nós”, afirmou ao EL PAÍS o embaixador alemão, Georg Witschel, após conversa com Mourão. Witschel disse ter conversado com inquilino temporário do Planalto sobre direitos humanos, proteção ao meio ambiente, comércio bilateral, crise na Venezuela, acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. Tratou também da má reputação que a gestão brasileira tem em seu país, que já provoca até problemas concretos, como o reforço da campanha contrária ao acordo comercial da UE com o bloco sul-americano. “É uma imagem que queremos mudar, juntos”, disse o embaixador alemão.
Outros dois diplomatas que estiveram recentemente com Mourão ressaltaram características semelhantes. “Ele é a sensatez que muitas vezes falta ao presidente em falas oficiais”, afirmou, em caráter reservado, um dos representantes de países estrangeiros que se encontrou com o general da reserva.
Opinião formada sobre quase tudo
A percepção de sensatez por contraste vem desde a campanha eleitoral. Mourão, um oficial defensor da ditadura militar assim como o presidente ultradireitista, também provocou controvérsia ao falar, por exemplo, que as famílias sem figuras masculinas tinham propensão a fabricar delinquentes. Também disse impropriedades sobre a dívida pública. Mas tudo isso foi esquecido quando, ainda na campanha, começou a matizar a retórica anti-China de Bolsonaro ou passou a defender diante dos microfones, como fez nesta segunda-feira, a ansiada reforma da Previdência, inclusive alguma modalidade para os militares, a categoria que espera escapar das mudanças.
Desde que foi escolhido como candidato na chapa encabeçada por Bolsonaro, Mourão já dizia que não seria um vice decorativo. E, de fato, não tem sido. Como não ocupa posições de destaque, como algum ministério, ele tem emitido opinião sobre quase tudo. Sua voz é a mais evidente entre o braço militar da gestão, composta por ao menos sete ministros e outros 36 representantes em postos-chave de segundo e terceiro escalão. De um lado, é o general da reserva Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, quem tem mais acesso aos ouvidos do presidente e goza de sua confiança. Do outro, Mourão, que pode até não ser o integrante mais assíduo do ninho, mas é o único que Bolsonaro não pode destituir: afinal, ele foi eleito ao lado do presidente nas urnas e está na linha de sucessão.
Não é um fator menor diante do cenário confuso de um Governo Jair Bolsonaro que nem completou um mês e já se depara com crises de gestões desgastadas por anos no poder. “É o início de Governo mais confuso desde a redemocratização”, avalia o cientista político Carlos Ranulfo, professor na Universidade Federal de Minas Gerais. A razão, em sua opinião, é que o presidente se cercou de pessoas com pouca ou nenhuma experiência em gestão pública, em Governo. “Não há eixo, coordenação, não há nada. Há muito desentendimento entre o sol Bolsonaro e os astros que giram em torno dele. É apenas um ajuntamento de peças. Por isso, tantas trombadas”, diz.
Além do herdeiro presidencial – o senador eleito Flávio Bolsonaro –, que não consegue se descolar de uma suspeita de desvios de recursos supostamente cometidos por ele e por um ex-assessor, sobram idas e vindas em anúncios, frases desastradas, como a do ministro comparando uma arma de fogo a um liquidificador. Nas áreas mais centrais, há planos claros, como os da área econômica, mas eles também esbarram na acomodação de uma classe neófita no poder do Executivo.
Ao lado do general Heleno, tem ficado com Mourão a tentativa de chutar para longe a crise de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz, o filho do presidente e seu antigo assessor que são investigados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Ao sair de seu gabinete e se deparar com um batalhão de jornalistas, o vice-presidente disse, nesta segunda, que falaria pela última vez sobre Flávio-Queiroz. “Esse assunto não comento mais. Não vem pra cima do Governo e é um problema do Flávio. Ele vai resolver”.
O cuidado sobre o quanto essa crise pode respingar na gestão é semelhante a que o próprio presidente tem tido. Desde dezembro, quando descobriu-se uma movimentação incompatível de recursos pelas contas de Queiroz e, agora, o recebimento de depósitos em dinheiro vivo por Flávio, o presidente quase não se manifestou sobre o tema. “Ele faz o que qualquer presidente teria de fazer, fica quieto. Não se envolve”, avaliou o professor Ranulfo, da UFMG.
Sobre política externa, contudo, Mourão não mede palavras. Se já havia dito que o presidente aprenderia a ser pragmático, à revista Época, por exemplo, afirmou que o chanceler Ernesto Araújo – um diplomata antiglobalista, trumpista e aliado do escritor e ideólogo de Bolsonaro, Olavo de Carvalho – ainda não mostrou a que veio. “Se alguém espera que Mourão vai ficar quieto, está enganado. Ele fala pelos cotovelos. E está pronto para atuar. Basta ter a brecha”, concluiu Ranulfo.
Até a madrugada de sexta-feira, quando está prevista a chegada de Bolsonaro ao país, é Mourão quem dá as cartas no Palácio do Planalto. Bolsonaro fica em Brasília até sábado. No domingo, segue para São Paulo, onde no dia seguinte se submeterá a uma cirurgia para retirada de uma bolsa de colostomia que carrega no abdômen desde setembro, quando levou uma facada. Em princípio, Mourão assumiria novamente a presidência no período em que Bolsonaro estivesse hospitalizado. Mas, agora, a tendência é que o presidente fique dez dias despachando do hospital, enquanto se recupera.
El País: Bolsonaro viaja a Davos buscando suavizar imagem e apresentar um Brasil preparado para negócios
As ausências de Donald Trump e dos principais líderes europeus transformaram o líder nacional-populista que dirige a oitava economia do mundo na estrela do evento
Por Naiara Galarraga Gortázar, do El País
O novo Brasil promovido pelo ultradireitista Jair Bolsonaro escolheu a cúpula de Davos (Suíça) com a elite econômica e política para se apresentar ao mundo. O presidente que ganhou as eleições com um programa de liberalismo econômico e linha dura na segurança deixa por alguns dias Brasília para anunciar na Europa que “o Brasil está aberto aos negócios e investimentos sem viés ideológico”, como explicam em Brasília fontes do Ministério da Economia comandado por Paulo Guedes, a quem Bolsonaro deu amplos poderes.
As ausências de Donald Trump e dos principais líderes europeus transformaram o líder nacional-populista que dirige a oitava economia do mundo na estrela do evento. O militar da reserva, que elogiou abertamente repressores da ditadura, como o coronel Brilhante Ustra, pretende suavizar sua imagem no exterior. O capital adora seu programa econômico —a Bolsa de São Paulo é uma das que mais subiram no mundo todo no último semestre—, mas seu programa político, com desprezo pelo meio ambiente e duros ataques à oposição, gera inquietação.
A cúpula de Davos recebe mais uma vez um novo presidente que chega do Brasil tentando dissipar temores. O esquerdista Luiz Inácio Lula Da Silva foi em 2003 à reunião de cúpula da elite, mas depois de ter participado do Fórum Social Mundial (a “contracúpula” de Davos), em Porto Alegre. Em termos econômicos, o ex-sindicalista seguiu a cartilha mais ortodoxa, e foi presença habitual em Davos durante o auge dos países emergentes.
Bolsonaro, um paraquedista militar da reserva que destila palavras de ódio a gays, feministas e indígenas, tenta se apresentar como um parceiro que oferece segurança para se fazer negócios no Brasil, uma das economias mais protecionistas da região, que emerge de dois anos de recessão com um tímido crescimento.
O ultradireitista quer ser um novo parceiro nos negócios e na diplomacia. Está dando uma guinada radical com sua aproximação dos EUA e de Israel e seu distanciamento de tradicionais aliados regionais. O novo ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, trumpista e autor de um blog antiglobalista, que acompanha Bolsonaro na viagem à Suíça, encarna essa mudança. E, para defender sua cruzada contra a corrupção, Bolsonaro leva ainda o ministro da Justiça, Sérgio Moro, o juiz que condenou o ex-presidente Lula em primeira instância. Um herói ou vilão no Brasil, a depender do público que o olhe. Os quatro dias em que Bolsonaro passará em Davos afastarão momentaneamente o presidente das crescentes suspeitas de corrupção que cercam um de seus filhos, o senador eleito Flávio Bolsonaro.
O carro-chefe de Bolsonaro em Davos será o superministro Guedes. Este gestor de fundos de investimento formado na Universidade de Chicago não detalhou seus planos para impulsionar a cambaleante economia do Brasil desde que tomou posse, em 2 de janeiro. Em Davos, enfatizará que os três pilares de sua receita são reformar a previdência (que come 53% dos gastos públicos), acelerar as privatizações e concessões, e reduzir substancialmente o Estado. Sua intenção, segundo as fontes citadas, é anunciar na cidade alpina que o comércio exterior (exportações e importações) aumentará para 30% do PIB (dos 23% atuais) até o fim de seu mandato, em 2022, e que duplicará para 2% do PIB o investimento em pesquisa e desenvolvimento.
Uma parte significativa da vitória eleitoral de Bolsonaro se deve ao fato de ele ser percebido como um dos poucos políticos brasileiros livres da suspeita de corrupção. Mas as acusações contra Flávio, um de seus três filhos congressistas, estão se acumulando. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) descobriu dezenas de depósitos suspeitos em sua conta em 2017, totalizando 96.000 reais. Isso, revelado na sexta-feira pela TV Globo no Jornal Nacional, soma-se a outros pagamentos suspeitos recebidos por seu motorista e velho amigo da família, Fabrício Queiroz, que era alvo de uma investigação, agora suspensa por uma decisão liminar de um ministro do Supremo Tribunal Federal, a pedido do filho do presidente. Flávio, seu pai e Queiroz se declaram inocentes. E, para tentar evitar que o tema ofusque sua estreia internacional, Bolsonaro não deve oferecer uma coletiva de imprensa em Davos, que já estava prevista inicialmente, mas foi retirada do programa oficial, segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo —desde o início da crise envolvendo o ex-assessor de seu filho, a família Bolsonaro dá apenas entrevistas para veículos vistos como mais amistosos por sua gestão, algo que seria difícil de controlar em um evento com perguntas abertas na frente de todo o mundo.
El País: Decreto sobre posse de armas de Bolsonaro é “inconstitucional”, diz órgão do MPF
Procuradoria considera decreto de Bolsonaro "compromete a Segurança Pública" e pede ação de Raquel Dodge
Por Gil Alessi, do El País
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão enviou nesta sexta-feira uma representação à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, alegando que as mudanças na concessão da posse de armas aprovadas pelo presidente Jair Bolsonaro são “inconstitucionais”. No texto, a entidade, que é ligada ao Ministério Público Federal, afirma que o decreto assinado pelo capitão na terça-feira “amplia de modo ilegal e inconstitucional as hipóteses de registro, posse e comercialização de armas de fogo, além de comprometer a política de segurança pública”. Agora cabe a Dodge analisar se leva a questão ao Supremo Tribunal Federal, para que a Corte delibere sobre o assunto.
O decreto de Bolsonaro foi seu principal aceno ao eleitorado e à bancada da bala do Congresso desde que tomou posse este ano. A ampliação da posse (possibilidade de ter armas em casa) e porte (andar armado) foram bandeiras de campanha do militar.
No texto encaminhado para Dodge os procuradores afirmam que o decreto representa uma “usurpação da função legislativa pelo poder Executivo, o que afronta o princípio da separação de poderes”. Além disso, o decreto de Bolsonaro “enfraquece as atribuições da Polícia Federal quanto ao exame dos fundamentos de necessidade de porte de arma na declaração”.
Um dos principais pontos contestados pela Procuradoria foi a ampliação do escopo do que viria a ser efetiva necessidade — uma justificativa necessária para que a Polícia Federal autorize a posse. O texto do decreto considera que “residentes em área rural”, “residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência”, ou seja, localizadas em Estados com índices de homicídio que superam dez por 100.000 habitantes e “titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais” se enquadram na descrição de efetiva necessidade. Na representação os procuradores alegam que com esta mudança, "fica presumido que todos os residentes podem solicitar a posse".
"A iniciativa de ampliar a posse de armas de fogo reforça práticas que jamais produziram bons resultados no Brasil ou em outros países. Sua adoção sem discussão pública, ademais, atropela o processo em andamento de implantação do Sistema Único de Segurança Pública - SUSP, fruto de longa discussão democrática e caminho para uma redefinição construtiva do modo de produzir segurança pública no País", ressaltam os procuradores Deborah Duprat e Marlon Alberto Weichert. De acordo com eles, "as próprias autoridades de segurança pública rotineiramente orientam que a posse de uma arma de fogo aumenta o risco de vitimização letal do cidadão que sofre uma abordagem criminosa".
O pedido enviado a Dodge finaliza citando números da violência no Brasil: "Espera-se do Estado brasileiro, em todos nos níveis federativos, um efetivo, articulado e profissional esforço para enfrentar a inaceitável situação de uma violência endêmica que ceifa, anualmente, mais de 60.000 vidas no País. Para problemas difíceis não há soluções fáceis".
Esta não é a primeira movimentação contra o decreto de Bolsonaro. Na quinta-feira o núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo acionou o MPF para que ele se mobilize no sentido de anular o texto do capitão. Eles alegam que alterações deste porte no Estatuto do Desarmamento só poderiam ser feitas via Congresso. Além da defensoria, PT e PSOL também afirmaram que devem acionar o Supremo para tentar derrubar o decreto.
El País: Rastro de depósitos suspeitos para Flávio Bolsonaro aprofunda crise
'Jornal Nacional' exibiu relatório do Coaf, que complica situação de filho de presidente. Na TV Record, senador eleito negou acusações
A crise provocada pela investigação envolvendo o ex-assessor dos Bolsonaro Fabrício de Queiroz escalou nesta sexta-feira. O Jornal Nacional, da TV Globo, exibiu trecho de novo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que identificou, em apenas um mês de 2017, uma série de depósitos parcelados e em dinheiro vivo na conta do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Ao todo, as cotas somaram 96.000 reais, o que foi considerado suspeito pelo órgão, que rastreia operações que podem apontar para ocultação de valores e lavagem de dinheiro. Quase ao mesmo tempo em que o principal telejornal brasileiro aprofundava o escândalo, na TV concorrente, a Record, mais próxima dos Bolsonaro, o filho mais velho do presidente eleito dava sua versão em entrevista e negava qualquer irregularidade.
A revelação do novo relatório do Coaf pela TV Globo acontece um dia depois de Flávio Bolsonaro obter no Supremo Tribunal Federal o congelamento da investigação a respeito de Fabricio Queiroz, flagrado movimentando 1,2 milhão de reias entre 2016 e 2017, um valor incompatível com sua remuneração formal. O caso está a cargo do Ministério Público Estadual do Rio desde o fim do ano passado e o filho de Bolsonaro argumentou na corte que, por ser senador eleito, só a instância superior, no caso a Procuradoria-Geral da República, poderia investigá-lo. Na petição, Flávio Bolsonaro também tentava invalidar documentos como o do Coaf exposto na reportagem. Ainda que o próprio STF ainda vá discutir o caso em definitivo a partir de fevereiro, o MP do Rio argumenta que todas as apurações aconteceram antes mesmo de ele ser diplomado para o cargo na Câmara alta.
Desgaste político
Na quinta-feira, o apelo do senador eleito pelo foro privilegiado junto ao STF, um expediente que o presidente e sua família criticaram no passado, já havia causado desgaste político em pleno mês de estreia do Governo Bolsonaro. Agora, o rastro de depósitos suspeitos para o próprio senador eleito mudam o caso de patamar e constrangem a família que chegou ao poder prometendo extirpar a "corrupção do PT". Embora o MP do Rio diga que Flávio Bolsonaro não é formalmente investigado, uma linha da apuração relaciona a possibilidade de que repasses feitos por assessores de Flávio Bolsonaro na conta de Fábricio Queiroz tenham como destino final o próprio senador eleito, o que ele nega. É ilegal, mas bastante difundido em assembleias, câmaras e prefeituras do país, a prática de parlamentares confiscarem parte dos salários de seus funcionários, o chamado pedágio.
Na TV Record, o filho mais velho do presidente disse que considera "ilegal" a ação do Coaf, que teria quebrado seu sigilo bancário sem autorização judicial. Para rebater as informações de que ao menos dois de seus ex-assessores faltavam bastante ao trabalho (um deles passou temporadas inteiras em Portugal e uma outra é personal trainer), Flávio Bolsonaro disse que não é responsável pelo que seus funcionários fazem fora do trabalho e que é comum que esses assistentes tenham outras funções.
Pelo revelado até agora pelo Coaf e em reportagens, as parcelas em dinheiro enviadas para Queiroz coincidiam com as datas de pagamento da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Mais: no caso dos depósitos para o senador eleito conhecidos nesta sexta-feira, a maior parte foi feita no terminal de autoatendimento da Alerj. Em diferentes datas, segundo a TV Globo, foram identificados aportes em valores idênticos, com apenas poucos minutos de intervalo. Foram feitos dez depósitos de 2.000 reais em cinco minutos em apenas uma data analisada.
A investigação envolvendo o ex-assessor de Flávio Bolsonaro nasceu num desdobramento da Operação Lava Jato no Rio chamado Furna da Onça, que já levou dez parlamentares fluminenses para a prisão. Em 6 de dezembro, o Coaf apontou em um relatório que Queiroz, policial militar da reserva, ex-motorista de Flávio e amigo de longa data da família Bolsonaro, fez uma movimentação bancária de 1,2 milhão de reais, “incompatível com seu patrimônio". Em seu relatório, o Coaf identificou transferências do ex-assessor para a conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que totalizaram 24.000 reais. O presidente Bolsonaro afirmou que o valor dizia respeito a uma série de empréstimos feitos por ele ao motorista, quitado com cheques de 4.000 reais.
Enquanto a trama se adensa, a TV Record anunciou que exibirá no domingo uma entrevista exclusiva da primeira-dama, o rosto suave do novo Governo.
El País: Flavio Bolsonaro vai a STF por foro privilegiado e eleva temperatura da crise Queiroz
Defesa de senador eleito pede para que caso mude de instância e barra avanço de investigação sobre ex-assessor. Ação contraria discurso da família sobre prerrogativa e constrange aliados e o ministro da Justiça, Sergio Moro
A investigação envolvendo o ex-assessor dos Bolsonaro Fabrício Queiroz ganhou, nesta quinta-feira, novos contornos que jogam gasolina no constrangimento político provocado pelo caso, em plena estreia do novo Governo. O senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) acionou o Supremo Tribunal Federal para que a corte suspendesse as apurações do Ministério Público do Rio de Janeiro a respeito das movimentações financeiras suspeitas de Queiroz. O pedido foi acatado de forma liminar pelo ministro Luiz Fux. Os advogados do parlamentar argumentam que o MP obteve dados sigilosos de forma ilegal junto ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), e teria “burlado” alguns controles legais no procedimento. Além disso, a defesa do filho do presidente também acena com um pedido para que uma eventual investigação envolvendo Flávio fique com o Supremo devido à prerrogativa de cargo do senador eleito - apesar de o STF ter restringido as regras de foro privilegiado no ano passado para abarcar apenas supostos crimes relacionados com os mandatos federais.
O movimento de Flávio Bolsonaro endossado pelo plantonista Fux, na prática, congelou as investigações pelo menos até 31 de janeiro, quando termina o recesso e o STF volta a funcionar normalmente. O caso, então, deve ser analisado pelo relator Marco Aurélio Mello. O passo provoca desconforto para o clã inteiro, incluindo o presidente da República. Tanto o mandatário quanto seus filhos - além de Flávio, o deputado Eduardo e o vereador Carlos - já se manifestaram no passado de forma contrária ao foro privilegiado, o direito que detentores de certos cargos têm de só serem julgados por determinadas cortes: “Quem precisa do foro privilegiado?”, escreveu Eduardo. "Eu não quero esta porcaria de foro!", afirmou Jair em um vídeo no qual aparece ao lado de um Flávio que concordava com o que ele dizia.
O pedido da defesa também constrange o ministro da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro, que quando esteve à frente da Operação Lava Jato sempre apontou o expediente do foro privilegiado como sendo um fator de morosidade no Judiciário e impunidade. O procurador da República Deltan Dallagnol, que coordena a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, se manifestou no Twitter contra a decisão de Fux. “Com todo o respeito ao ministro Fux, não há como concordar com a decisão, que contraria o precedente do próprio STF. Tratando-se de fato prévio ao mandato, não há foro privilegiado perante o STF. É de se esperar que o ministro Marco Aurélio reverta a liminar”, escreveu. O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot foi mais sintético, e escreveu apenas "Heinnnnnnnn???" no Twitter ao compartilhar uma reportagem sobre a suspensão do processo. Até aliados dos Bolsonaro se manifestaram contra, como a deputada estadual eleita Janaína Paschoal e integrantes do MBL (Movimento Brasil Livre).
Mudança de estratégia
A solicitação de Flávio também chamou a atenção tendo em vista que desde que o escândalo veio à tona, com informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras(Coaf) de que Queiroz teria movimentado mais de um milhão de reais em sua conta, o parlamentar sempre disse não ser investigado. “Continuo com minha consciência tranquila, pois nada fiz de errado. Não sou investigado”, escreveu em 8 de dezembro no Twitter. Agora uma interrogação paira sobre esta afirmação. Agora, em nota divulgada no Instagram, a assessoria de Flávio afirma que o pedido foi feito "tendo em vista que, ao ter acesso aos autos do procedimento, verificou ser o senador objeto de investigação", e que isso "atrai a competência do STF - única autoridade competente para decidir sobre o foro adequado à continuidade das investigações."
Em sua decisão nesta quinta, Fux escreve que a defesa alegou que “depois de confirmada sua eleição para o cargo de senador da República, o órgão ministerial local [MP-RJ] requereu ao Coaf informações sobre dados sigilosos de sua titularidade, abrangendo o período de abril de 2007 até a data da implementação da diligência, a pretexto de instruir referido procedimento investigativo”. Ainda segundo a defesa, “o procedimento investigatório é baseado em informações obtidas de forma ilegal”. Por fim, Fux afirma que caberá ao relator do caso, o ministro Marco Aurélio, tomar uma decisão definitiva sobre o pedido dos advogados de Flávio.
O pedido de suspensão feito pelo senador eleito também reacende o debate sobre foro privilegiado. Em maio de 2018 os ministros do tribunal alteraram em parte a abrangência deste dispositivo para senadores e deputados federais, restringindo-o para crimes cometidos durante o exercício do mandato. Os fatos investigados pelo Ministério Público do Rio abrangem um período de 2016 a 2017, quando Flávio ainda era deputado estadual, sem direito a foro privilegiado. Os casos envolvendo vereadores e deputados estaduais são de competência do Tribunal de Justiça local.
A defesa de Flávio afirma que, apesar do novo entendimento, a decisão da própria Corte abre uma brecha para a contestação. O advogado do parlamentar cita em seu pedido trecho do próprio acórdão do STF: “A conjugação dos critérios exercício do mandato e em razão da função exigirá que esta Corte continue a se pronunciar, caso a caso, se o crime tem ou não relação com o mandato. E essa análise terá que ser feita pelo próprio STF, a quem compete definir se o processo permanece no tribunal ou desce para a primeira instância”.
Além de Flávio, o caso Queiroz também esbarra no próprio presidente, que possui imunidade inerente ao cargo. O Coaf identificou transferências do ex-assessor para a conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que totalizaram 24.000 reais. O mandatário afirmou que o valor dizia respeito a uma série de empréstimos feitos por ele ao motorista, quitado com cheques de 4.000 reais. A conta da mulher teria sido usada porque ele não teria disponibilidade de ir ao banco em função da rotina de trabalho. O presidente sempre negou qualquer irregularidade, e disse não ter declarado o valor do empréstimo em sua declaração de Imposto de Renda porque os valores eram pequenos e muito parcelados, e acabaram se "avolumando".
El País: ‘Carta branca’ à violência policial vai agravar situação da segurança, diz HRW
Relatório anual da ONG Human Rights Watch feito em 90 países destaca mortes por policiais no Brasil, em especial no Rio, e diz que propostas de Jair Bolsonaro, que "endossou a prática de tortura", podem ter efeito contrário
O relatório inicia seu capítulo sobre o Brasil destacando a violência política e as ameaças contra jornalistas que marcaram a eleição de Jair Bolsonaro no ano passado. A HRW define o presidente eleito como alguém “que endossou a prática de tortura e outros abusos e fez declarações abertamente racistas, homofóbicas e misóginas”. Por isso, a chegada do capitão reformado ao poder é vista com preocupação pela ONG. “Estamos muito preocupados com a retórica utilizada por Bolsonaro durante a eleição”, afirmou, por telefone, José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da HRW. “É a primeira vez nesta região que se elege democraticamente um líder com discurso contra os direitos humanos.”
Embora o relatório apresente dados anteriores à era Bolsonaro, Vivanco alerta que as medidas já tomadas pelo novo presidente nestas primeiras semanas de governo não sinalizam para uma mudança na escalada de violência e nas violações registradas no país nos últimos anos. “Definitivamente a medida que facilita a posse de armas [assinada nesta terça-feira pelo presidente] não vai reduzir a violência”, diz Vivanco.
Para ele, um dos dados mais alarmantes trazidos pelo documento é o número de mortes provocadas por policiais no Rio de Janeiro. No ano passado, quando o Estado passou praticamente o ano inteiro sob intervenção federal, foram mortas pelas mãos de policiais 1.444 pessoas, entre janeiro e novembro, um recorde desde que se tem esse tipo de registro. “Em um Estado com uma população de 17 milhões de habitantes, as estatísticas oficiais mostram que a violência segue crescendo dramaticamente”, diz Vivanco. “Os números mostram a gravidade do tema da violência policial. E a resposta não é a militarização”. O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes são destacados no relatório entre as vítimas de homicídio no Rio de Janeiro no ano passado. Até o momento, não houve solução do caso.
A ONG também diz que a proposta de Bolsonaro na campanha de dar "carta branca" aos policiais para matar em serviço deve agravar a situação de segurança. De acordo com o relatório, as mortes provocadas por agentes podem provocar uma espiral: os homicídios tidos como execuções extrajudiciais colocam as comunidades contra a polícia, complicam as investigações e colocam os próprios policiais em risco, ao atrair possíveis represálias de grupos criminosos. Segundo a HRW, o ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmou à ONG que o Governo Bolsonaro trabalha em um projeto de lei para "esclarecer" em quais condições um policial pode evocar legítima defesa se cometer um homicídio.
Fora do Rio de Janeiro, os índices também não são otimistas. Em 2017, a violência atingiu um novo recorde, com cerca de 64.000 homicídios no Brasil. Desses casos, poucos são investigados: o relatório destaca que o Ministério Público apresenta denúncia em apenas dois em cada dez homicídios. Entre policiais, 367 foram mortos durante serviço ou folga naquele ano. Ao mesmo tempo, em todo o país, policiais em serviço e fora de serviço mataram 5.144 pessoas, 20% a mais que em 2016.
A organização alerta para os homicídios cometidos pela polícia como forma de execuções extrajudiciais. Em São Paulo, o ouvidor da polícia examinou centenas de homicídios cometidos por integrantes da corporação em 2017, e concluiu que houve uso excessivo de força em três quartos dos casos, por vezes contra pessoas desarmadas. A HRW ainda denuncia que o Governo brasileiro não publicou um relatório anual sobre a letalidade policial e mortes de policiais, conforme orientou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em uma decisão de 2017.
Ainda sobre a violência policial, um ponto para o qual a ONG já havia chamado a atenção é sobre uma lei de 2017 que transferiu da Justiça comum para a Justiça militar o julgamento de membros das Forças Armadas acusados de cometerem execuções extrajudiciais contra civis. O mesmo ocorre para policiais militares acusados de tortura e outros crimes: são julgados pela justiça militar, embora os homicídios cometidos por eles ainda permaneçam sob a jurisdição civil. “Isso significa que as Forças Armadas e a Polícia Militar investigam seus próprios integrantes quando acusados de cometer crimes”, diz o documento, algo que vai na contramão do que as normas internacionais determinam.
Violência de gênero
O relatório também dá destaque ao não cumprimento da determinação do Supremo Tribunal Federal de conceder prisão domiciliar a mulheres grávidas, mães de crianças de até 12 anos ou de crianças ou adultos com deficiência, presas preventivamente por crimes não violentos, exceto em situações “excepcionalíssimas”. Embora o Ministério da Justiça tenha estimado que a decisão poderia ser aplicada a 10.693 mulheres, os juízes concederam a prisão domiciliar a apenas 426 detentas até 1º de maio, prazo estabelecido pelo STF para o cumprimento da decisão. O relatório denuncia que juízes “fizeram uso generalizado das situações 'excepcionalíssimas' para manter as mulheres na cadeia”.
A rede de proteção às mulheres também sofreu enfraquecimento. O orçamento da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres sofreu queda brusca, de 73 milhões de reais em 2014, para 47,3 milhões em 2017. Além de redução dos gastos da pasta, os equipamentos também encolheram. Entre 2016 e 2017 foram reduzidos o número de centros especializados de atendimento às mulheres - que prestam apoio jurídico e psicológico, por exemplo (de 256 para 241), de delegacias da mulher ou núcleos de atendimento da mulher em delegacias não especializadas (de 504 para 497), e de abrigos (de 97 para 74). “Em um país com mais de 200 milhões de habitantes, só existem 74 abrigos de proteção para mulheres e crianças”, diz José Miguel. “Isso reflete a falta de prioridade em relação à violência contra a mulher”. Nessa esteira, o governador de São Paulo João Doria (PSDB) vetou, nesta semana, um projeto de lei que previa o atendimento por 24 horas das 133 delegacias da mulher do Estado. Pelo Twitter, Doria, afirmou que o projeto apresentado era “inconstitucional”, e que iria “ajustar, aprovar e ampliar o projeto proposto”.
El País: Foragido, italiano Cesare Battisti é preso na Bolívia e Bolsonaro comemora com críticas ao PT
Extradição de ex-ativista de esquerda para a Itália era promessa de campanha do presidente brasileiro, que tenta se aproximar diplomaticamente do país europeu
Cesare Battisti, ex-militante da esquerda condenado por quatro assassinatos na Itália na década de 1970, foi preso na Bolívia na noite deste sábado, 12 de janeiro, por uma equipe da Interpol formada por agentes italianos e brasileiros na cidade de Santa Cruz de La Sierra. Battisti era considerado foragido desde meados de dezembro do ano passado, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, ordenou sua prisão preventiva. A detenção do ex-ativista foi divulgada inicialmente nas redes sociais por Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, e comemorada horas depois pelo presidente Jair Bolsonaro. O mandatário brasileiro aproveitou a notícia da detenção para retomar suas criticas ao PT, partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em seu último dia de Governo, em 2010, concedeu asilo ao italiano. "Finalmente a justiça será feita ao assassino italiano e companheiro de ideais de um dos governos mais corruptos que já existiram no mundo (PT)", escreveu Bolsonaro, em uma rede social, adotando o mesmo tom de um dos seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro, que escreveu no Twitter: "Ciao Battisti, a esquerda chora".
Ainda não foi decidido se Battisti será encaminhado de volta ao Brasil para que o Governo federal dê início ao processo de extradição, ou se será enviado à Itália diretamente da Bolívia, sob o comando do presidente Evo Morales, um dos últimos expoentes do ciclo de esquerda da década passada na América Latina. Embora tenha comparecido à posse de Bolsonaro no início do mês em Brasília, Evo Morales sempre foi mais alinhado políticamente aos governos petistas. Em nota divulgada na manhã deste domingo, os Ministérios das Relações Exteriores e o Ministério da Justiça e Segurança Pública informaram que "estão tomando todas as providências necessárias, em cooperação com o Governo da Bolívia e com o Governo da Itália, para cumprir a extradição de Battisti e entregá-lo às autoridades italianas". Por ser considerado um foragido internacional, ele não precisa voltar ao Brasil para ser extraditado. De acordo com a rádio brasileira CBN, autoridades italianas já providenciaram a aeronave para transportá-lo diretamente de Santa Cruz de La Sierra à Itália.
Parabéns aos responsáveis pela captura do terrorista Cesare Battisti! Finalmente a justiça será feita ao assassino italiano e companheiro de ideais de um dos governos mais corruptos que já existiram no mundo (PT).
Battisti foi membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), um braço das Brigadas Vermelhas, e foi condenado à prisão perpétua por quatro homicídios ocorridos entre 1977 e 1979, que ele nega ter cometido. Depois de viver 15 anos exilado na França – onde se tornou um bem-sucedido autor de romances policiais –, em meados dos anos noventa se viu obrigado a partir para o México. Finalmente chegou em 2004 ao Brasil, onde permaneceu oculto até que, em 2007, foi ordenada sua detenção. Em 2013, casou-se no Brasil com uma brasileira e teve um filho com ela.
O Supremo Tribunal Federal aceitou sua extradição em 2009, numa decisão não vinculante, que deixou a decisão nas mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas este a rejeitou em 31 de dezembro de 2010, último dia de seu segundo mandato. O destino de Battisti, que sempre foi reivindicado com insistência pela Itália, começou a mudar durante a última campanha eleitoral no Brasil, quando o então candidato da extrema direita Bolsonaro prometeu sua extradição se chegasse ao Planalto. Battisti estava foragido desde que, em 13 de dezembro, o STF ordenou sua detenção para que fosse extraditado para a Itália, valendo-se de um decreto do então presidente Michel Temer.
Ringrazio per il grande lavoro le Forze dell’Ordine italiane e straniere, la @poliziadistato, l’Interpol, l’AISE e tutti coloro che hanno lavorato per la cattura di #CesareBattisti, un delinquente che non merita una comoda vita in spiaggia, ma di finire i suoi giorni in galera.
A notícia da captura de Battisti foi comemorada pela classe política italiana. O ministro do Interior, Matteo Salvini, agradeceu ao presidente Jair Bolsonaro e às autoridades bolivianas pela colaboração, acrescentando que Battisti é “um delinquente que não merece uma cômoda vida na praia, e sim acabar seus dias na prisão”. O ultradireitista Salvini acrescentou: “Meu primeiro pensamento vai para os familiares das vítimas deste assassino, que durante muito tempo gozou uma vida que vilmente tirou dos outros, protegido pela esquerda de meio mundo”.
O ministro da Justiça, Alfonso Bonafede, antecipou que o ex-militante “agora será entregue à Itália” para que cumpra sua pena. “Quem erra deve pagar, e também Battisti pagará. O tempo passado não sanou as feridas que Battisti deixou nas famílias de suas vítimas e no povo italiano, assim como que não diminuiu o desejo humano e institucional de obter justiça”, afirmou na sua conta do Facebook. O ex-primeiro-ministro Matteo Renzi, do Partido Democrata (PD, centro-esquerda), também manifestou sua satisfação: “A detenção de Battisti na Bolívia é uma boa notícia. Todos os italianos, sem nenhuma distinção de cor política, desejam que um assassino deste tipo seja devolvido o antes possível ao nosso país para cumprir a pena. Hoje é um dia para a justiça”, celebrou.
(ITA) Il Brasile non è più terra di banditi. @matteosalvinimi , il "piccolo regalo" è in arrivo
O embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini, congratulou-se pela notícia: “Battisti está preso! A democracia é mais forte que o terrorismo”, escreveu o diplomata no Twitter. O deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, também usou essa rede social para enviar uma mensagem em italiano a Salvini: “O Brasil já não é mais uma terra de bandidos. @matteosalvinimi, o ‘presentinho’ está chegando'“. Junto à mensagem, colocou uma bandeira da Itália e o ícone de um avião.
A detenção de Battisti na Bolívia tem potencial para criar tensões entre esse país com seu poderoso vizinho, além de representar um desafio ao presidente Evo Morales. Em uma série de tuítes, o procurador federal brasileiro Vladmir Aras evocou várias alternativas legais, começando pela solicitação, por parte de Battisti, do status de refugiado político na Bolívia. Caso o obtenha, não poderia ser enviado para a Itália nem para o Brasil. Mas a Bolívia também poderia negar a permanência em seu território, devolvendo-o ao país de origem ou enviando-o a um terceiro país que aceite recebê-lo.
El País: Os tentáculos de Olavo de Carvalho sobre 57 milhões de estudantes brasileiros
Três discípulos do filósofo ocupam cargos importantes no Ministério da Educação de Bolsonaro. Ideias do pensador da ultradireita devem influenciar políticas da alfabetização às universidades
Por Beatriz Jucá, do El País
Considerado uma espécie de guru intelectual da direita brasileira, o filósofo Olavo de Carvalho emplacou três discípulos em cargos estratégicos do Ministério da Educação sob o presidente Jair Bolsonaro. Além do próprio titular da pasta, Ricardo Vélez, os seguidores Carlos Nadalim e Murilo Resende ocupam, respectivamente, a Secretaria Especial da Alfabetização e a direção da Avaliação da Educação Básica do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Tratados pelo mentor como "olavistas", Vélez, Nadalim e Resende chegam ao poder afinados com as ideias que aprenderam principalmente nos cursos online oferecidos pelo filósofo direitista, e pelos quais já passaram cerca de 12.000 pessoas.
A primeira pasta inédita do Governo Bolsonaro será comandada por Carlos Nadalim, que é mestre em Educação, defensor da alfabetização domiciliar e coordenador da escola de sua mãe, o colégio Mundo Balão Mágico em Londrina.
As ideias de Carvalho — centradas principalmente no fim da "doutrinação ideológica marxista" que diz existir no ensino público do país — devem influenciar as políticas dos próximos quatro anos nas duas pontas da educação brasileira: da alfabetização ao ensino superior, cujo impacto deve recair sobre os cerca de 48,6 milhões de estudantes matriculados nas escolas da educação básica e sobre os pouco mais de 8,3 milhões de alunos do ensino superior (segundo o último Censo Escolar, de 2017).
No centro do discurso de Olavo de Carvalho, estão críticas ferrenhas a Paulo Freire (1921-1997), o educador e filósofo brasileiro mais referenciado em universidades do mundo, nomeado patrono da educação brasileira em 2012, laureado dezenas de vezes com o título doutor honoris causa fora do Brasil. O pedagogo pernambucano, criticado pelo Governo Bolsonaro, defendia a educação como um ato político, mantendo os alunos em contato constante com os problemas contemporâneos no processo educacional. Ainda que não seja o único teórico no qual se apoiam os professores brasileiros, Paulo Freire é um dos principais alvos de crítica de Olavo e também dos seguidores que agora ocupam secretarias complexas no Governo Federal.
Distante dos espaços acadêmicos, Carvalho se construiu como um filósofo outsider. Não tem título universitário, mas é autor de 19 livros e dissemina suas ideias por cursos online e pelas redes sociais, onde expõe posições fortes e que costumam causar controvérsia entre educadores. Defende, por exemplo, que o Governo perca o papel de educador. A constituição brasileira estabelece que municípios são responsáveis prioritários pela oferta pública de educação infantil e pelo ensino fundamental. Já os Estados são responsáveis pelo ensino médio. Para o filósofo, é preciso desregulamentar a educação e resumir o papel do Governo ao de selecionador, pelo qual seria responsável apenas por testes de aprovação baseados na avaliação de três aptidões básicas: ler, escrever e fazer contas. Nesta perspectiva mais ampla, Olavo de Carvalho — que fez o ensino básico em uma escola mantida pela igreja católica — defende um sistema de fundações privadas que subsidiem essas escolas. "Por que tem que ser tudo subsidiado pelo Governo central ou mesmo pelos governos estaduais?", questionou em um vídeo publicado em agosto do ano passado, intitulado Como salvar a educação no Brasil?.
Neste vídeo, Olavo de Carvalho chega a questionar a necessidade de existência do Ministério da Educação e chama de "mágica" uma proposta apresentada por Bolsonaro na campanha, de ampliar as escolas militares, que segundo o presidente teriam melhor qualidade no ensino que as escolas tradicionais. "Isso é uma bobagem. O erro essencial é a ideia de que o Governo central tem que educar a nação. É uma ideia comunofascista que Getúlio Vargas pôs na cabeça do brasileiro", diz.
As críticas feitas à proposta de Bolsonaro durante a pré-campanha eleitoral não impediram que o presidente desse a ele um amplo poder de influência nas políticas educacionais dos próximos quatro anos. Dos Estados Unidos — onde vive desde 2005, o filósofo indicou três nomes para o MEC, inclusive o chefe da pasta, Ricardo Vélez, que segundo ele, "a pessoa que mais entende de pensamento político-social brasileiro" no mundo. No discurso de posse, o ministro destacou sua relação com o olavismo e a "inspiração liberal e conservadora" que deverá representar nas políticas educativas.
Carlos Nadalim assume a recém criada Secretaria de Alfabetização com a função de enfrentar o problema do analfabetismo em todos os níveis de escolaridade —segundo dados do IBGE de 2017, o Brasil ainda possuía quase 12 milhões de analfabetos. Nadalim já foi apresentado por Olavo de Carvalho em vídeos como um dos poucos que de fato educam no Brasil. Coordenador de uma escola em Londrina chamada Balão Mágico, implantou o método fônico de alfabetização — baseado na relação entre as sílabas e os sons para só depois ler frases completas — a pouco mais de uma centena de alunos e apresentou resultados que lhe renderam o prêmio Darcy Ribeiro, da Câmara dos Deputados. Mantém o blog Como educar seus filhos, onde oferece cursos online. Nele, escreveu que seu projeto é "apenas uma nota de rodapé do imenso trabalho" desenvolvido por Olavo de Carvalho. Agora no Governo, tem defendido a ideia de banir métodos globais de ensinar a ler e escrever (associados à teoria construtivista e a Paulo Freire) para promover o método fônico. Atualmente, não há um único método de alfabetização nas escolas brasileiras, embora a maioria delas utilize o método construtivista.
Na outra ponta do ensino, está o professor de economia Murilo Resende, 36 anos, novo diretor do Inep. É ele o novo responsável pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a principal porta de entrada nas universidades federais brasileiras. Assim como Nadalim, Resende atribui a Olavo de Carvalho seu "amadurecimento intelectual" e oferece cursos online sobre economia e filosofia política a partir da perspectiva conservadora. Ao ser anunciado ao cargo, foi criticado pela falta de experiência na Educação. O próprio presidente saiu em sua defesa, pelo Twitter. "Murilo Resende, o novo coordenador do Enem, é doutor em economia pela FGV e seus estudos deixam claro a priorização do ensino ignorando a atual promoção da 'lacração', ou seja, enfoque na medição da formação acadêmica e não somente o quanto ele foi doutrinado em salas de aula", afirmou. Depois que assumiu o cargo no Governo, Resende desativou o site onde oferecia seus cursos.
Olavo de Carvalho diz que a esquerda exerce o controle do ensino brasileiro, no qual imporia ideias marxistas, especialmente pela predominância das ideias de Paulo Freire, que defende o poder de assimilação maior do aluno pela relação os problemas sociais em vez de valorizar apenas a técnica. Carvalho vai na contramão. Critica, por exemplo, os métodos de alfabetização "introduzidos por essa mesma turma esquerdista nos anos 1970 e 1980, como o socioconstrutivismo, que cria deficiências estruturais de leitura que não se curam nunca mais". Leva anos insistindo que 50% dos formandos das nossas universidades são analfabetos funcionais. De acordo com o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) da Ação Educativa, 4% dos que chegam ao ensino superior são de fato considerados analfabetos funcionais, mas apenas 34% alcançam o nível proficiente.
El País: Instruído por ministros, Bolsonaro dá sinal verde para fusão Embraer-Boeing
Há menos de uma semana, presidente fez ressalvas sobre o acordo que já tinha elogiado na campanha
Foram necessários apenas poucos dias e uma reunião para que o presidente Jair Bolsonaro mudasse de ideia, uma tônica comum nesses primeiros dez dias de Governo. Nesta quinta-feira, o tema foi aeronáutica. Bolsonaro decidiu autorizar o acordo entre a norte-americana Boeing e a brasileira Embraer, na qual o Estado brasileiro tem poder de veto em negociações, para a criação de uma nova empresa de aviação comercial. "Ficou claro que a soberania e os interesses da nação estão preservados. A União não se opõe ao andamento do processo", postou o presidente em seu perfil oficial do Twitter. Bolsonaro também publicou uma foto de uma reunião que ocorreu com ministros e representantes da Aeronáutica. A informação foi confirmada, pouco depois, em nota pelo Palácio do Planalto.
“O presidente foi informado de que foram avaliados minuciosamente os diversos cenários, e que a proposta final preserva a soberania e os interesses nacionais. Diante disso, não será exercido o poder de veto (Golden Share) ao negócio”, diz o texto divulgado pela assessoria. Bolsonaro já tinha afirmado publicamente que apoiava a união entre as duas empresas, mas, há menos de uma semana, chegou a fazer ressalvas sobre acordo.
Em dezembro, as duas empresas anunciaram que aprovaram os termos do acordo anunciado em julho de 2018. Pelo acordo, a Boeing será controladora da empresa, com 80% da participação, enquanto a Embraer deterá 20%. A fabricante americana pagará aos brasileiros 4,2 bilhões de dólares. O acordo entre a empresa americana e a brasileira estava sujeita à aprovação do governo brasileiro, que detém na Embraer uma golden share - uma ação especial que dá direito a veto em decisões importantes.
A empresa brasileira confirmou que a parceria estratégica com a Boeing foi aprovada pelo Governo e afirmou que a expectativa é que a negociação seja concluída até o final de 2019. "Como próximo passo do processo, o Conselho de Administração da Embraer deverá ratificar a aprovação prévia dos termos do acordo e autorizar a assinatura dos documentos da operação. Em seguida, a parceria será submetida à aprovação dos acionistas, das autoridades regulatórias, bem como a outras condições pertinentes à conclusão de uma transação deste tipo", afirma a empresa em comunicado ao mercado.
A nova empresa será liderada por uma equipe de executivos sediada no Brasil, incluindo um presidente e CEO. A Boeing terá o controle operacional e de gestão da nova empresa, que responderá diretamente a Dennis Muilenburg, presidente e CEO da Boeing. A Embraer terá poder de decisão para alguns temas estratégicos, como a transferência das operações do Brasil.