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El País: Lula faz um ano na cadeia à espera do STJ e empenhado em controlar o PT

Recurso de ex-presidente deve ser analisado pelo tribunal em breve, com poucas possibilidades de soltura. Partido tenta reavivar o "Lula Livre" e adia eleição do comando da legenda para o segundo semestre

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa um ano neste domingo, 7 de abril, com o PT tentando reanimar a militância com atos pelo "Lula Livre" e adiando apenas para o segundo semestre a troca de poder na legenda, que ainda disputa espaço para se firmar como protagonista na oposição ao presidente Jair Bolsonaro (PSL). O consenso no partido é o de que as condenações por corrupção passiva e lavagem de dinheiro nos casos envolvendo o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia — 12 anos e 11 meses em ambos os casos — foram injustas e de que a prisão do ex-presidente é política. Na sigla, os atos pelo ex-presidente são uma forma não só de manter a pressão sobre o Judiciário como também de manter petistas e os movimentos sociais mais próximos unidos sob um rara bandeira comum.

Da cadeia em Curitiba, Lula acompanha as discussões no partido, cuja eleição interna adiada tem potencial para, pela primeira vez, não corresponder com a vontade do ex-presidente, que já demonstrou seu desejo em manter a deputada federal Gleisi Hoffman na liderança. Com Gleisi na presidência, a influência de Lula nas decisões do partido estariam garantidas. Ao EL PAÍS, a deputada diz que o ex-presidente recebe informes das reuniões do partido. "Ele é o nosso presidente de honra. É natural e importante que ele receba as informações.Quando eu posso, escrevo cartas, porque essas ele pode receber. Trato das reuniões dos diretórios, das reuniões que fazemos, das decisões que tomamos", contou Gleisi.

No plano legal, as esperanças de uma absolvição e soltura do petista são escassas. O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Antonio Dias Toffoli, decidiu adiar o julgamento sobre a constitucionalidade da prisão após a condenação em segunda instância, que estava marcada para a quarta-feira dia 10 e teria repercussão no caso. Agora, residem no recurso levado pela defesa ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o primeiro tribunal superior que analisará a sentença em segunda instância do caso Triplex — o caso do sítio Atibaia só foi julgado em primeira instância. Tanto o STJ como o STF só analisaram até o momento pedidos de soltura do ex-presidente, mas não a condenação em si. Ainda não há uma data marcada para que a 5ª turma do STJ se reúna, mas a defesa espera que isso ocorra em breve. Segundo o advogado Cristiano Zanin, a defesa pede e enfatiza no recurso a anulação do processo nas instâncias inferiores ou uma absolvição. Também apresenta argumentos auxiliares que poderiam levar a uma revisão do tamanho da pena — o que pode resultar, por exemplo, em prisão domiciliar — ou a prescrição do caso.

A defesa contesta as acusações e considera que não há provas suficientes de que a OAS presenteou o ex-presidente com um triplex no Guarujá como pagamento de propina por contratos na Petrobras. Apresenta ainda um leque de argumentos, como uma suposta falta de imparcialidade do juiz Sergio Moro — hoje ministro da Justiça de Bolsonaro — ou a negativa de que uma prova pericial no processo fosse produzida. Segundo Zanin, a defesa também contesta a competência da Justiça Federal para tratar do caso com base em suas decisões do Supremo. A primeira, de 2015, resultou no fatiamento da Lava Jato e deixou nas mãos da força tarefa de Curitiba apenas os casos relativos a corrupção na Petrobras. A defesa acredita que o caso não tem relação com o escândalo envolvendo a petroleira, embora a sentença condenatória estabeleça uma relação entre os contratos entre empreitas e a Petrobras com o triplex reformado que a OAS teria repassado para Lula. A segunda e mais recente decisão do STF, por seis votos a cinco, determinou que cabe a Justiça Eleitoral julgar crimes comuns, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, conexos com delitos eleitorais de caixa 2.

"A jurisprudência do STJ é incompatível com a condenação do ex-presidente. Então, estamos pedindo que a Corte reafirme sua própria jurisprudência", explica Zanin ao EL PAÍS. O problema é que, de acordo com uma pesquisa realizada pela Corte com base nos julgamentos de 69.000 recursos entre 2015 e 2017, apenas 0,62% dos casos julgados no STJ reverteram totalmente as decisões das instâncias inferiores e resultaram na absolvição do réu. A mesma pesquisa indicou que em 1,02% dos casos os ministros da 5ª e 6ª turma reverteram a pena de prisão por uma pena “restritiva de direitos”, como a prestação de serviços comunitários. Em 0,76% dos casos foi reconhecida a prescrição. Para Zanin, contudo, o caso do ex-presidente é peculiar. "Estamos vendo ao longo do tempo a ocorrência de diversas ilegalidades e abusos que precisam ser coibidos", diz ele, no momento que a o entorno de Lula se queixa da falta de recursos para tocar a própria defesa. Há bens e contas bancárias do ex-presidente bloqueados por ordem de Moro e, por isso, há ações que buscam arrecadar dinheiro para a causa. Nesta semana, um grupo de fotógrafos anunciou ter arrecadado mais de 600.000 reais leiloando fotos históricas do petista.

Um PT em busca de protagonismo

No campo político os obstáculos não são menores. O PT tem a maior bancada na Câmara, com 55 deputados — um a mais que o PSL de Bolsonaro —, e é a maior força de oposição ao Governo. Mas, por ora, continua apostando suas energias na campanha pelo "Lula Livre" enquanto que as pesquisas indicam uma cristalização do apoio popular à prisão do ex-presidente — segundo o Atlas Político, cerca de 57,9% do eleitorado. "O partido ficou muito preso a isso. Não sei se dentro do partido existe consenso sobre o que fazer. Enquanto isso, o 'Lula Livre' dá certa unidade de ação para a máquina partidária. É algo que mantém todos unidos", explica o sociólogo Celso Rocha de Barros.

Para ele, a "atualização" do PT ainda depende de como o Governo Bolsonaro, que completa cem dias nesta semana com a popularidade em queda, vai se sair. Ainda assim, ele chama atenção para o fato de que, embora numericamente maior, é mais comum ver lideranças de outros partidos progressistas, como os deputados Alessandro Molon (PSB), Tabata Amaral (PDT) ou Marcelo Freixo (PSOL), na linha de frente da oposição. "O partido ainda não assumiu uma liderança lá dentro, porque está preso a essas questões", explica. Em jogo está também uma disputa também no campo progressista pela hegemonia, ocupada pelo PT há 30 anos.  "Se eles querem substituir o PT, precisam atrair as pessoas que gostam o PT. O Ciro Gomes, por exemplo, pela suas declarações e posturas, acaba sendo antipático para os eleitores PT. Além disso, essas pessoas foram coadjuvantes durante muito tempo e não precisaram se posicionar sobre questões econômicas e políticas de governo. Isso ficava na conta do PT", pondera Rocha de Barros. "No mínimo", explica ele, "a competição vai fazer bem e vai obrigar os petistas a se mexerem".

Essa renovação depende também da liderança do partido, hoje nas mãos de Gleisi Hoffmann, apesar das ressalvas de alguns petistas. A política paranaense é considerada uma das responsáveis por manter como prioridade do partido a pauta do "Lula Livre", enquanto há pouco debate sobre renovação partidária e outras questões programáticas a um ano e meio das eleições municipais. "Nós consideramos o Lula um preso político. Lula é a grande liderança política e popular desse Brasil. Depois dele não surgiu mais ninguém com essa envergadura, com essa grandeza, com esse poder de mobilização", reafirma Gleisi.


El País: Governo Bolsonaro prega “negacionismo histórico” sobre a ditadura

Marcos Napolitano, professor da USP, diz que o discurso do Governo Bolsonaro sobre o golpe de 64 está mais para negacionismo, pois “tem um ponto de partida ideológico, com objetivo de ocultar o passado”

Quando Jair Bolsonaro determinou que as Forças Armadas poderiam comemorar os 55 anos do golpe de 31 de março 1964, uma estratégia polêmica de mudar a narrativa sobre como se conta a história ditadura militar brasileiratrouxe à tona discussões antes isoladas ao universo acadêmico. Afinal, a tática seria uma simples revisão para enriquecer o que se sabe até agora sobre a ditadura ou uma negação dos fatos históricos? O ministro da Educação, Ricardo Vélez, deu contribuição ainda mais controversa para a questão. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, afirmou que o que ocorreu em 31 de março não foi um golpe, mas "um regime democrático de força", e que o país deve mudar os livros didáticos para "resgatar uma versão da história mais ampla" sobre o período de 1964 a 1985.

Nesta quinta, a BBC Brasil divulgou que o Governo federal teria enviado um telegrama a Fabian Salvioli, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Promoção da Verdade, Justiça e Reparação afirmando que “não houve golpe de Estado” e que os anos de governo militar foram necessários para afastar a ameaça comunista. Essa escalada do discurso político para mudar a narrativa sobre o golpe militar, no entanto, não reverbera na historiografia. Segundo Marcos Napolitano, professor da Universidade de São Paulo (USP) e autor de livros sobre história da ditadura militar, falar em um “regime democrático de força” é uma contradição. “Esta mais para negacionismo histórico do que revisionismo”, afirma.

Napolitano explica que o conceito de negacionismo é um tipo de afirmação histórica que não tem base documental, que distorce o processo factual, ou que simplesmente trabalha com documentos falsos, com o objetivo de negar processos que são consensuais. “A diferença é sutil, mas revisionismo está dentro de debate historiográfico, se ancora em métodos aceitos, cria novos objetos de pesquisa, novos problemas, novas questões, fazendo com que o próprio historiador questione suas crenças, o que é saudável”, conta. “Já o negacionismo tem um ponto de partida ideológico, com objetivo de ocultar o passado.”

Pesquisadores que estudam o Holocausto judeu na Segunda Guerra Mundial têm se debruçado sobre a questão. “Há toda uma indústria do negacionismo em torno do Holocausto, apoiada inclusive por alguns historiadores. Mas, no geral, a comunidade historiográfica não aceita, porque o ponto de partida é ocultar o que aconteceu”, explica Napolitano.

O professor afirma que as discussões historiográficas mais recentes já revisaram muitos aspectos da memória sobre a ditadura militar no Brasil. Em seu artigo Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro, Napolitano afirma que “existe uma memória hegemônica, crítica ao regime militar”, construída em concordância entre setores liberais (que até apoiaram o golpe, inicialmente) e movimentos das esquerdas, mas cuja narrativa já passou por correções. Por exemplo, a ênfase na visão da “sociedade vítima” do regime e o golpe como obra exclusiva dos militares. “Novas abordagens vêm problematizando a questão do golpe como ausência de apoio popular. Pois há evidência de apoio, passeatas feitas pela classe média. Por mais que seja incômodo para a memória da esquerda dizer que teve apoio. Mas foi um apoio da classe média, não de grupos populares”, conta.

Outra revisão é sobre a percepção, comum no passado, de que a guerrilha armada no período militar foi reação ao AI-5, o ato institucional que embruteceu o regime. “Não foi. A guerrilha foi um projeto anterior, como reação ao golpe”, afirma Napolitano. De acordo com ele, à medida que novas fontes e documentos vão aparecendo, os historiadores podem confrontar a memória, seja de direita, seja de esquerda. “Esse é o trabalho do historiador. Nosso compromisso é com a ampliação do conhecimento e não com a negação do conhecimento.”

Apesar de afirmar que o revisionismo é saudável, Napolitano afirma, que há limites, uma vez que não se pode negar aspectos fundamentais do fato histórico, como o fato de que a ditadura militar no Brasil matou centenas de pessoas e torturou outras milhares, colocando em xeque os direitos civis no Brasil. “História e memória são coisas paralelas, por isso, um grupo não pode tentar impor sua visão dos fatos no debate historiográfico."

REVISIONISMO DESEJÁVEL

Napolitano afirma que os processos de revisionismo são frequentemente turbulentos, e muitas vezes, fruto de luta social, como no caso da história indígena e de afrodescentes. "A historiografia assumiu o ponto de vista das vítimas e problematizou as narrativas que vinham do passado."

Antonia Terra de Calazans Fernandes, professora do departamento de História da USP, que estuda o ensino de história, afirma que foram os movimentos sociais que pressionaram para a mudança narrativa na história indígena e história da África e afrodescendentes. "No século XIX, Varnhagen escreveu a historia do Brasil, descrevendo os indígenas como povos selvagens, que faziam parte da etnografia, pois não teriam futuro. Até a década de 90, quando buscávamos informações sobre o assunto, tínhamos que recorrer a antropólogos, que não discutiam as transformações históricas", afirma Fernandes.

Situação semelhante acontecia com a história dos afrodescendentes. "Eles sempre estiveram presentes os livros didáticos, mas sempre retratando os negros em situação de escravidão, situações pejorativa do ponto de vista social, sem demonstrar a diversidade", afirma Fernandes, que ressalta que durante a ditadura militar, o ensino de história foi substituído por estudos sociais.

Apenas com a Lei 10.639/2003, que estabeleceu a obrigatoriedade de incluir no currículo da rede de ensino a temática de história e cultura afro-brasileira e com a lei 11.645/2008, que incluiu a história indígena, que estes temas passaram a ser estudados mais profundamente. "Foi um processo lento, São Paulo só reformulou o currículo na década de 90.


El País: Moro é mais popular que Bolsonaro em Governo que segue perdendo aprovação

Atlas Político confirma tendência de queda na popularidade da gestão e do presidente e mostra índice bom/excelente numericamente atrás de regular e ruim/péssimo. 87% são a favor da prisão de Temer

A aprovação do Governo de Jair Bolsonaro (PSL), que completa cem dias na semana que vem, continua em queda. Os números da pesquisa Atlas Político, feita com 2.000 pessoas entre os dias 1 e 2 de abril, indicam que há um triplo empate entre aqueles que acham a gestão ultraconservadora boa/excelente (30,5%), regular (32,4%) e ruim/péssimo (31,2%). Aqueles que aprovam de maneira mais enfática o presidente já estão numericamente atrás daqueles que desaprovam ou acham sua gestão regular. Na pesquisa Atlas Político de fevereiro, o presidente aparecia com 38,7% de ótimo/excelente, 29,6% regular e 22,5% ruim/péssimo. A tendência mudou. Os números atuais também são menos expressivos do que a última pesquisa Ibope, que mostrou Bolsonaro com 34% de ótimo ou bom–mais um termômetro da desidratação, ainda que as cifras não sejam diretamente comparáveis, por causa da diferença das metodologias utilizadas pelos levantamentos.

A pesquisa, feita com entrevistados recrutados pela Internet e com dois pontos percentuais na margem de erro, mostra que nem todos foram afetados pelo começo pouco embalado da gestão Bolsonaro. A popularidade do ministro da Justiça Sergio Moro continua não só alta como melhor que a de Bolsonaro e outras lideranças. Em números: 61,5% dos que participaram da pesquisa tem uma imagem positiva do ex-juiz da Operação Lava Jato, enquanto que 49,5% tem imagem positiva de Bolsonaro. "Acredito que a postura de Moro vem sendo mais formal e adequada ao cargo, enquanto que o presidente tem uma postura menos adequada e não entrega as expectativas de mudança imediata que ele criou durante a campanha", explica o cientista político Andrei Roman, diretor do Atlas Político. "Tudo o que Moro vem fazendo ajudou a preservar a imagem dele, como o pacote anticrime", acrescenta. Isso significa que o capital político acumulado por Moro se mantém e que sua figura não é necessariamente atrelada à de Bolsonaro, explica Roman.

Moro é mais popular que Bolsonaro em Governo que segue perdendo aprovação

A pesquisa também mostra como alguns temas defendidos pelo Governo são encarados pelo eleitorado. De acordo com os números, 50,7% são contra ampliar o porte de armas, enquanto que 41,6% são favoráveis. Os resultados permaneceram praticamente iguais aos de fevereiro, com uma leve oscilação para cima no índice dos que são contrários. "O que aconteceu em Suzano pode ter influenciado", explica Roman. Os números do Atlas Político mostram, neste tema, um cenário mais em disputa do que os do Instituto Datafolha. Perguntados se era preciso facilitar o acesso a armas para as pessoas, 69% dos entrevistados do Datafolha disseram discordar totalmente ou em parte. Uma das primeiras medidas de Bolsonaro foi um decreto que ampliava o acesso a armas. Ainda na matéria, há sinais preocupantes para o Governo, e para Moro. A maioria dos entrevistados, 68,9%, acredita que a criminalidade está aumentando, apesar do discurso linha-dura do ultraconservador presidente.

Moro é mais popular que Bolsonaro em Governo que segue perdendo aprovação
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Já com relação à reforma da Previdência, existe uma clara divisão entre os entrevistados: 45,7% são contra as mudanças propostas pela equipe do ministro da Economia Paulo Guedes, enquanto que 43,9% são favoráveis. Não é de todo uma má notícia para o Governo. Em fevereiro havia menos pessoas a favor da reforma: 39,5%, enquanto que os contrários somavam 46,4%. "Existe uma tentativa de defender o Governo e uma mobilização a favor da reforma, o que contribui para aumentar o apoio a ela", explica do diretor do instituto. A maioria, 45,5%, acredita que a economia vai melhorar nos próximos seis meses, enquanto que 27,3% é mais pessimista com relação ao futuro próximo.

Moro é mais popular que Bolsonaro em Governo que segue perdendo aprovação
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Além disso, 87,1% se mostraram a favor da prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e 57,9% a favor da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre os que participaram da pesquisa, 71,4% também se mostram a favor do Bolsa Família, o principal programa social do Governo Federal. E, apesar do discurso contra a chamada velha política de Bolsonaro, 44,2% ainda acredita que a corrupção está aumentando, enquanto que 27,7% diz que está diminuindo.


El País: PT ainda é a sigla preferida, enquanto PSL e Novo roubam apoio de PSDB e MDB

Dados são da pesquisa do Atlas Político, que mostram resiliência petista quase um ano após prisão de Lula. 57,9% são a favor da prisão de ex-presidente

Partido dos Trabalhadores (PT) ainda é a preferência da maior parte dos eleitores, apesar de ter perdido as últimas eleições presidenciais para o ultraconservador Jair Bolsonaro e ter seu maior nome, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atrás das grades. É o que indica a última pesquisa Atlas Político, feita com 2.000 pessoas entre os dias 1 e 2 de abril em todos os Estados do Brasil. Um total de 15,8% dos que participaram da pesquisa dizem preferir o partido dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Em segundo lugar está o neófito Partido Social Liberal (PSL) de Bolsonaro, com 5,5% da preferência. Em terceiro está o partido NOVO, com 2,1%.

PT ainda é a sigla preferida, enquanto PSL e Novo roubam apoio de PSDB e MDB
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"Se você olha a pesquisa histórica de preferência partidária, o PT sempre esteve na frente, separado dos outros", explica Andrei Roman, cientista político e diretor do Atlas Político. Para ele, PSL e Novo ocuparam o espaço do PSDB e do MDB, que tinham a preferência de um eleitorado mais de centro e de direita. Hoje, cada um possui apenas 1% da preferência do eleitorado, atrás também do PDT (em quarto lugar na preferência, com 1,9%) e do PSOL (em quinto lugar, com 1,2%).

PT ainda é a sigla preferida, enquanto PSL e Novo roubam apoio de PSDB e MDB
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Por outro lado, 59,5% possuem uma imagem negativa do ex-presidente Lula e 57,9% se mostram a favor de sua prisão. "É certo que a opinião a favor da prisão de Lula se cristalizou", destaca Roman. O que explica então o PT ainda ser a principal preferência do eleitorado? "Dos 33,1% que são contra a sua prisão, metade é um eleitorado mais ideológico. Existe um nicho em que o partido é muito forte", explica. Além disso, 65,6% dos que participaram da pesquisa declararam não ter nenhum partido de preferência.

A implosão do PSDB e do MDB na preferência do eleitorado e a subida do PSL e do Novo também indicam uma implosão do centro político, algo observado em outros países como Estados Unidos e Reino Unido. "E o Novo é um partido mais ideológico que o PSL, isso pode ser a semente para algo maior", opina Roman.

PT ainda é a sigla preferida, enquanto PSL e Novo roubam apoio de PSDB e MDB
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El País: Quem pagou o vídeo revisionista da ditadura distribuído pelo Governo Bolsonaro?

“É preciso saber se foi pago com recursos públicos”, diz Gil Castello Branco, do Contas Abertas. Ao 'Globo', ator disse ter sido pago. Mourão disse que ideia foi de Bolsonaro

No último domingo, enquanto militantes a favor e contra a ditadura militar se enfrentavam a socos e pontapés na avenida Paulista, um vídeo enviado a jornalistas pelo WhatsApp oficial do Planalto rememorava a data do golpe de 64, contando a versão do Governo Bolsonaro, um apologista da ditadura, para a história. “Se você tem a mesma idade que eu, sabe que houve um tempo em que o nosso céu, de repente, não tinha mais estrelas que outros”, diz um idoso, que não se identifica, evocando o hino nacional. Ele segue, afirmando que naquele tempo o Brasil vivia sob "a ameaça do comunismo", algo amplamente difundido pelo presidente Jair Bolsonaro, e contestado pelos historiadores, para justificar o golpe militar. “Havia sim muito medo no ar. Greve nas fábricas, insegurança em todos os lugares. Foi aí que, conclamado por jornais, rádios, TVs e principalmente pelo povo na rua, povo de verdade, pais, mães, igreja, que o Brasil lembrou que possuía um Exército Nacional. E apelou a ele”.

Fontes afirmaram à reportagem que o vídeo não foi enviado pela Secom e sim pelo Gabinete Digital, responsável pela gestão das redes sociais e portal do Governo. Questionada sobre a autoria do material e quanto ele teria custado, o Planalto silenciou, ferindo o artigo 5º da Constituição, que concede a livre manifestação do pensamento, mas proíbe o anonimato. Para Gil Castello Branco, do Contas Abertas, entidade que acompanha os gastos públicos, é importante que o Governo esclareça a origem do vídeo. “É preciso saber se foi pago ou não com recursos públicos”, diz. “Em segundo lugar, é preciso saber até que ponto legalmente essa mensagem estaria ou não compreendida dentro do que deve ser a publicidade institucional do Governo”. Ele afirma que independentemente da autoria do vídeo, o Governo endossa a mensagem enviada ao divulgá-la em um canal oficial.

Caso na Justiça

Bolsonaro, que está em viagem oficial por Israel desde o domingo, mas segue verborrágico em suas redes sociais, não se pronunciou sobre o assunto e nem replicou o material em seus canais. Diferentemente de um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que publicou o vídeo em sua conta no Twitter logo pela manhã. Pelo horário da postagem, Eduardo Bolsonaro fez a publicação antes mesmo de ela ter sido enviada por WhatsApp.

Vídeo incorporado

Eduardo Bolsonaro🇧🇷

@BolsonaroSP

Num dia como o de hoje o Brasil foi liberto. Obrigado militares de 64! Duvida? Pergunte aos seus pais ou avós que viveram aquela época como foi?

10,2 mil pessoas estão falando sobre isso

A improvável indiferença do presidente em relação a um tema tão próximo a ele não é mero acaso. Na semana passada, Bolsonaro, que não considera a data um golpe, mas sim um "regime com autoridade", recomendou que os quartéis comemorassem “a data histórica”. A polêmica diante da postura revisionista do presidente foi parar na Justiça, que concedeu, na noite de sexta-feira, liminar proibindo as comemorações do golpe pelas Forças Armadas. Mas, no sábado de manhã, a decisão foi revertida, abrindo caminho para as celebrações. Desde a redemocratização, é a primeira vez que o Brasil tem um presidente que defende as festividades dessa data.

As questões não esclarecidas sobre o material fizeram com que a oposição levantasse suas orelhas no próprio domingo, quando prometeu entrar com representações em todas as instâncias possíveis para questionar o caso. De acordo com o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), seu partido recorrerá ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria Geral da República para denunciar os crimes de improbidade e responsabilidade. O deputado também promete convocar para prestar esclarecimentos na Câmara dos Deputados o secretário de Comunicação, que até o momento é Floriano Amorim.

O WhatsApp do Governo é um canal criado ainda na gestão de Michel Temer e administrado pela equipe de comunicação do Planalto. Não se trata de um grupo, mas sim de um número que transmite para quem está na lista vídeos institucionais, como os que defendem a reforma da Previdência, e outros materiais de divulgação do Governo. Até o domingo, todo material enviado por esse canal tinha a assinatura do Governo Federal.


El País: Bolsonaro se torna o primeiro mandatário a visitar o Muro com Netanyahu

Gesto pode ser tido como reconhecimento tácito da soberania israelense nessa parte de Jerusalém. O ato é evitado durante décadas por outros chefes de Estado e condenado pela Autoridade Palestina

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, se tornou nesta segunda-feira no primeiro chefe de Estado a visitar o Muro das Lamentações de Jerusalém acompanhado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Outros mandatários que o antecederam, como Donald Trump, preferiram ir sozinhos ao local mais sagrado do judaísmo. O líder brasileiro demonstrou mais uma vez o idílio político com o chefe de Governo israelense, a quem chamou de “irmão”, na mesma praça Kotel onde se situa a parede sagrada. Também foi à Basílica do Santo Sepulcro, como parte de sua viagem oficial a Israel.

Ambos os lugares se encontram no centro histórico, em Jerusalém Oriental, uma parte da cidade ocupada por Israeldepois da guerra de 1967, onde os palestinos aspiram a ter a capital de seu futuro Estado. Um fato que durante décadas influenciou os líderes internacionais a não o incluírem em suas agendas oficiais, para evitar que o gesto fosse interpretado como um apoio expresso às aspirações israelenses de que o lugar seja reconhecido como parte do Estado judaico.

Numerosos mandatários, entre eles os ex-presidentes norte-americanos Barack Obama, Bill Clinton e George W. Bush, incluíram o Muro das Lamentações em seus itinerários, mas a título privado, ou enquanto eram candidatos. Nenhum o visitou estando no cargo, muito menos acompanhado do primeiro-ministro do país. Nem sequer Donald Trump, o primeiro presidente norte-americano a visitar o local como ocupante da presidência, o fez na companhia do seu amigo Netanyahu.

São regras não escritas que o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, rompeu ao visitar o lugar em 21 de março acompanhado do primeiro-ministro israelense, e que Bolsonaro torna a quebrar agora, um dia depois de anunciar a abertura de um escritório comercial brasileiro na Cidade Sagrada — com a consequente decisão de que a embaixada do Brasil, por enquanto, fica em Tel Aviv.

Entre as cooperações acertadas durante a viagem, foi acordada, segundo o ministro da Segurança Pública e de Assuntos Estratégicos de Israel, Gilad Erdan, uma de nível policial. "Temos um grande potencial para lidar com o Brasil no campo do combate de crimes e das organizações criminosas", publicou em seu perfil no Twitter. Segundo o ministro israelense, está previsto intercâmbio de treinamento entre as polícias de Brasil e Israel. Ele destacou, ao compartilhar a mesma foto em que Bolsonaro aparece fazendo mira, que o presidente brasileiro acertou no alvo os sete tiros "de longo alcance" que deu.

A Autoridade Nacional Palestina, que convidou Bolsonaro a visitar os territórios ocupados, mas não obteve resposta, condenou o gesto do ultradireitista brasileiro. “Tanto a abertura do escritório econômico como a visita ao Muro, no marco da agenda oficial em Israel, constituem uma violação da legalidade internacional sobre Jerusalém. O dirigente de um país tão importante deveria construir suas relações sem ferir os palestinos nem os interesses de seus países árabes”, afirma a este jornal Nabil Shaat, assessor de política externa do presidente palestino, Mahmud Abbas. “O Brasil quer participar do grupo liderado por Trump para destruir o processo de paz?", pergunta-se o ex-negociador palestino.

Não são as únicas críticas que Bolsonaro colheu em Jerusalém. Apesar das impressionantes medidas de segurança que cercam o presidente durante sua visita, ativistas da organização Greenpeace conseguiram escalar a muralha da Cidade Velha de Jerusalém nas imediações da Porta de Jaffa, onde penduraram um enorme cartaz amarelo com os dizeres: “Bolsonaro, pare a destruição da Amazônia”.

Depois de uma curta cerimônia, oficiada pelo rabino Shmuel Rabinowitch, Bolsonaro e Netanyahu colocaram suas mãos nas pedras milenares do Muro — entre as quais o brasileiro também quis deixar um papel, como manda a tradição — e se dirigiram para os vizinhos túneis que transcorrem em paralelamente à estrutura, sob a cidade. Trata-se de um local aberto aos turistas, pelo qual também se entra na sinagoga conhecida como a Cova, e onde se encontra outro lugar de culto hebraico, a Sharey Tshuva (Porta da Penitência), uma minúscula sala, localizada a 90 metros em linha reta da Cúpula da Rocha (ou Cúpula Dourada), que para os judeus representa o lugar de oração mais próximo de onde estava localizado seu Templo na época romana.


El País: “É impossível ir contra fatos estabelecidos”, diz Boris Fausto sobre o Golpe de 1964

Historiador diz que as Forças Armadas nunca reconheceram os aspectos mais negativos do regime militar e que não havia ameaça imediata de implantação de um regime comunista

Por Thiago Domenici, da Agência Pública

O historiador e cientista político Boris Fausto, 88 anos, é autor de estudos clássicos sobre a história do Brasil e foi professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo. Em entrevista à Pública, ele diz que não havia “ameaça imediata de implantação de um regime comunista” nas vésperas do golpe militar que completa 55 anos na próxima segunda-feira. Segundo ele, as afirmações mais recentes de Jair Bolsonaro sobre a ditadura não são uma “reinterpretação”, mas a “negação de fatos” comprovados na historiografia em documentos, testemunhos e reconhecimento do estado brasileiro dos crimes cometidos no período de exceção (1964 a 1985). Fausto, que também é membro da Academia Brasileira de Ciências, vê o cenário futuro com preocupação. “Andei falando antes das eleições que estávamos na corda bamba, na beira do abismo e não vejo muitas razões para mudar essa sensação. É triste”.

Pergunta. O presidente Jair Bolsonaro disse que as Forças Armadas podem comemorar 1964. O porta-voz da presidência justificou que o presidente não considera que houve um golpe militar, mas uma reação apoiada pela sociedade contra uma alegada ameaça comunista. Qual sua avaliação como historiador?
Resposta. Ele [Bolsonaro] vai contra as evidências. A história comporta sempre muitas interpretações na dependência da época em que se escreve e na dependência da opinião de quem escreve. Agora, é impossível negar os fatos. É impossível ir contra fatos estabelecidos. E, no caso de 1964, houve a interrupção de um mandato de um presidente legítimo, houve cassação de deputados, houve perseguições de toda ordem, houve violências. Então, não se trata de uma reinterpretação, se trata de negar fatos e isso não faz sentido.

P. Mas isso não é preocupante vindo de um presidente da República, negar fatos que, de várias maneiras, levaram pessoas a morrer sob tortura, desaparecimentos?
R. É preocupante embora não seja surpreendente. Conhecendo a carreira, o histórico do presidente eleito, não há nada de surpreendente que ele queira comemorar o golpe de 1964. Ele tem feito coisas nessa linha, tem se pronunciado nessa linha. Não há surpresa mas é uma pena que isso ocorra.

P. Muitos argumentos usam a ameaça do comunismo para o golpe naquele período. Até pra gente estabelecer questões históricas, afinal de contas, o Brasil estava à beira do comunismo em 1964?
R. Vamos tentar discriminar essa questão. É preciso considerar essa época de uma forma diferente dos dias de hoje. Nós estávamos em plena Guerra Fria, existia Cuba com a vitória de uma revolução que seguiu para um certo tipo, digamos, de socialismo autoritário. Então, é nesse contexto que a gente pode entender a preocupação de setores militares. Ameaça imediata de implantação de um regime comunista não havia. O que havia era uma situação de divisão do país, de uma radicalização, às vezes, era efetiva, às vezes, era mais verbal do que efetiva. Agora, evitar essa situação por um golpe que durou 20 e tantos anos, aí as coisas pesam de um modo diferente na balança. Se houvesse uma convicção de que era preciso enfrentar, sim, uma situação muito difícil mas preservar de qualquer forma as instituições democráticas a gente não teria chegado ao ponto que chegou, e, enfim, com o fechamento que foi grave em 64 e se tornou gravíssimo em 68 e resultando num período triste, difícil da nossa história.

P. Ainda desse ponto de vista da historiografia, não é incomum ver declarações que dizem que a história tem sido contada com matiz ideológico socialista. O presidente já falou a respeito, o próprio filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, publicou mensagens em que afirma que a ditadura militar é mal retratada pelos livros didáticos. Também o general da reserva Aléssio Ribeiro Souto já declarou que “os livros de história que não tragam a verdade sobre 64 precisam ser eliminados”. Estamos passando por uma tentativa de revisionismo? Em que medida o revisionismo se torna perigoso para o registro dos acontecimentos históricos?
R. Que há uma tentativa de revisionismo, não há dúvida. As Forças Armadas nunca reconheceram os aspectos mais negativos de 1964, nunca fizeram uma análise de um ponto de vista em que fosse ressaltada as violências, a quebra da ordem democrática, uma quebra até dos padrões de convivência dentro do país. Na medida em que isso ocorre e com a chegada desse governo de direita, sob certos aspectos, de extrema direita, entende-se que essa revisão que vinha forte no meio militar ocorra também, digamos, no setor da direita como um todo. Isso é muito ruim porque transforma um episódio de violência, de ruptura do regime democrático, num episódio que pareceria uma espécie de salvação nacional. Não existe dúvida que há um entendimento de revisão no governo de tudo que ocorreu em 1964 e nos anos seguintes.

P. Tem gente que chama de golpe, gente que chama de movimento, gente que chama de revolução. Com base na tua pesquisa como historiador como o senhor define o período?
R. Tendo a chamar mais de ditadura. O que não quer dizer que a minha interpretação dos fatos tenha se alterado. É evidente para qualquer pessoa que se disponha a estudar esse período que a ditadura de 1964 não é uma quartelada. Acho que ninguém diz mais isso. Saiu dos quartéis, surpreendeu os civis e eles se instalaram numa situação de absoluta força. O que quero dizer é que, nas condições de divisão da sociedade brasileira, tal como estava e nas condições de insatisfação de determinados setores, não estou falando só de setores da elite, mas também de uma ampla classe média, o golpe contou com uma mobilização importante. Isso legitima. E na medida que os anos se seguiram foram os anos do milagre etc, das altas taxas de crescimento, esse prestígio durou. É importante assinalar esse aspecto. Até para entender a durabilidade do regime que não se deve apenas à força. Agora, quando você vê a supressão das liberdades, a violência, a limpeza no Parlamento, as prisões de toda ordem, a perseguição de dirigentes sindicais, não há dúvida que se trata de um golpe. É um golpe com parte de mobilização popular mas a natureza de golpe predomina.

P. Em nota enviada sobre as “comemorações” do 31 de março, o general Azevedo, ministro da Defesa, e os comandantes das Forças Armadas, destacam que a intervenção militar ocorreu com o apoio da população e citam a Marcha por Deus e a Família. O senhor considera que de fato o golpe foi apoiado pela população? Até que ponto a Marcha pode ser vista como representativa do conjunto da sociedade?
R. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade mostrou que o golpe tinha um lastro social significativo no meio urbano, em setores da classe média e da classe alta. Mas daí a falar em “movimento representativo do conjunto da sociedade” vai uma enorme distância. A divisão social era evidente, mesmo no seio das Forças Armadas. Basta lembrar o número de expulsões e violências na instituição militar, logo após o golpe.

P. Analisando agora os tempos recentes, há paralelos na história republicana brasileira de algo parecido com esse conjunto de forças que fazem a composição do Governo Bolsonaro?
R. Não vejo. É uma situação absolutamente inusitada e uma situação que produz espanto.

P. O que produz mais espanto ao senhor?
R. Muitas coisas.

P. No terreno dos costumes?
R. Iniciativas retrógradas que colocam o Brasil a não sei quantos decênios para trás. Aliás, de uma forma muito tosca, muito retrógrada mesmo, numa sociedade que avançou muito no terreno dos costumes. Mas que também tem um setor ponderável que se firmou muito numa tradição hoje superada, fora até do entendimento histórico. Aliás, isso ficou muito claro desde antes da vitória do Bolsonaro. Aí não tem surpresa nenhuma. Mas é um recuo que é uma coisa bastante triste.

P. O senhor classificou que é um governo de direita e em certos aspectos de extrema direita. O senhor consegue me dizer qual é essa direita que hoje está no poder?
R. Primeiro, é uma direita com raízes internacionais. Essa direita tem horror a globalização como processo mas ela própria é uma direita globalizada. E essa direita não é igual em todos os lugares. Em cada região ou até em cada país, há um elemento que é mais característico desse avanço. Se você pegar a Europa, é a xenofobia, fator que potencializa essa direita, que dá um lastro a essa direita. A gente sabe qual é a força da xenofobia, a gente conhece os movimentos totalitários ou autoritários do século XX e sabe que esse é um elemento mobilizador muito forte. Num país como o Brasil, para chegar até nós, a xenofobia não existe com essa força da Europa. Não é esse o elemento central. O elemento central é: a questão dos costumes, de uma sociedade muito dividida nesse ponto. A meu ver a questão de gênero, da identidade feminina, que tem nos setores masculinos e não só neles, um impacto muito forte que é preciso considerar. Isso tudo deu muito lastro a uma direita nacional. O ódio ao PT, de que “PT nunca mais”, e é preciso entender isso também. E o quarto fator é o medo e a impotência da população diante da criminalidade. São caldos para o avanço dessa direita.

P. Na sua visão, a questão do feminismo aglutina uma direita contrária ao movimento de mulheres?
R. Sim. A verdade é que há perda do poder, um cisma do poder do macho, seja no interior da família, seja nas relações de trabalho, e essa ideia de que a subordinação da mulher está sendo quebrada – e está sendo quebrada mesmo – tem um impacto muito grande para essa direita. E não é à toa que Bolsonaro saiu na frente bem na faixa masculina da população e levou muito tempo para alcançar uma votação quase equilibrada no setor feminino da sociedade.

P. Gostaria que o senhor fizesse uma análise desse perfil militar no governo.
R. Só observação preliminar. É por isso que a revisão pelos militares do que ocorreu em 1964 e nos anos seguintes seria muito importante. Eles não fizeram essa revisão. Ao contrário do que aconteceu na Argentina, Chile etc. Há algumas diferenças que são significativas, como o fato de que esse grupo militar que assumiu o poder, não assumiu sozinho, mas tem um peso muito grande. E esse peso tende a crescer, porque eles não são loucos e eles enfrentam loucos de todo o tipo. Esse grupo não tem, como tinha em 1964, interesse em interromper um processo formal democrático. E nem mesmo, pelo menos até aqui, tem impedido a liberdade de expressão. Os arreganhos a liberdade de expressão tem ocorrido por parte de setores ligados ao presidente, a própria presidência, aos seus filhos, Olavo de Carvalho e companhia bela. Ataques específicos à Folha de S.Paulo e coisas assim… Nesse quadro, acho que há uma diferença grande com 1964 e há, de fato, um setor militar que está disposto a manter o regime democrático e as liberdades. Está disposto, mas não a qualquer preço. Acho que se você tem uma situação de desordem, de um caos muito grande na sociedade essa linha pode mudar, porque creio, de modo geral, que a posição militar é assim: a ordem vem antes da democracia. Democracia tudo bem, mas se a democracia, no entender deles, estiver comprometendo a ordem, eles não impedirão medidas de exceção. Mas esse não é o quadro de hoje, de jeito nenhum. Tem-se que entender isso se não você entra numa posição de estar em bloco contra tudo e isso não leva a nada ou leva a coisas piores.

P. A sensação é que de 2013 para cá as questões políticas e sociais se agudizaram muito. O que o senhor acha?
R.Sim, acho que as coisas se enrolaram cada vez mais. Para alguém que tenha frieza e não viva no Brasil e está meio distanciado, o que acontece aqui é inusitado, causa muito espanto. Agora, nós estamos vivendo desde 2013 anos inteiramente alucinantes.

P. Historiador gosta mais do passado mas o cenário futuro o senhor vê com que perspectiva?
R. Com bastante preocupação. Com preocupação do mundo, eu diria. E olha que, em geral, sou otimista. Andei falando antes das eleições que estávamos na corda bamba, na beira do abismo e não vejo muitas razões para mudar essa sensação. É triste. Eu já falei várias vezes essa palavra triste e não por acaso, mas porque até para a vida cotidiana você ver problemas muito grandes dentro de nós não é bom, em todos os sentidos. Mas vamos lá, tem-se que viver.


Eliane Brum: Bolsonaro manda festejar o crime

Ao determinar a comemoração do golpe militar de 1964, o antipresidente busca manter o ódio ativo e barrar qualquer possibilidade de justiça

O próximo domingo, 31 de março, marca 55 anos do golpe militar de 1964. Em nenhum outro momento depois da retomada da democracia essa data encontrou o Brasil sob tanta tensão quanto neste ano. A memória da ditadura está sob ataque. E uma tentativa de fraudar a história, apagando os crimes cometidos pelos agentes do Estado, está em curso. Não mais como uma ofensiva pelos subterrâneos, que nunca cessou de existir, mas como ato de governo, o que faz toda a diferença. Toda.

Jair Bolsonaro (PSL) já determinou “comemorações devidas” nos quartéis. No 31 de março passado, quando ainda era só candidato a candidato, ele publicou um vídeo no Facebook: as imagens o exibiam estourando um rojão em frente ao Ministério da Defesa, com uma faixa agradecendo os militares “por não terem permitido que o Brasil se transformasse em Cuba”. “O 7 de Setembro nos deu a independência e o 31 de Março, a liberdade”, afirmou.

Sim, o atual presidente defende que a tomada do poder pela força pelos militares, deixando o Brasil sem eleições diretas por 21 anos, de 1964 a 1985; rasgando a Constituição e estabelecendo a censura; obrigando alguns dos melhores quadros do Brasil a amargar o exílio; prendendo, sequestrando e torturando, inclusive crianças, e matando opositores é motivo de comemoração. E, como presidente da República, determinou que os crimes contra a humanidade, portanto imprescritíveis, que já deveriam ter sido devidamente punidos, sejam agora comemorados oficialmente pelas Forças Armadas.

É possível o Brasil comemorar oficialmente a tortura e o assassinato de civis e seguir reconhecido como uma democracia?

Parem de ler agora. E pensem no que significa para um país comemorar o sequestro, a tortura e o assassinato de civis por agentes do Estado, assim como o que significa comemorar um golpe infligido por parte das Forças Armadas. É possível isso acontecer, como ato de Governo, e o Brasil seguir reconhecido como uma democracia?

Não. Simplesmente não é possível. Bolsonaro, é preciso dizer, nunca fingiu ser o que não é. Há vídeos dele dizendo que os militares mataram foi pouco. “Tinham que ter matado pelo menos uns 30 mil” e “se morrerem inocentes tudo bem”, afirma num deles. Seu herói declarado, Carlos Alberto Brilhante Ustra, é um torturador, reconhecido pela justiça brasileira como torturador, que chegou a levar crianças para ver os pais nus e arrebentados. Bolsonaro, quando candidato, ameaçou mandar opositores para a “ponta da praia”, referindo-se a uma base da Marinha usada como local de tortura e desova de cadáveres pelo regime de exceção. Disse também que faria uma “faxina” e que os opositores de seu Governo ou “vão para fora ou vão para a cadeia”.

Pelo menos três opositores já afirmaram publicamente que foram obrigados a deixar o Brasil por ameaças de morte. Polícia, Ministério Público e judiciário se mostraram incapazes de protegê-los e garantir a sua segurança. Nesta área, Bolsonaro está fazendo exatamente o que disse que faria. Ele nunca deu motivos para que a população duvide do que diz que fará com os opositores.

O que as instituições vão fazer diante do anúncio de Bolsonaro? Apequenar-se, como de hábito?

A questão, agora, é o que as instituições vão fazer com o anúncio de Bolsonaro, apresentado pelo seu porta-voz, general Otávio Rêgo Barros. É possível ainda esperar algo das instituições amedrontadas, quando não coniventes? Como esperar algo quando o Supremo Tribunal Federal é presidido por Dias Toffoli, que no ano passado corrompeu a história ao declarar que o que aconteceu em 1964 e cassou os direitos da população brasileira foi um “movimento”, não um golpe?

A Defensoria Pública da União e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão já se manifestaram. Mas ainda é pouco. E ainda é tímido, diante da enormidade do que significa comemorar o crime como ato de Governo. Não apenas um crime comum, mas aquele que é considerado crime contra a humanidade. A Comissão da Verdade concluiu que a ditadura matou ou desapareceu com 434 suspeitos de dissidência política e com mais de 8.000 indígenas. Entre 30 e 50 mil pessoas foram torturadas.

Se as instituições e a sociedade brasileiras assistirem apáticas ao presidente, Governo e Forças Armadas comemorarem o golpe militar que sequestrou a democracia por 21 anos e deixou um rastro de mais de 200 pessoas desaparecidas, cujos pais e filhos não têm sequer um corpo para enterrar, alcançaremos um outro nível de nosso trajetória acelerada rumo ao autoritarismo. Daí em diante, qualquer pessoa que ousar dizer que esse país vive numa democracia estará desrespeitando a inteligência e a dignidade de uma nação inteira. Daí em diante, qual será o limite para aqueles que fazem apologia do crime ocupando cargos públicos? Qual será o limite para um presidente que faz golden shower na lei?

Uma pesquisa do Ibope mostrou que Bolsonaro já é o presidente mais impopular em início de primeiro mandato desde 1995. Os 89 milhões de brasileiros que não votaram em Bolsonaro, seja porque votaram no candidato de oposição, seja porque se abstiveram de votar ou votaram branco ou nulo, somados ao expressivo contingente que já se arrependeu do voto no capitão reformado, terá que compreender que a luta pela democracia é difícil – e não pode ser terceirizada. É isso. Ou aceitar que a exceção, que já se infiltrou no cotidiano e avança rapidamente, siga tomando conta da vida até o ponto em que já se tenha perdido inclusive o direito aos fatos, como Bolsonaro e os militares pretendem neste 31 de Março.

Bolsonaro e suas milícias digitais criaram a autoverdade, mas ela só será imposta a um país inteiro se a população se submeter a ela

Não queiram viver num país em que a autoverdade, aquela que dá a cada um a prerrogativa de inventar seus próprios fatos, impere. Bolsonaro e suas milícias digitais criaram a autoverdade, mas ela só será imposta a um país inteiro se a população brasileira se submeter a ela. Afirmar que o golpe de 1964 não foi um golpe é mentira de quem ainda teme responder pelos crimes que cometeu, como seus colegas responderam em países que construíram democracias mais fortes e onde a população conhece a sua história. Não há terror maior do que ser submetido a uma realidade sem lastro nos fatos, uma narrativa construída por perversos. O corpo de cada um passa a pertencer inteiramente aos carcereiros.

Bolsonaro precisa manter o país queimando em ódio. Essa foi sua estratégia para ser eleito, essa segue sendo a sua estratégia para se manter no poder. Ele não tem outra. Se deixar de ser o incendiário que é e virar presidente, ele se arrisca a perder sua popularidade. Sua estratégia é governar apenas para as suas milícias, capazes de manter o terror, parte delas somente por diversão.

Bolsonaro tornou-se o antipresidente: aquele que boicota seu próprio programa e enfraquece seu próprio ministério

Depois de ser o candidato “antissistema”, Bolsonaro é agora o antipresidente. Esta novidade, a do antipresidente, é inédita no Brasil. O antipresidente Bolsonaro é aquele que boicota seu próprio programa e enfraquece seu próprio ministério, mantendo, também dentro do Governo, como definiu o jornalista Afonso Benites, a guerra do todos contra todos.

Bolsonaro só pode existir num país mergulhado numa guerra interna. Então, trata de alimentar essa guerra. A determinação oficial de comemorar o golpe de 1964 é parte dessa estratégia. Vamos ver o quanto os generais estrelados do seu governo são capazes de enxergar a casca de banana. Ou se, ao contrário, escolherão deslizar por ela apenas como desagravo aos anos em que ficaram acuados, temendo que o Brasil finalmente fizesse justiça, julgando os crimes da ditadura como fizeram os países vizinhos.

O atual presidente do Brasil é o mesmo político que, em 2009, botou um cartaz na porta do seu gabinete: “Desaparecidos do Araguaia. Quem procura osso é cachorro”. A imagem era a de um cachorro com um osso atravessado entre os dentes. Na época, uma década atrás, o ato de Bolsonaro era noticiado com o aposto: “o único parlamentar do Congresso que defende abertamente a ditadura”. Não mais, como é possível constatar.

A frase foi lembrada por manifestantes no Chile, na semana passada. Os chilenos protestavam contra a visita de Bolsonaro ao seu país e queriam despachá-lo imediatamente de volta para casa. Essa casa é o Brasil, onde defensores da ditadura não só são aceitos como também são eleitos e chamados de “mito”.

Os chilenos, que mandaram seus ditadores e torturadores para a cadeia, consideraram inaceitável que um defensor da ditadura fosse recebido pelo presidente Sebastián Piñera. Deputados chilenos pediram que Bolsonaro fosse declarado “persona non grata”. O presidente do Senado, Jaime Quintana Leal, recusou-se comparecer a um almoço em homenagem ao brasileiro. “Admiradores de Pinochet não são bem vindos no Chile”, afirmou. Bolsonaro já disse no passado que o general ditador Augusto Pinochet “fez o que devia ter feito”. Ou seja: assassinar 3.000 civis.

Diante dos protestos, Bolsonaro afirmou: “Protestos assim existem onde quer que eu vá, mas o importante é que, no meu país, fui eleito por milhares de brasileiros”. Milhões, já que devemos respeitar os números. Para os brasileiros que o elegeram, a sugestão de que os ossos das mais de 200 pessoas desaparecidas do regime estão na boca de um cachorro foi – e continua sendo – aceitável. Não sentem nenhuma empatia pelos pais, mães, maridos, esposas e filhos que não têm sequer um túmulo onde chorar suas perdas. E que foram torturados por essa imagem de absoluto desrespeito. Mostram-se incapazes de compreender que um dia poderão ser os ossos de suas mães ou de seus filhos na boca do cachorro. Já os chilenos têm espanto. E têm vergonha. Vergonha por nós que aceitamos o inaceitável.

Sebastián Piñera, um presidente de direita, buscou manter distância das declarações pró-ditadura de Bolsonaro. “Essas frases são tremendamente infelizes”, afirmou. Sua posição política, como prefere, é assim definida por ele: “centro-direita mais diversa, mais tolerante, mais moderna e sintonizada com a cidadania”.

A parcela dos brasileiros que se declara “antiesquerdista” precisa compreender algo com urgência. O ponto do bolsonarismo não é ser de esquerda ou ser de direita. O que Bolsonaro faz seguidamente é apologia ao crime e incitação à violência. Isso não tem nada a ver com ser de esquerda ou ser de direita. Uma pessoa de direita, mas com decência e respeito à lei, não faz apologia ao crime nem incitação à violência. Uma pessoa de esquerda, mas com decência e respeito à lei, também não faz apologia ao crime nem incitação à violência.

Não se trata de esquerda ou de direita, mas de apologia ao crime e incitação à violência

O que Bolsonaro pratica é de outra ordem – e não é do jogo democrático. É essa diferença que o presidente chileno, reconhecidamente de direita, fez questão de marcar antes de ser contaminado pela truculência de uma ideologia com a qual não se identifica. No Brasil, infelizmente, parte da direita tem aceitado o inaceitável e demora a perceber que pagará caro por isso.

Os brasileiros adoecem também de apatia. Só assim para explicar como o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, pode fazer apologia do crime duas vezes numa só semana, assim como ameaçar e chantagear uma nação inteira, e rigorosamente nada acontecer. Ao defender a reforma da Previdência, o ministro de Bolsonaro afirmou: “O Chile lá atrás teve que dar um banho de sangue para aprovar princípios macroeconômicos”.

Os chilenos se revoltaram. Ivan Flores, presidente da Câmara dos Deputados do Chile, afirmou que as declarações de Onyx são "um desatino sem paralelo" e uma grave ofensa às vítimas da ditadura de Pinochet. “A menção deste porta-voz do presidente Bolsonaro, um personagem importante do Governo brasileiro, a um ‘banho de sangue’ no Chile, é uma afronta a todas as pessoas que perderam familiares, a todos que sofreram com as violações de direitos humanos”. O parlamentar, que também se recusou a almoçar com Bolsonaro, afirmou que acreditava jamais "ter experimentado algo parecido" antes.

Os brasileiros não se ofendem. Convivem. À direita e à esquerda, a população tem se submetido à administração do ódio praticada pelo bolsonarismo. É esta a maior derrota. Não para a direita ou para a esquerda, mas para a civilização, para que qualquer um possa dar bom dia para o vizinho sem temer ser agredido. Ou para que um estudante possa ir à escola e ter certeza que vai sair dela vivo.

À direita e à esquerda, a população tem se submetido à administração do ódio praticada pelo bolsonarismo

A cada agressão do presidente ou de sua turma, um espasmo. E outra agressão. E outro espasmo. E tudo vai se banalizando. O que é uma anomalia vira normal. Bolsonaro é sintoma dessa normalização da exceção que é muito anterior a ele. Ele soube crescer e se tornar útil dentro dela e a ampliou a níveis inéditos. Ele e sua turma sabem também usar a deformação da democracia brasileira a seu favor e, ao governar pela administração do ódio, justificar tanto a incompetência demonstrada nos primeiros três meses no poder quanto criar inimigos para se manter necessários ao país. Enquanto não arranjarem uma guerra externa, vão mantendo a guerra viva aqui dentro.

O discurso dos pesos e contrapesos é bonito, soa bem nos salões. Parece até funcionar razoavelmente bem em alguns países. No Brasil, porém, as instituições já demonstraram ser incapazes de proteger a democracia. Bolsonaro, que se elegeu fazendo apologia ao crime e incitando o ódio às minorias, é a prova mais enfática da fragilidade das instituições.

A oposição, por sua vez, submeteu-se ao jogo de guerra do bolsonarismo e parece estar dominada por ele. Como a população, a oposição parece só conseguir reagir com outro espasmo. E reagir sem organização mínima, ocupada com suas próprias brigas internas. A esquerda, e também a direita que não é bandida, precisam responder com projetos, precisam convencer as pessoas que sua ideia é melhor para a vida, precisam mostrar qual é a diferença.

A oposição está dominada pelo jogo de guerra do bolsonarismo: só sabe reagir

Como apontou a filósofa Tatiana Roque, em entrevista a este jornal, é preciso contrapor à reforma da Previdência de Bolsonaro uma outra reforma da Previdência que reforme o que precisa ser reformado, sem tornar a vida dos mais pobres ainda pior. Não adianta ficar apenas gritando contra a reforma da Previdência. É preciso, sim, fazer uma reforma da Previdência. Mas não essa que está aí. Então qual? O que as pessoas querem saber é como a vida pode ficar melhor. Parte da crise global das democracias se deve à incapacidade de democratas e de governos democráticos de tornar melhor a vida da população ou de apontar claramente como podem fazer isso.

Com instituições fracas e uma oposição sem projeto, diante de um governo em que o mais moderado é um general que já defendeu um autogolpe com o apoio das Forças Armadas, a barbárie dos dias se acentua. Tudo indica que vai piorar. Porque está piorando. A incompetência explícita do bolsonarismo faz com que a necessidade de aumentar a violência “contra todos os que não são iguais a mim”, com o objetivo de ampliar a sensação de guerra interna, também aumenta. Sem projeto consistente, o governo que aí está só pode apostar no ódio para se manter. E vai seguir apostando. O ódio não é o oposto do amor, mas sim da justiça. É justiça que Bolsonaro não quer.

O ódio não é o oposto do amor, mas sim da justiça

Os brasileiros vão precisar compreender que a democracia terá que ser defendida por cada um, se colocando junto com o outro. Às vezes só dá mesmo para gritar. Mas é preciso fazer um esforço maior para responder com projetos, com propostas, com ação que não seja apenas uma reação, mas uma alternativa que permita a vida e promova vida no espaço público. Será assim, ou não será. Não é que tenha outro. Só tem você mesmo. Com o outro.

Podemos aprender algo com a artista russa Nadya Tolokonnikova .“A ação não deve ser uma reação, mas uma criação”, ela escreveu. Nadya é uma das integrantes da banda Pussy Riot que foi presa em 2012 pelo Governo do déspota Vladimir Putin. Entre as músicas tocadas em suas intervenções de ação direta, em espaços públicos de Moscou, uma delas era: “Putin se mijou na calça”. Não há nada que os déspotas temem mais do que aqueles que riem deles. Para manter o medo e o ódio ativos é preciso banir o riso e o humor. Nadya aprendeu a rir de seus carcereiros nos dois anos em que ficou na prisão por ousar confrontar o autoritarismo do regime, provocando um movimento de solidariedade global.

“A ação não deve ser uma reação, mas uma criação”

Na abertura do livro Pussy Riot, um guia punk para o ativismo político, a artista de 29 anos parece estar escrevendo para os brasileiros que vivem sob a administração do ódio de Bolsonaro e de suas milícias digitais. O livro, traduzido para o português por Jamille Pinheiro Dias e Breno Longhi, com ilustrações de Roman Durov, será lançado no Brasil em 22 de abril, pela editora Ubu. Antes, a banda fará dois shows no Brasil, em 19 (Recife) e 20 (São Paulo).

Nadya se refere a Donald Trump, que tem Bolsonaro como um pet exótico do sul do mundo:

“Quando Trump ganhou a eleição presidencial, as pessoas ficaram profundamente chocadas. Na verdade, o que aconteceu no dia 8 de novembro de 2016 foi a ruptura do paradigma do contrato social – a ideia de que podíamos viver confortavelmente sem sujar as mãos nos envolvendo com política, de que bastava um voto a cada quatro anos (ou voto nenhum: o pressuposto de que se está acima da política) para resguardar as próprias liberdades. Essa crença – a de que as instituições estão aqui para nos proteger e zelar por nós, e de que não precisamos nos preocupar em proteger essas instituições da corrupção, de lobistas, dos monopólios, do controle corporativo e governamental sobre nossos dados pessoais – veio abaixo. Nós terceirizávamos a luta política da mesma forma que terceirizávamos as vagas de trabalho mais mal remuneradas e as guerras.

“Não dá para continuar vivendo achando que é possível não ‘sujar as mãos com a política’ ou acreditando estar acima da política”

Os sistemas atuais não conseguiram oferecer respostas aos cidadãos, de modo que as pessoas começaram a buscar soluções fora do espectro político dominante. Essas insatisfações estão agora sendo usadas por políticos de direita, xenófobos, oportunistas, corruptos e cínicos. Os mesmos que ajudaram a criar e a agravar esse cenário vêm agora nos oferecer salvação. Esse é o jogo deles. É a mesma estratégia de cortar os fundos de um programa ou uma agência reguladora dos quais eles queiram se livrar e depois usar a ineficácia resultante disso como prova de que essas iniciativas ou órgãos precisam ser desfeitos”.

Basta trocar a data para 28 de outubro de 2018, dia da eleição de Bolsonaro, e o nome do presidente. E a análise segue com alta precisão, ainda que Bolsonaro seja muito mais autoritário do que Trump e as instituições brasileiras muito mais frágeis do que as americanas.

Bolsonaro é tão tosco que até mesmo a ultradireitista Fox News achou melhor tornar explícito que não compactuava com o pensamento do antipresidente brasileiro: afirmou que os comentários de Bolsonaro sobre a comunidade LGBTQI eram “incompatíveis com os valores americanos”. Ao entrevistar o antipresidente brasileiro, perguntou diretamente sobre o assassinato de Marielle Franco e a ligação da bolsomonarquia com as milícias cariocas. Ou seja: Bolsonaro é um constrangimento mesmo nos redutos mais direitistas do país que mais ama, os Estados Unidos. Seu suposto nacionalismo, como a visita aos Estados Unidos provou, é de chorar de rir.

Em outro trecho do livro, a artista também parece falar diretamente com os brasileiros que pensam em desistir ou acham que já chegaram ao seu limite: “As condenações de ativistas políticos foram naturalizadas na opinião pública. Quando pesadelos se tornam constantes, as pessoas param de agir. É assim que a apatia e a indiferença triunfam”. Em seguida, finca as unhas: “As dificuldades e os fracassos não são razão suficiente para renunciarmos ao ativismo. Sim, porque as mudanças sociais e políticas não se dão de forma linear. Às vezes é preciso lutar por anos para obter um resultado mínimo”.

Quando pesadelos se tornam constantes, as pessoas param de agir: a apatia e a indiferença triunfam

A autoridade de suas palavras é conferida por um dos mais fortes ativismos deste século. Quase dois anos de prisão e trabalhos forçados não a fizeram recuar nem perder a ingenuidade, para ela um valor ético e também estético. “Se tivéssemos que apontar um inimigo, eu diria que nosso maior inimigo é a apatia. Se não estivéssemos de mãos atadas pela ideia de que é impossível mudar as coisas, seríamos capazes de alcançar resultados fantásticos. O que nos falta é a confiança de que as instituições podem realmente funcionar melhor e de que nós somos capazes de fazê-las funcionar melhor. As pessoas não acreditam no enorme poder que elas têm. Este poder que, por algum motivo, não usam”.

Neste momento, a novíssima geração, a que nasceu depois da geração das integrantes da Pussy Riot, está criando um movimento global espantoso. A juventude pelo clima, inspirada por uma sueca de 16 anos com diagnóstico de Asperger, colocou 1,5 milhão de estudantes secundaristas nas ruas de cidades do mundo em 15 de março para denunciar a falta de ação dos governos diante da crise climática. Oito meses antes, nada disso existia. Em agosto de 2018, Greta Thunberg fez greve da escola e se postou sozinha diante do parlamento sueco. Agora, o movimento é uma potência.

Brasileiros de todas as idades precisam aprender, pra ontem, com as gerações mais novas. É isso ou seguir condenado a assistir à queda de braço entre Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia. Sério que é este o ponto alto do debate nacional, antes de vir outro do mesmo nível ou pior? É este mesmo o nosso destino? Sério mesmo que o maior crítico da militarização do governo é Olavo de Carvalho, por motivos bem outros em sua calculada disputa de poder? E é ele o maior crítico porque parte dos que poderiam criticar a militarização do governo por motivos legítimos e urgentes começam a achar que Hamilton Mourão, o vice general, é uma graça? É assim mesmo que vamos viver, esperando o que virá depois, caso exista um depois?

Como diz a Pussy Riot Nadya Tolokonnikova, “a esperança virá dos desesperados”. Espero que ela tenha razão.

*Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum


El País: Câmara envia recado indigesto a Bolsonaro antes de analisar Previdência

Votação relâmpago de PEC encerra dia marcado pela ausência de Paulo Guedes em comissão da reforma da Previdência. Senado Bolsonaro usou a manhã para ir ao cinema

Afonso Benites, do El País

A terça-feira deveria ter sido o marco dos primeiros passos da Reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A abertura com chave de ouro para o Governo seria o ministro da Economia, Paulo Guedes, explicando aos parlamentares os detalhes da proposta de emenda constitucional enviada pela gestão Jair Bolsonaro (PSL). Uma demonstração de respeito ao Parlamento. Mas, avaliando o clima político desfavorável após os bate-bocas das últimas semanas e notando que a oposição se preparava para uma série de questionamentos, Guedes se negou a debater com os deputados. Foi chamado de "fujão" pelos opositores. O ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, fez uma reunião para tentar mostrar articulação com as lideranças partidárias. Enquanto isso, em seu gabinete, Guedes se reuniu apenas com representantes do PSL para tentar afinar o discurso.

Mas nem isso salvaria o enredo da terça. O Governo Bolsonaro viu a Câmara aprovar em dois turnos e em votação relâmpago um projeto capaz de engessar o Orçamento da União e torná-lo impositivo. Atualmente, o Executivo tem uma margem de manobra sobre o orçamento aprovado pelo Legislativo. Caso essa proposta, uma "pauta bomba" apresentada ainda contra Dilma Rousseff, seja aprovada no Senado também em dois turnos, a gestão federal teria menor controle sobre a destinação de seus recursos. Por consequência, os parlamentares teriam maior controle sobre esse dinheiro.

Outra agenda
Ainda pela manhã, enquanto o ministro Guedes anunciava que não participaria da audiência pública na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça da Câmara), o presidente Bolsonaro ia ao cinema em um shopping de Brasília em uma agenda extraoficial. Acompanhado da primeira-dama, Michele Bolsonaro, e da ministra das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, assistiu à pré-estreia do filme Superação – O milagre da fé. Na plateia também estavam pessoas surdas de associações que são apoiadas pelo ministério e pela primeira-dama. Foi uma sinalização importante de prestígio à Damares, a quem ele disse recentemente que trabalhava em uma pasta menos importante do que as demais. Foi lido também, no entanto, como um descolamento do assunto mais quente na capital federal, as mudanças nas aposentadorias.

Guedes até enviou o seu secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, para falar com os congressistas na CCJ, mas lá não quiseram ouvi-lo. Chegaram a sugerir a votação de uma convocação do ministro – um ato que obrigaria o chefe da economia a comparecer ao Congresso. Mais tarde, amenizaram o tom e decidiram dar mais uma semana de prazo a ele.

Ainda assim, foi um termômetro das dificuldades. Até a oposição, que soma 133 dos 513 deputados, teve um raro ato de união. Assinou um manifesto contrário à reforma. “Lutaremos para impedir que essa proposta seja aprovada. Se for aprovada, vai agravar a principal chaga do Brasil, que é a desigualdade social e, por isso, não a toleramos”, afirmou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ).

Por outro lado, líderes de 13 partidos, que representam 291 parlamentares, anunciaram que apoiarão a proposta de Bolsonaro, desde que sejam excluídas as alterações que atingem a aposentadoria rural e o benefício de prestação continuada (BPC). O manifesto teve o apoio informal de Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do Legislativo que alertou Bolsonaro diversas vezes sobre a falta de articulação com o Congresso. “Há uma campanha insidiosa feita nas redes sociais de que estamos promovendo uma reforma da Previdência que vá prejudicar as pessoas mais pobres. Com esse manifesto queremos mostrar que não vamos fazer nada que possa afetar essas pessoas”, alertou o líder do DEM, Elmar Nascimento. Com o que Maia concordou. “É uma boa iniciativa. Os dois temas têm mais atrapalhado do que ajudado a discussão da reforma da Previdência. O BPC e a aposentadoria rural não são os maiores problemas da Previdência”.

Após se reunir com representantes de 12 partidos que teoricamente são da base governista, o ministro Onyx minimizou a ausência de Guedes e os embates do dia. Disse ainda que o seu colega na esplanada só não compareceu porque ainda não definido o relator da PEC na comissão. “Hoje veio aqui a equipe técnica, estão todos disponíveis. E no momento que o relator [da CCJ] for definido, vem o ministro Paulo Guedes, vem quem o parlamento quiser. O nosso propósito é um só, recuperar o Brasil”.

Os próximos dias serão de diversas conversas para afinar o discurso. Além da CCJ, a Comissão de Finanças da Câmara também cogitava convocar Guedes. Seguem em compasso de espera.


El País: A guerra de todos contra todos no Governo Bolsonaro

Com chamado aberto à comemoração do golpe de 1964, presidente dobra sua aposta na polarização política

O Governo Jair Bolsonaro entrou em uma espiral de ataques internos. Nas últimas duas semanas, há uma espécie de todos contra todos. Apoiadores criticam ministros, aliados reclamam de assessores, deputados minimizam a atuação de membros da Esplanada dos Ministérios. Um parlamentar que se elegeu na esteira presidencial diz ser pesona non grata no Palácio do Planalto, líder do PSL reclama da reforma da Previdência, números 2 e 3 de pastas relevantes caem dos cargos ou são boicotados e, por fim, o ideólogo do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho, mira sua “metralhadora verbal” para vários lados e a confusão já fez várias baixas no Ministério da Educação. Nesta segunda, quem pediu para sair foi a secretária de Educação Básica ,Tania Leme de Almeida. Não sobra quase ninguém fora dos ruídos. E a gestão ainda não completou nem três meses.

O epicentro de tudo, porém, segue no Congresso, onde o conflito público tem como protagonistas nada menos do que os dois chefes dos Poderes, Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). É lá que o bolsonarismo ainda tem de provar que é capaz de fazer o Governo andar. Maia, que ocupa um cargo estratégico pelo comando da agenda no Legislativo, falou, no fim de semana, que o Executivo é um “deserto de ideias”, sinalizou que está deixando a articulação pró-reforma da Previdência, cobrou o empenho do presidente, afirmando que ele deveria sair do Twitter. Bolsonaro dobrou a aposta. Disse não entender a razão de estar sendo atacado, afirmou que a reforma, agora, é de responsabilidade do Congresso Nacional, e voltou a dizer que não se entregará à “velha política”, que é definida por ele como uma troca de emendas e cargos comissionados por votos.

O que tem deixado esses ataques ainda mais evidentes são as redes sociais, o principal canal de comunicação do Governo desde a campanha eleitoral. Apesar das alfinetadas de Maia, o presidente não parece nem um pouco disposto a descer deste palanque. Pelo contrário. Já encomendou o ultraje político da semana, ao enviar pelo porta-voz do Planalto, Otávio Santana do Rêgo Barros, uma mensagem. A ordem, explicou Rêgo Barros nesta segunda, é que o Ministério da Defesa faça em 31 de março para as "comemorações devidas" para os 55 anos do golpe militar de 1964, que iniciou a ditadura que matou e torturou adversários políticos e minorias e vetou eleição direta para presidente.

A exaltação explícita do período militar por um presidente é algo inédito desde a redemocratização, mas não é uma surpresa vinda de Bolsonaro, que cita como herói um coronel reconhecido pela Justiça como torturador no regime. Seja como for, fazer disso um ato de Governo potencializa ainda mais o clima de polarização política que mantém ativado boa parte de seus seguidores: "As pessoas que querem Bolsonaro longe das redes sociais sabem que é isso que o conecta com o povo, já que não tem mídia a seu favor", escreveu Carlos Bolsonaro, vereador e influenciador da vida digital do pai. "Foi isso que garantiu sua eleição, inclusive. Em outras palavras, o querem fraco e sem apoio popular pois assim conseguiriam chantageá-lo", seguiu.

É também pelas redes sociais que outras alas do bolsonarismo disputa holofotes. No Twitter, a líder do Governo no Congresso, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), criticou um colega, Kim Kataguiri (DEM-SP), líder do direitista Movimento Brasil Livre e apoiador da reforma previdenciária. Kim chamou os deputados do PSL de incoerentes. Joice disse que Kim era oportunista. Ao que ele respondeu que ela mudou de lado entre a eleição e a escolha de Maia para presidir a Câmara. Ainda a provocou citando Carlos Bolsonaro, o filho do presidente que é vereador e tuiteiro no Rio de Janeiro: “Quer seguir o Carluxo e afundar o Governo no Twitter também”? Joice caiu na provocação e respondeu chamando Kim, um dos mais jovens deputados, de moleque e de biruta de aeroporto. “Pega a chupeta e vai nanar, neném. Deixa os adultos trabalharem”.

“As redes ajudaram muito na eleição, mas, do jeito que estão sendo usadas, só atrapalham. Faltam conselheiros ao redor do presidente para dizer que o momento é de governar”, avaliou o líder do PSL, o deputado Delegado Waldir. Ele é um dos congressistas descontentes com a reforma, diz que quem distingue os novos parlamentares dos velhos faz “bullying político” e cobra cargos para que todos os aliados se sintam prestigiados pelo presidente. “O deputado, o senador, quer se sentir parte do Governo”.

Sobre essa troca de cargos por apoios, uma representante da autodenominada “nova política”, a deputada Bia Kicis (PSL-DF), vice-líder do Governo no Congresso, queixou-se. “As pessoas têm de entender que vivemos um novo momento. Esse troca-troca já era”. Ao defender Bolsonaro, diz que ele já fez tudo o que precisava ser feito. “Esteve duas vezes na Câmara para entregar as reformas, envia técnicos para debater o assunto e esclarece tudo o que precisa esclarecer. Agora, a responsabilidade é nossa, dos deputados.”

Foi também nas redes sociais que apoiadores de peso, como o pastor evangélico Silas Malafaia, líder da igreja Assembleia de Deus, reclamou de Olavo de Carvalho. Há pelo menos uma semana os dois batem boca sobre a influência que cada um teve na eleição de Bolsonaro e sobre o rumo que ele deveria dar à sua gestão.

Ainda no universo virtual, o deputado federal Alexandre Frota (PSL-SP) se queixou de ter entrado no rol de pessoas que não são bem-quistas na sede do Executivo, simplesmente por defender que o primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), se afastasse do cargo para se defender de investigações policiais/judiciais que pesam contra ele. Frota ainda mirou contra Carvalho e um pupilo dele, o assessor internacional da presidência Filipe Martins. O escritor é batizado por ele de “eremita da Virgínia”, Estado norte-americano onde ele vive, enquanto o assessor é apelidado “louro José”.

Carvalho, que indicou dois ministros para Bolsonaro e um punhado de ex-alunos, já reclamou do vice-presidente, o general Hamilton Mourão, e de outros membros do primeiro escalão, principalmente os militares. Xingou Mourão de “idiota” e “estúpido”. Afirmou os representantes da Forças Armadas têm mentalidade golpista e são um “bando de cagões”. O último a rebater o ideólogo foi o general e ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto Santos Cruz. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo disse que ele é desequilibrado. “Por suas últimas colocações na mídia, com linguajar chulo, com palavrões, inconsequente, o desequilíbrio fica evidente”.

O jogo no Congresso e o diesel
A guerra de todos contra todos é capaz de paralisar setores da máquina, como o próprio Ministério da Educação. Mas o principal jogo, que concentra a atenção dos investidores e de grandes empresários que apoiaram o bolsonarismo, é a reforma da Previdência. Na tarde desta terça-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, estará na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara para sanar dúvidas dos parlamentares. É o primeiro encontro do ministro com os congressistas que ele tem de convencer a apoiar as mudanças nas aposentadorias dos civis e dos militares – esta última mais controversa, por atrelar mudanças que beneficiam a carreira. Hoje, pelas contas de analistas e de diversos deputados, o Governo teria menos de um terço dos 308 votos necessários para aprovar a reforma no plenário da Casa.

A ida de Guedes à Câmara será um termômetro para saber quais as chances de Bolsonaro aprovar sua reforma ainda neste primeiro semestre, como almeja. Enquanto isso, há sinais que inspiram cuidados também fora de Brasília. O preço do diesel voltou a subir e, com o fim do programa de subsídios criado após a greve de caminhoneiros em 2018, a alta já começa a inquietar a categoria. "Com relação a eventual greve dos caminhoneiros, nosso presidente vem acompanhando as dificuldades que essa classe vem sofrendo ao longo dos anos e tem se colocado disponível para avançar nas soluções", disse o porta-voz.


El País: “O problema da esquerda não é a pauta dita identitária, mas sim a lacração”, diz Tatiana Roque

Para filósofa e matemática, campo progressista deve se opor à reforma da Previdência de Bolsonaro apresentando seu próprio projeto. Defende que a renovação deve vir a partir dos municípios

Por Felipe Betim, do El País

No ano passado, a filósofa e matemática Tatiana Roque, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), decidiu se filiar ao Partido Socialismo Liberdade (PSOL) e se candidatar a deputada federal pelo Rio, conseguindo 15.789 votos. Não foi o suficiente para entrar na Câmara dos Deputados. De volta a vida acadêmica, Roque agora ajuda a articular um movimento transversal de pessoas independentes que não se encaixam ou não identificam com as correntes de partidos como o PT e o próprio PSOL, mas que querem fazer política e ter propostas progressistas concretas. "Muitos expressam vontade de fazer trabalho de base. A experiência do 'vira voto' [às vésperas da eleição de Jair Bolsonaro] foi muito marcante para todo mundo. Eram pessoas que estavam afastadas da política. E elas vão fazer política onde agora? Como?", explica Roque em entrevista ao EL PAÍS. O principal foco, acredita, é reconstruir a esquerda, derrotada nas últimas eleições pelo ultraconservador Bolsonaro, a partir das eleições municipais de 2020.

Pergunta. O que você destacaria de positivo e negativo na reforma da Previdência?
Resposta. Antes de fazer uma discussão técnica, há uma discussão política. Ela precisa ser pensada num contexto político muito especifico. Existe um campo liberal que realmente não está interessado em combater os privilégios, mas em diminuir os direitos. Fez uma aliança com o Governo Bolsonaro, o que há de mais retrógrado e antidemocrático, para empurrar essa reforma. Independentemente de pontos que sejam pertinentes, como a idade mínima, que diz respeito a uma mudança demográfica e que é consenso, tem esse problema político. A reforma é fruto de uma aliança entre uma força ultraliberal representada por Paulo Guedes, que quer fazer não só essa como várias reformas que vão no sentido de diminuir o estado de bem-estar social, e uma força ultraconservadora antidemocrática.

P. Em outra entrevista, no auge do Governo Temer, você afirmou que a esquerda deveria ter um projeto de reforma da Previdência, mas que aquele Governo era ilegítimo. Bolsonaro chegou pelas urnas. A esquerda deve se opor a uma reforma mais uma vez, ou negociar no Congresso?
R. Uma coisa não anula a outra. A esquerda deve ser uma oposição radical a um Governo radical. O que eu dizia e continuo dizendo é que a esquerda tem que fazer oposição a essas reformas ultraliberais tendo um outro projeto de reforma da Previdência. Isso foi inclusive apontado pelo Nelson Barbosa [ex-ministro da Fazenda do Governo Dilma Rousseff]. Agora, é claro que, na ação parlamentar, você deve tentar diminuir aqueles pontos mais prejudiciais para os mais pobres, como as mudanças no Benefício da Prestação Continuada (BPC), na aposentadoria rural... Existem mudanças claramente prejudiciais aos mais pobres e acho que existe uma aliança mais ampla contra esses pontos. E é claro que a esquerda deve se unir a esse bloco parlamentar e negociar junto. Mas, de um modo geral, como força de oposição, deve ser contra. Mas deve ter um projeto próprio.

P. Isso parece estar longe de acontecer...
R. Vai ter que caminhar junto com uma renovação da esquerda. Ela está numa fase de mutação, passando de uma fase de hegemonia do PT para uma fase em que varias forças estão disputando essa hegemonia. O PSOL está em boas condições de disputar essa hegemonia, mas esse projeto só vai ser possível assim que essa esquerda conseguir se renovar e renovar seu quadro institucional. É natural que, nesse processo, a ação seja mais de resistência. Precisamos passar urgentemente dessa fase, com projetos mais afirmativos. E não acho que serão, em um primeiro momento, projetos nacionais. A tendência, e foi assim na história do Brasil, é que a esquerda comece a firmar seus projetos mais positivos no âmbito local.

P. Isso tem a ver com o conceito de municipalismo que você vem trabalhando? O que significa?
R. Existe uma tendência internacional, em países como Espanha e Bolívia, em dar maior poder aos municípios, tanto do ponto de vista da gestão como da arrecadação e do desenvolvimento econômico. Mas, sobretudo, do ponto de vista do aprofundamento da democracia, no sentido de torná-la mais participativa e menos representativa. Trata-se de buscar os mecanismos que podem nos fazer sair dessa crise da democracia representativa. E podemos tanto utilizar experiências do passado como propor experiências novas. A instância que permite fazer isso é o município. É uma instância que favorece a participação, o controle social, a transparência e as políticas participativas. Focar nos municípios é o caminho mais efetivo para renovar a esquerda.

P. No Brasil isso passa por rever o pacto federativo?
R. Exatamente. O Brasil tem um problema: a Constituição de 88 teve um grande avanço ao dar mais autonomia aos Estados e municípios, mas isso não se traduziu em uma descentralização orçamentária que acompanhasse a execução das políticas. Muitas responsabilidades foram transferidas sem uma contrapartida orçamentaria, sendo que a capacidade de arrecadação própria é pequena. Isso gera aquelas missas de prefeitos e governadores indo pedir mais e mais para a União. Também acho que existe uma cultura em não se investir em desenvolvimento econômico local, a partir de suas vocações territoriais.

P. As eleições de 2020 são um ponto de partida?
R. Totalmente, acho que precisamos investir muito nisso, não só no PSOL. Esse tipo de construção na esquerda tem uma longa tradição na história do PT, que começou a ocupar governos locais e a se distinguir por um modo singular de governar, o modo petista de governar. A experiência do Orçamento participativo é tida como referência de aprofundamento da democracia e de experimentação de mecanismos participativo no mundo inteiro. Mas essas experiências tão inovadoras implementadas pelo PT foram deixadas de lado pelo próprio PT. Isso faz parte dessa mudança que o PT teve quando foi para o Governo Federal, em que as políticas locais se tornaram secundárias, fazendo com que o partido aderisse a práticas de governo viciadas e clientelistas que interromperam esse caminho de renovação. O grande dilema que temos é como renovar a esquerda a partir dessas práticas renovadoras sem cair nos vícios dos governos petistas.

P. O PT demorou 20 anos para chegar ao poder federal. A esquerda pode demorar tudo isso para voltar?
R. A reconstrução não vai ser rápida. Se nesse meio tempo vamos a um Governo Federal não dá para saber. A situação está muito aberta, muitos não esperavam a eleição de Bolsonaro. Seria bom que a esquerda estivesse preparada para voltar, mas isso depende de uma reorganização dessas forças muito mais difícil e imprevisível de se fazer. Devemos investir agora, principalmente no caso do PSOL, que está mais bem posicionado para isso, nessas experiências de governo locais. No Rio, talvez com Marcelo Freixo candidato, vamos fazer esse debate.

P. As chamadas questões identitárias parecem não ter apelo junto a setores populares. Como acha que a esquerda deve abordar essas pautas?
R. Não é que as ditas questões identitárias não tenham apelo popular. Acho que o modo como muitas vezes a luta é travada chega a população de um jeito distorcido. É menos a pauta dita identitária que o modo lacrativo de se fazer política. Essa cultura da lacração está atrapalhando não só as pautas identitárias, está atrapalhando geral. Se a gente tiver propostas concretas de políticas públicas voltadas para as mulheres, por exemplo, acho que teria receptividade na população mais pobre e na despolitizada. O problema é como abordar isso. Elas precisam ser abordadas dentro de um trabalho político mais amplo, que não seja só essa disputa de marcação de posição.

P. A esquerda perdeu conexão com a classe trabalhadora?
R. A esquerda tem a concepção de que o agente da transformação é baseado nessa ideia de trabalhador, que é uma ideia muito homogeneizante. Isso continua existindo, apesar de o trabalho ter mudado. Só que os grupos que se organizam para melhorar suas condições de vida não se organizam mais em função de categorias tão homogeneizantes. Os modos de vida, as experiências, as sensibilidades se tornaram muito mais importantes ao se inserir num coletivo. Não à toa vemos tantos coletivos feministas, negros, LGBTs, de legalização das drogas, de ambientalistas... Os coletivos se organizam mais em função daquilo que os afeta de modo singular. Muito mais do que uma categoria de trabalho. As pessoas são trabalhadoras de jeitos tão diferentes que não necessariamente vão se identificar pelo fato de serem trabalhadoras. O movimento dos Coletes Amarelos, na França, é um ótimo exemplo. Trouxe uma série de atores invisíveis. A esquerda tem que estar muito atenta porque esses atores estão demandando atenção. E a esquerda tem que se abrir para isso. A greve dos caminhoneiros foi isso. No Brasil temos uma enorme categoria de jovens nem nem, que nem estudam nem trabalham. Se a esquerda não fala com elas, algo está errado. Um projeto de Previdência tem que dar proteção para essas pessoas que têm trabalho informal, situação de vida instável, intermitente... E a proposta não pode ser pleno emprego, porque isso não é muito realista.

P. O que aprender com a nova esquerda norte-americana?
R. Precisamos de uma mudança econômica de fundo, e essa nova esquerda americana vem falando muito no Green New Deal. É algo fundamental, porque por trás de Trump está o negacionismo climático. Então a oposição a ele também deve focar nisso, tem que levar a sério o aquecimento global e as limitações ecológicas. As mudanças econômicas têm que ser pensadas a partir disso.

P. Como isso poderia ser aplicado no Brasil?
R. Existe uma esquerda brasileira com uma visão muito industrializante, que acha que a solução para o desenvolvimento econômico é industrializar, e a partir disso criar emprego e resolver as questões sociais a partir do emprego. Tudo bem, acho que um país como o Brasil, que tem pouca indústria, precisa fazer isso. Mas principalmente fazer isso com um modelo produtivo mais tecnológico, não uma industrialização atrasada —e não vai criar emprego suficiente pra resolver o problema social. Acredito cada vez mais que esse outro modelo tem que partir da limitação ecológica, encarando com seriedade o problema das mudanças climáticas. Não adianta um projeto econômico baseado em commodities e mineração que afete o meio ambiente e leve a um desastre como o de Brumadinho. Não dá mais. E isso tem a ver com o municipalismo, porque a partir das iniciativas de desenvolvimento econômico local, de economias territoriais, é mais possível desenvolver alternativas que em escala nacional. E aí tem duas vias fundamentais: uma é a questão dos cuidados, uma proposta de trabalho e proteção social baseado numa economia dos cuidados, que cuide desse problema e crie postos de trabalho voltados para isso, já que é uma tendência mundial; outra coisa é a questão dos bens comuns, como a água, a energia.... Essa gestão dos bens comuns com uma preocupação ecológica é uma outra tendência que a gente tem que incorporar nesse modelo municipalista. Tem a ver também com saneamento básico, que é um ponto terrível e que o Brasil não consegue fazer.

P. Vê riscos para a democracia?
R. Estamos vivendo uma fragilização em várias camadas. Do ponto de vista econômico, é um ataque ao estado de bem-estar social, que é o que temos de democracia mais efetiva no mundo. Acho que isso é o mais grave para a democracia. É uma tentativa de fazer com que áreas do bem-estar social passem a fazer parte de um campo de acumulação de capital. A questão da capitalização da Previdência é isso, a privatização da saúde e educação é isso. O SUS é referência mundial, a educação universal pública precisa melhorar qualidade e a gestão, mas o modelo a gente conseguiu implementar. Não é andando pra trás que vamos resolver.

Também temos que estar atentos porque a democracia não se fragiliza com práticas ditatoriais, mas com mecanismos antidemocráticos sendo inseridos dentro das instituições democráticas e dentro das leis. Por isso, muitas vezes não reparamos como sendo antidemocráticos. É o que Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, chama de "democracia iliberal". Trata-se de minar as instituições da democracia liberal por dentro.

P. Como responder a essas ameaças?
R. Existe uma demanda por mais participação, por um aprofundamento da democracia que foi deixada nas mãos das elites e econômicas, e as pessoas não se sentem participando após o momento do voto. Muitas decisões que afetam a população são tomadas por uma tecnocracia, uma elite de experts que não é eleita. Isso é algo aprofundado pelo neoliberalismo. Dá a sensação de que não importa em quem você vote, vão ser sempre essas pessoas que tomam decisões. O maior exemplo é a União Europeia. O ápice foi quando os gregos votaram 'não' no plebiscito sobre o ajuste, mas o Governo fez o contrário porque era uma determinação da troika [Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional]. No Brasil, muitos votaram em Bolsonaro por protesto, de saco cheio de tudo. Temos que ter uma resposta para isso.

P. Que tipo de resposta?
R. Não temos instituições de controle, de acompanhamento, de accountability, de transparência entre as ações de quem elegemos e a população. Votamos e depois acabou. A solução para isso não é um incentivo ao nacionalismo. Precisamos inventar novas instituições democráticas. Quando os livros que estão aí falam em "fim da democracia", acho que isso significa um esgotamento de uma forma de democracia que vivemos desde o fim de Segunda Guerra. Não é o fim, é a necessidade de pensar em inovações democráticas, mecanismos democráticos que respondam a esse anseio da população e que faça que tenha um engajamento com as decisões e políticas.

P. Durante a campanha o PSOL falou muito em realizar referendos. Acredita que a democracia direta é o caminho?
R. Existe uma idealização do uso do referendo como forma de aprofundamento da democracia. Não sei se é via referendo que vamos deixar mais direta a democracia. Acho que podemos pensar em novas instituições que vão além da temporalidade do voto, instituições que mantenham uma participação contínua. Por isso gosto das experiências participativas que se dão nas esferas locais, como foi o caso dos Orçamentos participativos no Brasil.


Resíduos de Brumadinho já matam os peixes do rio São Francisco

Dados da Fundação S.O.S. Mata Atlântica mostram que alguns trechos do Velho Chico já estão com água imprópria para uso da população . Concentração de ferro, manganês, cromo e cobre estão acima dos limites permitidos por lei

Um dos maiores temores dos ambientalistas depois do rompimento da barragem da Vale Córrego do Feijão, em Brumadinho, no dia 25 de janeiro, concretizou-se: os rejeitos da barragem já contaminaram o rio São Francisco. Os dados recolhidos pela Fundação S.O.S. Mata Atlântica —que monitora o impacto ambiental da tragédia através de uma expedição pelo rio Paraopeba (afluente do Velho Chico)— mostram que alguns trechos do Alto São Francisco já estão com água imprópria para uso da população.

Ribeiro explica que "o medo é que aconteça o mesmo que ocorreu com o rio Doce no desastre de Mariana": em novembro de 2015, o rompimento de duas barragens da mineradora Samarco gerou um tsunami de rejeitos, matou 19 pessoas e deixou um rastro de destruição ao longo de mais de 600 quilômetros da Bacia do Rio Doce, até o litoral do Espírito Santo. "Depois de percorrer 120 quilômetros no Alto São Francisco com pescadores locais, observamos muitos trechos com perda de fauna aquática. As aves também desapareceram do entorno", lamenta a pesquisadora.

Os dados da S.O.S Mata Atlântica mostram que o Reservatório de Retiro Baixo está segurando o maior volume dos rejeitos de minério que vem sendo carreados pelo Paraopeba. Mas, apesar das medidas tomadas, os contaminantes mais finos estão ultrapassando o reservatório e descendo o rio. Segundo Ribeiro, apesar de não conter rejeitos de minério pesado, essa pluma contaminante representa um risco para a população. "Como a cor do rio não mudou em alguns trechos, os ribeirinhos podem ter a falsa sensação de segurança em relação à sua qualidade. Os pescadores mais experientes já deixaram de pescar nesses locais, mas os leigos ainda podem consumir a água sem conhecer o perigo. É um conta-gotas de veneno".

A pesquisadora explica que há possibilidade de limpeza do São Francisco, mas que isso vai depender da capacidade dos reservatórios de Três Marias e Retiro Baixo, que devem funcionar como barreira para conter os rejeitos mais pesados, e de um plano das autoridades para recuperar as nascentes da região. "É um processo que pode levar décadas", afirma Ribeiro. Ela e companheiros da ONG entregaram o relatório à Câmara dos Deputados e ao Ministério Público na quarta-feira e pretendem retomar a expedição para conversar com os ribeirinhos. "Nosso objetivo é levar respostas e instrumentos para as comunidades que não estão sendo informadas dos riscos que correm", diz a especialista.