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El País: “Ficou difícil para a oposição se opor à reforma da Previdência”, diz Marcelo Ramos

Presidente da comissão que avalia o projeto de mudança nas aposentadorias critica governo Bolsonaro e diz que a Câmara "carregou nas costas todas as etapas do projeto"

Presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência, o deputado amazonense Marcelo Ramos, de 45 anos, é uma espécie de camaleão político. Já esteve em dois partidos que fazem oposição ao Governo Jair Bolsonaro (PSL), o PCdoB e o PSB. Trabalhou no Ministério dos Esportes no Governo Lula da Silva, foi vereador, deputado estadual e candidato derrotado à prefeitura de Manaus e ao Governo do Amazonas. Desde que foi eleito deputado federal pelo PL, contudo, decidiu não transitar nos extremos políticos. Afirma querer ser um conciliador em busca de certo protagonismo nacional.

Nesta semana, Ramos conseguiu um feito incomum: entrou em acordo com os opositores à reforma para que eles não obstruíssem o andamento dos trabalhos na fase de debates do relatório. A obstrução é um artifício do regimento da Câmara usado para atrasar votações ou discussões, como  pedidos de adiamentos ou de leitura de atas. A leitura do relatório, feito por Samuel Moreira (PSDB-SP), ocorre na manhã desta quinta-feira. A estimativa é que a votação do documento na comissão deva ocorrer após o dia 25 de junho. E, no plenário da Câmara, na primeira ou segunda semana de julho.

Na entrevista que concedeu nesta quarta-feira a EL PAÍS, Ramos disse que pontos polêmicos do projeto enviado ao Congresso por Jair Bolsonaro —como retirar a Previdência da Constituição, instituir um sistema de capitalização, alterar aposentadorias rurais e o benefício de prestação continuada— deverão ficar de fora do relatório de Moreira, conforme acordado com as lideranças partidárias. Por essa razão, o discurso dos opositores contra a nova Previdência cairia por terra.

Pergunta. Você é a favor da reforma da Previdência? Por quê?
Resposta. Defendo a reforma da Previdência porque entendo que nenhum país é sustentável se o Estado não cabe dentro do Orçamento. A Constituição de 1988 criou um Estado muito maior do que o orçamento. De lá pra cá, o Estado só cresceu e o Orçamento não cresce na mesma proporção, criando um absurdo desequilíbrio das contas públicas de um Estado que gasta mais do que arrecada. Para enfrentar esse problema, temos três caminhos: um é pensar só na nossa geração e comprometer o futuro das próximas gerações, acho que não é um bom caminho; o segundo seria aumentar imposto, para aumentar o tamanho do Orçamento, mas o Brasil não aguenta mais imposto. Portanto, só sobra um caminho responsável que é o de cortar despesa, e a Previdência é uma dessas despesas porque ela paga em benefício muito mais do que arrecada em contribuições. Penso que esse é um desafio inicial para equilibrar as contas públicas e para que o país tenha estabilidade econômica.

P. De que maneira os vazamentos envolvendo o ministro Sergio Moroimpactaram no Legislativo? Podem atrapalhar a tramitação da reforma?
R. Entendo que a pauta econômica tem de ser blindada. Tenho feito todo esforço para isso. Não é justo que o investidor que quer segurança para investir no Brasil, o empresário que está preocupado com o negócio dele diante dessa grave crise econômica, o trabalhador que está com medo de perder o emprego, sejam responsabilizados pelas crises políticas. A despeito da gravidade dos acontecimentos, esses vazamentos envolvendo o ministro não devem contaminar a reforma da Previdência.

P. Sobre a comissão da reforma, qual é o procedimento que foi acordado com as lideranças para a análise do relatório?
R. Na quinta-feira será feita apenas a leitura. Nas próximas quatro ou cinco sessões, a depender do número de inscritos, não haverá obstrução por parte da oposição desde que o Governo não tente encerrar as discussões —que é uma possibilidade regimental. Então, todos que se inscreverem, terão direito à fala. Isso vai prolongar um pouco o tempo do debate, mas não teremos aquela obstrução que ridiculariza o Parlamento, que é a obstrução de leitura de ata, de uma hora discutindo a leitura da pauta. Vamos evitar um constrangimento para o parlamento, mas teremos uma discussão de mérito, em que os parlamentares dirão se são a favor ou contra um tema tão sensível. Ganha a sociedade, ganham os parlamentares e a Câmara, que dará um sinal da maturidade à sociedade, que vai discutir uma matéria polêmica, sem baixaria.

P. Você confia que será realmente assim?
R. Sim, absolutamente. Tem sido assim até pelo voto de confiança que os deputados têm dado a minha condução, que tenho procurado ser equilibrado e democrático. Acho que temos um clima de confiança e um clima mais sadio para debater essa matéria.

P. Essa reforma da maneira como tem sido alterada, ainda é a reforma do Governo?
R. Hoje ela tem muito mais a cara da Câmara, porque foi a Câmara que carregou nas costas todas as etapas desse projeto.

P. Por que faz essa avaliação?
R. Porque o Governo tem muita dificuldade no trato com o Parlamento. Há um desapreço grande com as instituições democráticas, o que é da trajetória política do presidente Bolsonaro. Isso reflete na forma como ele enxerga os outros Poderes. Ele acha que porque teve 57 milhões de votos pode fazer tudo sem ouvir ninguém. O presidente e parte de sua base não conseguem perceber que tão legitimado quanto ele está o Parlamento. Talvez, o Parlamento esteja ainda mais legitimado porque representa também as minorias que perderam a eleição. E o país é um país de todos, não só dos eleitores do Bolsonaro.

P. Chama a atenção essa falta de apreço após 28 anos de mandatos na Câmara?
R. Ele ficou 28 anos às custas do Parlamento defendendo que o Parlamento fechasse, defendendo ditadura. Então, não é de se estranhar. Uma coisa você não pode negar: ele é coerente. Coerente com as teses dele, que na minha opinião, contrariam o avanço civilizatório. E há duas questões que há um acordo para retirar do relatório que eram os pilares da proposta do ministro Paulo Guedes: a capitalização e a desconstitucionalização da Previdência. Tirando isso, a reforma perdeu a lógica do que o Governo queria.

P. E Benefício de Prestação Continuada (BCP) e dos trabalhadores rurais. Estarão fora da proposta?
R. Vão cair porque 14 partidos já se manifestaram contra.

P. Estados e municípios, seguem na proposta?
R. Pelo que vem sendo costurado, não. Estados e municípios saem do relatório para que não haja tensão na aprovação do relatório na comissão. Mas, no Plenário, deverá haver um destaque para incluir novamente os Estados e municípios. Aí, vai à votação e tem de conseguir 308 votos.

P. Mas os 27 governadores estavam pedindo para ficar. Isso não é levado em conta?
R. Eles pediram para ficar. Agora está havendo uma atitude mais colaborativa, diferente da atitude atrapalhada que tiveram no início, de tentar enquadrar o Parlamento. O problema é que isso ainda gera tensões entre os deputados por conta de questões regionais. Por isso, a comissão vai votar o relatório sem Estados a municípios. Não poderíamos correr o risco de derrubá-lo por esses tópicos.

"O Governo tem muita dificuldade no trato com o Parlamento. Há um desapreço grande com as instituições democráticas"

P. Vocês contam com votos da oposição para aprovar a reforma?
R. Acho que ficou difícil para os opositores manterem o nível de oposição que faziam à proposta. Durante todo o processo a oposição atacou as propostas que tratavam do BPC, trabalhadores rurais, da idade dos professores, desconstitucionalização e capitalização. São cinco itens que tendem a cair. Ou a oposição vai ter de aprovar a proposta ou vai ter de criar uma nova narrativa para se dizer contra. Todos os tópicos arguidos por ela durante o processo de debate devem ser modificados no relatório, conforme foi acordado.

P. E qual é a previsão de economia?
R. Não tenho certeza. Mas acho que chega de 850 bilhões a 900 bilhões. Tirando rurais, professores e BPC, ainda chega a 1,1 trilhão de reais. O Governo esperava 1,240 trilhão. Você tem uma regra de transição que deve ter um custo no regime geral da Previdência, e o resto no regime próprio. Acho que é possível chegar em 850 bilhões. No fundo, vamos entregar para o Governo mais do que ele queria. Na proposta do Governo, teria um custo de 400 bilhões como custo de transição da capitalização. O país vai receber mais do que o Governo pediu.

P. Você tem se queixado da postura do Governo, em vários momentos. Quais são suas principais críticas?
R. A principal é a falta de uma agenda. Você ganha uma eleição negando alguma coisa, mas não governa negando alguma coisa. Para governar você tem de ter uma agenda para o país, e esse Governo não tem. Fora o desapreço pelas instituições e pelas regras democráticas.

P. Em algum momento o Governo consegue mudar essa situação?
R. Acho que é difícil porque é da formação pessoal e de visão do mundo do presidente Bolsonaro. Mas acho que é possível. Eu comparo esse primeiro momento do Governo Bolsonaro com o primeiro momento do Governo Lula. No seu primeiro ano o Lula estava refém dos radicais à esquerda e ele só começou a governar quando tirou o pessoal e deu uma guinada ao centro. Se quiser governar, o Bolsonaro terá de se afastar desses radicaloides conservadores dele, não são liberais, e dar uma guinada a um diálogo melhor com o centro. Acho que, em algum momento, vai viver isso. Se não viver, vai ser um Governo de crises eternas.

P. Em algumas áreas, há quem aponte avanços. Infraestrutura é um deles. O senhor discorda dessa análise?
R. O Governo tem um estalo de lucidez em infraestrutura, não tem como não reconhecer isso, a despeito de eu não ter uma boa relação com o ministro Tarcísio [Freitas]. Ele é alguém que sabe o que quer. A economia tem um plano, apesar de eu discordar de muitas coisas.

P. Do que discorda na economia?
R. De vários aspectos. Eu torço para o Brasil ser o primeiro case de sucesso da escola de Chicago porque em todo lugar que ela passou, deu errado. Paulo Guedes talvez seja um dos últimos que ainda estão apegados àquela linha tradicional da escola de Chicago. Todo mundo a abandonou. O criador disso, o Milton Friedman, fez uma crítica a ela já no fim de sua vida. Nas outras áreas, não tem plano, não tem rumo, como diz na minha terra, não tem quilha, que é aquele negócio que orienta o barco. Você não pode governar o país sem ter uma agenda para a educação. Se tem um lugar que o Governo não tem agenda é na educação. Você não tem um Governo de metas. Quantos empregos serão gerados até o fim do ano? Quanto vai crescer o PIB? Quantos vamos tirar da linha da pobreza? Quantos mestres e doutores vamos formar? Quanto vamos crescer no PISA? Não tem. É um Governo sem plano de voo.

P. Na comissão, tem se pautado pela agenda do Rodrigo Maia, o presidente da Câmara?
R. Desde que eu iniciei os trabalhos, sempre trabalhei com as metas e o calendário definidos por ele. Como ele sempre verbalizou o objetivo de votar em julho, eu sempre organizei meus trabalhos para entregar para ele no final de julho. Os passos são coordenados com ele, mas ele tem me dado autonomia absoluta.


El País: Ala militar do Governo defende Moro e Bolsonaro espera para se manifestar

Segundo porta-voz, presidente quer ouvir análise de ministro antes de se manifestar oficialmente sobre vazamento de mensagens que atingem seu ministro da Justiça

O presidente Jair Bolsonaro já defendeu o jogador Neymar Jr. de uma acusação de estupro, mesmo antes da conclusão das investigações. Lamentou a morte do músico MC Reaça, cantor que chamava feministas de cadelas e que se suicidou após espancar a própria amante, que ele achava que estava grávida. Mas decidiu que, por enquanto, não se manifestará pessoalmente sobre as suspeitas que pesam contra o seu superministro da Justiça, Sérgio Moro, de ter supostamente usado de sua posição de magistrado para interferir na operação Lava Jato junto a procuradores.

Bolsonaro se calou nas 24 horas seguintes ao site The Intercept Brasil noticiar que o ex-magistrado da Lava Jato orientou a ação do Ministério Público e cobrou novas fases da operação. O presidente teve apenas uma agenda pública nesta segunda-feira, na qual discursou por pouco mais de dez minutos e não proferiu nenhuma palavra sobre o tema que tomou conta do noticiário nacional desde a noite de domingo.

Segundo o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, a justificativa do mandatário é que, antes de se manifestar, ele queria ouvir uma análise do próprio ministro Moro. “Em relação às notícias referentes ao vazamento de informações sobre a Operação Lava Jato, o presidente da República não se pronunciará a respeito do conteúdo de mensagens e aguardará o retorno do ministro Moro para conversar pessoalmente”, anunciou. Em nota lida no Jornal Nacional, a Secretaria de Comunicação do Governo afirmou: “Nós confiamos irrestritamente no ministro Moro”, afirmou.

Moro esteve em uma série de reuniões com autoridades da área de segurança pública em Manaus (AM), cidade que testemunhou dezenas de mortes em complexos penitenciários nas últimas semanas. Na coletiva de imprensa, ele negou que tenha direcionado a ação dos procuradores e, quando jornalistas insistiram em questioná-lo, o ex-juiz abandonou a entrevista, conforme relatos do jornal Em Tempo.

O silêncio do presidente é visto como estratégico. A popularidade de Moro é maior que a do seu chefe – 61,5% contra 49,5%, conforme o Atlas Político. O apoio é tamanho que no último protesto a favor do Governo, no dia 26 passado, o ex-juiz acabou exaltado como herói, com direito a boneco inflável vestido de super-homem. A longos três anos da eleição, Moro é apontado como sucessor natural do presidente, ainda que este possa concorrer à reeleição. E Bolsonaro sabe que sua fala irá nortear seus apoiadores nas redes sociais.

Um levantamento do sistema analítico Bites constatou que, na batalha de versões, a oposição está em vantagem. “Entre os 300 artigos em português com maior repercussão em redes sociais nas últimas 24 horas, 177 tratavam do vazamento e registraram 7,3 milhões de interações no Twitter e no Facebook”, concluíram os pesquisadores.

Outro registro: a hashtag #vazajato, impulsionada pelo The Intercept chegou a 255.700 posts às 18h contra 36.200l para #euapoioalavajato, muito compartilhada entre militantes pró-Bolsonaro. Recém-chegado às redes sociais, Moro só entrou no Twitter em abril de 2019, e ainda depende de um sinal do presidente para tentar essa contraofensiva virtual. “Sem esse apoio, Moro não terá como enfrentar o tsunami digital após as denúncias do The Intercept”, concluem os pesquisadores do Bites.

Militares e políticos
Diante do silêncio presidencial, coube à ala militar de seu Governo defender o ministro Moro. Três generais falaram sobre o tema. O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) afirmou que os diálogos revelados pelo Intercept estão fora de contexto e que o presidente Bolsonaro confia no ministro. “O ministro Moro é um cara da mais ilibada confiança do presidente, é uma pessoa que dentro do país tem o respeito de enorme parte da população”.

O chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, enviou mensagem a seus amigos e aliados sinalizando que os representantes da Lava Jato foram alvos de ataques hackers ilegais. Falou que o objetivo dos vazamentos sé “macular a imagem” de Moro, “cujas integridade e devoção à Pátria estão acima de qualquer suspeita”. “Os diálogos e acusações divulgadas ratificam o trabalho honesto e imparcial dos que têm a lei a seu lado. O julgamento popular dará aos detratores a resposta que merecem”, afirmou o ministro.

Responsável pelo Ministério da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, disse que seu colega da Justiça é uma pessoa “do bem”. “O ministro Moro tem total confiança nossa. Ele é um homem de muito respeito e do bem”.

Na esfera política, as reações são diversas. Há os que pedem a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar o caso, os que tentam convocar Moro para depor na Câmara, os que o denunciaram junto ao Supremo Tribunal Federal e os que o defendem dessa artilharia. Um deles foi o deputado Capitão Augusto Rosa (PL-SP), que, como presidente da frente parlamentar da segurança pública, é o principal representante da bancada da bala. Em nota, Augusto afirmou que Moro e os procuradores da Lava Jato são as verdadeiras vítimas desse processo.

Há ainda quem acredita que os vazamentos ocorreram para prejudicar o andamento da reforma da Previdência. Isso foi o que o ministro Paulo Guedes relatou a conselheiros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que se reuniram em Brasília nesta segunda-feira. Se na semana que passou ninguém no Brasil se esquivava de opinar no caso Neymar-Najila, na semana que começa é o caso Moro-Dallagnol que estimula os brasileiros a se manifestar. A única exceção, até o momento, é o presidente Bolsonaro.


El País: Mensagens entre Moro e Dallagnol podem abalar imparcialidade da Lava Jato

Segundo reportagem do The Intercept Brasil, ex-juiz mantinha conversas privadas com procurador durante operação. Prática iria contra a Constituição. MPF do Paraná diz que força-tarefa teve celulares hackeados

Reportagem publicada pelo The Intercept Brasil neste domingo afirma que o então juiz federal Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, e o procurador da Deltan Dallagnol trocavam mensagens de texto sobre o andamento da Operação Lava Jato. A investigação coloca em xeque a imparcialidade do ministro quando era responsável pelo julgamento em 1ª instância de diversos casos de corrupção pela 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, dentre eles, o caso do tríplex no Guarujá, que levou à prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O site afirma que, em conversas privadas, “Moro sugeriu ao procurador que trocasse a ordem de fases da Lava Jato, cobrou agilidade em novas operações, deu conselhos estratégicos e pistas informais de investigação, antecipou ao menos uma decisão, criticou e sugeriu recursos ao Ministério Público e deu broncas em Dallagnol como se ele fosse um superior hierárquico dos procuradores e da Polícia Federal”.

“A Constituição brasileira estabeleceu o sistema acusatório no processo penal, no qual as figuras do acusador e do julgador não podem se misturar. Nesse modelo, cabe ao juiz analisar de maneira imparcial as alegações de acusação e defesa, sem interesse em qual será o resultado do processo. Mas as conversas entre Moro e Dallagnol demonstram que o atual ministro se intrometeu no trabalho do Ministério Público – o que é proibido – e foi bem recebido, atuando informalmente como um auxiliar da acusação”, afirma o Intercept.

Segundo o site, as informações vieram de um lote de arquivos enviados por uma fonte anônima há algumas semanas para a empresa de comunicação, contendo mensagens de texto, áudio e vídeo trocadas entre 2015 e 2018 pelo aplicativo Telegram. Ainda de acordo com a reportagem, os documentos foram recebidos antes da notícia da tentativa de invasão do celular do ministro Moro, no começo de junho (4). O ministro confirmou que seu celular foi clonado, mas disse que não houve captação de conteúdo.

O Intercept afirma que os investigadores da Lava Jato utilizavam o apelido de “Russo” para se referirem a Moro nas conversas privadas, e afirma que em diversas conversas é possível ver que Moro orientava o planejamento do Ministério Público, responsável pelas investigações. A reportagem traz exemplos dessas conversas, como uma mensagem do dia 21 de fevereiro de 2016, que teria sido enviada por Moro: “Olá diante dos últimos desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem da duas planejadas”, afirmou Moro. O site interpretou a mensagem como uma provável menção às fases da Lava Jato. “No dia seguinte, ocorreu a 23ª fase da Lava Jato, a Operação Acarajé”, disse o Intercept.

Outras mensagens entre Moro e Dallagnol de 13 de março de 2016, época em que várias manifestações contra o Governo Dilma Rousseff começavam a tomar as ruas, mostram o desejo do juiz de “limpar o Congresso”. “E parabéns pelo imenso apoio público hoje. (...) Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de Justiça criminal (…)”, escreveu Dallagnol. O Intercept selecionou a seguinte resposta de Moro nesta conversa: “Fiz uma manifestação oficial. Parabéns a todos nós (…). Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o Congresso. O melhor seria o Congresso se autolimpar mas isso não está no horizonte. E não sei se o STF tem força suficiente para processar e condenar tantos e tão poderosos”.

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As mensagens secretas da Lava Jato

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A cobertura também destaca uma conversa entre o juiz e o promotor sobre a decisão de quebrar o sigilo das gravações feitas com autorização judicial do ex-presidente Lula, envolvendo a então presidente Dilma, no momento da famosa tentativa de nomeação de Lula para a Casa Civil. “A decisão de abrir está mantida mesmo com a nomeacao, confirma?”, perguntou Dallagnol em mensagem. No que Moro respondeu: “Qual é a posicao do MPF?”. A resposta: “Abrir”, escreveu o procurador. Depois de ser advertido pelo então ministro do Supremo Teori Zavascki, Moro viria a público pedir desculpas pela decisão.

O caso do tríplex

Moro também manteve conversas privadas com Dallagnol sobre o caso tríplex do Guarujá, pelo qual Lula está preso há um ano em Curitiba. A reportagem dá os bastidores da acusação e afirma que o procurador estava bastante inseguro quanto à denúncia, especialmente após o episódio do Power Point, que ele apresentou em uma entrevista coletiva, no qual acusava Lula de ser “maestro de uma grande orquestra concatenada para saquear os cofres públicos” e “o comandante máximo” do esquema de desvios da Petrobras. Apesar disso, Lula não foi denunciado por formação de quadrilha e sim de corrupção passiva, ativa e lavagem de dinheiro.

Isto foi tema da troca de mensagens com Moro. “A denúncia é baseada em muita prova indireta de autoria, mas não caberia dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto”, escreveu o coordenador da Lava Jato ao juiz que iria julgar o caso. “Não foi compreendido que a longa exposição sobre o comando do esquema era necessária para imputar a corrupção para o ex-presidente. Muita gente não compreendeu porque colocamos ele como líder para imperar 3,7MM de lavagem, quando não foi por isso, e sim para imputar 87MM de corrupção”, completou, referindo-se, no caso dos 87 milhões de reais, a propina que teria sido paga pela OAS em contratos para obras da Petrobras.

O Intercept afirma que dois dias após essa troca de mensagens, Moro respondeu: “Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme”. Quase um ano após essa troca de mensagem, o juiz Moro considerou que o petista cometeu os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro ao ser o beneficiário de 3,7 milhões de reais em propina da construtora OAS no caso do tríplex do Guarujá.

Força-tarefa

A força-tarefa da Lava Jato respondeu prontamente a divulgação da reportagem do Intercept. Em nota, o Ministério Público Federal do Paraná informa que seus membros foram vítimas da ação criminosa de um hacker: “A ação vil do hacker invadiu telefones e aplicativos de procuradores da Lava Jato usados para comunicação privada e no interesse do trabalho, tendo havido ainda a subtração de identidade de alguns de seus integrantes. Não se sabe exatamente ainda a extensão da invasão, mas se sabe que foram obtidas cópias de mensagens e arquivos trocados em relações privadas e de trabalho.”

Deltan Dallagnol

@deltanmd

“Os procuradores da Lava Jato não vão se dobrar à invasão imoral e ilegal, à extorsão ou à tentativa de expor e deturpar suas vidas pessoais e profissionais”. http://bit.ly/2WzFTio 

Força-tarefa informa a ocorrência de ataque criminoso à Lava Jato

Procuradores mostram tranquilidade quanto à legitimidade da atuação, mas revelam preocupação com segurança pessoal e com falsificação e deturpação do significado de mensagens

mpf.mp.br

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Eles acreditam que dentre as informações obtidas ilegalmente estão, inclusive, documentos e dados sobre estratégias e investigações em andamento, além das rotinas pessoais e de segurança dos integrantes da força-tarefa e de seus familiares. Os procuradores confirmam que mantiveram, ao longo dos cinco últimos anos, “discussões em grupos de mensagens, sobre diversos temas, alguns complexos, em paralelo a reuniões pessoais que lhes dão contexto.”

Segundo a nota do MPF, “vários dos integrantes da força-tarefa de procuradores são amigos próximos e, nesse ambiente, são comuns desabafos e brincadeiras”. E destacam: “Muitas conversas, sem o devido contexto, podem dar margem para interpretações equivocadas. A força-tarefa lamenta profundamente pelo desconforto daqueles que eventualmente tenham se sentido atingidos.”

Ainda de acordo com o MPF, “nenhum pedido de esclarecimento ocorreu antes das publicações [do Intercept], o que surpreende e contraria as melhores práticas jornalísticas”.

Moro também comentou sobre a reportagem. Em nota divulgada pelo site Antagonista, o ministro lamenta a "falta de indicação de fonte de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores". Também critica a postura do site, que não entrou em contato previamente. Quando ao conteúdo, ele minimiza seu impacto. "Não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela operação Lava Jato", afirmou.


El País: Três cartas, 27 governadores e a batalha para entrar na reforma da Previdência

Estados querem garantir que serão contemplados na reforma, mas batem cabeça sobre a forma de apoio ao projeto. Governos do Nordeste pedem mudanças nas regras para os mais pobres

Um racha entre os 27 governadores brasileiros expôs, mais uma vez, a dificuldade de articulação do Governo Jair Bolsonaro em aprovar sua reforma da Previdência. A divisão poderia fazer com que Estados e municípios fiquem de fora das alterações nas aposentadorias previstas na proposta de emenda constitucional (PEC) 06/2019. A ausência deles criaria uma figura jurídica até então impensável: um país com 5.598 regimes previdenciários distintos: um para os servidores da União e demais trabalhadores da iniciativa privada, 27 regimes dos Estados e 5.570 dos municípios. A sugestão de tirar Estados e municípios do texto original partiu de um grupo de deputados e partidos no Congresso. Assim, cada Estado teria de discutir nas respectivas Assembleias Legislativas as mudanças previdenciárias, o que dividiria o desgaste de Brasília com a medida impopular que mexe com o país.

Mas falta consenso entre os governadores sobre qual projeto eles vão defender na proposta que está no Congresso. A divisão entre chefes dos Executivos estaduais ficou exposta na última semana, quando foram lançadas três cartas distintas em nome dos governadores e causaram desconforto para os mandatários, que se reunirão na próxima terça-feira durante o Fórum dos Governadores, em Brasília. Há duas razões para os governadores entrarem diretamente nessa discussão da Previdência. A primeira é econômica. O déficit das previdências estaduais é de quase 95 bilhões de reais. E a estimativa de economia para a próxima década é de 350 bilhões de reais, caso a reforma seja aprovada da maneira como foi enviada ao Congresso Nacional. A segunda, é política. Caso eles não estejam na reforma, cada um terá de enfrentar o desgaste local para fazer sua própria mudança.

É nesse cenário que surgiu a confusão das três cartas dos governadores. A primeira publicada na quinta-feira era uma espécie de afronta aos parlamentares. Nela, os governadores manifestavam “veemente repúdio à sugestão de retirada dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios da Proposta de Emenda à Constituição que modifica o sistema de Previdência Social, atualmente debatida no Congresso Nacional”. Não teve assinaturas, mas foi enviada pelo Fórum dos Governadores, que tem como coordenador Ibaneis Rocha (MDB-DF). Foi escrita após pressão do governador de São Paulo João Doria (PSDB-SP), que reclamou com os seus 26 colegas por meio de um grupo de WhatsApp. Doria protagonizou esta semana as queixas sobre o assunto. “A eventual possibilidade de excluir Estados e municípios seria um desastre para o país”, reclamou ele.

Como vários governadores se queixaram do tom do documento, horas depois, elaboraram um novo, mais ameno e assinado por 25 mandatários. No texto, só não havia os nomes do governador da Bahia, Rui Costa (PT-BA), e do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB-MA). Na versão final, o termo “repúdio à sugestão de retirada” foi substituído por “apoio à manutenção...”. Além disso, disse que esperava contar com “o indispensável apoio de nossos deputados e senadores para a manutenção dos Estados e do Distrito Federal na Nova Previdência, a fim de garantir o equilíbrio fiscal e o aumento dos investimentos vitais que promovam a melhoria da vida de nossos concidadãos, evitando o agravamento da crise financeira que já se mostra insustentável”.

Os nove governadores da região Nordeste – sete deles filiados a partidos de esquerda como PT, PCdoB e PSB, que fazem oposição ao Governo Bolsonaro – negaram ter assinado esses dois documentos e publicaram uma nova carta, na qual admitem a necessidade da reforma, mas criticam vários pontos dela, como as alterações na aposentadoria dos trabalhadores rurais, o corte no pagamento do abono salarial, a desconstitucionalização das regras previdenciárias, a capitalização e a redução do benefício de prestação continuada (que é o pagamento para idosos e deficientes físicos que tem a renda inferior a um quarto de um salário mínimo). Por fim, reclamaram que “a retirada dos Estados da reforma e tratamentos diferenciados para outras categorias profissionais representam o abandono da questão previdenciária à própria sorte, como se o problema não fosse de todo o Brasil e de todos os brasileiros”.

Indagado sobre a confusão entre os chefes dos Executivos estaduais, Ibaneis Rocha amenizou as diferenças. “Não existe racha. Existe divergência. Dia 11 estaremos todos aqui juntos, no Fórum de Governadores e eu tenho certeza que todos os governadores serão ouvidos em suas posições. Unanimidade sempre foi uma coisa muito burra”.

Já Flávio Dino, um dos que não assinaram o texto, disse que o fórum se antecipou à discussão e divulgou duas cartas que não tinham sido objeto de consulta geral. Apesar de ser considerado um dos líderes da oposição ao governo Bolsonaro, o governador maranhense diz que é a favor da reforma, mas não da que foi enviada ao Congresso. “Não vou defender uma reforma que destrói o país e mata os mais pobres. Enquanto não ajustar os pontos que afetam essa população, qualquer outro tema será secundário, inclusive a participação dos Estados e municípios”, disse.

Outro opositor à gestão Bolsonaro, o governador Wellington Dias (PT-PI) referenda a posição de Dino e também cobra as alterações dos pontos que atingem a população mais pobre. “Tirar os Estados não resolve o problema do Brasil”, pondera.

Com a inabilidade do presidente da República para negociar com os governadores, quem tem sido apontado como o bombeiro para apagar esse incêndio é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Praticamente todas as semanas ele conversa com os chefes dos Executivos para colher as impressões deles sobre o tema e tenta costurar um acordo. Sua posição é que as mesmas regras para os servidores federais deveriam passar a valer para os demais. “Se a reforma sair, pode botar na conta do Maia”, afirmou Dino.

Com a proximidade do recesso do Legislativo, a Câmara tem corrido contra o tempo para aprovar a reforma nas próximas cinco ou seis semanas. Até o dia 15, o relator da PEC na Comissão Especial da Reforma da Previdência, Samuel Moreira (PSDB-SP), deve entregar o seu voto. Em mais uma ou duas semanas o relatório é votado no colegiado, para seguir para o plenário na sequência. A aprovação da proposta ocorre com o apoio de 308 dos 513 deputados. Depois, ainda segue para o Senado.


El País: Mudanças de Bolsonaro para o trânsito são revés para luta contra epidemia de mortes no mundo

Alterações, que incluem fim da obrigatoriedade de cadeirinha para crianças, atacam diretamente três dos cinco pontos considerados essenciais pela OMS para a redução das mortes no trânsito

Um revés para o combate à epidemia de mortes no mundo. A proposta de alteração do Código de Trânsito Brasileiro do presidente Jair Bolsonaro (PSL), em conjunto com seus discursos contra o que chama de “indústria da multa”, poderiam ser definidos assim diante das recomendações globais sobre o tema. As mudanças pretendidas pelo presidente ultradireitista brasileiro atacam diretamente três dos cinco pontos considerados essenciais pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para reduzir este tipo de mortes: o excesso de velocidade, o uso de cadeirinha para crianças que são transportadas em automóveis e a utilização adequada de capacete por motociclistas. Estas alterações fazem parte de um projeto de Lei que revisa ao menos 13 pontos da legislação de trânsito brasileira enviado na última terça pelo presidente para a Câmara.

O combate às multas e o afrouxamento das regras, principalmente para caminhoneiros, fizeram parte da bandeira eleitoral de Bolsonaro. O tema é tratado por ele com tanta importância que o projeto com as alterações ganhou até o mesmo gesto simbólico dado à reforma da Previdência, vista como sua grande esperança para a retomada da economia: foi entregue pessoalmente ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Entre as medidas sugeridas pelo Governo estão o aumento do prazo de validade da carteira nacional de habilitação de cinco para dez anos (na maioria dos casos), a extinção da multa pelo não uso da cadeirinha para crianças com menos de sete anos e meio, o fim da realização de exames toxicológicos para caminhoneiros, a duplicação do limite de pontos para se ter a CNH suspensa (de 20 para 40) e a redução da gravidade da multa para quem pilotar uma moto usando capacete sem viseira ou óculos. Bolsonaro, aliás, já foi ele mesmo alvo desta última infração, enquanto guiava há pouco mais de um mês uma moto no Guarujá (litoral de São Paulo) com o capacete levantado.

Há oito anos, a OMS estipulou uma série de prioridades para diminuir a epidemia de mortes no trânsito no mundo. Os dados mostram que 1,35 milhão de pessoas foram vítimas de acidentes fatais em 2017. Além desses três pontos que são ignorados em todo ou em parte pela gestão federal, a entidade prevê o combate ao uso de bebidas alcoólicas enquanto se dirige e estimula o uso do cinto de segurança. Medidas essas que não foram confrontadas pelo Governo brasileiro.

Os dados do Datasus, sistema que compila informações sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), mostram que a cada 15 minutos uma pessoa morre vítima de acidente de trânsito no Brasil. Em 2017, foram 36.429 mortes. Entre especialistas, a expectativa é que, caso prosperem as mudanças no Código de Trânsito Brasileiro propostas pelo presidente, esse número possa aumentar.

Na visão de estudiosos do assunto, a proposta do Governo não tem embasamento técnico necessário para ser aprovada pelo Legislativo. “Ainda que não se tenha uma ilegalidade manifesta pelo aspecto formal, podemos estar diante de uma iniciativa voluntariosa sem base técnica para sustentar mudanças radicais”, diz o advogado Wolf Eijzenberg, sócio do escritório ETAD.

Para o coordenador da iniciativa Bloomberg para a segurança global no trânsito e professor de direito da FGV, Pedro de Paula, o sistema de pontuação nas carteiras resulta na prevenção de acidentes e lesões. Com a mudança, corre-se o risco de haver uma falha nesse sistema no qual os mais ricos se sentiram com maior liberdade para cometer as infrações, já que raramente perderão o direito de dirigir, só pagarão multas. “Ao dobrar o tempo para a fiscalização da CNH você expõe a população mais tempo a risco por um período mais longo”. É uma medida especialmente problemática quando combinada com a realização exames toxicológicos para caminhoneiros a cada dez anos também”.

A extinção das multas para quem não transportar crianças em cadeirinhas —agora, só haveria uma advertência— é outra medida vista com restrição pelos especialistas. Há estudos que mostram que esses equipamentos reduzem em até 80% as chances das crianças de até sete anos morrerem em um acidente de trânsito.

Desde a campanha eleitoral no ano passado, Bolsonaro tem se demonstrado um adversário das atuais regras de trânsito. Diz que há uma indústria da multa no país e já determinou que o Ministério da Infraestrutura não renove os contratos dos radares de fiscalização de velocidade nas rodovias sob a responsabilidade da União.

Na quarta-feira, em evento na divisa de Mato Grosso com Goiás, o presidente fez um discurso efusivo no qual, mais uma vez, reclamou das multas em série e defendeu que os caminhoneiros têm o direito de perder sua carteira apenas ao atingir os 40 pontos em multas. Deixou claro, contudo, que sua ideia inicial era alargar ainda mais essa pontuação. “Por mim, eu botaria 60, que afinal de contas a indústria da multa vai deixar de existir no Brasil”.

De Paula diz que o radar é o melhor mecanismo que a há para fiscalizar velocidade e que retirada dele das rodovias seria reduzir a legitimidade da legislação. “É acabar com o potencial de fiscalização. Isso é dar um salvo-conduto para as infrações”.

O projeto ainda terá de passar por comissões do Legislativo para só então ser analisada em plenário. Sua aprovação depende de maioria simples em dois turnos de votação nas duas Casas. Em todo o Congresso, tramitam mais de 2.500 propostas de alterações do código de trânsito.


El País: Brasil, México e Venezuela puxam a alta dos homicídios globais

Apesar de não viverem guerras declaradas, países do continente americano registram altas taxas de assassinatos, segundo relatório

Juan Luis Lagunas Rosales, 17 anos, foi encontrado morto com 15 tiros em Culiacán, capital do conflagrado Estado mexicano de Sinaloa. O crime foi presumidamente a mando de Nemesio Osegueras Cervantes, vulgo El Mencho, líder do cartel Jalisco Nova Genração, um dos grupos que controla o tráfico na região. Fabio Urbina, também de 17 anos, teve destino semelhante: foi morto por policiais com um disparo no peito durante ato contra o presidente venezuelano Nicolás Maduro em Caracas. Gabriel Paiva tinha a mesma idade de Juan e Fabio quando dois policiais militares o espancaram com um pedaço de pau até a morte em Cidade Ademar, zona sul de São Paulo. Estas três vítimas da violência ilustram o papel que Brasil, México e Venezuela tiveram na alta global dos homicídios registrada no estudo Darkening Horizons (Horizontes Escuros, em tradução livre), organizado pela ONG Small Arms Survey, divulgado este mês.

De acordo com o relatório, em 2017 foram registradas em todo o mundo 589.000 mortes violentas, um aumento de 4% em relação ao ano anterior. Ainda segundo o texto, esta alta foi puxada por Brasil, México e Venezuela, três países onde não há um conflito armado declarado em andamento, mas que sofrem com violência epidêmica. Enquanto os dois primeiros lidam já há décadas com o problema do crime organizado ligado ao tráfico de drogas (no Brasil, as facções, no México os cartéis de droga) e seus reflexos nas comunidades mais pobres. A Venezuela passa por uma grave crise social com aumento da criminalidade e a ação violenta de grupos paramilitares simpáticos ao Governo de Maduro.

Tudo isso levou os três países a encabeçarem o resultado negativo —apenas no Brasil foram 65.600 assassinatos em 2017. Por aqui o aumento tem sido encabeçado pelos Estados do Norte e Nordeste, regiões que se tornaram a linha de frente do confronto entre as facções. “A maior parte desta alta das mortes violentas ocorreu em países sem conflito, especialmente na América do Sul e América Central”, diz o estudo. Enquanto isso “houve uma redução da violência no norte da África (devido à redução dos embates entre grupos rebeldes), no oeste asiático e na América do Norte”. Do total de mortos, apenas 106.000 foram vitimados por guerras e conflitos declarados.

A situação já é dramática com a alta dos homicídios no mundo, mas a tendência é de que, caso nada seja feito, ela piore ainda mais. O relatório faz uma projeção dos dados de mortes violentas até 2030 com base na tendência atual, caso sejam mantidas as mesmas políticas de segurança vigentes em detrimento da adoção de boas práticas, como controle de armas, valorização da vida e investimentos em apuração e resolução de crimes. A expectativa é de que, neste caso, em 11 anos alcancemos o número de 660.000 mortes violentas. Se este dado é ruim, o relatório vai além e faz uma projeção levando em conta mudanças negativas nas políticas de segurança —como, por exemplo, flexibilização do acesso às armas (tema presente no contexto brasileiro) e aumento dos conflitos armados pelo mundo. Nesse caso negativo (mas não impossível) atingiríamos em 2030 assustadores 1,06 milhão de vítimas fatais.

O relatório também aponta que houve uma alta no número de mulheres assassinadas: foram 96.000 vítimas fatais do sexo feminino em todo o mundo —6.000 a mais do que em 2016. Apesar da alta, 2017 não foi o ano mais violento registrado. Em 2014 foram mortas 592.000 pessoas.


El País: Começam a soar os alarmes sobre a sustentabilidade da Presidência de Bolsonaro

No Brasil já se fala, sem meias palavras, que o presidente e a maior parte de seu Governo parecem ineptos para confrontar os grandes desafios que têm pela frente

O atual mandato presidencial no Brasil começou há pouco mais cinco meses, mas já começam a se escutar alarmes sobre a possibilidade de que Jair Bolsonaro não termine seu mandato. Não só porque ele aparece sem um projeto de país concreto, mas também porque o pouco já realizado é alvo de duras crítica até por parte de muitos que o elegeram e hoje não o fariam, conforme mostram todas as pesquisas em que, apesar dos 57 milhões de votos conquistados nas urnas, seu apoio desvanece. Recente pesquisa da Atlas Político mostrou que apenas 28% dos entrevistados consideravam sua gestão boa ou ótima, contra 36,2% que a veem como ruim ou péssima. Entre os que o apoiam estão um exército de radicais que desejaria devolver o Brasil aos tempos do pior obscurantismo, com uma política apoiada em messianismos alucinados, com suas preocupações fálicas e uma mórbida obsessão pelas armas.

Poderia parecer incrível num país normal que em cinco meses de Governo já se fale já abertamente na possibilidade de impeachment do presidente, não só pelo que ele não fez, mas também pelo que fez até agora, que está revelando uma forte desconfiança sobre sua capacidade de governar um Brasil-continente com 207 milhões de pessoas que já começaram a sair às ruas. E sobre como deseja conduzir o tema da educação, um ponto crucial deste país com ainda milhões de analfabetos funcionais e da qual depende também seu futuro econômico.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, acaba de dizer ao jornal O Globo que o Brasil “caminha para um colapso social” com o novo Governo, que ainda não soube apresentar um projeto para fazer frente às graves crises que o afligem e que poderia levá-lo a uma catástrofe econômica se em vez de apoiar as reformas urgentes acabar boicotando-as para favorecer propostas milagrosas e às vezes até patéticas.

Preocupa à sociedade democrática um presidente que parece alheio às reformas enquanto se perde em fantasia messiânicas, como quando afirma que ainda “não nasceu para ser presidente”, pois foi algo que Deus lhe impôs. E assim repete, às vezes chorando diante das câmeras de televisão, enquanto levanta a camisa e mostra as cicatrizes do atentado que sofreu durante a campanha eleitoral. Deus, segundo ele, está ao seu lado e o escolheu como um novo Messias.

Junto a esse messianismo profético, o presidente continua tão obcecado em armar os brasileiros que seu primeiro decreto foi para ampliar a posse de armase seu porte para toda a sociedade, decreto contra o qual acabam de se manifestar 73% dos brasileiros, segundo a última pesquisa de Ibope. Multiplicar as armas nas mãos das pessoas deve parecer melhor para o país que multiplicar o pão nas mãos dos ainda milhões de pobres e as possibilidades para os jovens de um ensino que os prepare para se realizarem em liberdade e criatividade. E sem absurdas receitas de escolas sem partido, de alunos espiões e denunciantes de seus professores e o pavor de que nelas se possa falar de sexo, que é como proibir falar da vida.

Há uma história que revela o absurdo de uma presidência em seus temores relacionados com o sexo. Em abril passado, saindo do Ministério da Educação, coração do futuro nacional, o presidente confiou a um grupo de jornalistas uma de suas maiores preocupações no momento. Sobre o drama da educação no país? Não. “Temos por ano mil amputações de pênis por falta de água e sabão”, contou-lhes, e acrescentou: ”Quando se chega a este ponto, a gente vê que estamos no fundo do poço”. Essa preocupação com a higiene masculina e as proporções de suas genitálias perturba tanto o presidente que poderia ter criado uma crise diplomática com o Japão, ao dizer que naquele país “tudo é pequeno”, referindo-se ao órgão masculino.

A obsessão do presidente por tudo o que é fálico está preocupando até os psicólogos e psicanalistas, como Contardo Calligaris, que na Folha de S.Paulo, analisando estas obsessões fálicas do presidente, afirmou: “Não se pode entender uma posição repressora contra os outros, seja qual for, a não ser como um modo da pessoa reprimir e lutar com a sua própria dificuldade”.

Já João Luiz Mauad, do Instituto Liberal e colunista de vários jornais do país, escreveu que ainda não é hora de falar no impeachment do presidente, já que “improvisação, amadorismo, incompetência, idiotice e histrionismo não são, por si sós, suficientes para abrir um processo de impeachment contra um presidente”. Talvez seja verdade juridicamente, mas um presidente com todas essas “qualidades” não parece o mais bem preparado para conduzir o transatlântico Brasil, o quinto maior pais do mundo e com imensas riquezas naturais que, além disso, o presidente parece querer destruir.

No Brasil já se fala, sem meias palavras, que o presidente Bolsonaro e a maior parte de seu Governo parecem ineptos para confrontar os grandes desafios que têm pela frente. Até agora parece, entretanto, que Bolsonaro continua em campanha eleitoral, dialogando só com o grupo de radicais de extrema direitaque permaneceram fiéis a ele, sem ainda demonstrar que é quer ser o presidente de todos os brasileiros, como exige a Constituição.

O presidente continua confundindo as redes sociais com a realidade viva do país e parece ter aterrissado de outra galáxia, sem entender que o Brasil é uma nação que importa no mundo e que já aceitou a modernidade faz muito tempo. E, pior ainda, está destruindo no exterior, com sua incapacidade de governar e suas obsessões de caráter messiânico e psiquiátrico, a imagem positiva e até invejável até ontem atrelada a este país, coração econômico do continente e cadinho de mil experiências culturais que estão sendo pisoteadas.

ERRATA

O texto original deste artigo mencionava que dos 57 milhões de votos recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro nas eleições, apenas 30% mantinham o apoio. Na verdade, são 28% os que  consideram o Governo de Bolsonaro bom ou ótimo, segundo pesquisa do Atlas Político.


El País: Decreto de Bolsonaro com mudanças na saúde indígena dispara alerta no movimento indigenista

Governo mantém Sesai, mas sinaliza mudanças administrativas com a extinção de cargos e departamentos que preocupam lideranças. Ministério da Saúde promete continuidade das ações na área

Mudanças recentes no modelo de gestão de políticas para a saúde indígena feitas pelo presidente Jair Bolsonaroacionaram um alerta no movimento indigenista brasileiro. Embora o Governo tenha recuado da decisão de extinguir a Secretaria Nacional de Saúde Indígena (Sesai), como planejava inicialmente, e reacomodar suas funções na nova Secretaria de Atenção Básica, um decreto publicado na semana passada (e em vigor desde sexta-feira) indica o fechamento de cargos e a extinção ou alteração de alguns departamentos. Ainda não se sabe como essas alterações deverão repercutir na ponta, especialmente nos Distritos Sanitários Indígenas (DSEIs), que já vêm enfrentando dificuldades para fixar médicos desde que os cubanos deixaram o programa Mais Médicos. Em nota, o Ministério da Saúde diz que mudanças buscam dar mais eficiência às políticas públicas e que não haverá descontinuidade das ações.

decreto 9.795 não trata exclusivamente da saúde indígena. Remaneja cargos e apresenta, de forma geral, uma nova composição do Ministério da Saúde. Também institui um prazo de 30 dias a partir da validade da nova legislação para que o ministro Luiz Henrique Mandettaapresente mais detalhes sobre as mudanças em distintas áreas. Os trechos que tratam sobre a saúde indígena citam repetidas vezes a "integração" do subsistema ao SUS. Isso preocupa as lideranças, que temem uma abertura para a municipalização gradual do setor, deixando-a mais vulnerável do que agora, que é gestionada pelo Governo federal. Além disso, o decreto extingue o Departamento de Gestão da Saúde Indígena, que até então tinha a responsabilidade de garantir as condições necessárias à gestão do subsistema, programando a aquisição de insumos e coordenando as unidades de atendimento.

"Esse decreto traz uma preocupação muito grande porque deixa a Sesai fragilizada. O departamento que foi extinto é um dos mais importantes, era onde estava a gestão e o controle social", diz o líder indígena Paulo Tupiniquim, da aldeia Caieiras Velha, a cerca de 80 quilômetros da capital do Espírito Santo. Ele conta que os cerca de 4.000 indígenas Tupiniquim e Guarani que vivem na região são atendidos por cinco equipes de saúde fixas e mais uma volante, mas ainda enfrentam problemas como unidades de saúde sem a estrutura adequada e mesmo a falta de insumos. "Muitas vezes, os funcionários têm que fazer vaquinha para adquirir alguns materiais", diz.

Paulo avalia que a qualidade do atendimento na ponta é satisfatória, mas há problemas de gestão que já eram um gargalo e que podem ser agravados caso o Governo não remaneje esta função para um departamento específico. "Por exemplo, os insumos são comprados por processos a cada cinco anos, então falta material pela demora", afirma. Ele ainda reclama que as mudanças sinalizadas pelo Governo por decreto não foram discutidas com os indígenas e diz ter receio de que a participação deles na gestão seja reduzida ou eliminada. No último mês de abril, lideranças já se queixavam de que o presidente não estaria disposto a ouvi-las, quando o Governo extinguiu a Comissão Nacional de Política Indigenista, uma plataforma de interlocução entre as etnias e a gestão federal que teve uma atuação fundamental para a criação da Sesai. "Agora [com o novo decreto], o que a gente entende é que o controle social está fora da Sesai", diz Paulo.

A conquista de um atendimento diferenciado

Há 20 anos, o movimento indígena conquistou um subsistema de saúde mantido pela União que levasse em conta as particularidades étnicas, culturais e epidemiológicas de cada um dos 305 povos indígenas que vivem no país. O respeito às tradições de cura de cada povo, por exemplo, deve ser incorporado ao atendimento público. Uma secretaria especial coordena ações para os atendimentos que são realizados nos 34 distritos sanitários que funcionam nas comunidades. Essa estrutura —que já integra o SUS, mas tem autonomia própria— trouxe avanços no acesso aos serviços de saúde, embora ainda tenha o desafio de conseguir fixar profissionais e integrá-los aos conhecimentos e crenças das etnias. No início do ano, o ministro Mandetta chegou a criticar esse subsistema ao considerá-lo "paralelo" ao SUS e disse avaliar o repasse de parte dos serviços de saúde indígena a estados e municípios.

As declarações provocaram reação de lideranças, que fizeram manifestações em diferentes Estados. Mandetta acabou voltando atrás e decidiu manter a Sesai. Com o decreto, porém, as lideranças indígenas voltam a temer retrocessos na promoção de políticas específicas para essa população com uma possível municipalização do sistema a longo prazo. "Essas mudanças comprometem o funcionamento da Sesai. O ministro Mandetta critica uma realidade que a Sesai alcançou ao longo de anos em que os serviços chegaram onde nunca havia chegado uma equipe médica", afirma o líder indígena Sandro Ticuna. O programa Mais Médicos foi importante para a chegada desses profissionais nas aldeias. Atualmente, há 368 profissionais atuando nos DSEIs. Outras 18 vagas foram abertas no último edital do programa lançado pelo Ministério da Saúde.

A pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Ana Lúcia Pontes, diz que ainda há poucos elementos para analisar os impactos reais das mudanças promovidas pelo Governo Federal na saúde indígena, mas que as alterações sinalizadas no decreto já são preocupantes, especialmente no contexto político atual, em que o presidente Bolsonaro vem defendendo políticas integracionistas para esses povos. Ela lembra que o subsistema foi criado para responder à especificidade da saúde indígena, que envolveria estratégias diferentes para planejar desde o orçamento até os vínculos dos profissionais e a atribuição da equipe de atendimento. "Esse é o grande nó do subsistema. Não sabemos o que eles estão entendendo por essa integração. Qual é o lugar das especificidades?", questiona. Em nota, o Ministério da Saúde diz que "tem se pautado para aprimorar o atendimento diferenciado à população indígena, sempre considerando as complexidades culturais e epidemiológicas, a organização territorial e social, bem como as práticas tradicionais e medicinais alternativas à medicina ocidental".

Preocupação com as mudanças

Ana Lúcia explica que a Sesai é a única secretaria do Ministério da Saúde com atribuição de execução orçamentária. O orçamento previsto para este ano é de 1,4 bilhão de reais , segundo o Ministério da Saúde. Com a extinção do Departamento de Gestão de Saúde indígena do órgão, aponta a pesquisadora, se perde a estrutura que garante autonomia política e financeira para a assistência aos povos indígenas. "A gente sabe que em questão de responsabilidade administrativa isso tem consequências. A dúvida é sobre quem assume essa função [que era do departamento]", afirma. Nos últimos meses, o atendimento aos povos indígenas já vinha passando por problemas. O Ministério da Saúde chegou a suspender contratos com instituições conveniadas, responsáveis pela contratação e pagamento dos profissionais que atuam no subsistema, por supostas irregularidades. Isso provocou problemas tanto nos DSEIs quanto nas Casas de Assistência à Saúde Indígena (Casai), que chegaram a interromper alguns serviços. O Ministério da Saúde diz que já normalizou a situação. "Nos preocupa a garantia da assistência de saúde", ressalta Ana Lúcia.

O coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Roberto Liebgott, afirma que o subsistema sempre foi tratado "como uma espécie de enrosco" pelos presidentes e que a responsabilidade por ele nunca foi efetivamente assumida pela União. "O Governo terceirizou uma obrigação que era sua. O que ele faz é o gerenciamento dos recursos, o repasse para as terceirizadas", critica. Para ele, o Governo Bolsonaro sinaliza mudanças que vão de encontro à luta dos povos indígenas de garantir um sistema de saúde autônomo e participativo, levando em consideração a ampla diversidade cultural, territorial e linguística das etnias. Em vez de assumir a responsabilidade, diz Roberto, o Governo abre espaço para uma visão integracionista e para a incorporação do subsistema pelos municípios. "Os profissionais precisam se qualificar não só no que se refere à medicina, mas às particularidades dos povos, à lógica de saúde e doença que perpassa eles. Os municípios não têm essa capacidade", argumenta.

A pesquisadora Ana Lúcia defende que um sistema autônomo para a saúde indígena é importante também para o planejamento de políticas públicas para o setor. "O sistema de informação não funciona plenamente ainda, e ter dados específicos sobre os problemas enfrentados pelos povos indígenas são importantes para o planejamento de políticas. Este ainda é um nó critico do subsistema", afirma.


El País: Manobra da bancada ruralista pode isentar desmatador de repor a floresta derrubada

Alterações aprovadas na Câmara flexibilizam Código Florestal e diminuem área que proprietários rurais precisam recuperar. Presidente do Senado, entretanto, afirma que não colocará medidas em votação

A bancada ruralista deu, nesta quarta-feira, uma importante demonstração de articulação na Câmara dos Deputados que pode resultar no aumento da área desmatada no Brasil. Os parlamentares do grupo conseguiram transformar uma medida provisória da gestão Michel Temer, que entrou em votação nesta semana, em um ataque preciso ao Código Florestal brasileiro. Inseriram no texto principal 30 emendas novas que flexibilizam as regras do Código e podem permitir o desmatamento em até 5 milhões de hectares de floresta, além de atrasar o reflorestamento de outros quatro milhões, segundo cálculos de parlamentares que se opõem a ela. "É uma área total equivalente ao tamanho de Portugal", afirmou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), em sua conta no Twitter. A Frente Parlamentar da Agropecuária, porém, nega essa informação. Por meio de nota, afirmam que a emenda "fortalece a aplicação do Código Florestal e evita interpretações diversas por parte do Poder Judiciário em relação aos marcos temporais para a recomposição das áreas de preservação".

O texto principal foi aprovado por 243 a 19 votos durante a noite na Câmara e será enviado com rapidez ao Senado. No entanto, o senador Davi Alcolumbre (DEM), presidente da Casa, afirmou publicamente nesta quarta que não o colocará em votação, acendendo, a fúria dos deputados, que agora o pressionam.

Quando entrou em votação na Câmara, a Medida Provisória (MP) 867 de 2018 não tinha mais do que dez linhas. Ela foi criada por Temer para prorrogar o prazo para que os proprietários rurais aderissem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), um conjunto de ações a serem desenvolvidas por proprietários rurais para se adequarem à regularização ambiental prevista no Código Florestal. A legislação de 2012 tinha regras que tornavam mais restritas a porcentagem de área que pode ser desmatada em uma propriedade, para atividades como plantio ou pasto, por exemplo. Os deputados, no entanto, incluíram neste texto original 30 jabutis, como são conhecidos no jargão legislativo emendas inseridas em uma legislação em votação que são diferentes do tema em discussão. Nem todos eles têm relação com a proteção ambiental —algumas tratam até de mineração.

Uma das consideradas mais preocupantes pelos ambientalistas é a que foi batizada pela oposição de "anistia para o desmatamento". Ela altera o artigo 68 do Código, estabelecendo um novo marco temporal para exigir a restauração da área já desmatada. O novo texto autoriza que a área desmatada por um produtor rural que precisa ser reflorestada siga parâmetros de leis anteriores ao código, que são menos rígidas. Os percentuais de reserva legal obrigatória seriam reduzidos, por exemplo, de 80% para 50% na Amazônia e de 35% para 20% no Cerrado. "Essa medida, na prática, cheia de emendas jabutis mal-intencionadas irá impedir a recuperação de áreas desmatadas, anistiar proprietários e até mesmo comprometer o cumprimento das metas do Acordo de Paris", lamentou o senador Randolfe Rodrigues, em seu Twitter.

Pressão no Senado
Os deputados começaram a discutir a MP 867 ainda na sessão de terça-feira. Nesta quarta, retomaram as votações, mas até a conclusão desta reportagem os destaques ainda estavam sendo debatidos no Plenário. A sessão desta quarta era crucial para que a medida aprovada tivesse validade, já que o texto ainda precisará passar por aprovação do Senado, e isso tem que acontecer até a próxima segunda-feira, dia 3, data em que perde a validade. Por manobra da bancada ruralista, os parlamentares a favor das alterações correram contra o relógio para tentar enviar, ainda nesta quarta-feira, o texto aprovado para o Senado. Geralmente, quinta-feira é o último dia operativo no Congresso, já que não costuma haver votações às sextas e segundas.

No final da noite, entretanto, Alcolumbre afirmou que não colocaria a MP em votação no Senado, pois a Casa ainda precisa votar outras duas Medidas Provisórias que também perderão a validade na próxima segunda-feira. O presidente argumentou que os senadores teriam pouco tempo para aprovar uma medida tão complexa. "Temos três medidas provisórias perdendo a validade na semana que vem. Precisei construir um acordo com os líderes para que não perdêssemos todas elas", afirmou Alcolumbre. De acordo com ele, a Casa votará somente as outras duas medidas, uma que tem por objetivo combater as fraudes no INSS, e a outra que amplia o prazo de pagamento de gratificações a servidores. "[Não vamos votar a MP 867] por conta da insatisfação dos senadores em relação a este prazo. Vamos atender ao clamor dos senadores". Quando a decisão do presidente do Senado chegou à Câmara, levou a uma procissão de deputados rumo à Casa vizinha, numa tentativa de convencê-lo do contrário.

Embora encabeçada pela bancada ruralista, nem todo o setor do agronegócio defende as alterações propostas no Plenário, no entanto. Algumas alas, especialmente a voltada para a exportação, entendem que não é o momento de se mexer nessas regulamentações. “Não dá pra mexer em regra no meio do jogo”, diz Luiz Cornacchioni, representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio. Para ele, alterar o Código agora poderá afetar a venda para o exterior. “Muitos dos nossos compradores dão valor às questões ligadas à sustentabilidade”, afirma.

No entanto, a vitória da votação na Câmara demonstrou que a posição dele não é a da maioria da bancada. E foi uma demonstração de força dos parlamentares ligados ao agronegócio. “A bancada ruralista está com muita força, com ao menos 250 votos [de 513 deputados]. E isso é muito preocupante”, ressaltou o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente na Câmara. “Queremos um agronegócio sustentável, tem que ter um equilíbrio nessa discussão. Não dá para continuar dizendo aos produtores rurais que o crime compensa”.


El País: Banco Central da Venezuela reconhece que o PIB caiu 52% sob Maduro

Após quatro anos de silêncio estatístico, instituição divulga os indicadores que confirmam a recessão contínua no país petroleiro desde muito antes das sanções dos EUA

Desde 2015 o Banco Central da Venezuela (BCV) não publicava seus indicadores econômicos. Nesta terça-feira, os dados que sistematicamente eram ocultados apareceram no site da instituição, revelando uma queda de 52,3% no produto interno bruto (PIB) desde 2013, quando Nicolás Maduro foi eleito presidente.

O BCV aponta que a inflação alcançou 130.060% em 2018, a cifra mais alta na história recente do país. Em 2017, situou-se no 862,6%, depois de registrar 274,4% em 2016 e 180,9% em 2015. Os números, entretanto, encontram-se muito abaixo das estimativas da Assembleia Nacional, de consultorias independentes e de organismos multilaterais que calcularam a alta de preços do ano passado em mais de 1.700.000% (1,7 milhão por cento) e preveem que ela irá ultrapassar 10.000.000% (10 milhões por cento) em 2019.

A informação divulgada de surpresa nesta terça inclui a balança de pagamentos da empresa estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA) e as importações. Estas caíram de 57,18 bilhões de dólares em 2013 para 14,89 bilhões em 2018, um desmoronamento que começou bem antes de os Estados Unidos imporem sanções econômicas e petrolíferas ao país. A redução explica também o forte desabastecimento de bens que assola os venezuelanos. A curva coincide com a do rendimento das exportações petrolíferas, que caíram a um terço do que eram – de 85,6 bilhões de dólares em 2013 para 29,8 bilhões em 2018 –, por causa da abrupta diminuição na produção do petróleo bruto em decorrência da má gestão e corrupção na estatal. Neste ano, a produção de petróleo na Venezuela caiu ao seu mínimo histórico: 740.000 barris por dia, pela primeira vez abaixo da Colômbia, segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).

O relatório do BCV desenha uma economia totalmente arruinada. Segundo a instituição, o setor da construção civil caiu 95% entre o terceiro trimestre de 2013 e o terceiro trimestre de 2018, a indústria se contraiu 76%, e o comércio e instituições financeiras recuaram 79%. De acordo com os dados divulgados nesta terça-feira, no final de 2018 esse colapso se acelerou.

A reiterada desculpa de Nicolás Maduro para justificar a profunda crise na Venezuela, que também se expressa no aumento da pobreza e do desemprego após 18 meses de hiperinflação, é a “guerra econômica” que os Estados Unidos e outros países não alinhados a seu Governo estariam travando contra o país e o seu mandato.

Quanto à inflação acumulada nos primeiros quatro meses de 2019, o regime de Maduro tem uma estimativa pior que a da Assembleia Nacional, que a calculou em 666%, enquanto o BCV a situou em mais de 1.047%.


El País: Pacto após os protestos, a proposta de Bolsonaro que Toffoli abraça

Mandatário teve café da manhã com presidente do Supremo, da Câmara e do Senado nesta terça. Para Centrão, atos não alteram tensão de parlamentares com o Planalto

“O que ocorreu nos protestos a favor do Governo, no domingo, não altera em nada na relação com o Congresso. Nem pra mais nem pra menos, nem pro bem nem pro mal”. A avaliação é do deputado André de Paula, líder do PSD na Câmara. Essa análise ganha ares de consenso entre os membros do Centrão, o grupo de partidos de centro-direita que se declarou independente e tem sido o responsável por tocar as pautas do Legislativo brasileiro. O grupo, acusado de apenas achacar o presidente Jair Bolsonaro em troca de benesses e cargos, foi fustigado por parte dos manifestantes, que acabaram direcionando especialmente sua fúria para a figura de Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente da Câmara que foi eleito para o cargo com o apoio do partido do presidente Jair Bolsonaro, o PSL.

Nas ruas, outra tônica foi criticar o Supremo Tribunal Federal. Alguns pediam o impeachment de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Antonio Dias Toffoli. O último, presidente da Corte, decidiu até alterar sua rotina e não divulgar mais sua agenda previamente. A orientação dos responsáveis pela segurança do magistrado era de que ele poderia ser alvo de protestos mais diretos ou de agressões físicas.

É com essas imagens hostis ainda frescas que Bolsonaro propõe receber, para um café da manhã nesta terça-feira no Palácio do Planalto, todos os chefes dos poderes. “Essa voz das ruas não pode ser ignorada. É hora de retribuirmos esse sentimento. O que devemos fazer agora é um pacto pelo Brasil. Estamos todos no mesmo barco e juntos podemos mudar esse país”, leu o porta-voz da presidência, Otávio Rêgo Barros.

O próprio Bolsonaro já havia falado em "pacto" pelas reformas em entrevista à TV Record ainda na noite de domingo. Pela manhã, em entrevista à Globo News, Toffoli confirmou que os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) estavam discutindo a assinatura de um acordo para tentar "harmonizar" o país e declarar apoio às reformas econômicas. O pronto entusiasmo do presidente do Supremo pelo "pacto" e pela convivência sem sobressaltos com o Governo não surpreendeu. Ainda em novembro passado, Toffoli escreveu um artigo no EL PAÍS na qual propunha um "grande pacto" em termos semelhantes, ainda que tenha feito especial menção à defesa da liberdade de expressão no contexto de profunda polarização política..

O tamanho do entusiasmo de Rodrigo Maia e do Congresso pelo pacto, para além do endosso à reforma da Previdência pelo presidente da Câmara, ainda está por ser medido. Maia não fez declarações públicas nesta segunda e há incômodo pela virulência dos ataques. “Houve exageros nas críticas dos manifestantes contra o deputado federal Rodrigo Maia. Imprensa e políticos colocam Rodrigo como Centrão. Vou deixar claro uma coisa: o Democratas nunca será centrão”, defendeu o presidente do Democratas e prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto, no Facebook do partido.

assopra de Bolsonaro também terá que barrar um movimento crescente. É em torno de Maia que se organizam os caciques que gostariam de impor um "parlamentarismo branco" ao Governo Bolsonaro, ou seja: tirar o protagonismo do Planalto e só votar o que for do interesse das cúpulas parlamentares.

O líder do Solidariedade, Augusto Coutinho, disse que considerou o protesto relevante. Mas teme um acirramento do discurso radical de parte do Governo Bolsonaro. “Quando se incentiva a polarização, como o Governo fez, não é bom. Temos de nos concentrar nas reformas que temos para aprovar no Congresso”, analisou.

Oficialmente, no Palácio do Planalto, comemorou-se o fato de o bolsonarismo puro provar  nas ruas que existe, já que outros grupos direitistas como Movimento Brasil Livre e Vem Pra Rua não participaram do ato. Porém, nas conversas internas, há uma avaliação de que a manifestação foi fraca e, que em alguns momentos, extrapolaram a pauta de apoio à gestão federal, já que houve quem pedisse o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Foi o que destacou a oposição: “Foram manifestações centralmente contra a democracia”, disse a líder da minoria na Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Alguns estão menos convictos dos objetivos do Planalto a médio prazo. “Ele [Bolsonaro] se envolveu num primeiro momento, depois percebeu o óbvio, que manifestação popular começa como você prevê e termina como você não imagina. Onde ele queria chegar não se sabe”, diz André de Paula, do PSD.

El País: ‘Bolsonarismo puro’ se impõe nas ruas, mas não supera atos contra cortes na Educação

Presidente mantém calculada ambiguidade a respeito das marchas, que criticaram Centrão e STF. Primeiro ato após racha de grupos de direita mostra base ainda fiel ao presidente. Nova manifestação pela Educação está marcada para quinta-feira

O núcleo duro dos bolsonaristas exibiu força neste domingo, nas ruas do Brasil, para defender a agenda legislativa de Jair Bolsonaro e pressionar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), acusados de boicotar o presidente. A atitude do mandatário foi calculadamente ambivalente: o Gabinete não participou e o mandatário se desvinculou dos protestos, mas incentivou a mobilização ao postar vídeos de manifestantes no Twitter e manteve a tensão com os demais Poderes. Depois de sair do culto evangélico que frequenta, Bolsonaro declarou que a “manifestação espontânea” era um recado “para aqueles que, com suas velhas práticas, não deixam que o povo se liberte”.

Dezenas de milhares de pessoas marcharam em 156 cidades dos 26 Estados, segundo a contabilidade do portal G1, duas semanas após a primeira grande manifestação popular contra o ultradireitista, que protestou contra os cortes de verba para o Ministério da Educação. Em 15 de maio, os atos anti-Governo mostraram mais capilaridade, em alguns locais, mais força. Em plena quinta-feira laboral, aconteceram em 222 cidades, refletindo a queda de popularidade do Planalto. Como revelou o EL PAÍS nesta semana, pela primeira vez os brasileiros que opinam que a gestão Bolsonaro é ruim ou péssima (36%) são mais numerosos que os que a consideram boa ou ótima (29%), segundo pesquisa da consultoria Atlas Político.

As manifestações reuniram milhares vestidos com as cores da bandeira, um dos símbolos da direita anti-PT que ganhou as ruas desde 2015, mas não contaram com o apoio dos principais movimentos que fizeram campanha para tirar Dilma Rousseff da presidência, como o MBL (Movimento Brasil Livre) e Vem Pra Rua. O caminho de fustigar diretamente as instituições e flertar com teses antidemocráticas dos "bolsonaristas puros" desagradou inclusive esses coletivos e acabou por forçar um racha na coalizão direitista que elegeu o atual presidente. O mal-estar com a jornada atípica de manifestações apareceu no editorial da Folha de S. Paulo, que advertiu que “protestos a favor de quem detém o poder (...) com frequência objetivam enfraquecer os mecanismos de controle que impedem o chefe circunstancial do Executivo de atuar como se fosse um imperador.”

"Bolsonaro mobilizou um número expressivo de pessoas. O que resta ver é se, a partir disso, ele conseguirá mobilizar mais gente ou se esse é o limite do 'bolsonarismo puro", analisou Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP e que pesquisa regularmente a opinião de quem vai às ruas no país desde 2013. No Twitter, outro campo de batalha estratégico do presidente, a guerra de hashtags começou antes do início dos atos e seguia noite adentro com os comparativos e fotos que mostravam, a depender do emissário, a força ou o fracasso dos governistas. "Essa disputa narrativa indica que as manifestações tiveram um tamanho intermediário. Quer dizer, não foram um fiasco, mas também não foram um sucesso absoluto", acrescenta Ortellado.

Os discursos dos manifestantes

Os protestos foram convocados de maneira difusa nas redes sociais, especialmente por grupos de WhatsApp, uma ferramenta bem dominada pelo bolsonarismo, sem um único lema, e sim com palavras de ordem diversas. Incluindo algumas que, amparadas na reivindicação de se livrar para sempre da velha política, exigem explicitamente o fechamento da Câmara, do Senado e do STF, intérprete final da Constituição. Beth Pinhate, uma funcionária de 65 anos, compareceu a uma manifestação em frente à sede do Congresso, em Brasília, justamente para exigir isso e defender o presidente. “É preciso fechar o Congresso e o Supremo porque são todos vagabundos”, disse. “Fazem tudo mal, nada bem. Se fecharem o Congresso, o país vai para frente.” Eis a receita dessa ex-funcionária para tornar realidade a radical renovação política que o ex-militar prometeu na campanha.

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Afonso Benites

@afonsobenites

Beth Pinhate, funcionária pública, 65, fala que é a favor do fechamento do Congresso e do STF.

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Na Avenida Paulista, em São Paulo, os manifestantes ocuparam seis quarteirões (três deles lotados), com cinco carros de som, e acabaram, em geral, adotando a linha sugerida por Bolsonaro durante a semana: nada de propor explicitamente a eliminação de outros Poderes. "O Supremo precisa existir, mas deve ter regras. Precisa ser justo com todos e não apenas a favor da minoria", afirmou a professora Nilma de Oliveira, de 50 anos, na Avenida Paulista. "O Supremo está vendido, tem umas laranjas podres lá que acham que, com esse novo Governo, continuarão com o domínio", acrescentou Daniel Reis, designer gráfico de 41 anos. Apesar dos discursos anti-corrupção, os ouvidos avaliaram como fake news, e não como problema, o escândalo envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, investigado por suspeita de lavagem de dinheiro em transações de imóveis atípicas e suposta captação ilegal do salário de auxiliares.

Além do clã Bolsonaro, marcam pontos positivos na jornada o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, o mais bem avaliado do Governo, que ganhou até um boneco inflável gigante como super-homem, e até o seu colega da Economia, Paulo Guedes. Os manifestantes exigiram nas ruas a aprovação imediata do pacote de leis idealizado por Moro para combater o crime e a corrupção e também que os deputados apoiem a reforma da Previdência, uma lei impopular, amplamente adiada e que é urgente para atrair investimentos e oxigenar a economia. "Eu sou aposentada, mas continuo trabalhando para pagar minha contribuição e ajudar a pagar a aposentadoria dos que hoje são jovens. Não estou aqui por interesse próprio, estou aqui para garantir os direitos das gerações futuras. Por isso, precisamos das reformas do presidente Bolsonaro", disse Andrea Ferraz, de 62 anos, que atua como gestora de hotelaria, na av. Paulista.

O cerne dos discursos sempre ecoou o mote lançado pelo próprio Bolsonaro, que na semana passada difundiu um texto cujo autor qualificava o Brasil como “ingovernável” e apontava o dedo para as "corporações" que dominam o Congresso, o Judiciário sem nem sequer poupar as Forças Armadas das quais ele fez parte. "Bolsonaro continuará tensionando, estabelecendo uma dinâmica de antagonismo com as velhas elites, mas não a ponto de romper com as instituições democráticas, como o Congresso", aposta o professor Ortellado.

O fato de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, ter se transformado num alvo preferencial das críticas das ruas faz que os parlamentares projetem ainda mais tensão na relação do Congresso com o Planalto, independentemente da aprovação das mudanças da Previdência, que contam com o apoio de Maia. Os atos pró-presidente, que venceu as eleições com folga, não devem amainar as suas crescentes dificuldades para consolidar uma base de apoio estável e, devem, inclusive, dar mais fôlego ao sonho dos caciques partidários de tentar isolar o Planalto e implementar um "parlamentarismo branco", definindo a agenda do país.

O presidente comentaria mais longamente sua estratégia para o Parlamento em no último ato da operação desta jornada: uma entrevista ao jornalístico dominical da TV Record, a emissora aberta mais próxima do bolsonarismo. "Centrão virou um palavrão. A melhor maneira de mostrar que não tem motivo de satanizar esse nome é ajudar a votar aquilo que interessa para o Brasil. Agindo dessa maneira, haverá reconhecimento por parte da população", cobrou o presidente.

Com a economia dando sinais de problemas —nesta semana, será divulgada a primeira prévia do PIB do atual Governo—, Bolsonaro terá ainda que lidar com uma máquina estatal sem dinheiro. O presidente decidiu destinar verba para a Educação para tentar amenizar o congelamento dos recursos do orçamento para a área. Mas nem isso nem seu discurso algo mais ameno com os estudantes que protestara em 15 de maio ( ele disse ter "exagerado" ao chamá-los de "idiotas úteis") devem ser suficiente para desmobilizá-los. Alunos e professores já têm data para ir à ruas de novo, convocados pela UNE (União Nacional dos Estudantes). Será na próxima quinta-feira, dia 30.

Manifestação na av. Paulista, que neste mês também recebe uma exposição ao ar livre com obras dos cartunistas Angeli e Laerte.
Manifestação na av. Paulista, que neste mês também recebe uma exposição ao ar livre com obras dos cartunistas Angeli e Laerte. SEBASTIAO MOREIRA EFE