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Juan Arias: Bolsonaro está doente da alma
Sua soberba ficou, se isso é possível, mais evidente na maneira arrogante e provocadora com que anunciou que foi contaminado
Mais do que doente de coronavírus, o que aflige o presidente Jair Bolsonaro é algo muito mais grave, é uma doença da alma, uma doença sem cura.
Do vírus ele poderá se curar ou morrer, como todo mundo. No entanto, o mal que nele é grave é sua soberba, sua teimosia em querer negar as evidências. Primeiro, enquanto se gabava de sua condição de atleta e exibia sua imunidade, levando os outros a acreditar que era uma simples gripe que a ciência e a medicina exageravam e que ele não tinha nada a ver com os mortos. E enquanto os cadáveres se amontoavam e cresciam as lágrimas daqueles que perdiam seus entes queridos, Bolsonaro continuava rindo e minimizando o risco de contágio.
Sua soberba ficou, se isso é possível, mais evidente na maneira arrogante e provocadora com que anunciou que sim, que foi contaminado. Ao dar a notícia, nunca fora visto rindo com tanto gosto. Parecia até feliz. E manifestou sua felicidade ao afirmar que, no fim das contas, o coronavírus era “uma chuva” que iria molhar todo mundo. E chegou a provocar a ciência e a medicina recomendando novamente o uso da cloroquina, cuja eficácia não só não foi comprovada, como seu uso poderia piorar o quadro dos pacientes com o vírus.
Exatamente no momento em que poderia ter demonstrado à nação com um gesto de humildade que havia se equivocado ao minimizar a doença que de alguma forma tinha se vingado dele, permaneceu fiel à sua teimosia e soberba ao afirmar que se está exagerando a força da pandemia. E voltou a repetir que mais importante que as mortes e mais urgente é que todos voltem ao trabalho para render culto ao deus da economia.
Enquanto ouvia o presidente falar, em minhas veias sentia pena, raiva e vergonha por este país que merecia nestes momentos de tragédia nacional, com 66.000 mortos, uma palavra de consolo e não de arrogância de quem detém a mais alta autoridade do Estado.
Bolsonaro alardeia ser católico, evangélico e se importar mais com a Bíblia do que com a Constituição. Deveria saber que nesses textos fica evidente que todos os pecados podem ser perdoados, menos o da soberba que pressupõe que a pessoa se coloca acima de Deus. O vírus de Bolsonaro é de um gênero diferente dos milhões já contagiados. O seu é diabólico.
El País: Experimento inédito brasileiro deixa paciente livre de HIV
Estudo da Unifesp é o primeiro no mundo a obter êxito só com o uso de medicamentos. “Ainda não sabemos se ele está curado”, pondera coordenador da descoberta ao EL PAÍS
Pesquisadores brasileiros da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) afirmam ter conseguido, pela primeira vez por meio de medicamentos, eliminar o HIV do organismo de um paciente soropositivo. O homem, um brasileiro de 34 anos diagnosticado com o vírus em 2012, é o primeiro caso em todo o mundo de um paciente que passa a ter o vírus indetectável, e por um longo prazo, depois de tomar um coquetel intensificado de vários remédios contra a AIDS. O estudo será apresentado na 23ª Conferência Internacional de AIDS, o maior congresso do mundo sobre o assunto, que teve início nesta segunda-feira e ocorre de maneira remota por causa da pandemia de coronavírus.
O infectologista Ricardo Sobhie Diaz, coordenador do estudo e diretor do Laboratório de Retrovirologia do Departamento de Medicina da Unifesp, explica que esse é um passo importante, mas que ainda há uma caminhada longa pela frente. “Ainda não sabemos se ele está curado”, afirmou, por telefone, ao EL PAÍS. “Vamos refazer a pesquisa, usando os medicamentos que observamos que funcionaram melhor, e com um novo grupo de pacientes”.
Até hoje apenas três casos são considerados como cura erradicativa da AIDS em todo o mundo. São pacientes nos quais o vírus foi completamente removido e não se reapresentaram no organismo: um caso ocorreu na Inglaterra e dois na Alemanha. Nos três casos, os pacientes, também vítimas de leucemia, receberam um transplante de medula óssea de doadores que não produzem uma determinada proteína, cuja presença no sangue é necessária para que o HIV possa se reproduzir. O estudo brasileiro é, portanto, o primeiro a lograr êxito somente com tratamento medicamentoso, sem transplante de medula.
Diaz explica que para realizar a pesquisa foram recrutados 30 pacientes soropositivos. Todos deveriam estar em tratamento com o coquetel antirretroviral —que é praxe no caso de soropositivos—, e os medicamentos deveriam estar funcionando há ao menos dois anos. Eles foram divididos em seis grupos de cinco pessoas e cada grupo recebeu uma combinação diferente de medicamentos, além do tratamento padrão.
O grupo com o melhor resultado foi o que recebeu dois antirretrovirais a mais que os outros, o Dolutegravir e o Maraviroc. Além disso, eles também receberam a Nicotinamida e a Auranofina. Grosso modo, essas drogas atuam em diferentes frentes, tanto estimulando a imunidade, quanto fazendo com que o vírus “apareça” no organismo, isto é, tirando ele do estado de latência e possibilitando então que os anticorpos o encontrem e o combatam. Deste grupo, um paciente é o que marcou o sucesso da pesquisa: ele está há 17 meses sem a presença do vírus no corpo. “Eu me sinto livre”, disse, sob anonimato, à rede CNN.
O infectologista Valdez Madruga, coordenador do comitê de HIV da Sociedade Brasileira de Infectologia, classifica o estudo como “bastante promissor”. “Se um paciente em cinco está livre do vírus, isso significa uma taxa de 20% de sucesso”, diz. “Se esse tratamento foi capaz de curar uma pessoa, há esperança para outras pessoas que possam entrar nessa mesma circunstância”.
Esse tipo de estudo, realizado em pequena escala, é o que cientistas chamam de prova do conceito. A primeira fase durou 48 semanas e a nova etapa da pesquisa, que além dos 30 pacientes iniciais convocará mais outros 30, deve ter início até o final do ano, segundo Ricardo Diaz. “E os primeiros resultados já aparecem depois de seis meses que eles estão tomando os medicamentos”, explica.
“Cura”
O HIV é o vírus da imunodeficiência humana. Ele ataca o sistema imunológico e pode desenvolver a AIDS, doença cujos primeiros casos foram notificados no início dos anos 80. Muitas pessoas em todo o mundo convivem com o vírus, mas, no entanto, não desenvolvem a doença. Ainda assim, quem carrega o vírus no corpo pode transmiti-lo para outras pessoas mesmo sem nunca ter manifestado a enfermidade.
No mundo todo, a Unaids, programa das Nações Unidas para o combate à AIDS, calcula que cerca de 38 milhões de pessoas convivem com o HIV atualmente. No Brasil, o Ministério da Saúde estimava que até o ano passado, 866.000 pessoas viviam com o vírus. Relatório das Nações Unidas do ano passado mostra que a taxa de contágio do vírus cresceu 7% entre 2010 e 2018 na América Latina, uma alta puxada pelo Brasil.
Os casos que são considerados como cura erradicativa, ou seja, em que os pacientes se livraram do vírus sem que ele voltasse, são três até o momento. O primeiro foi o do norte-americano Timothy Ray Brown, hoje com 54 anos. Além de HIV, ele tinha leucemia e por isso passou por um transplante de medula óssea. Como já explicado, a estratégia usada foi encontrar um doador que não produzisse uma certa proteína que é essencial para que o HIV se reproduza. Pessoas que não produzem essa proteína têm uma mutação genética rara que causa uma distrofia muscular e também as torna imunes ao vírus.
Encontrado o doador nessas condições e feito o transplante, Brown venceu o HIV em 2007 e ficou conhecido como “paciente de Berlim”, pois vivia na capital alemã. Quase 12 anos depois, a mesma estratégia foi utilizada em um paciente em Londres, em um caso chamado pelos pesquisadores de “remissão em longo prazo”. O terceiro caso é conhecido como “paciente de Düsseldorf”, cidade na Alemanha onde vive o paciente que também recebeu um transplante de medula óssea nos mesmos moldes que os dois primeiros, em 2013, e está em acompanhamento. Até o momento, ele não teve mais detectada a carga viral do HIV no organismo.Adere a
El País: 'Estamos só no começo da pandemia do coronavírus', diz Peter Piot
Pesquisador belga opina que a segunda onda poderia assumir uma forma diferente da primeira
Annette Ekin, Revista Horizon
Estamos apenas no começo da pandemia do coronavírus, embora a segunda onda deva assumir uma forma diferente da primeira. Quem afirma é o veterano virologista Peter Piot, que passou os últimos 40 anos seguindo a pista de diferentes vírus para combatê-los. O professor Piot (Lovain, Bélgica, 1949) colaborou na descoberta do ebola quando tinha 27 anos e é um dos líderes do combate ao HIV e à AIDS. O cientista, diretor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres e assessor especial para o coronavírus da presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, contraiu o SARS-CoV-2 no começo deste ano. Nesta entrevista, ele fala da maneira como a covid-19 mudou seu ponto de vista sobre a doença, de por que precisamos de uma vacina e das consequências da pandemia em longo prazo.
Pergunta. Depois de 40 anos procurando o vírus, recentemente você se viu de frente com o coronavírus. Como se encontra?
Resposta. Levei três meses para me recuperar desde que adoeci, mas agora volto a me sentir mais ou menos normal. Entretanto, [minha experiência] me ensinou que a covid-19 é algo mais que uma gripe, ou uma doença que faz que 1% dos pacientes precisem de cuidados intensivos e morram. Entre esses dois extremos há muita coisa. Mas me serviu para entendê-lo melhor. Agora conheço o vírus por dentro, não só por estudá-lo ou lutar contra ele. É uma perspectiva muito diferente.
P. Em que sentido?
R. Acima de tudo, esta é uma crise relacionada com os seres humanos. Boa parte das comunicações oficiais sobre a covid-19 falam em achatar a curva, e apenas de seres humanos. Em segundo lugar, quanto à percepção, o fato é que não é uma questão de “ou gripe ou UTI”. Ele vai deixar muita gente com afecções crônicas. Por isso, pessoalmente, me faz me sentir duplamente motivado para lutar contra o vírus. Depois de ter lutado contra vírus durante a maior parte da minha vida, agora um me alcançou, mas acho que é também a experiência humana que muda as coisas. É o que em holandês chamamos de ervaringsdeskundige [um especialista que aprendeu na prática]. Vem da política social. De modo que não se trata de que os especialistas digam às pessoas o que é bom para elas. Também se fala com os afetados. E eu venho do movimento da AIDS. No HIV, nem nos ocorria desenhar, desenvolver e muito menos realizar uma pesquisa sem envolver pacientes infectados com HIV. E essa é mais ou menos minha forma de pensar.
P. Há atualmente mais de dez milhões de casos de covid-19 em todo o mundo, e a pandemia está se espalhando pela América Latina. Qual é sua perspectiva da situação atual?
R. Bom, francamente, o primeiro é que as cifras ficam aquém, sem dúvida, porque estes são os casos confirmados. De modo que provavelmente estaríamos mais perto de superar com sobras os 20 milhões, e em breve, o meio milhão de mortes. Junto com o HIV, transformado agora em uma epidemia silenciosa que continua matando 600.000 pessoas por ano, e a gripe espanhola [de 1918], o coronavírus é certamente não só a maior epidemia, mas também a maior crise social em tempos de paz. Se pensarmos na Europa, praticamente todos os países conseguiram conter a expansão do vírus, e essa é uma boa notícia. As sociedades estão voltando a funcionar e relaxando algumas medidas. E agora temos que nos preparar para a chamada segunda onda. Espero que não seja um tsunami, e sim algo mais parecido com os surtos que já temos, por exemplo, em um frigorífico da Alemanha ou em lugares de lazer noturno, na Coreia [do Sul]. No Reino Unido continuamos tendo surtos em alguns asilos de idosos. Acredito que agora tenhamos que nos preparar para isso. O fato é que estamos só no começo desta pandemia. Enquanto houver pessoas propensas a se infectarem, o vírus estará muito predisposto a fazê-lo, porque necessita de nossas células para sobreviver.
P. Há alguma razão para o otimismo?
R. A boa notícia é também a colaboração científica, que não tem precedentes. É difícil seguir o ritmo da nova informação e da ciência que está sendo publicada sobre algo que, embora pareça incrível, tem apenas cinco meses. Às vezes digo a mim mesmo: “Meu Deus, como vou me manter informado de todas as publicações?” Mas, por outro lado, é um problema bom, porque nas epidemias anteriores a informação não era compartilhada. Também é inédito que as empresas e os países estejam investindo enormemente no desenvolvimento de vacinas, medicamentos e outros. De modo que é um raio de esperança.
P. Se estamos só no começo da pandemia, quanto ela poderia durar?
R. Não tenho bola de cristal, mas poderia durar vários anos. Eu diria que, em curto ou médio prazo, uma vacina significaria uma enorme diferença, embora duvide de que seja uma vacina 100% eficaz. Ouvimos promessas de que em outubro talvez disponhamos de centenas de milhões de vacinas. Para todos os efeitos práticos, é mais provável que seja em 2021, e isso realmente poderia ajudar a controlar a epidemia em grande medida. Mas continuaremos tendo que mudar nossa forma de nos relacionar com outros. Se observarmos o Japão, por exemplo, há gerações eles usam máscara para proteger os outros, inclusive quando têm um simples resfriado. De modo que, além de esperar esta vacina mágica, é necessária uma mudança de conduta em grande escala.
P. O mutirão organizado pela Comissão Europeia arrecadou quase 10 bilhões de euros (60 bilhões de reais) em doações, a serem distribuídas entre vacinas, tratamentos, exames e o reforço dos sistemas sanitários. Na sua opinião, quais são as prioridades para gastar este dinheiro? E é suficiente?
R. Esta maratona de doações é necessária por duas razões: para assegurar que haverá dinheiro e para garantir o acesso equitativo às vacinas e outros recursos. A maior necessidade é o desenvolvimento da vacina e sua fabricação. Mas o mais importante é que [os recursos] não são só para pesquisa e desenvolvimento, mas também para criar mecanismos que permitam o acesso de países pobres ou que não são produtores de vacinas. Alguém poderia achar que é muitíssimo dinheiro, mas não é suficiente.
P. Por que não?
R. O insólito, também, é que estamos falando de bilhões, não de milhões, de pessoas que terão que ser vacinadas. Nunca se tentou. Aproximadamente quatro ou cinco bilhões de pessoas precisarão ter acesso a esta vacina. E isso significa também bilhões de ampolas de vidro para embalá-la. É preciso se ocupar de todas essas coisas básicas. Empresas e Governos têm que apostar e investir na fabricação de vacinas sem saber nem mesmo se essa vacina irá funcionar de fato. É um grande desafio, mas por isso é preciso também dinheiro público, porque será um bem público. E há também o problema do “nacionalismo da vacina”. Começou quando os Estados Unidos disseram que as vacinas produzidas nos Estados Unidos seriam para os norte-americanos. E se todos os países começarem a fazer isso, a maioria dos habitantes do mundo ficará excluída, porque só alguns quantos países produzem vacinas.
P. Como asseguramos então que ninguém ficará de fora?
R. É a grande pergunta. Acho que, definitivamente, será uma questão política. E por isso insisto em que o acesso equitativo deve ser parte da iniciativa de doações lançada pela Comissão. Não se trata só de juntar dinheiro para desenvolver a vacina. Trata-se de juntar dinheiro para desenvolver uma vacina acessível a todos os que precisarem. É muito diferente.
P. No mês passado, você declarava em uma entrevista que aprendemos à medida que navegamos, e que sem vacina não será possível retomar a vida normal. Continua pensando o mesmo?
R. De maneira um pouco mais matizada. Agora digo que vamos aprendendo à medida que corremos, porque navegar é um pouco lento. Neste momento, todo mundo corre. E continuo achando que, sem vacina, será extremamente difícil recuperar uma sociedade normal. Tudo dependerá de que as vacinas protejam contra a transmissão. Em outras palavras, de que, se eu me vacinar, não possa contrair a doença ou, como no caso da gripe, que a vacina seja especialmente útil para prevenir o desenvolvimento da doença em forma grave e da mortalidade. Há muitos elementos desconhecidos. Na minha opinião, essa é a maior prioridade para a ciência e para essa resposta, porque se não houver vacina significará que teremos que conviver por anos com este vírus.
P. Há alguma candidata a vacina que o entusiasme e que possa se destacar sobre as demais?
R. Não, porque há umas quantas. Mas o bonito neste momento é que há muitos enfoques muito diferentes para obter uma vacina. Você tem as de RNA (mensageiro) e outras que utilizam métodos mais tradicionais. Pessoalmente, sou agnóstico.
P. Mesmo que uma vacina possa impedir que as pessoas adoeçam, você mencionou que muitos sofrerão afecções crônicas. Como deveria ser a resposta de mais longo prazo?
R. Estamos todos ocupados com a crise aguda e, embora agora tenhamos um pouco de tempo para nos prepararmos para estes surtos da segunda onda, também precisamos olhar mais em longo prazo. Isto é evidente no que diz respeito ao impacto econômico e social, mas também para o impacto para a saúde mental não só da epidemia, mas também das medidas para rebatê-la —o confinamento, as crianças sem irem à escola etc.— que poderiam realmente exacerbar as desigualdades e as injustiças sociais. Frequentemente, as epidemias revelam as linhas divisórias da sociedade e acentuam as desigualdades. É algo que vai muito além dos aspectos biológicos e médicos, mas é o que temos que planejar agora.
Este artigo foi originalmente publicado em inglês na ‘Horizon’, a revista de pesquisa e inovação da União Europeia. A apuração deste artigo foi financiada pela UE.
El País: STF reage a Bolsonaro e apoiadores e diz que usará “todos os remédios” para defender Corte e democracia
Toffoli lamenta ameaças “estimuladas por integrantes do Estado” após ato contra tribunal com fogos. PGR pede investigação sobre invasões de hospitais incentivadas pelo presidente
A semana em Brasília se inicia da mesma forma como todas têm começado ―e terminado― desde o início da pandemia de coronavírus: com alta tensão entre os Poderes da República. Após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux deferir liminar para esclarecer o escopo de atuação das Forças Armadas ―respondendo a ação do PDT―, e o presidente Jair Bolsonaro assinar nota junto com o ministro da Defesa para reafirmar a possibilidade de interferência dos militares, manifestações do procurador-geral da República e do presidente do STF mostram que a crise política está longe de esfriar. Neste domingo, Augusto Aras anunciou que vai solicitar a procuradores-gerais dos Ministérios Públicos estaduais que apurem invasões de hospitais em São Paulo e Distrito Federal. Invasões essas incentivadas pelo presidente da República durante sua live semanal de Facebook, na quinta-feira passada. Já Antonio Dias Toffoli lamentou ameaças ao Supremo “estimuladas por integrantes do próprio Estado” após cerca de 30 manifestantes dispararem fogos de artifício na direção do tribunal na noite de sábado ―o episódio também virou alvo de investigação preliminar na PGR.
“Infelizmente, na noite de sábado, o Brasil vivenciou mais um ataque ao Supremo Tribunal Federal, que também simboliza um ataque a todas as instituições democraticamente constituídas”, lamentou Toffoli em nota. O presidente do STF fez questão de destacar que atitudes como o protesto com fogos “têm sido reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado”, sem mencionar nomes. O presidente da Corte Suprema diz ainda que o tribunal “jamais se sujeitará, como não se sujeitou em toda a sua história, a nenhum tipo de ameaça, seja velada, indireta ou direta e continuará cumprindo a sua missão”. E finaliza: “Guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal repudia tais condutas e se socorrerá de todos os remédios, constitucional e legalmente postos, para sua defesa, de seus Ministros e da democracia brasileira.”
O ministro Alexandre de Moraes, que tem protagonizado decisões que contrariam o Palácio do Planalto, como o bloqueio da nomeação de Alexandre Ramagem para comandar a Política Federal e a ordem para que o Ministério da Saúde voltasse a publicar todas as informações sobre a pandemia de coronavírus, se uniu ao colega de STF por meio de seu perfil no Twitter: “O STF jamais se curvará ante agressões covardes de verdadeiras organizações criminosas financiadas por grupos antidemocraticos que desrespeitam a Constituição Federal, a Democracia e o Estado de Direito. A lei será rigorosamente aplicada e a Justiça prevalecerá”.
Outro ministro da Corte Suprema, Luis Roberto Barroso, engrossou o coro. “Há no Brasil, hoje, alguns guetos pré-iluministas. Irrelevantes na quantidade de integrantes e na qualidade das manifestações. Mas isso não torna menos grave a sua atuação. Instituições e pessoas de bem devem dar limites a esses grupos. Há diferença entre militância e bandidagem”, tuitou. Barroso disse recentemente em entrevista a meios estrangeiros, incluindo o EL PAÍS, que “não há risco de voltarmos a ser uma república de bananas". "Nós amadurecemos. Muito menos os militares querem isso”, comentou.Renato Souza✔@reporterenato
Há pouco, grupos de manifestantes do acampamento "300 pelo Brasil" lançou fogos de artifício em direção ao Supremo Tribunal Federal, na Esplanada dos Ministérios. O governador do DF, Ibaneis Rocha, decretou o fechamento da Esplanada dos Ministérios para evitar ataques.
O Ministério Público Federal determinou neste domingo abertura de investigação sobre o protesto em que foram disparados fogos contra o prédio do STF. Além disso, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, exonerou o subcomandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), coronel Sérgio Luiz Ferreira de Souza, que era o responsável pelo patrulhamento na capital federal enquanto o comandante Julian Rocha Pontes se recupera da infecção por coronavírus. Ibaneis também decretou o fechamento da Esplanada dos Ministérios neste domingo, citando “ameaças declaradas por alguns dos manifestantes” e destacando a necessidade de “contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública”.
Na sexta-feira, ao responder a liminar de Fux, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) divulgou nota assinada pelo presidente, pelo vice, Hamilton Mourão, e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo, para dizer que as Forças Armadas “não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos”. Não ficou claro se falavam dos riscos aos mandatos do presidente e de seu vice por conta de um julgamento no Tribunal Superior Eleitoral ou das decisões do STF que limitam os movimentos de Bolsonaro ―e a mensagem parece ter sido feita sob medida para deixar essa dúvida no ar. O ministros do STF não responderam à nota diretamente, mas parecem ter aproveitado o protesto da noite de sábado para fazê-lo de forma indireta.
Hospitais
Um quarto ministro do STF se manifestou publicamente neste domingo, mas para criticar a invasão de hospitais durante a pandemia. “Invadir hospitais é crime ―estimular também. O Ministério Público (a PGR e os MPs Estaduais) devem atuar imediatamente. É vergonhoso ―para não dizer ridículo― que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração, colocando em risco a saúde pública”, disse Gilmar Mendes, também por meio de seu perfil no Twitter.
Mendes tomou o cuidado de não citar o nome de Bolsonaro, e nem precisava. Na quinta-feira, ao falar por meio de seu Facebook, o presidente foi bem claro: “Tem um hospital de campanha perto de você, tem um hospital público? Arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer, para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não. Isso nos ajuda”.
Investigação e desfalque na equipe econômica
Após circularem notícias sobre invasões ou tentativas de entrar em hospitais, o procurador-geral da República anunciou neste domingo que pedirá aos procuradores-gerais de São Paulo e Brasília apuração sobre a invasão do hospital de campanha do Anhembi por parlamentares estaduais e a agressão de um profissional de saúde em frente ao Hospital Regional da Ceilândia, no Distrito Federal. “Condutas dessa natureza colocam em risco a integridade física dos valorosos profissionais que se dedicam, de forma obstinada, a reverter uma crise sanitária sem precedentes na história do país”, escreveu Aras. Na última sexta-feira, também foram registradas ações de parlamentares regionais em hospitais do Espírito Santo e do Ceará.
A resposta do Governo federal a tudo isso coube ao ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça. Em nota vaga publicada no início da noite, ele parece defender os manifestantes que protestaram contra o STF, mas pede autocrítica a todos. “A democracia pressupõe, acima de tudo, que todo poder emana do povo. Por isso, todas as instituições devem respeitá-lo. Devemos respeitar a vontade das urnas e o voto popular. Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana”, escreveu o ministro. "Todos devemos fazer uma autocrítica. Não há espaço para vaidades. O momento é de união. O Brasil e seu povo devem estar em 1º lugar”.
Como se já não bastasse a crise política, a semana começa ainda com incerteza no front econômico. Vários veículos deram como certa a saída, em breve, do secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. Respeitado no mercado e tido como pilar da diretriz da equipe econômica pelo estrito equilíbrio fiscal, a troca acontece no momento em que se aprofunda a crise econômica detonada pela pandemia do novo coronavírus e quando o Governo debate a prorrogação do auxílio financeiro destinado aos mais pobres e informais durante a emergência sanitária.