efeito estufa
Por que Europa enfrenta onda de calor recorde, com incêndios e mortes?
BBC News Brasil*
Dados ainda não confirmados indicam que a noite de segunda para terça-feira foi a mais quente já registrada no Reino Unido. As mínimas registradas foram de 25°C, superando o recorde anterior de 23,9°C, registrado em agosto de 1990.
Na segunda-feira (18/7), a temperatura mais alta no Reino Unido foi registrada em Suffolk, na Inglaterra: 38,1°C. O número ficou pouco abaixo do recorde do Reino Unido de 38,7°C, estabelecido em 2019.
Grande parte da Inglaterra está no alerta máximo para o calor.
Na França, também foi emitido um alerta de calor extremo. O norte da Espanha registrou temperaturas de 43°C na segunda-feira. Incêndios florestais provocaram mortes na França, Portugal, Espanha e Grécia, e forçaram milhares de pessoas a deixar suas casas.
Duas pessoas morreram em incêndios florestais na região noroeste de Zamora, na Espanha, e os trens na área foram interrompidos por causa de fogo perto dos trilhos. Um casal de idosos morreu ao tentar escapar de incêndios no norte de Portugal.
Aquecimento global
Por que o calor é tão extremo na Europa? A maioria dos cientistas que trabalha com clima afirma que a resposta para essa pergunta é o aquecimento global.
O Met Office estima que a probabilidade de haver calor extremo na Europa aumentou em dez vezes por causa das mudanças climáticas.
As temperaturas médias mundiais aumentaram um pouco mais de 1°C além dos níveis pré-industrialização, no século 19.
Um grau pode não parecer muita coisa. Mas este é o período mais quente da história dos últimos 125 mil anos, de acordo com o órgão de ciência climática da ONU, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Já se sabe o que está por trás disso — as emissões de gases de efeito estufa causadas pela queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás, que retêm o calor em nossa atmosfera. Eles contribuem para aumentar a concentração de dióxido de carbono para os níveis mais altos em 2 milhões de anos, de acordo com o IPCC.
Então, o que vai acontecer com o clima?
A meta estabelecida pela ONU é limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Isso poderia evitar os impactos mais perigosos das mudanças climáticas.
Para fazer isso, as emissões precisam atingir o seu pico até 2025 — ou seja, em apenas dois anos e meio.
As emissões de CO2 das matrizes de energia aumentaram 6% em 2021, atingindo 36,3 bilhões de toneladas, o nível mais alto de todos os tempos, estima a Agência Internacional de Energia.
As emissões precisariam cair em, no mínimo, 43% até o final desta década, de acordo com o IPCC.
O mundo teria de reduzir as emissões líquidas anuais a zero até 2050. Isso significa cortar os gases de efeito estufa o máximo possível e ainda encontrar maneiras de extrair CO2 da atmosfera.
É um enorme desafio — muitos acreditam ser o maior que a humanidade já enfrentou.
No ano passado, líderes mundiais fizeram promessas na COP 26, uma grande conferência da ONU na Escócia. Se todas as promessas dos governos fossem realmente implementadas, ainda assim as temperaturas subiriam cerca de 2,4°C em relação aos níveis pré-industriais até o final do século.
Mas mesmo que consigamos reduzir as emissões para essa meta ambiciosa de 1,5°C, os verões do Reino Unido continuarão a ficar mais quentes.
"Em algumas décadas, este verão [de 2022] pode vir a ser considerado frio", diz a climatologista Friederike Otto, professora da Universidade Imperial College London, na Inglaterra.
Para o professor Nigel Arnell, cientista climático da Universidade de Reading, também na Inglaterra, devemos esperar ondas de calor cada vez mais longas no futuro.
O que países como o Reino Unido, que enfrentam temperaturas recordes, estão fazendo? Muito pouco, segundo o Comitê de Mudanças Climáticas (CCC), que assessora o governo sobre mudanças climáticas.
Um relatório do CCC sobre as ações do Reino Unido alerta que as políticas atuais do governo dificilmente darão resultado. Segundo o texto, o governo estabeleceu muitas metas e implementou muitas políticas, mas alerta que há "poucas evidências" de que as metas serão cumpridas.
E o país não estaria fazendo o suficiente para se preparar para as ondas de calor mais frequentes e intensas no futuro.
Ondas de calor causaram mais 2 mil mortes em 2020, de acordo com a Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido.
*Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.
Brasil é 4º no mundo em ranking de emissão de gases poluentes desde 1850
Brasil pretende enfatizar o argumento que países desenvolvidos poluíram muito mais ao longo da história para enriquecer
Nathalia Passarinho / BBC News Brasil em Londres
Mas uma nova pesquisa sobre acumulado histórico de emissões de gás carbônico põe o Brasil entre os maiores poluidores do mundo. No estudo, que leva em consideração pela primeira vez o desmatamento ao contabilizar a liberação de CO2, o Brasil aparece em quarto lugar no ranking de emissões desde 1850.
A China, gigante emergente que só pretende começar a reduzir suas emissões a partir de 2030, é apontada como o segundo maior emissor de gases do efeito estufa no acumulado histórico, atrás dos Estados Unidos.
O levantamento foi feito pelo think tank internacional Carbon Brief e leva em conta dados de emissões de queima de combustível fóssil, mudanças no uso do solo, produção de cimento e desmatamento de 1850 a 2021. Pesquisas anteriores consideravam no cálculo as emissões decorrentes de queima de combustível, sem incluir a poluição provocada pela destruição de florestas.
Brasil e Indonésia sobem ao top 5 da poluição
A mudança de metodologia altera a lista de top 20 maiores poluidores históricos. Pesquisa de 2019 da Carbon Brief, que só considerava emissões por queima de combustível, apontava EUA, China, Rússia, Alemanha e Reino Unido com os cinco maiores emissores.
O estudo atualizado, publicado em outubro, inclui Brasil e Indonésia entre os grandes emissores, por causa da liberação de CO2 na atmosfera decorrente de desmatamento e manuseio do solo ao longo dos últimos 171 anos.
Conforme esse novo ranking, os cinco países que mais poluíram desde a Revolução Industrial, de 1850 a 2021, são: EUA, China, Rússia, Brasil e Indonésia. No Brasil e na Indonésia, a maior parte das emissões vem da derrubada de florestas e uso do solo para pecuária e agricultura, não da queima de combustíveis fósseis, como ocorre com os demais grandes poluidores.
Portanto, conforme ambientalistas, pesquisas que não consideram emissões decorrentes de desmatamento, negligenciam as peculiaridades da poluição brasileira.
Segundo Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, organização que calcula anualmente as emissões no Brasil, nos últimos 30 anos, cerca de 80% das emissões do país foram decorrentes de desmatamento e uso do solo para pecuária.
"Se você pegar os últimos 30 anos, 73% do das emissões do planeta estão na área de energia. Se você pegar os últimos 30 anos no Brasil, 55% das emissões são por desmatamento. Se você incluir emissões decorrentes da pecuária brasileira, a gente bate na casa dos 80%", disse Astrini à BBC News Brasil.
A discussão sobre responsabilidades no controle das mudanças climáticas vai ser central na reunião da COP26, que acontece do dia 31 de outubro a 12 de novembro em Glasglow, na Escócia. No encontro, líderes de mais de 100 países vão negociar novos compromissos para garantir a meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento global em 1,5°C.
Países pobres e em desenvolvimento devem cobrar mais compensações de nações ricas e destacar que elas falharam em cumprir o compromisso de contribuir com US$ 100 bilhões por ano em ações para mitigação das mudanças climáticas.
Por sua vez, EUA, Reino Unido e União Europeia tentam obter de grandes países emergentes, como Brasil, Rússia, China e Índia, compromissos mais ambiciosos de controle do desmatamento e redução de emissões.
A expectativa é que o Brasil seja um dos países mais pressionados, por causa do grande crescimento do desmatamento e das queimadas da Amazônia nos três primeiros anos de governo Bolsonaro.
Nessa queda de braço entre países ricos e em desenvolvimento, a responsabilidade de cada país pelo aquecimento do planeta será medida, entre outras maneiras, pelo seu volume atual e histórico de emissões.
O que revela o novo ranking
O levantamento publicado pela Carbon Brief sugere que os países com maior acúmulo de emissões desde o início da Revolução Industrial seriam, também, os maiores responsáveis pelas mudanças climáticas.
"A história importa porque o acumulado de dióxido de carbono emitido desde o início da Revolução Industrial está intimamente ligada ao aquecimento de 1,2°C que já ocorreu", escreve o autor do estudo, Simon Evans.
"Emissões de CO2 de centenas de anos atrás continuam a contribuir para o aquecimento do planeta, e o aquecimento atual é determinado pelo total de emissões acumuladas ao longo do tempo."
Desde 1850, as ações humanas foram responsáveis por emitir 2,5 trilhões de toneladas de CO2 na atmosfera, conforme o estudo. Em primeiro lugar no ranking de poluição, os Estados Unidos seriam responsáveis por 20% do total de emissões. A China aparece em segundo lugar, como responsável por 11% do CO2 global.
A Rússia vem em seguida, com 7% das emissões. O Brasil, segundo o estudo, é responsável por 5% do total de emissões nos últimos 171 anos e a Indonésia, por 4%.
Segundo a pesquisa, é a partir de 1950 que a aceleração do desmatamento nesses dois países começa a provocar aumento significativo de emissões.
"As florestas tropicais de Brasil e Indonésia já passavam por desmatamentos no final do século 19 e início do século 20, para produção de borracha, tabaco e outros. Mas o desmatamento começou 'para valer' por volta de 1950, incluindo pecuária, extração de madeira e plantações de óleo de palma", diz o estudo publicado pelo Carbon Brief.
Conforme a pesquisa, o Brasil emitiu 112,9 bilhões de toneladas de CO2 (GtCO2) desde 1850. Mais de 85% desse volume estaria associado à derrubada de florestas. Dos 20 maiores poluidores, o Brasil lidera na categoria desmatamento e emissões associadas ao uso da terra.
O estudo aponta ainda que Alemanha e Reino Unido respondem por 4% e 3% do total histórico de emissões, respectivamente. Mas esse percentual não leva em conta a poluição que eles causaram no exterior, no período em que colonizaram nações. Portanto, a responsabilidade histórica deles pode ser muito maior do que os números revelam.
O que o novo ranking significa para o Brasil?
Integrantes do governo brasileiro reiteradamente usam o argumento de que o Brasil não é um grande poluidor, para defender que cobranças de metas ambiciosas para controle climático devem ser dirigidas a países ricos.
Diferentes pesquisas que não levam em conta desmatamento na contabilidade de emissões colocam o Brasil na sétima ou sexta posição no ranking de emissões, como responsável por cerca de 3% do total de CO2 na atmosfera.
A equipe de negociadores brasileiros vai apresentar à COP26 um documento que argumenta que o Brasil não é um grande emissor de CO2 e que, portanto, seu compromisso voluntário de cortar em 43% as emissões até 2030, levando como base o ano de 2005, é ambicioso o suficiente.
"O NDC (documento em que países apresentam metas climáticas) do Brasil é mais ambicioso do que o de vários países do G20. O Brasil responde por menos de 3% das emissões globais e nosso compromisso inclui uma meta não só para 2030, mas também uma meta de curto prazo, para 2015, o que permite melhor monitorar as ações de mitigação", diz o texto da delegação brasileira, a que BBC News Brasil teve acesso.
Na COP26, o Brasil vai se comprometer a reduzir em 37% as emissões até 2025, em 43% até 2030 e alcançar a neutralidade de carbono em 2050- quando as emissões são reduzidas ao máximo e as restantes são integralmente compensadas com reflorestamento para absorção de CO2 da atmosfera ou tecnologias de captura de carbono.
Nesta semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também lançou o argumento de que o Brasil não é grande poluidor, ao criticar cobranças de redução do desmatamento.
"Não é possível que o Brasil seja tratado como vilão da poluição internacional. Quando pegamos fluxos de poluição, o Brasil tem 1,7%, a Europa tem 15%, os Estados Unidos têm 15%, a China tem 30%. Como pode o país que menos polui ser o mais agredido internacionalmente? Evidentemente há interesses políticos e comerciais por trás", disse Guedes, sem especificar de onde tirou esses percentuais.
Mas, para ambientalistas, o levantamento que aponta o Brasil como quarto maior emissor histórico de carbono coloca o país em posição de grande responsabilidade para o controle das mudanças climáticas.
"O Brasil é um dos maiores emissores do mundo. Atualmente, ele está em sexto lugar em emissões e é o quarto maior em emissões históricas. Então, tem papel importante na redução de emissões, apesar de ainda ser um país em desenvolvimento com desafios para redução de pobreza", afirmou à BBC News Brasil Carlos Rittl, especialista em políticas públicas da Rain Forest Foundation, ONG ambiental da Noruega.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/geral-59065359
ONU alerta que pandemia não freou aquecimento global
Chefe das Nações Unidas diz que será impossível alcançar meta do Acordo de Paris sem cortes de emissões imediatos e em grande escala
Um relatório sobre as mudanças climáticas divulgado pela ONU nesta quinta-feira (16/09) alerta que a pandemia de covid-19 não diminuiu o ritmo das mudanças climáticas.
A desaceleração econômica e os lockdowns relacionados ao coronavírus causaram apenas uma queda temporária nas emissões de CO2 no ano passado, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
"Houve quem pensasse que os lockdowns devido à covid teriam um impacto positivo na atmosfera, mas não foi o caso", disse o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, em entrevista coletiva.
O documento reúne os últimos dados científicos e descobertas relacionadas às mudanças climáticas, afirmando que, entre janeiro e julho, as emissões globais de CO2 associadas ao uso de combustíveis fósseis nos setores de energia e indústria já voltaram ao mesmo nível ou estão acima do mesmo período em 2019, antes da pandemia.
O Acordo de Paris sobre mudanças climáticas de 2015 estabeleceu como objetivo limitar o aumento da temperatura global a até 2 °C em relação ao nível pré-industrial, ficando idealmente mais perto de 1,5 °C.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que essa meta de limitar o aquecimento global a 1,5 °C será impossível sem cortes de emissões imediatos. "Ainda estamos significativamente atrasados para cumprir as metas do Acordo de Paris", disse.
"A menos que haja reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, será impossível limitar o aquecimento a 1,5 ºC, com consequências catastróficas para as pessoas e o planeta do qual dependemos", acrescentou o chefe da ONU. "Este é um ano crítico para a ação climática", disse, avisando que os resultados do estudo trazem uma "avaliação alarmante de quão longe estamos do rumo".
Intitulado Unidos na Ciência 2021, o relatório foi publicado por várias agências da ONU e parceiros científicos poucas semanas antes da reunião de cúpula do clima COP26. O texto alerta também que a mudança climática e seus impactos estão acelerando.
Pausa pandêmica foi breve
A OMM disse que as reduções de emissões durante a primeira onda de covid-19, no início do ano passado, representaram um "breve lapso".
"As reduções gerais de emissões em 2020 provavelmente reduziram o aumento anual das concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa de longa duração, mas esse efeito foi muito pequeno para ser distinguido da variabilidade natural", concluiu o relatório.
Neste ano, embora as emissões de CO2 provenientes do tráfego rodoviário tenham ficado abaixo dos níveis anteriores à pandemia, as concentrações dos principais gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento global continuaram a aumentar, de acordo com o relatório.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/onu-alerta-que-pandemia-n%C3%A3o-freou-aquecimento-global/a-59202494
Manifesto: carvão sustentável, a nova cloroquina do setor elétrico
Descaso com relação à questão climática evidencia que governo brasileiro segue na contramão da ciência e dos esforços globais pela redução do uso de combustível fósseis
WWF-Brasil
O detalhamento do Programa para Uso Sustentável do Carvão Mineral Nacional, apresentado no dia 9 de agosto de 2021 pelo Ministério de Minas e Energia, mostra que o Brasil pretende adotar a mesma receita da pandemia de Covid-19 para o combustível, seguindo na contramão da ciência e dos esforços globais em favor da redução do uso dos combustíveis fósseis. A proposta, além de contrariar a tendência de transição energética em curso mundialmente, perpetua a presença do carvão na matriz elétrica de modo antieconômico, além de não apresentar qualquer alternativa de transição justa para os trabalhadores do setor e o restante da população das regiões carboníferas do país.
O descaso com relação à questão climática fica ainda mais evidente pelo fato de o documento ter sido apresentado no mesmo dia que o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), da ONU, que mostra de forma inequívoca que as mudanças climáticas estão se desenvolvendo mais depressa do que o esperado e que seus efeitos podem ser irreversíveis e já são sentidos pela população em todo o mundo.
Além disso, ao propor a modernização do parque gerador a carvão mineral no sul do país, por meio da contratação de energia elétrica referente a uma nova capacidade instalada de geração, o documento ignora os esforços globais em favor do descomissionamento das plantas que usam o minério, entre outros aspectos detalhados a seguir.
Emissões de gases de efeito estufa - O próprio estudo indica que a adoção de novas tecnologias (como caldeiras de leito fluidizado) nas novas usinas manteria níveis elevados de emissões: “Considerando (...) a substituição por usinas novas com maior eficiência mínima de 35%, as emissões de CO²/kWh podem ser reduzidas em 12,5% em relação ao parque atual”, afirma o texto. Além disso, diante da urgência de se reduzir as emissões, não faz sentido o estabelecimento, como premissado estudo, de encerramento da utilização do carvão mineral nacional para o suprimento de energia no ambiente regulado apenas em 2050.
Efeitos no setor elétrico - A defesa da geração de eletricidade a carvão esbarra em imprecisões e equívocos. No trecho: “No âmbito da variabilidade das fontes renováveis de energia, a termoeletricidade a carvão mineral nacional pode ser uma alternativa de menor custo, quando comparada com o gás natural, e que pode atenuar os efeitos dessa variação ao longo do despacho das fontes renováveis na operação do sistema interligado nacional”, vale destacar que diversos estudos mostram que a evolução do sistema pode prescindir das térmicas e que a geração a gás - na maioria dos casos - é mais competitiva do que à carvão, que inclusive depende de subsídios para se viabilizar.
Quanto ao atendimento dos requisitos de confiabilidade do sistema elétrico na região sul do Brasil, se realmente for necessária a instalaçãode térmicas, há alternativas como usinas a partir de biomassa, biogás ou gás natural (via expansão do Gasbol ou GNL). Já quanto à perspectiva de contratação das térmicas a carvão modernizadas na base, vale lembrar que o próprio planejamento setorial, capitaneado pelo mesmo ministério, indica a necessidade do aumento da geração flexível no país, e não de usinas na base, bem como a redução da capacidade instalada de plantas a carvão.
Transição justa – É inegável que, nas condições atuais, o carvão mineral é fundamental para a economia da região sul. Mas o enfrentamento desse desafio não pode se dar pela mera prorrogação do problema: é necessária a identificação de alternativas realmente sustentáveis para garantir não só emprego e renda para a população local, como uma contribuição mais relevante para a economia e para o enfrentamento do desafio climático.
Para tanto, em paralelo ao descomissionamento das usinas ao longo dos próximos anos, os recursos atualmente destinados a subsidiar a geração a carvão, da ordem de R$ 750 milhões por ano, poderiam ser aplicados a políticas relacionadas à energia renovável que proporcionem a geração de emprego - decente e de qualidade - e renda em atividades da nova economia para as populações das regiões atingidas pelo fechamento das usinas. Vale observar que a região tem grande potencial de geração de energia a partir de fontes renováveis.
Menos carvão, mais hidrogênio - Inúmeros projetos vêm sendo anunciados no país para o uso de hidrogênio produzido a partir de fontes renováveis de energia em aplicações industriais, o chamado"hidrogênio verde". Diante dessa nova fronteira energética e tecnológica, não faz sentido a proposta de pesquisa e desenvolvimento para uso docarvão em áreas como siderurgia e carboquímica.
Passivo ambiental - O estudo destaca que uma grande parte dos rios do sul de Santa Catarina se encontram com suas características naturais alteradas pela drenagem ácida produzida pela mineração do carvão. Sozinho, esse aspecto já deveria ser suficiente para se suspender de imediato a mineração e o uso do carvão mineral na região, além de se fazer a recuperação ambiental das áreas já degradadas.
Diante do exposto, as organizações abaixo assinadas vêm a público manifestar o repúdio em relação ao documento do MME e afirmar que continuarão pautando a necessidade de se desenhar o quanto antes uma nova política energética em substituição ao carvão mineral calcada nos princípios da neutralidade do carbono e da transição justa e inclusiva para todos.
Assinam:
Arayara.org- Instituto Internacional Arayara
Associação Brasileira do Biogás (Abiogás)
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos(Dieese)
Fórum dos Atingidos pelo Carvão de Santa Catarina
Fórum Brasileiro de Mudança do Clima
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
Instituto Clima e Sociedade (iCS)
Instituto Climainfo
Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)
Observatório do Carvão Mineral (OCM)
WWF-Brasil
Fonte: WWF Brasil
https://www.wwf.org.br/?79508/manifesto-carvao-sustentavel-a-nova-cloroquina-do-setor-eletrico
Míriam Leitão: O petróleo como alvo
A indústria de petróleo e gás está sendo um dos primeiros alvos do governo Biden. O novo presidente americano anunciou ontem um pacote de medidas para combater as emissões de gases de efeito estufa. Uma delas foi a suspensão de qualquer nova concessão em áreas federais. Ele já havia interrompido o oleoduto Keystone XL, que traria óleo cru do Canadá para as refinarias na costa americana do Golfo. Por uma série de ordens executivas Biden está desmontando a política de Donald Trump favorável ao petróleo. Em 2020, foram US$ 40 bilhões em subsídio. Isso terá profundos reflexos no mercado.
No Brasil a discussão é outra. O presidente Bolsonaro deu aval para a redução do imposto sobre óleo diesel para acalmar caminhoneiros que ameaçam greve. Isso depois de a Petrobras segurar os reajustes do produto, o que incentiva o uso de combustível fóssil. Para os caminhoneiros, a situação permanece sem alteração desde a última greve. As medidas de Biden colocam pressão sobre os preços do petróleo, porque a tendência será de redução da oferta.
Os movimentos de Biden afetam um setor sensível para a economia, mas são coerentes com a visão que ele tem defendido de que há quatro guerras a enfrentar: a pandemia, a crise econômica, a mudança climática e o racismo. No primeiro momento no Salão Oval, no dia mesmo da posse, voltou ao Acordo de Paris, o que significa perseguir metas de redução de emissões.
Uma de suas decisões é suspender as licenças leiloadas por Trump, dias antes do fim do governo, para exploração de petróleo na Reserva Nacional da Vida Selvagem do Alasca. A expectativa é que ele irá adiante ampliando as terras e águas protegidas. Por tudo o que fez nesses primeiros dias, pela escolha de John Kerry como enviado para as negociações sobre o tema, com a volta de Gina McCarthy, ex-chefe da Agência de Proteção Ambiental do governo Obama, está claro que a questão climática foi para o topo da agenda americana.
Líderes da indústria de petróleo já protestam. Dizem que a estratégia é arriscada. Segundo empresários do setor ouvidos pelo “Wall Street Journal”, a suspensão do oleoduto vai provocar o desemprego imediato de mil trabalhadores e dezenas de milhares podem ser demitidos. E dizem que suspender perfurações pode elevar as emissões porque se usaria carvão em vez de gás.
A nova secretária do Tesouro, Janet Yellen, disse no Senado que o pacote de quase US$ 2 trilhões de estímulo à economia vai, em parte, financiar a transição energética americana para maior uso de energia eólica, solar fotovoltaica, carros elétricos e desenvolvimento de baterias. Biden disse ontem que tudo isso criará milhões de empregos.
Nos EUA, a maior fonte de emissão é o uso de combustíveis fósseis, no Brasil, é o desmatamento. Mas aqui há também incentivos para o uso de fósseis. O carvão tem subsídio entre R$ 700 milhões e R$ 1 bi todo ano. Apuração de Alvaro Gribel, publicada no blog, mostra que a defasagem nos preços dos combustíveis está acima de 10%.
Há o problema imediato da pressão dos caminhoneiros aos quais o presidente Bolsonaro sempre cede. Mas há uma questão de médio prazo. O mundo fará esforços para a redução das emissões, e o Brasil, no atual governo, está totalmente alheio a essa agenda. Está fora do mundo.
Dilma distorceu o que eu escrevi
A ex-presidente Dilma Rousseff divulgou uma nota criticando minha coluna de domingo neste espaço. Ela pode discordar, claro, não pode é distorcer o que eu escrevi. E distorceu. O alvo da coluna era o presidente Bolsonaro e o ponto central é que ele deve responder a um processo de impeachment pelos crimes que já cometeu. Um dos meus argumentos é que, se ele não pagar por tudo o que fez, os outros processos de afastamento vão parecer injustos, tanto o dela quanto o do Collor.
Dilma interpretou como se eu estivesse querendo apagar o que escrevi quando ela enfrentou o processo no Congresso. Reafirmo tudo o que escrevi sobre ela e sobre aqueles fatos. Na própria coluna de domingo eu repeti que Dilma cometeu crime de responsabilidade fiscal e provocou o desmoronamento da economia. Por suas decisões o país enfrentou recessão, inflação, desemprego, elevação do déficit e da dívida. Não foi golpe o que aconteceu em 2016. Nunca achei que fosse, nem na época, nem agora.
Tanto na minha coluna quanto na nota da ex-presidente está escrito que os crimes de Jair Bolsonaro no governo têm provocado a morte de brasileiros. A ex-presidente e eu discordamos radicalmente sobre o passado, mas concordamos sobre o presente.