educação

Luiz Carlos Azedo: Ilustre passageiro

"A reação dos países à epidemia é proporcional à envergadura de seu sistema de saúde, esclarecimento da população e escala de medidas de contenção por parte dos governos"

Um dos mais famosos “cases” da propagada brasileira é um anúncio de bondes: “Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem ao seu lado. E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rum Creosotado”. O poeta Bastos Tigres levou a fama, mas a autoria seria do farmacêutico Ernesto de Souza (1864-1928), criador da fórmula, que até hoje serve de exemplo nas escolas de comunicação, por causa da simplicidade de seus versos. De acordo com o anúncio publicado no jornal Correio da Manhã, de 8 de agosto de 1920, a fórmula do Rum Creosotado, produzido pela centenária Drogaria Granado, era mesmo aquela que aparece na propaganda, com “fartos elementos para a hygiene dos pulmões”: iodo, hypophosphito de sódio (NaH2PO2), e de cálcio [Ca(H2PO2)2]. Naquela época, como grande público tinha baixa escolaridade, os versos e a ilustração facilitavam a propagação do anúncio boca a boca.

Seu principal concorrente era o Biotônico Fontoura, criado em 1910 pelo médico Cândido Fontoura para sua esposa. Seu amigo Monteiro Lobato, que tomava o produto para combater o cansaço, batizou a fórmula exaltando suas propriedades e o nome do criador. O Biotônico ganhou muita fama por causa da Lei Seca dos Estados Unidos (1920-1933), para onde foi exportado e fez muito sucesso como remédio que podia ser comprado nas farmácias, mas que servia para aliviar a abstinência dos beberrões, por causa do teor de 9,5% de álcool. No Brasil, era usado como abridor de apetite das crianças, misturado com leite condensado e ovos de pata, um coquetel antianêmico. Em 2001, a Anvisa proibiu que produtos destinados às crianças tivessem qualquer quantidade de álcool em sua composição, razão pela qual o produto foi modificado, ganhando os sabores morango e uva, sem álcool, para as crianças. Rico em ferro, é vendido até hoje, por R$ 26.

A propósito do tipo faceiro, ilustre passageiro ao lado, era o caso do secretário de Comunicação da Presidência da República, Fábio Wajngarten, que viajou aos Estados Unidos com o presidente Jair Bolsonaro e seus familiares e está com coronavírus. Toda a comitiva presidencial — parentes, ministros, assessores civis e militares, parlamentares — fez exames ontem para saber se alguém mais foi contaminado. Fábio está em isolamento, depois de fazer novo exame em São Paulo; o resultado da contraprova confirmou a infecção. Bolsonaro, a primeira-dama Michelle e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, fizeram o teste no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República, e não apresentam sintomas da doença.

Desdenhar do coronavírus é a mesma coisa que acreditar que o Rum Creosodato resolveria o problema dos pulmões, numa época em que a penicilina não havia sido descoberta e, por isso mesmo, não existiam antibióticos capazes de curar a tuberculose, e a pneumonia era quase fatal. Essa suposição é alimentada pela baixa letalidade da epidemia (entre 0,5% e 3,5% dos infectados), que atinge grupos de risco (cardiopatas, diabéticos e idosos). O problema é a velocidade da propagação da epidemia, que aumenta sua letalidade por causa da incapacidade de o sistema de saúde atender o crescimento exponencial de casos graves, que exigem entubação dos pacientes em leitos de UTIs. Até a volta dos Estados Unidos, Bolsonaro tratava o assunto de forma até leviana, comparando o coronavírus a uma simples gripe e culpando a imprensa — sempre ela — pelo justificado temor que se disseminou na população, o que é muito diferente de pânico.

Escolhas
Trata-se de uma escolha de Sofia (decisão difícil sob pressão e enorme sacrifício pessoal, como a vista no filme homônimo de 1982, que valeu a Meryl Streep o Oscar de melhor atriz), entre a redução das atividades da sociedade, principalmente as aglomerações e circulação das pessoas, com consequente redução da atividade econômica, ou o colapso do sistema de saúde, sem leitos, máscaras, tomógrafos, respiradores e outros equipamentos para quem precisa, provocando o aumento do número de mortos. A capacidade de reação dos países à epidemia é mais ou menos proporcional à envergadura de seu sistema de saúde, nível de esclarecimento da população e escala de medidas de contenção da epidemia por parte dos governos.

O caso da China proporcionou aos especialistas da Organização Mundial de Saúde (OMS) um estudo do comportamento da doença em diversas regiões do país, que está servindo de paradigma para o enfrentamento da epidemia, sobretudo depois do colapso do sistema de saúde da Itália, que é um dos melhores do mundo. As ruas desertas das cidades italianas escondem o drama terrível dos hospitais lotados, onde não se morre só de coronavírus, mas de câncer, ataque cardíaco, traumatismo craniano, pneumonia e até gripes comuns, por falta de leitos de UTIs.

O Brasil vai contratar 5 mil médicos pelo Programa Mais Médico e direcionar 2 mil leitos de UTI para o tratamento de pacientes com Covid-19 pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O secretário executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo, em entrevista coletiva, revelou que o nível de preocupação com leitos aumentou após registros dos casos na Itália. Ontem, em Florianópolis (SC), prefeitos das capitais e das principais cidades do país, se reuniram para discutir medidas de combate ao coronavírus. Ninguém se iluda, o sucesso no combate ao coronavírus precisa de medidas governamentais corajosas, dos prefeitos e dos governadores, para reduzir a velocidade de propagação da epidemia e contê-la, poupando vidas.

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Brasil precisa avançar na construção de sistema nacional de educação, diz Ricardo Henriques

Em entrevista à Política Democrática Online, superintendente executivo afirma que Ministério da Educação deveria ter mais força reguladora

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Precisamos, ainda, avançar muito na construção de um sistema nacional de educação”, afirma o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, em entrevista exclusiva à 16ª edição da revista mensal Política Democrática Online. De acordo com ele, o país avançou numa definição genérica de um regime de colaboração. “Só que não logramos transformar isso num sistema nacional, com responsabilidades compartilhadas em todas as instâncias – federal, estadual e municipal”, afirma ele. Todos os conteúdos da revista, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

» Acesse aqui a 16ª edição da revista Política Democrática Online

Na entrevista, o superintendente do Instituto Unibanco diz que, se o ensino for de qualidade e equânime, os estudantes brasileiros estarão aprendendo a aprender, arquivando-se o registro do ensino enciclopédico, da memorização, da decoreba. Além disso, ele afirma que o país acumulou, ao longo da história, sobretudo pós-Constituinte, uma visão, por um lado, e uma prática, por outro, de que o compartilhamento da responsabilidade sobre a educação básica entre os entes da Federação fortalece a chance de uma agenda consistente a serviço das crianças e dos jovens no Brasil.

Na avaliação de Ricardo Henriques, o Ministério da Educação deveria ter muito mais força, poder e exercício de função reguladora, de controle de qualidade, de certificação, de garantia de que o pacto federativo funcione a contento, isto é, que a interação entre estados e municípios se aperfeiçoe. “Ao Ministério da Educação, cabe regular essa interação, critérios de qualidade e a universalidade da educação, com o que seria possível aumentar a mobilidade educacional, desde a primeira infância até o ensino médio”, ressalta.

Ricardo Henriques possui uma longa carreira na área da educação. Foi secretário nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação e secretário executivo do Ministério de Desenvolvimento Social, quando coordenou o desenho e a implantação inicial do programa Bolsa Família. É membro do Conselho de Administração do Todos pela Educação, Anistia Internacional, GIFE, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Sou da Paz e do Instituto Natura.

O superintendente do Instituto Unibanco cita também, ao longo da entrevista concedida à revista Política Democrática Online, a necessidade de o país adotar uma Base Nacional Curricular Comum e o papel do Instituto Unibanco, que já conta com 35 anos de atuação em todo o país, entre outros assuntos.

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Elio Gaspari: O caótico MEC de Weintraub

Se os educatecas não conseguem fazer um exame que preste, como farão três?

Depois de ter anunciado “o melhor Enem” e de ter entregue o pior, o Ministério da Educação de Abraham Weintraub saiu-se com uma ideia nova, fatiando-o em três exames que seriam aplicados a partir do primeiro ano do ensino médio. Trata-se de uma parolagem típica de burocratas que não fazem seu serviço e, diante do fracasso, propõem uma reforma. Se os educatecas não conseguem fazer um exame que preste, como farão três?

O Enem é uma praga que aflige a juventude brasileira há mais de 50 anos, desde quando se chamava vestibular. Em julho passado, o ministro Weintraub pôs luz nessa questão anunciando que a partir deste ano as provas seriam feitas por meio eletrônico. Prometeu tudo direitinho, dizendo que até 2026 a nova modalidade estaria implantada em todo o país: “Há cem anos a gente faz exame do mesmo jeito, em papel. Queremos fazer como é feito lá fora”.

Lá fora, tomando-se o exemplo do SAT americano, o exame é feito por meio eletrônico e os jovens têm sete oportunidades a cada ano para fazer a prova. Foi mal num, tenta outro. Se a promessa de Weintraub fosse adiante, algum dia seria possível fazer mais de um exame por ano.

Passaram-se oito meses e um fracasso. O que se vê é o início de uma discussão maluca para esquecer o que foi dito. Não se pode pedir que Weintraub faça o que prometeu, mas não seria muito pedir que faça pelo menos o que está combinado, um Enem por ano, mesmo no papel, sem desastres como o das últimas semanas.

Weintraub foi o quarto ministro a prometer o Enem digital. Ele e todos os outros seguiram a mesma metodologia: prometeram a mudança e nunca mais tocaram no assunto.

Que eleição?
Uma pesquisa realizada em São Paulo revelou que dois terços dos entrevistados não sabiam que em outubro haverá uma eleição municipal para a escolha do prefeito e dos vereadores.

Esperando Bloomberg
Até o dia 3 de março, quando 14 estados americanos realizarão suas prévias, os democratas e a torcida mundial contra Donald Trump continuarão ralando um inferno astral. Só então entrará na disputa Michael Bloomberg, o bilionário ex-prefeito de Nova York.

Os resultados de Iowa e o que virá nesta semana de New Hampshire indicam o caminho para uma derrota quase certa dos democratas, provavelmente enorme. Ficaram na frente o jovem Pete Buttigieg e o veterano Bernie Sanders. Quem acha que o eleitorado americano pode colocar na Casa Branca um gay (Buttigieg) ou um neossocialista (Sanders) pode torcer à vontade, mas terá mais quatro anos de Donald Trump.

Bloomberg entrará na Superterça com 78 anos e uma fortuna de US$ 61 bilhões. Ele já foi republicano e politicamente incorreto. No andar de cima, sua conversão poderá ser absorvida, mas, no de baixo, ele terá que ralar para buscar o voto do eleitorado negro.

O candidato pelo partido democrata tem um ego comparável ao de Trump, mas essa é a única semelhança. Judeu, nasceu na classe média, não herdou um tostão e construiu um império jornalístico. O outro herdou a fortuna do pai e quebrou várias vezes.

Serpentário
Jair Bolsonaro não gosta da imprensa e reclama das notícias de que pretende mexer no Ministério. Tudo bem, mas, de dez frituras que são noticiadas, nove partem do serpentário do Planalto.

Tanto é assim que a saída do ministro Gustavo Canuto do Ministério do Desenvolvimento Regional e sua substituição por Rogério Marinho, uma decisão pessoal de Bolsonaro, passou ao largo dos radares dos fabricantes de frituras.

Energia solar
A turma que pretende taxar a energia solar de forma ampla, geral e irrestrita continua ativa, trabalhando no escurinho do Congresso.

Um curioso acaba de descobrir um documento capaz de subsidiar essa discussão. Trata-se de um manifesto dos produtores de velas, paródia escrita em 1845 pelo economista francês Frédéric Bastiat. Ele defendia a liberdade de comércio e redigiu a petição destinada a enfrentar um concorrente estrangeiro (o Sol), pedindo uma lei que mandasse fechar janelas e claraboias para impedir a entrada de sua luz, protegendo a indústria, o comércio e milhares de empregos.

Bastiat queria preços livres e na sua paródia argumentava que, se a luz do Sol podia concorrer com a das velas, o governo não poderia taxar a importação de laranjas portuguesas, mais baratas que as francesas porque a lavoura de Portugal era beneficiada porque lá havia mais Sol.

Transição
Em 2018, a ministra Cármen Lúcia passou a presidência do Supremo Tribunal Federal ao seu colega Dias Toffoli com grande suavidade.

Depois do barraco dos juízes de garantia, deve-se temer que a transição de Toffoli para Luiz Fux tenha sobressaltos.

Cabral falou
O ministro Edson Fachin homologou a colaboração de Sérgio Cabral, feita à Polícia Federal, determinando que seus anexos fiquem sob sigilo. Eles poderão chegar à centena.

A última colaboração de magano à Federal, também rejeitada pelo Ministério Público, foi a de Antonio Palocci e teve um percurso desastroso. Vazou mais que coador de macarrão e um de seus anexos foi divulgado pelo juiz Sergio Moro durante a campanha eleitoral.

As confissões de Palocci, com 39 anexos, geraram muito barulho e poucos resultados. Pelo andar da carruagem, a colaboração de Cabral pode ir pelo mesmo caminho, a menos que seja acompanhada pelas devidas investigações e necessárias prisões.

Embaixador calado
Pelo menos um embaixador do Brasil numa capital do circuito Elizabeth Arden especializou-se na arte de ficar calado ou de repetir platitudes em jantares onde o colocam ao lado de senhoras estranhas ao mundo diplomático.

As mulheres de diplomatas de outros países sabem que certos assuntos devem ser evitados.

Guilherme Schelb
O procurador-geral Augusto Aras escolheu seu colega Guilherme Schelb para uma das vagas no conselho da Escola do Ministério Público e começou uma gritaria da turma da Casa.

A maior restrição feita a Schelb é a sua simpatia por Jair Bolsonaro e a defesa que faz do Escola Sem Partido. Esse é um direito dele.

A turma da grita tem memória seletiva. Em 2001, Schelb integrou a equipe de procuradores que investigou o assassinato de guerrilheiros do Araguaia no século passado. Alguns guerrilheiros foram executados depois de terem aceito as propostas de rendição feitas pelos militares por meio de panfletos e de convites transmitidos pelos alto falantes de helicópteros a partir de outubro de 1973. Um dos panfletos dizia: “Oferecemos a possibilidade de abandonar a aventura com vida, com tratamento digno e julgamento justo”. Era mentira.

O trabalho desses procuradores ajudou a levantar o véu de silêncio jogado sobre o fim da guerrilha pelo Exército e, sob outros aspectos, pelo PCdoB. Eles listaram nove “desaparecidos” que foram vistos nos aparelhos que o Centro de Informações do Exército mantinha na região.


Merval Pereira: O fundo do poço

Os especialistas são unânimes em afirmar que nunca houve no Brasil uma educação de qualidade para todos

O vídeo em que o jornalista Alexandre Garcia sugere que uma troca de população entre Brasil e Japão faria com que os japoneses transformassem o Brasil em potência mundial, e os brasileiros estragariam o Japão, só viralizou porque o presidente Bolsonaro avalizou, compartilhando-o em suas redes sociais.

O melhor do Brasil é o brasileiro, ou é o brasileiro que prejudica o desenvolvimento do Brasil? A questão é outra, a meu ver: a diferença educacional dos países mais desenvolvidos. Os especialistas lembram que as escolas do Brasil são historicamente deficientes.

Em 1850, 90% da população dos EUA estava alfabetizada, e no Brasil, naquele ano, tínhamos 90% de analfabetos. O Chile, em 30 anos, aumentou a produtividade graças à educação, Malásia e a China vão na mesma direção. A Coréia do Sul deu ênfase à tecnologia, e hoje precisamos de mais de três brasileiros para produzir o que um coreano produz, quando em 1980 estávamos no mesmo patamar.

Na mesma época, eram precisos dez chineses para produzir o que um brasileiro produzia, já em 2010 bastava um chinês, e hoje um brasileiro já não produz o mesmo que um chinês. A correlação entre escolaridade e renda foi constatada em trabalhos científicos na década de 1950, quem estuda mais, ganha mais.

A diferença entre a produtividade de um empregado nos Estados Unidos e no Brasil - uma hora trabalhada por um brasileiro produz 1/5 que o de um americano - é explicada em boa parte pelo atraso da educação.

Os especialistas são unânimes em afirmar que nunca houve no Brasil uma educação de qualidade para todos. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Japão é o país com o maior nível de igualdade na educação, e apenas 9% da variação de desempenho entre os alunos é ocasionada por diferenças socioeconômicas.

O Japão tem um dos menores índices de evasão escolar: 96,7% dos jovens terminam o ensino médio, quando a média nos países analisados pela OCDE é de 76%, e no Brasil, é de 46%. A importância dada aos professores é uma das explicações para os bons resultados. Assim como a distribuição de professores para diversas áreas do país, criando equilíbrio no nível de ensino. Professores mais experientes são enviados a locais menos desenvolvidos.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Luis Roberto Barroso considera que a educação é dos principais ítens de uma “verdadeira agenda patriótica”. Ele escreveu no último número da revista acadêmica Direitos Fundamentais e Justiça, da PUC/RS, o artigo “Educação Básica no Brasil: Do Atraso Prolongado à Conquista do Futuro”, com base em estudos e contatos com diversos especialistas em educação.

Como a universalização da Educação Básica no Brasil “se deu com grande atraso, um século depois dos EUA”, mesmo com o progresso da inclusão nas últimas décadas, os problemas ainda são dramáticos: a escolaridade média é de 7,8 anos, inferior à média do Mercosul (8,6 anos) e dos BRICS (8,8 anos).

Um dos “pontos nevrálgicos” é a pouca atratividade da carreira do magistério. “É preciso tratar o magistério como uma das profissões mais importantes do país, elevar a capacitação dos professores e aumentar a atratividade da carreira, com incentivos de naturezas diversas”, afirma Barroso.

A ampliação do tempo de permanência na escola de cinco para oito horas é providência reconhecida como decisiva para o avanço da Educação Básica, diz ele. “Os Estados da Federação que adotaram programas de escolas em tempo integral, como Espírito Santo e Pernambuco, destacaram-se nos resultados do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)”.

Segundo Luis Roberto Barroso, documentos do Banco Mundial e pesquisadores reconhecidos internacionalmente atestam que o principal investimento a ser feito em Educação Básica é “a partir das primeiras semanas de vida da criança. Nessa fase, o cérebro é uma esponja que absorve todas as informações que lhe são transmitidas”.

Pesquisas indicam que as boas creches contribuem de maneira significativa para o desenvolvimento do potencial das crianças, assegurando que recebam nutrição adequada, afeto, respeito, valores e conhecimentos básicos.

Como se vê, não é preciso mudar o povo para transformar o Brasil em potência mundial. Depende de nós, como aliás disse Alexandre Garcia no final de sua palestra. Enquanto o ministro da Educação considerar que é a ideologia que atrapalha o país, não sairemos da situação em que estamos, o fundo do poço, como ele mesmo definiu.

Saio de férias, a coluna volta a ser publicada na quinta-feira dia 27.


Luiz Carlos Azedo: Ninguém pede para sair

“Fala-se em Onix ir para a Educação e Weintraub, para a Casa Civil. As duas pastas são territórios povoados por gente ligada aos filhos de Bolsonaro e ao guru Olavo de Carvalho”

Em outros governos, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o mais desprestigiado no Palácio do Planalto, já teria pego o boné e ido embora; e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, o mais criticado por causa das trapalhadas na pasta, já teria sido exonerado. Mas, no governo Bolsonaro, ninguém é demitido por pressão externa, as críticas parecem ser uma espécie de salvo-conduto para permanecer na Esplanada. Tem até ministro que briga com a imprensa e o Congresso para agradar ao presidente da República e se segurar no cargo. Ninguém pede para sair.

Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), às vésperas da retomada dos trabalhos legislativos, fez duras críticas ao ministro da Educação, cuja gestão classificou como um desastre. “O ministro da Educação atrapalha o Brasil, atrapalha o futuro das nossas crianças, está comprometendo o futuro de muitas gerações. Cada ano que se perde com a ineficiência, com um discurso ideológico de péssima qualidade na administração, acaba prejudicando os anos seguintes. Mas quem demite e quem nomeia ministro é o presidente”, afirmou Maia, que participou de um seminário sobre desenvolvimento em São Paulo.

Weintraub é um casca-grossa da turma do confronto do governo, Bolsonaro gosta do estilo e prestigia seu ministro, mas os fatos são teimosos. Os erros administrativos se repetem, o desgaste do governo na Educação aumenta. O ministro tem a seu favor a implantação das escolas militares, mas isso é muito pouco diante dos desafios da educação no país. Entretanto, a narrativa de combate ao método Paulo Freire, adotado em todo mundo para erradicar o analfabetismo, e as críticas ao chamado “marxismo cultural” vão mantendo o ministro no posto, mesmo havendo, dentro do próprio governo, crescente insatisfação com seu péssimo desempenho. Como a Educação é uma área muito sensível do ponto de vista político, vai ser difícil para o ministro sobreviver ao bombardeio que virá do Congresso. As declarações de Maia foram a senha para que os demais deputados passem à ofensiva contra Weintraub.

Esvaziado definitivamente na Casa Civil, com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de tirar o Programa de Parcerias Publico-Privadas e Investimentos (PPI) da pasta, o ministro Onyx Lorenzoni ainda está em férias e ninguém sabe o que pretende fazer quando voltar. É possível que reassuma seu mandato de deputado federal na Câmara, aproveitando o começo do ano legislativo, para se reposicionar na bancada do DEM, da qual já foi líder. Lorenzoni foi um dissidente do seu partido nas eleições passadas, com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que também apostou na eleição de Jair Bolsonaro e levou.

Parcerias e investimentos
Colega de Câmara e aliado de primeira hora de Bolsonaro, o ministro da Casa Civil foi seu coordenador político de campanha e liderou a equipe de transição do governo. Na divisão do bolo, porém, a parte do leão ficou com o ministro da Economia, Paulo Guedes; Lorenzoni teve que dividir o poder político com os militares, que acabaram esvaziando completamente sua pasta e afastando-o do Estado-maior do governo.

O papel de articulador político do Planalto foi passado ao ministro Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo, que é general e amigo de Bolsonaro. A Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ), que analisa a viabilidade jurídica dos atos assinados pelo presidente, foi transferida para a Secretaria-Geral, comandado pelo ministro Jorge Oliveira Ramos. O último trunfo de Onyx era o Programa de Parcerias Público-Privadas e Investimentos (PPI), que estava tocando com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, uma unanimidade no Congresso.

Ocorre que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está em rota de colisão com a Câmara quanto ao novo marco regulatório das concessões e privatizações, cuja negociação estava passando muito mais pela Casa Civil do que pela equipe econômica. A crise com o então secretário executivo da Casa Civil, Vicente Santini, que foi de Davos, na Suíça, a Nova Délhi, na Índia, num jatinho da FAB, utilizando como pretexto as negociações envolvendo o PPI, foi a deixa para Guedes pôr as mãos no programa, que sempre quis gerenciar. Santini era o principal responsável pelo PPI na equipe de Lorenzoni.

Há uma expectativa de que Lorenzoni antecipe a volta das férias e desembarque ainda hoje em Brasília. Fala-se na possibilidade de Onix ir para a Educação e Abraham Weintraub, para a Casa Civil. As duas pastas são territórios povoados por gente ligada aos filhos de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Os dois ministros também são alinhados com o guru ideológico do clã, Olavo de Carvalho.

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Luiz Carlos Azedo: A namoradinha

“Regina Duarte na Secretaria de Cultura pode representar o fim da ofensiva obscurantista e reacionária contra a classe artística, e não o contrário. Em miúdos, pode ser pior sem ela”

O presidente Jair Bolsonaro está em vias de transformar um limão em limonada, com a nomeação da atriz Regina Duarte para o cargo de secretária de Cultura, no lugar do neonazista enrustido Roberto Alvim. Ontem, o Palácio do Planalto confirmou que a protagonista da série Malu Mulher e das novelas Minha Doce Namorada, na qual era a jovem Patrícia, e Roque Santeiro, em que interpretou a Viúva Porcina, entre outros papéis de destaque, virá a Brasília amanhã para conhecer a Secretaria Especial da Cultura. Foi convidada por Bolsonaro para assumir o órgão. Os dois tiveram uma reunião no Rio de Janeiro, onde foi convidada. Depois da conversa, ela escreveu que está “noivando” com o governo.

Bolsonaro resumiu os entendimentos no Twitter: “Tivemos uma excelente conversa sobre o futuro da cultura no Brasil. Iniciamos um ‘noivado’ que possivelmente trará frutos ao país”, escreveu o presidente. Conservadora assumida, antipetista de primeira hora, Regina Duarte participou das campanhas das Diretas, Já!, de Tancredo Neves (1985) e José Serra (2002). Reconhecidamente, é uma grande atriz e tem o respeito da maioria de seus colegas, mas nunca teve unanimidade. Agora, sofrerá uma campanha de feroz oposição, porque assume o cargo em circunstâncias muito desfavoráveis, uma vez que seu antecessor desnudou um projeto reacionário de cultura, cuja inspiração estava na máquina de propaganda nazista. A questão é: fará uma inflexão nos rumos da pasta ou seguirá a mesma orientação?

No governo Bolsonaro, a fronteira entre o conservadorismo e o reacionarismo é muito sinuosa, porém, já foi atravessada nas áreas da educação, cultura, direitos humanos e meio ambiente. Agora, o que foi barrado pela forte reação da opinião pública, do mundo artístico-cultural, da imprensa e até mesmo de setores militares no governo foi a narrativa fascista, que orienta a deriva contra a democracia de setores do governo. A crise provocada por Ricardo Alvim, ao reproduzir em vídeo trechos de um discurso de Joseph Goebbels, o ministro da Cultura e Propaganda de Adolf Hitler, levou-o à demissão, a contragosto do presidente. Pouco antes do “sincericídio”, numa live, Bolsonaro havia elogiado o seu então secretário de Cultura, que estava ao seu lado.

O episódio serviu para corroborar a narrativa dos setores da oposição que caracterizam o governo como fascista ou protofascista, ou seja, que denunciam a fascistização do país. Essa é uma discussão muito relevante por todas as suas implicações. Em todas as crises do governo, até agora, o que se viu foi um recuo de Bolsonaro diante das reações da sociedade civil e dos demais poderes da República. No caso de Ricardo Alvim, esse recuo se deu em menos de 48 horas, após os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), terem solicitado a demissão de Alvim, além das críticas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e da opinião pública nas redes sociais, principalmente no Twitter, o principal instrumento de comunicação direta de Bolsonaro com a sociedade. Ou seja, nesses momentos, a democracia se fez mais forte do que o presidente da República.

Bonapartismo
A narrativa reacionária e chauvinista não basta para caracterizar um governo como fascista, a rigor, uma ditadura aberta, que recorre ao terror de Estado para esmagar a oposição. A expressão protofascista carrega ideia errônea de inevitabilidade da fascistização do regime político, porque proto significa primeiro ou o que antecede. Essa discussão não é nova. Historicamente, ocorreu na Alemanha da República de Weimar, às vésperas da ascensão de Hitler ao poder, quando os espartaquistas (comunistas) liderados por Rosa Luxemburgo e Karl Liebeneck chamavam a social-democracia alemã de social-fascista, abrindo caminho para a ascensão do Partido Nazista.

Aqui no Brasil, situação semelhante ocorreu em pleno Estado Novo, de clara inspiração fascista, mas o Brasil acabou entrando na II Guerra Mundial ao lado dos Aliados, porque, em seu interior, os americanófilos liderados por Osvaldo Aranha, Amaral Peixoto e Gustavo Capanema demoveram o ditador Getúlio Vargas e isolaram os simpatizantes do Eixo, encabeçados por Francisco Campos, Góis Monteiro e Filinto Müller. Agora, Ricardo Alvim ofendeu a memória da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutou nos campos da Itália contra o nazifascismo, daí a reação dos militares que integram o governo, que também pediram sua cabeça.

O governo Bolsonaro tem características bonapartistas, ou seja, preserva autonomia relativa e se coloca acima das classes sociais, embora sua política econômica esteja alinhada ao mercado financeiro. Ao confundir alhos com bugalhos, a oposição unifica o governo e acaba, ela sim, se isolando. De certa forma, a presença de Regina Duarte na Secretaria de Cultura pode representar o fim da ofensiva obscurantista e reacionária contra a classe artística, e não o contrário. Trocando em miúdos, pode ser pior sem ela.

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Demétrio Magnoli: O Estado que nos educa

Brasil confunde dever estatal de financiar a educação com moldar discurso dos professores

Quando o presidente decidiu pontificar sobre livros didáticos, formou-se um pequeno escândalo sobre o periférico. As opiniões de Bolsonaro, boçais como de costume (um “lixo”, “um montão de amontoado de muita coisa escrita”), não movem nenhum moinho.

Já o principal —a promessa de que, a partir de 2021, os livros escolares “serão feitos por nós”— passou como pretensão legítima. Acostumamo-nos com a ideia de que o Estado tem o direito de educar o povo.

Um quarto de século atrás, não era assim. Os livros didáticos postos no mercado pelas editoras eram submetidos à escolha dos professores. Tínhamos uma saudável diversidade de obras, de qualidade bastante desigual, que refletiam as diferentes abordagens teóricas e pedagógicas em voga nas universidades.

O sistema de mercado, porém, excluía a maioria das escolas públicas, cujos alunos não podiam pagar pelos livros. A solução encontrada —a compra pública federal e centralizada— abriu o caminho das salas de aula às ideologias estatais.

Nos EUA, os livros são patrimônio das escolas e passam de uma turma de alunos à seguinte, em longos ciclos. Por aqui, o Estado preferiu estabelecer ciclos curtos de renovação dos livros. De um lado, a cara opção gera óbvios dividendos eleitorais. De outro, prende a indústria editorial de didáticos à órbita do poder público.

O MEC converteu-se no comprador quase monopolista: o verdadeiro patrão das editoras. Nessa condição, adquiriu a prerrogativa de esculpir as narrativas pedagógicas.

Os governos do PT utilizaram esse poder para conduzir uma revolução em marcha lenta, revestida por uma fina película de saber acadêmico. As comissões de “especialistas” formadas nas universidades federais para selecionar obras “de qualidade” foram, regra geral, colonizadas por professores-ativistas.

As análises “técnicas” contaminaram-se de (pre)conceitos políticos. Aos poucos, num processo que jamais se completou, eliminaram-se inúmeras obras “desviantes”.

A revolução escolar atingiu livros de exatas e biológicas —mas, claro, teve impacto maior nos de humanas. Na era pós-Muro de Berlim, um marxismo outonal, diluído em caldos de anti-imperialismo, terceiro-mundismo e multiculturalismo, passou a impregnar a maior parte dos livros de história e geografia.

Siga o dinheiro: as editoras jamais reclamaram —antes, pelo contrário, assumiram o papel de correias de pressão sobre autores recalcitrantes.

As obras “de qualidade” deviam trafegar pelos circuitos do antiamericanismo ritual, da denúncia da “história ocidental”, da idealização romântica da África pré-colonial. A política identitária desceu como uma sombra sobre os textos escolares.

A escravidão moderna passou a ser explicada pela chave do racismo, não pela lógica do sistema mercantil colonial. A campanha abolicionista foi expulsa do palco iluminado da história brasileira. Zumbi dos Palmares transformou-se no ícone absoluto da luta antiescravista.

Confundimos o dever estatal de financiar a educação pública com o poder abusivo reivindicado pelo governo de invadir as salas de aula e moldar o discurso dos professores.

O Estado-Educador é, sempre e inevitavelmente, o Partido-Educador. Na proclamação presidencial de que os livros didáticos “serão feitos por nós”, o “nós” indica o núcleo ideológico que rodeia Bolsonaro.

A obra “suavizada” dos sonhos dessa turma é um manual nacionalista, autoritário e ultraconservador, anticientífico, de fortes colorações religiosas. Nele, evaporariam tanto a ditadura militar quanto as mudanças climáticas e o lugar do evolucionismo seria ocupado pelo criacionismo.

O projeto provavelmente fracassará, pois Bolsonaro carece das redes de legitimação acadêmica conferidas por brigadas universitárias de professores-ativistas. Mas o risco existe, num país que não aprendeu a separar o Estado da sala de aula.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Priscila Cruz, Guilherme Lacerda e Lucas Hoogerbrugge: Melhor governança, mais resultados na educação

Falta de um sistema nacional faz o Estado desperdiçar recursos materiais e humanos

Imagine duas escolas públicas de ensino fundamental vizinhas, uma municipal e outra estadual. Ambas atendem crianças do mesmo bairro, têm salas de aula ociosas e, vistas de fora, parecem muito semelhantes. Por outro lado, cada uma tem um processo para formação de professores, alunos que chegam em diferentes tipos de transportes, mesmo sendo vizinhos, e a merenda também é distinta. Nesse cenário, há completa falta de racionalização de recursos, perda de escala e ineficiências sobrepostas, que poderiam ser minimizadas caso houvesse articulação e colaboração entre a gestão estadual e a municipal.

Essa desarticulação tem origem no formato do pacto federativo vigente num país que se divide em 5.570 municípios, 26 Estados e o Distrito Federal, além da própria União. Cada um desses entes tem autonomia administrativa, formula e gerencia suas políticas educacionais de forma isolada.

Dados as características demográficas, a heterogeneidade regional e o modelo federativo brasileiro, nossos legisladores dividiram as responsabilidades pela oferta da educação pública da seguinte forma: a educação infantil é promovida pelos municípios, o ensino médio pelos Estados e o ensino superior é majoritariamente ofertado pela União. Já na etapa do ensino fundamental, a oferta é compartilhada e as divisões de responsabilidades não são claras.

Como não há no Brasil um Sistema Nacional de Educação que organize a governança no setor, a distribuição das matrículas entre redes estaduais e municipais tornou-se muito heterogênea, com pouco ou nenhum alinhamento gerencial e pedagógico, o que provoca uma série de distorções e reforça as desigualdades de oferta educacional e os resultados. Além das consequências negativas na aprendizagem dos alunos, o próprio Estado desperdiça recursos materiais e humanos que poderiam ser mais bem investidos nas escolas.

O bem-sucedido regime de colaboração do Estado do Ceará, com enorme repercussão nos resultados de aprendizagem de seus estudantes, só foi possível porque o processo de formulação e de gestão da política educacional é pactuado entre o Estado e seus municípios. Tanto as ações estaduais de apoio técnico e pedagógico às secretarias municipais de Educação quanto o repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) aos municípios que melhoram a aprendizagem de suas crianças são viáveis somente em um contexto de cooperação entre os entes federativos. O regime de colaboração exige convergência de objetivos, governança compartilhada e colaboração no processo decisório.

Entretanto, ainda que a cooperação entre Estado e municípios no Ceará tenha decorrido de maneira articulada, a falta de um sistema nacional de educação já fez o Estado ter dificuldades com programas criados pelo governo federal, como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). Inspirada justamente no caso cearense, a iniciativa foi implementada pelo Ministério da Educação sem levar em consideração as ações já promovidas nas redes de ensino de Estados e municípios, o que resultou em retrabalho e desarticulação da política educacional. Ironicamente, Estados como o Ceará, que desenvolviam ações em colaboração com os municípios, foram prejudicados pelo programa nacional, pois, além da duplicidade de ações e da desarmonia entre os currículos, materiais e metodologias pedagógicas, o arranjo organizacional para a implementação da política era totalmente diferente. Assim, o Estado foi forçado a modificar uma estrutura que já funcionava, aumentando os custos do programa.

Para além das dificuldades gerenciais e pedagógicas, a ausência de um sistema nacional de educação impacta diretamente a sustentabilidade fiscal dos investimentos na educação. A falta de uma instância de pactuação entre União, Estados e municípios na área faz não só todos reformularem e implementarem políticas educacionais simultaneamente e de forma descoordenada, mas também não haver acordo sobre o que é prioridade e a melhor forma de alocar recursos. Isto é, embora seja do interesse de todo o País uma trajetória escolar para crianças e jovens sem percalços e com qualidade, cada um de nossos gestores está falando apenas com os seus.

Uma boa notícia é que o assunto está sendo pautado no Congresso Nacional e deve se tornar mais importante conforme a agenda de financiamento da educação avança. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mencionou a criação de um sistema de governança na educação como uma das quatro áreas que considera prioritárias para o desenvolvimento do País.

Entretanto, ainda que exista algum consenso acerca da necessidade de criar o sistema, o desafio atual consiste em conceber uma lei que estabeleça mecanismos de governança efetivos, garantindo que a autonomia dos entes federativos seja exercida de forma coordenada, evitando engessamentos ou burocracias desnecessárias, como é hoje. Não é trivial desenhar um sistema que respeite a autonomia dos entes federados, promova a equidade nos sistemas de ensino e garanta a qualidade do investimento na educação. Por isso, o foco há de estar em definir com clareza a repartição de responsabilidades entre os três níveis da Federação e institucionalizar espaços deliberativos para a articulação e a ação conjunta entre os entes na formulação e implementação de políticas educacionais.

Isto posto, é urgente que os parlamentares mergulhem na discussão da melhoria da governança da educação brasileira. Além de ouvir os especialistas no assunto, é preciso estudar os casos bem-sucedidos de articulação do pacto federativo, dentro e fora da educação. Afinal, com um sistema nacional de educação bem estruturado teremos as bases para chegar mais rápido a um cenário de mais qualidade e equidade.

* RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE EXECUTIVA DO TODOS PELA EDUCAÇÃO, SECRETÁRIO EXECUTIVO DO COLABORA EDUCAÇÃO E GERENTE DE ESTRATÉGIA POLÍTICA DO TODOS PELA EDUCAÇÃO.


Elio Gaspari: Um jabuti gigante olhando para Bolsonaro

Licitação de R$ 3 bi da Educação foi cancelada por irregularidades

O repórter Aguirre Talento botou aos pés de Jair Bolsonaro um caso que lhe permitirá mostrar a extensão de seu compromisso com a defesa da bolsa da Viúva.

No dia 21 de agosto o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, FNDE, anunciou que realizaria um pregão eletrônico (13/2019) para a compra de “equipamentos de tecnologia educacional para a rede pública de ensino”.

Os educatecas queriam comprar 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops. Até aí seria coisa de Primeiro Mundo, com a Boa Senhora gastando R$ 3 bilhões.

Alguém sentiu cheiro de queimado. O presidente do FNDE, nomeado em fevereiro, foi dispensado e seu sucessor, Rodrigo Dias, assumiu no dia 30 de agosto. Em 4 de setembro revogou preventivamente o edital.

Entre agosto e as duas primeiras semanas de setembro a Controladoria-Geral da União apontou “inconsistências” no edital. Põe inconsistência nisso.

Noves fora que o Ministério da Economia não foi consultado para uma licitação de R$ 3 bilhões, ficando-se só em dois pontos apontados pela CGU, via-se que:

Os 255 alunos da Escola Municipal Laura Queiroz, de Itabirito (MG), receberiam 30 mil laptops (118 para cada um). Poderia ter sido um erro de digitação, mas a CGU mostrou que 355 escolas receberiam mais de um laptop por aluno, e 46 delas, mais de dois. Cada jovem da Chiquita Mendes, de Santa Bárbara do Tugúrio (MG) receberia cinco.

Na outra ponta do negócio, o das empresas que ofereciam equipamentos, a CGU achou duas, a Daruma (de Taubaté) e a Movplan (de Ribeirão Preto). Ambas mandaram cartas de cinco linhas, com o mesmo fraseado e o mesmo erro de português: “Sem mais, para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessária”.

A Movplan fica em Ribeirão Preto, mas datou sua carta de Taubaté, onde mora a Daruma.

As “inconsistências” apontadas pela CGU foram rebatidas pelo FNDE num documento de 20 páginas. A autorização do Ministério da Economia não seria necessária, não se tratou da coincidência gramatical das duas cartas e a remessa para as escolas de um número de laptops superior ao de alunos seria corrigida.

O FNDE alegrou-se, informando que só na escola Laura Queiroz, a Viúva economizaria R$ 54,7 milhões.

O edital foi finalmente revogado pelo FNDE no dia 9 de outubro, data da conclusão do Relatório de Avaliação da CGU. Final feliz, graças à vigilância de competência de um órgão controlador da administração pública.

O que pode parecer um desfecho deveria funcionar para Bolsonaro como um começo: Como é que esse edital apareceu? Uma despesa de R$ 3 bilhões não é um jabuti qualquer. A burocracia do FNDE blindou-se diante das advertências da CGU. Blindada continuou depois da posse do novo presidente e da revogação preventiva do edital.

Cada ato administrativo praticado nessa novela tem um responsável, ou vários. O mesmo se pode dizer das empresas que foram atraídas (ou fizeram-se atrair) pela bonança do negócio. Os auditores da CGU defenderam a bolsa da Viúva, mas se o caso terminar com a simples revogação do edital e zero a zero, bola ao centro, sem a exposição dos responsáveis, eles estarão enxugando gelo.

Serviço: O relatório da CGU, a réplica do FNDE e a tréplica dos auditores estão na rede, no seguinte endereço: https://auditoria.cgu.gov.br/download/13562.pdf.

São 66 páginas de textos com algum juridiquês e muito computês, mas alegrarão quem acredita que há uma banda competente e vigilante no serviço público.


El País: Brasil estagna no PISA e expõe efeitos da desigualdade de renda e gênero na educação

Avaliação da OCDE, PISA mostra que desde 2009 país não tem evolução significativa nos indicadores de leitura, matemática e ciência

Foi curto, como um voo de galinha, o impulso que o Brasil teve nos indicadores de educação entre alunos de 15 anos. Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes 2018 (PISA, em inglês), divulgados nesta terça-feira, apontam que no início do século, entre os anos de 2003 e 2018, o país conseguiu melhorar a performance dos estudantes desta faixa etária em leitura, matemática e ciências. Porém, a prometida arrancada não veio. Desde 2009, os resultados médios dos alunos não apresentaram uma melhora significativa: o país praticamente estagnou. A tendência se mantém há quase uma década, apontam os dados da prova mais recente, realizada no ano passado.

Em 2018, o país conseguiu 404 pontos em ciências, praticamente um empate em relação aos 401 pontos registrados na edição anterior da prova, 2015. A média global dos 79 países ou regiões econômicas que participaram da avaliação em ciências foi de 489 pontos. Em leitura o Brasil conseguiu 413 pontos, um leve avanço sobre os 407 pontos de 2015, mas muito abaixo dos 487 da média geral da OCDE. Em matemática, o país que havia pedido 12 pontos na edição passada teve uma recuperação. Conseguiu chegar a 384 pontos (contra 377 do exame anterior), mas ainda abaixo de seu melhor resultado, 389 pontos, registrado na prova de 2012. A média da OCDE em matemática foi de 489 pontos.

Realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o exame realizado a cada três anos destaca que entre 2000 a 2012, o Brasil teve uma rápida expansão do ensino médio, adicionando mais de 500.000 estudantes à população total de jovens de 15 anos elegíveis para participar do exame. Esse crescimento é fruto de uma política de Estado que tornou obrigatória a educação básica para estudantes de 4 a 17 anos a partir de 2016. Anteriormente, só a matrícula de crianças no fundamental (6 a 14 anos) era prevista em lei. O mesmo movimento de expansão do ensino médio aconteceu em países como Indonésia, México, Turquia e Uruguai. A particularidade é que nesses países, o Brasil inclusive, o aumento no número de matrículas não sacrificou a educação oferecida, o que é esperado quando há uma grande entrada de estudantes no sistema.

A educação oferecida nesta etapa no Brasil, entretanto, manteve a mesma tendência de performance. Apenas 2% dos adolescentes tiveram os níveis mais altos de proficiência em pelo menos uma das disciplinas medidas pelo PISA 2018, a prova com resultados mais recentes. Enquanto isto, 43% dos alunos brasileiros obtiveram pontuação abaixo do nível mínimo em leitura, matemática e ciências. A média é maior que a obtida pelos países na lanterna da proficiência, ou seja, o grupo com os piores resultados —entre eles, 13% dos alunos estão abaixo do nível mínimo.

Nos níveis mais altos, os alunos podem compreender a leitura textos longos, lidar com conceitos abstratos e estabelecer distinções entre fato e opinião. Os estudantes também podem modelar situações complexas matematicamente, além de selecionar, comparar e avaliar estratégias para a solução de problemas. Além disso, são capazes de aplicar de forma criativa e autônoma seus conhecimentos sobre as ciências a uma ampla variedade de situações, incluindo as não familiares. Na média da OCDE, 16% dos estudantes atingem os níveis mais altos.

Cerca de 1% dos alunos brasileiros obteve notas altas em matemática. Paralelamente, seis países ou economias asiáticas tiveram a maior parcela de estudantes no topo desta disciplina: as quatro províncias chinesas Pequim, Xangai, Jiangsu e Zhejiang tiveram 44% de estudantes em destaque nesta disciplina, seguidas por Cingapura (37%), Hong Kong (29%), Macau (28%), Taipé Chinês (23%) e Coreia do Sul (21%).

Situação socioeconômica

desigualdade socioeconômica é um grande divisor de águas nestes resultados. Em 2018, alunos brasileiros mais ricos superaram os pobres em leitura em 97 pontos —em 2009, a diferença de desempenho nesta área entre os dois estratos socioeconômicos foi de 84 pontos no Brasil. A boa notícia é que cerca de 10% dos estudantes desfavorecidos conseguiram pontuar entre os índices mais altos do desempenho em leitura, o que indica, segundo o relatório do PISA, que a desvantagem econômica não é necessariamente o que determina o destino dos estudantes.

O otimismo da OCDE, no entanto, não se sustenta nas próprias análises da organização quanto ao potencial real de futuro desses estudantes. Cerca de 1 em cada 10 alunos desfavorecidos de alto desempenho não tem expectativa de concluir o ensino superior. Esse indicador muda quando relacionado aos estudantes mais favorecidos: apenas 1 em cada 25 alunos não deve terminar a faculdade.

Diferença de gênero

As meninas mantêm a liderança nos indicadores de leitura, com uma diferença média de performance de 26 pontos em relação aos meninos. Por outro lado, os meninos superaram as meninas em matemática em 9 pontos. Já nas ciências, meninas e meninos têm desempenho semelhante no Brasil.

De acordo com o relatório, entre o estudantes de alto desempenho em matemática ou ciências, cerca de um em cada três meninos no Brasil espera trabalhar como engenheiro ou profissional de ciências aos 30 anos. Apenas uma em cada cinco meninas espera seguir essas carreiras.

Dentre as meninas de alto desempenho, cerca de duas em cada cinco esperam trabalhar em profissões relacionadas à saúde ―o mesmo percurso deve ser seguido por cerca de um em cada quatro meninos com desempenho semelhante. Apenas 4% dos meninos e quase nenhuma menina esperam trabalhar em profissões relacionadas à tecnologia das informação no Brasil.


Luiz Carlos Azedo: O amanhã

“A incerteza está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, ainda não reagiu como deveria”

O conhecido samba-enredo da União da Ilha do Governador, campeão do carnaval carioca de 1978, que intitula a coluna, é de autoria de Paulo Amargoso e João Sérgio, nome desconhecido até da maioria dos sambistas, pois, na verdade, se trata do falecido procurador da República Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves, o Didi, também fundador da escola e autor de outros sambas antológicos. Não há carnaval em que suas músicas não sejam cantadas por foliões de todo o país. Naquele ano, na voz de Aroldo Melodia, O Amanhã empolgou as arquibancadas na Marquês de Sapucaí: A cigana leu o meu destino/ Eu sonhei/ Bola de cristal, jogo de búzios, cartomante/ Eu sempre perguntei/ O que será o amanhã?/ Como vai ser o meu destino?”

Era o primeiro desfile de regras rigorosas, o que gerou protestos do compositor mangueirense Angenor do Nascimento, o famoso Cartola: “Isso não é carnaval, é parada de militar”. Mas foi um desfile memorável, principalmente para a União da Ilha, cuja carnavalesca Maria Augusta não imaginava que o samba seria eternizado pelo gosto popular: “Já desfolhei o malmequer/ Primeiro amor de um menino/ E vai chegando o amanhecer/ Leio a mensagem zodiacal/ E o realejo diz/ Que eu serei feliz”. O refrão todo mundo canta até hoje: “Como será o amanhã/ Responda quem puder (bis)/ O que irá me acontecer/ O meu destino será como Deus quiser.”

Nem só de letra e melodia vive uma samba antológico, o contexto é fundamental para que o povo se identifique com a canção. O país vivia uma transição lenta e gradual, o projeto de Brasil potência dos militares havia naufragado. O general Ernesto Geisel amargava o fim do milagre econômico e muita insatisfação popular. A crise do petróleo e a recessão mundial interferiam fortemente na economia brasileira, os créditos e empréstimos internacionais minguavam. Nas eleições de 1974, o MDB havia conquistado 59% dos votos para o Senado, 48% da Câmara dos Deputados e a maioria das prefeituras das grandes cidades. Não havia eleição de prefeitos nas capitais.

Era um ambiente de incertezas. Logo depois do carnaval, eclodiram as greves operárias do ABC. No ano em que União da Ilha do Governador foi campeã, a oposição voltou a vencer as eleições, Geisel acabou com o AI-5, restaurou o habeas-corpus e abriu caminho para a volta da democracia, num processo de retirada em ordem dos militares da política que foi muito bem-sucedido. Era um momento de muitas incertezas e também de esperança. Mais ou menos como estamos vivendo agora, com sinal trocado, pois os militares voltaram ao poder com a eleição do presidente Jair Bolsonaro.

Embora o atual governo mal tenha completado 9 meses, ninguém sabe o que vai acontecer. Há uma tensão permanente entre as instituições. O presidente Bolsonaro protagoniza a radicalização política com uma retórica ultraconservadora. Entretanto, há um calendário e regras eleitorais claras, tudo vai desaguar nas eleições municipais do próximo ano e, depois, em 2022, quando teremos novas eleições gerais. Esse é o leito do processo político democrático. A incerteza maior está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, a economia ainda não reagiu como deveria

Estagnação
A receita liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, até agora, resultou num cenário de estagnação, com desindustrialização, altas taxas de desemprego e baixa atividade econômica, apesar da inflação baixíssima e da queda dos juros, que devem baixar ainda mais, para 4,5%, segundo previsões do mercado. A especificidade da economia brasileira não foi bem-equacionada pela equipe de Guedes, formada por especialistas financeiros e técnicos que conhecem bem as finanças públicas, mas não dão conta das relações do governo com o setor produtivo e têm ojeriza à política industrial.

No momento, o governo prepara uma emenda constitucional, chamada PEC Emergencial, com uma lista de medidas duras para serem adotadas por um prazo de dois anos. Não deve mexer no teto de gastos (que limita as despesas à inflação) e deve fazer um ajuste na chamada regra de ouro, mecanismo que impede que o governo faça dívidas para pagar despesas correntes, como salários. O governo também pretende, no próximo ano, aprovar outras mudanças, que chama de PEC DDD: desvincular (retirar os “carimbos”), desindexar (remover a necessidade de conceder automaticamente reajustes) e desobrigar o pagamento de despesas.

Muitos economistas têm dúvidas quanto ao êxito de Guedes, mas nem por isso o presidente Jair Bolsonaro tem um plano B para economia. Ele já disse que vai continuar com o Posto Ipiranga. É uma situação meio inédita, com o real desvalorizado frente ao dólar e a economia quase em deflação. Há sinais de que o modelo liberal clássico não dá conta do recado nesses novos tempos de globalização e revolução tecnológica, assim como havia fracassado o modelo desenvolvimentista social-democrata. No fundo, ao lado do rentismo, o não-trabalho e o não-emprego na nova economia aprofundam as desigualdades, reduzem nosso mercado interno e ampliam as demandas sociais, sem que o governo tenha recursos para cuidar dos mais pobres, investir na educação e e modernizar a infra-estrutura. No atual modelo, além do empreendedorismo, só o capital estrangeiro salva, mas ele ainda prefere outros destinos.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-amanha/