educação
Evandro Milet: Educação é a maior das obras de infraestrutura, só que invisível
Uma mãe com um filho doente vai correr para um posto de saúde ou para um hospital. Esse desespero se reflete na pressão nos políticos e nas pesquisas eleitorais que apontam a saúde como o maior problema nas cidades. Se as mães tivessem a real consciência da importância da educação para o futuro do filho correriam para a porta das escolas quando percebessem notas baixas, filhos matando aulas, escolas depredadas ou professores sem preparo. Da mesma forma, pressionariam os políticos e fariam questão de marcar presença em reuniões de pais nas escolas. Muitos, infelizmente, entendem a escola apenas pela merenda oferecida, ou para tirar a criança da rua, o que não é desprezível na situação brasileira, mas é muito, muito pouco.
O resultado da educação não tem a visibilidade de uma bela obra de infraestrutura como uma rodovia, uma ferrovia, uma hidrelétrica ou mesmo um viaduto. Fica mais invisível que uma obra de saneamento ou um problema ambiental. E nem se percebe como uma demanda imediata de um sistema de transporte, rede de iluminação ou de wifi.
Por essa invisibilidade e consequente falta de pressão, aparece pouco nos programas dos candidatos, porém, se infraestrutura significa o conjunto de elementos que estimula o desenvolvimento socioeconômico de uma região, educação é a mais importante delas. E a escuridão na educação do Brasil é maior que um apagão de energia.
Mesmo aqueles que percebem a importância da educação para o futuro dos filhos aceitam como satisfatório, por desconhecimento, um padrão, quando muito, apenas razoável quando comparado com padrões internacionais. A referência no Brasil ainda é Sobral no Ceará - o que é um avanço extraordinário - mas não é Singapura ou Finlândia, a ponta da educação no mundo.
A má qualidade da educação implica na evasão alarmante, no baixíssimo nível de aprendizado e consequentemente em baixos salários, baixa produtividade e mesmo criminalidade e outras mazelas sociais. E os problemas não são esquerdização, ideologia de gênero, Paulo Freire, plantação de maconha, balbúrdia, banheiro unisex ou mamadeira de piroca. O problema é que as crianças não aprendem o que deveriam aprender na idade certa. Por quê? Municípios pequenos não conseguem administrar sua educação, diretores ainda são escolhidos por indicação política, salário baixo de professores não atrai muitos dos melhores para a carreira e faz com que tenham que atender várias escolas para completar salário, falta de formação dos professores, falta de escolas de tempo integral, falta de creches, escolas depredadas e falta de materiais didáticos padronizados para o professor e para o aluno.
As escolas particulares, frequentadas pela classe de renda mais alta, mantém uma qualidade muitas vezes de razoável padrão internacional. Mas também as escolas federais, públicas, como as escolas técnicas, tiveram resultado comparável com os melhores países na avaliação PISA, que mede o conhecimento em leitura, matemática e ciências em jovens de 15 anos. Mostra que é possível uma escola pública de qualidade. Por que não para todos? O que as escolas técnicas federais têm de diferente? Seria o fato de serem federalizadas? Um dos motivos é que mantém professores de dedicação exclusiva.
Uma grande campanha de conscientização da população, no estilo do "Agro é pop" na TV, "Educação importa", por exemplo, poderia ser o início de uma mobilização, que informasse e motivasse a população a desencadear uma pressão política para colocar a educação no lugar devido de prioridade nacional para se conseguir dar uma grande salto. Educação tem que estar no centro de um projeto de desenvolvimento.
RPD || Reportagem Especial: Risco de nova onda do coronavírus divide governos sobre volta às aulas presenciais
Maioria dos estados já decidiu pelo retorno gradativo às atividades nas escolas; profissionais da Educação criticam medida
Cleomar Almeida
Oito meses após o fechamento das escolas por causa da pandemia do novo coronavírus, em março deste ano, 16 redes públicas estaduais de ensino retomaram parte das aulas presenciais ou têm previsão de retorno às salas de aula, ainda em 2020. Em outros oito estados, governadores já se posicionaram pela volta dessas atividades somente no ano que vem, diante do risco da segunda onda de Covid-19 na Europa aumentar ainda mais os efeitos trágicos no Brasil. Professores e governos travam briga até na Justiça.
O sinal verde para a volta às aulas tem como parâmetro portaria do Ministério da Educação (MEC) publicada em julho e que define diretrizes para a retomada das atividades presenciais. Entre elas, está a obrigatoriedade do uso de máscaras, distanciamento social de 1,5 metro e afastamento de profissionais que estejam em grupos de risco. No entanto, governos estaduais e municipais têm autonomia para definição do calendário pedagógico a fim de reorganizar as aulas nas escolas.
Nos estados que já reabriram as salas de aula gradativamente, as escolas devem seguir uma série de protocolos sanitários estabelecidos em portarias dos governos e continuarem oferecendo ensino a distância aos alunos que optarem por essa modalidade. Nessa lista estão Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
Em geral, os governadores sustentam suas decisões na diminuição do número de casos de Covid-19 nos respectivos estados. As estruturas hospitalares emergenciais passaram a ser desmobilizadas. Dos leitos clínicos e de UTI do Sistema Único de Saúde (SUS) abertos a partir do início da pandemia, 65% já foram fechados. Por outro lado, o Brasil é o segundo país com mais mortes – atrás dos Estados Unidos – e o terceiro com maior quantidade de contaminações registradas – atrás dos Estados Unidos e da Índia.
A segunda onda de Covid-19 na Europa é um alerta importante aos governadores que decidiram optar por cautela e autorizar retorno às aulas presenciais somente em 2021 ou após a confirmação de uma vacina para imunizar a população. Nesse grupo, estão Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Roraima. Bahia e Rondônia ainda não firmaram posição sobre o assunto.
Em Goiás, o governador Ronaldo Caiado (DEM), aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), contraria autorização de volta às aulas presenciais do próprio Comitê de Operações Emergenciais de Enfrentamento ao Coronavírus (COE), nas unidades de educação básica e superior. Para ele, as atividades escolares só devem ser normalizadas após a vacina. “Garantir vacinação antes do retorno às aulas é fundamental para evitar uma segunda onda da doença no Brasil”, afirmou ele.
De acordo com a imprensa internacional, a segunda onda de infecção pelo novo coronavírus em alguns países da Europa foi impulsionada pelo retorno antecipado às aulas, como ocorreu na França e Espanha. Ao voltar à escola e ter contato com outras pessoas, as crianças aumentam o potencial de proliferação do vírus. Hoje, os países estão sentindo o impacto dessa medida com a volta do toque de recolher e recessões maiores.
Em Roraima, apesar de manter aulas remotas neste ano, o governo estadual determinou o retorno dos professores ao trabalho presencial, exceto os que forem de grupo de risco. A diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima (Sinter), Josefa Matos de Freitas, e a Organização dos Professores Indígenas de Roraima (Opir) criticaram a medida. “Não é justo com o servidor ter que voltar, porque a pandemia nem acabou nem melhorou", disse a diretora.
No Distrito Federal e em Minas Gerais, a decisão sobre o retorno, ou não, às atividades presenciais está travada em imbróglio judicial. O governador Ibaneis Rocha (MDB) recorreu da decisão da Vara da Infância e Juventude do DF que determinou o retorno às aulas. “Essa é uma decisão que não caberia à Justiça. Mais uma vez, é a Justiça tentando governar", criticou. Ele argumentou falta de condições sanitárias adequadas e teve apoio do Sindicato dos Professores (Sinpro).
Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) trava outra briga com a Justiça, mas para garantir a retomada das atividades presenciais nas escolas. O Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido do Estado, concedendo liminar ao Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-Ute). A categoria também disse que a medida do governo contraria as regras de isolamento e que não há dados que indiquem redução de contágio pela doença, nem diminuição do número de mortes no estado.
Em outubro, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou parecer que permitia a fusão dos anos letivos de 2020 e 2021, em um currículo adaptado, e estendia a permissão das aulas remotas por mais um ano, até dezembro de 2021. O documento ainda não foi homologado pelo MEC.
Contrários ou favoráveis ao retorno das aulas presenciais, todos os governos estão suscetíveis a reverem suas decisões, a qualquer momento, caso a situação do país melhore ou piore na pandemia. O Brasil tem taxa de cerca de 84 mil testes a cada 1 milhão de pessoas. O número é baixo se comparado a outros países como o Reino Unido, que tem 453 mil testes a cada 1 milhão de habitantes, ou mesmo ao Chile, com 209 mil testes a cada 1 milhão de habitantes.
Alunos estão mais desmotivados e com menos aproveitamento
A dinâmica das aulas remotas tem levado estudantes a ficarem ainda mais desmotivados e diminuírem o aproveitamento nos estudos com o passar dos meses, segundo pesquisa sobre educação na pandemia. Os dados foram obtidos pelo Instituto Datafolha, a pedido da Fundação Lemann, Itaú Social e Imaginable Futures. Especialistas alertam para o risco de aumento de evasão escolar.
O levantamento aponta que o percentual de alunos sem motivação para estudar passou de 46%, em maio, para 54%, em setembro, conforme dados mais recentes. Segundo a pesquisa, outra grande barreira para os estudos na pandemia é a dificuldade de se organizar para estudar em casa. O índice de pessoas que confirmaram essa reclamação passou de 58% para 68%, no mesmo período.
A pesquisa ouviu 1.021 pais ou responsáveis de alunos de escolas públicas municipais e estaduais, de 6 a 18 anos, entre 16 de setembro e 2 de outubro. O chefe de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Ítalo Dutra, mostra preocupação com a perda do vínculo escolar durante a pandemia.
“Nós fechamos as escolas sem planejamento. Na maioria dos Estados, o que vimos foi recesso, férias e depois ensino remoto. E essas atividades evidenciaram as desigualdades educacionais que o país tem”, disse. “Em São Paulo, menos da metade dos alunos tinha acesso ao conteúdo online em maio, e estamos falando do estado mais conectado e rico do país. A não manutenção desse vínculo pode impactar no abandono escolar”, alertou.
O diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, destaca o risco de estes alunos desistirem da escola. “A evasão e o abandono escolar terão reflexo sobre o estudante, sua família e a sociedade, aumentando ainda mais a desigualdade”, disse ele. “O modelo criado na correria para dar conta de uma paralisação de dois ou três meses, e que acabou se estendendo para o ano inteiro, mostra desgaste”, avaliou Mizne.
Segundo a pesquisa, 92% dos estudantes receberam atividades para fazer em casa em setembro, contra 74% em maio. O índice aumentou em todas as regiões do país, especialmente no Norte, que passou de 52%, em maio, para 84%, em setembro. No entanto, o desgaste dos estudantes apontado na pesquisa indica o desafio para o ano letivo de 2021, que deverá ocorrer de forma híbrida, com aulas remotas e presenciais, além de rodízio das turmas.
Em julho, a pesquisa Pnad Contínua 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou pela primeira vez dados sobre o abandono escolar, além das análises sobre taxas de escolaridade. O país aumentou a proporção de pessoas de 25 anos ou mais com ensino médio completo, passando de 45%, em 2016, para 47,4%, em 2018, e 48,8%, em 2019. No entanto, segundo o levantamento, 69,5 milhões dos adultos (51,2%) não concluíram essa etapa educacional.
De acordo com o IBGE, entre os principais motivos para a evasão escolar estão a necessidade de trabalhar (39,1%) e a falta de interesse (29,2%). Entre as mulheres, aparecem como causa gravidez (23,8%) e atividades domésticas (11,5%).
Busca por emprego faz maioria dos alunos deixar de estudar
Aliada à baixa atratividade das aulas remotas e à perda de renda das famílias, a busca por emprego pressionou 56% dos alunos a abandonarem os estudos durante a pandemia causada pelo novo coronavírus. É o que mostra a pesquisa nacional TIC Covid-19, divulgada no dia 5 de novembro.
O levantamento ainda aponta que alunos mais pobres lideram a lista dos que não acompanharam as aulas remotas. Do total, 29% estão na classe D e E; 20%, na classe B; e 11%, na classe AB. A pesquisa foi realizada entre 10 de setembro e 1º de outubro, com 2.728 pessoas de 16 anos ou mais, usuários de internet, que estudam ou estudavam desde a educação básica até o ensino superior.
A pandemia de Covid-19 também gera alerta sobre a falta de preparo das escolas para garantir o direito à educação aos alunos. No total, 32% dos entrevistados declararam que deixaram de estudar porque a instituição de ensino não ofereceu aulas ou atividades do curso.
Outras barreiras apareceram para os alunos que tiveram conteúdos disponibilizados pelas escolas, como dificuldade para tirar dúvidas com professores (38%), baixa qualidade da conexão ou inexistência dela (36%), falta de estímulo para estudar (33%) e baixa qualidade das aulas (27%).
Em relação a equipamentos de conexão, a pesquisa revela que a maioria dos alunos acompanha as aulas online pelo celular (37%). Outros declaram que usam notebook (29%), tablet (1%) ou televisão (1%).
Luiz Carlos Azedo: Hora de cair na real
O governo está desorientado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, parece enveredar pelo “quanto pior, melhor”, para prorrogar a “economia de guerra”
Vinte e quatro horas passaram-se, e as eleições para a Presidência dos Estados Unidos continuam no rumo de uma crise institucional, porque Donald Trump não quer sair da Casa Branca como derrotado e, por isso, constrói uma narrativa de que a votação de Joe Biden foi fraudada. Desde ontem, a contagem dos votos estava 264 a 214, faltando apenas seis delegados para o desfecho já previsível — a vitória de Biden —, mas a chicana republicana, além de atrasar o resultado final e acirrar a tensão social, pode resultar na sobrevivência do trumpismo como robusta força de oposição, negacionista, ainda mais antidemocrática e reacionária. Não devemos subestimar esse fato aqui no Brasil, porque isso se reproduzirá como discurso da ala ideológica do governo Bolsonaro.
Amplos setores da sociedade e uma parte significativa do governo torcem por Biden, na esperança de que isso signifique uma mudança de rota na nossa diplomacia e na política ambiental. “O homem é o homem e a sua circunstância”, dizia o filósofo espanhol José Ortega e Gasset, 100 anos atrás. Bolsonaro precisa cair na real de que a situação na economia é perigosa e tanto a política externa quanto a ambiental complicam desnecessariamente a vida de nossos agentes econômicos. O Brasil está em apuros financeiros, a conta da pandemia do novo coronavírus está chegando a passos de ganso. O governo está desorientado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, parece enveredar pelo “quanto pior, melhor”, para prorrogar a “economia de guerra” e fugir à responsabilidade do ajuste nas contas públicas.
Ontem, o Tesouro teve dificuldades para rolar a dívida pública, nos relata Vicente Nunes, no Correio Braziliense. Da oferta de até 750 mil títulos indexados à taxa Selic, as chamadas LFTs, com vencimento em 2022 e em 2027, foram comprados 433,5 mil, ou seja, 49%. O Tesouro arrecadou R$ 4,7 bilhões, menos do que na semana passada, quando vendeu R$ 5,19 milhões em títulos. A taxa Selic (2% ao ano) está abaixo da inflação, que já passa dos 3%.
Para rolar a dívida pública, outra alternativa está sendo vender títulos pré-fixados, as chamadas LTNs, com taxas bem acima da Selic. Esses títulos são de curtíssimos prazo, com vencimentos em 2021, 2022 e 2024. Ontem, 8 milhões de títulos expirando em 2024 foram vendidos, com taxa de juros 6,39% ao ano, para o governo arrecadar R$ 6,6 bilhões. Mais R$ 1,8 bilhão foram arrecadados com a venda desses títulos com vencimento em 2022. Um terceiro lote, com vencimento no próximo ano, de 5 milhões de unidades, foi vendido que integralmente, arrecadando R$ 4,9 bilhões para os cofres do Tesouro.
Populismo
O problema é que o governo está pagando uma taxa de 7,39% ao ano para títulos pré-fixados com vencimento em 2021. É um excelente negócio para quem tem dinheiro para investir, mas péssimo para um governo que não tem como pagar suas contas sem se endividar ainda mais, e terá de resgatar esses títulos no próximo ano. É onde mora o perigo, porque os sinais de afrouxamento fiscal vêm de todo lugar. Na quarta-feira, por exemplo, o Congresso derrubou o veto de Bolsonaro às desonerações trabalhistas, que foram prorrogadas por mais um ano, com uma impacto na queda de arrecadação de R$ 4,9 bilhões.
No lusco-fusco das eleições norte-americanas, foi aprovada pela Câmara uma garfada de R$ 1,4 bilhão dos recursos da Educação básica para obras de infraestrutura, uma reivindicação dos políticos do Centrão. Farinha pouca, meu pirão primeiro: tiraram do futuro das crianças para as obras indicadas pelas legendas que apoiam o governo, a cargo dos ministérios do Desenvolvimento Regional e da Infraestrutura. Não é à toa que Bolsonaro mantém seu périplo pelo Nordeste. Em vez de avançar nas reformas administrativa e tributária, caminha-se para romper o teto de gastos e implantar, a qualquer preço, o projeto Renda Cidadã. A discussão sobre o Orçamento da União, em que o pacto populista pode ser consolidado, é empurrada com a barriga, na surdina, para o recesso parlamentar.
Há sinais de recuperação da indústria, muito positivos, que poderiam apontar noutra direção, se fossem acompanhados de uma proposta efetiva de retomada da economia. Entretanto, o governo não tem prioridades, improvisa. A política de Bolsonaro é feita sem estratégia, na base da transa com objetivos eleitorais imediatos. Nesse aspecto, as eleições municipais estão mostrando um cenário em que os eleitores estão sendo bem mais pragmáticos e objetivos, estão refratários a aventuras e apostam nos políticos com propostas e bons serviços prestados.
Cristovam Buarque: Ler importa!
Foi preciso um policial branco asfixiar um negro, para o mundo despertar para o lema “vidas negras importam”. O grito de “não consigo respirar” ecoou em todas as partes. Pena que um analfabeto não grite o mesmo e de seu grito surja um movimento com o lema: “ler importa”. As pessoas não percebem que o analfabeto não respira plenamente, uma vez que, além de comida e oxigênio, o ser humano se alimenta de conhecimento e estes chegam, sobretudo, pela leitura.
A falta de leitura asfixia pessoas e sociedade. Lutar contra o racismo exige luta contra o analfabetismo. Até porque 10 dos nossos 12 milhões de analfabetos são descendentes de escravos. Fala-se que “vidas negras importam” esquecendo-se que a falta de importância às vidas negras decorre em parte do abandono escolar a que os jovens negros são condenados, por serem pobres. O racismo produz analfabetismo entre os negros deixados sem escola, e acirra o racismo estrutural na sociedade.
Ao lado dos esqueletos sociais da escravidão, o analfabetismo é o berço do preconceito, a causa maior da exclusão social e do racismo. A luta contra o racismo conseguiu fazer com que os negros brasileiros já não se sintam inferiores aos brancos, como ocorria até recentemente, mas negros ou brancos sentem-se inferiores quando são analfabetos. Apesar disso, os que, corretamente, lutam contra o racismo com leis que criminalizam este comportamento, não lutam contra o analfabetismo que produz o racismo. Até lutam para que um pequeno número de negros entre na universidade, mas não para que todos os negros saiam do analfabetismo.
“Ler importa” não se refere apenas à chaga do analfabetismo total, mas também à necessidade de abolir o analfabetismo funcional que atinge quase 100 milhões de brasileiros. “Ler importa” não apenas para decifrar o que uma combinação de letras quer dizer em uma palavra, mas também para saber o que as palavras querem dizer combinadas entre elas em textos longos, em livros de literatura e de filosofia. “Ler importa” não apenas para decifrar as letras na bandeira do Brasil, mas também como aquelas palavras chegaram ali, identificar a base filosófica delas, por que os republicanos as escreveram logo depois da proclamação da República - e até hoje, 131 anos depois, ainda não entendemos que “ler importa”.
Apesar de todos os nossos avanços sociais e econômicos, temos em 2020 duas vezes mais adultos analfabetos do que em 1889. Não percebemos que a liberdade de expressão deve significar mais do que liberdade para alguns escreverem o que pensam, mas também a possibilidade de todos lerem o que está escrito. Por mais liberdade que tenha, não é livre a imprensa em um país com 12 milhões de adultos analfabetos plenos e 100 milhões de analfabetos funcionais.
“Ler importa” para todos e para ler tudo.
Recentemente, a proposta de aumentar impostos sobre livros foi rejeitada pelos que compram livros, mas eles não se mobilizaram para que todos pudessem ler; não houve luta contra o imposto infinito que pesa sobre os analfabetos, plenos e funcionais, que não lerão os livros, mesmo que distribuídos gratuitamente. A compra do livro é o primeiro passo, mas sua aquisição só ocorre pela leitura. Houve um movimento no sentido de “livro importa” para quem sabe ler, mas não de “ler importa” para todos.
“Ler importa” porque a leitura não é apenas um direito de cada pessoa, é um motor para o progresso de todos. Sem conhecer a história do Brasil, sem ler as propostas dos candidatos, o eleitor pode ser enganado mais facilmente; sem literatura acessível a todos, fica difícil formar a consciência nacional de um povo. “Ler importa” porque entre dois bons médicos, dois bons cientistas, dois bons engenheiros, aqueles que leem jornais, revistas, literatura, serão melhores que os outros.
É na educação de base que, além de alfabetizar, formam-se leitores. De todas as falhas de nossa educação de base, além de não alfabetizar todos na idade certa, não ensinar matemática e ciências, não auxiliar na prática das artes, não ensinar um ofício a cada jovem, nossas escolas não formam leitores em nosso idioma, e ainda menos em idiomas estrangeiros - porque “ler importa” tanto que é preciso ler em mais de um idioma.
“Vidas negras importam” e “ler importa” também. Por isso, “educação importa”.
*Cristovam Buarque, professor Emérito da Universidade de Brasília
José Serra: Frear a deterioração educacional
Já não há espaço para remédios improvisados, são necessárias medidas inovadoras e corajosas
A pandemia tem aumentado o esgarçamento da educação no Brasil, tanto pública quanto privada, mas também vem ampliando a oportunidade para uma agenda social com políticas educacionais inovadoras. Com a paralisação parcial da atividade econômica, milhares de jovens perderam o emprego e a renda para bancar os estudos. Muitos estabelecimentos de ensino paralisaram as aulas presenciais para evitar a proliferação do vírus, o que afetou, sobretudo no ensino público, estudantes das famílias de baixa renda.
A situação da educação no Brasil é tão grave quanto desigual. No ensino infantil faltam creches para 86% das crianças mais pobres. Já entre os 20% de famílias com renda mais alta no País, a falta de creches atinge apenas 6,9% das crianças entre 0 e 3 anos.
Os números que retratam o ensino médio são igualmente alarmantes: nossa taxa de conclusão do ensino médio antes de completar 25 anos é de apenas 58%. Comparando com taxas de conclusão de 86,1% no Chile e 79,1% nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o quadro é dramático. Quanto à metade dos estudantes que conclui o ensino médio, segundo dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), cerca de 70% apresentam resultados considerados insuficientes em Matemática e Português, requisitos hoje mínimos para sua empregabilidade, mesmo em funções modestas.
A formação educacional superior também vai mal, principalmente no ensino tecnológico. As universidades e escolas superiores privadas, que representam cerca de 75% a 80% das matrículas, enfrentam perdas consideráveis, tanto em evasão quanto em inadimplência. Com base em amostra nacional, a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) estima que em julho deste ano apenas 14% da amostra pretendia continuar matriculada no segundo semestre, ante 40% que só retomariam em 2021 e outros 38% apenas quando a situação se normalizasse. Perguntados sobre o que mais estava afetando sua decisão, 80% apontaram perda de renda da família ou do emprego.
O primeiro passo para enfrentar esse quadro é encarar o problema como um desafio federativo. A responsabilidade pela educação é compartilhada pelos três níveis de governo.
O governo federal é o principal responsável pelo financiamento do ensino superior público, sendo uma pequena parcela das despesas destinada à assistência financeira a alunos de instituições privadas. O ProUni concedeu este ano 252 mil bolsas totais ou parciais, ante um total de 6,3 milhões de matrículas no ensino superior privado, menos de 4% dos alunos. Quanto ao crédito estudantil subsidiado (Fies), o governo federal beneficiou cerca de 1 milhão de alunos, metade dos quais está inadimplente!
Os governos estaduais são responsáveis pelo ensino médio e os municípios assumem o grosso do financiamento do ensino fundamental. Mesmo com todas as limitações fiscais do País, inovações na gestão escolar em alguns Estados brasileiros merecem destaque, assim como experiências internacionais bem-sucedidas.
No Ceará, os mecanismos de incentivo baseados na distribuição do ICMS, estadual, de acordo com o índice de qualidade da educação do município mostraram-se efetivos para melhorar os resultados de aprendizagem. No Amazonas os professores são avaliados por meio de cursos online obrigatórios, cuja avaliação final é requisito para a conclusão do estágio probatório.
A Austrália foi a primeira a implementar um sistema de crédito estudantil condicionado à renda (Income Contingent Loan), depois adotado no Reino Unido, na Nova Zelândia, na Hungria, nos Países Baixos e na Coreia do Sul. Nesse sistema, o acesso ao ensino superior é gratuito e o egresso reembolsa o crédito se e quando atingir um patamar mínimo de renda (US$ 40 mil na Austrália e US$ 30 mil no Reino Unido), sujeito a um teto de reembolso. Modelo similar se aplica na Universidade da República do Uruguai, pública e gratuita, que cobra de todos os seus diplomados uma porcentagem específica do Imposto de Renda para financiar o ensino universitário.
O Congresso Nacional tem dado prioridade a uma agenda social voltada para a educação. Recentemente foi aprovada a Emenda Constitucional n.º 108, que torna permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e aumenta suas verbas. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, tem defendido um programa de poupança para estimular o jovem brasileiro a cursar o ensino superior – ideia análoga ao Programa Criança com Futuro, proposto no PL 4.698/19 do Senado.
Diante dos efeitos de longo prazo da pandemia, que se estenderão para além de 2021, já não há espaço para remédios improvisados e de curtíssimo alcance, pois isso implicaria submeter a maioria do povo brasileiro – famílias de renda média para baixo – a sofrimentos que não se limitam à perda de emprego e renda já ocorrida e a ocorrer ao longo deste ano.
A deterioração da formação educacional das crianças e dos jovens brasileiros precisa de medidas inovadoras e corajosas.
*Senador (PSDB-SP)
Cristovam Buarque: Depois da devastação
Não se pode menosprezar os efeitos do vírus que, em poucos meses, matou mais de um milhão de seres humanos, dos quais 153 mil brasileiros, desarticulou a economia e provocou atraso no progresso. Além da perda irreparável por morte, a maior devastação será na educação. Milhões de crianças ficarão com traumas psicológicos e mesmo neurológicos. Todos voltarão à escola com apagão cognitivo que muitos não superarão. Milhões não voltarão às escolas este ano, milhares abandonarão os estudos, outros as encontrarão fechadas ou sem professores.
É equívoco responsabilizar a covid-19 pelo agravamento da desigualdade educacional, porque ela sempre foi tão grande, que é impossível ter piorado. É como dizer que a desigualdade aumentava entre a senzala e a casa grande, em momentos de epidemia. Os senhores tinham mais remédios, mais cuidados, menos promiscuidade sanitária, mas a desigualdade entre eles e os escravos era tão abismal que não piorava. A epidemia mostra a desigualdade, não piora.
Nossa desigualdade educacional não decorre do vírus, mas do descuido histórico com a educação dos pobres. Não é por causa da covid que 12 milhões de adultos não sabem ler “Ordem e Progresso” escrito na bandeira republicana; antes da epidemia eles já estavam abandonados, condenados à desigualdade em relação aos doutores. Também não foi o vírus que provocou 100 milhões de analfabetos funcionais, completamente desiguais em relação aos oito milhões de universitários.
Nem foi a covid que provocou a desigualdade em desempenho que há nas universidades, conforme a escola de base e a carga de leitura que o aluno recebeu em cursos anteriores ao ensino superior. A covid pode provocar desigualdade entre os que estão em algumas das raríssimas escolas que se adaptaram ao ensino remoto e aqueles que estudam em outras que não se adequaram ao ensino a distância, mas a grande desigualdade já existia, sobretudo entre os que estão dentro da escola e os que a abandonaram antes de concluir o ensino médio.
Não foi a covid que montou o frágil sistema educacional em que 60% dos brasileiros ficam para trás, sem concluir o ensino médio, e no máximo a metade dos 40% terminam um curso secundário sem aprender o que é necessário para enfrentar o mundo atual: saber bem português, falar outros idiomas, conhecer matemática, história, geografia, artes, valores morais, habilidades para exercer um ofício, conhecer as coisas do mundo. Percebe-se aumento na desigualdade educacional entre os que farão o próximo ENEM, mas todos que fazem o ENEM, são desiguais em relação ao conjunto do Brasil sem escolaridade, deixados para trás antes de concluir o ensino médio.
Algumas raras escolas conseguiram oferecer um mínimo de aulas remotas a seus alunos, enquanto a imensa maioria ficou praticamente sem aprendizado, por falta de equipamentos e preparo dos professores. No entanto, considerando a péssima qualidade oferecida aos pobres, desde antes da epidemia, é possível dizer que a educação piorou ainda mais para os que tinham escolas de qualidade e ficaram com aulas remotas.
A covid devastou tanto a educação que pode ter diminuído a desigualdade, ao rebaixar a educação dos ricos. Foi como se houvesse um terremoto em uma cidade, destruindo a moradia de todos, mas diminuindo a desigualdade, ao nivelar por baixo, levando os bairros nobres a perderem suas casas, ficarem sem água e esgoto, como já estavam os bairros pobres. O terremoto não aumenta a desigualdade que já existia, agrava-a depois, na reconstrução que sempre começa acelerada pelos bairros nobres, onde já existiam casas, asfalto, água e esgoto, demorando a reconstrução dos bairros pobres. É isso que pode ocorrer agora com a educação, aumentando a desigualdade a níveis ainda piores do que antes da epidemia.
Nossa tarefa é iniciar a reconstrução do sistema devastado pela escola pública que atende à quase totalidade de nossas crianças. O caminho da reconstrução vai exigir uma estratégia para substituir os frágeis sistemas municipais por um robusto sistema público federal. Fazer a revolução que substituirá a atual “pedagogia teatral” por nova “pedagogia cinematográfica” que use recursos da teleinformática dos bancos de dados e de imagens, da inteligência artificial, dos efeitos especiais.
O vírus devastou toda educação e mostrou uma desigualdade que já existia por nossa culpa. Aproveitemos para despertar à necessidade de o Brasil dar um salto na qualidade da educação e fazê-la equitativa, independentemente da renda e do endereço de cada criança.
*Cristovam Buarque, professor Emérito da Universidade de Brasília
Luiz Carlos Azedo: Dia das Crianças
Passou da hora de as crianças terem uma vida quase normal, o confinamento doméstico prejudica o desenvolvimento infantil, ainda mais com o liberou geral do celular e eletrônicos
Vivemos tempos sem beijos nem abraços, entre amigos, familiares e até mesmo os amantes. A vida virou uma roleta-russa, todo dia chega uma notícia triste de alguém que morreu e, em maior número, para nossa alegria, das pessoas queridas que sobreviveram à Covid-19. O isolamento social está sendo quebrado à medida em que a taxa de transmissão da doença diminui e as pessoas ficam mais confiantes de que podem desenvolver certas atividades essenciais, com os devidos cuidados. Todos torcem pela vacina eficaz, chinesa, russa, inglesa ou norte-americana, e se arriscam um pouco mais.
Tempos darwinistas sob todos os pontos de vista: sanitário, econômico, social. A sobrevivência humana não está ameaçada, muitos tiram a doença de letra, como se fosse uma “gripezinha”, mas a capacidade de adaptação às contingências do momento é mais importante do que a resistência física de cada um para sobreviver à pandemia. Para isso servem a ciência e a consciência humana. Como diz o ditado, cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Depois de tanto tempo, as comorbidades começam a se tornar um problema muito grave, porque as pessoas deixaram de ir ao médico e ao dentista, reduziram as atividades físicas, alimentam-se por ansiedade, adiaram ou interromperam tratamentos, subestimam pequenos sintomas, enfim, não dão importância aos sinais que o corpo nos envia. E têm os nervos à flor da pele, o que agrava conflitos familiares e problemas psicomentais.
Mas, há muita esperança e fé. Amanhã é dia das crianças, os clubes estão abrindo para recebê-las em relativa segurança, apesar da pandemia. Os templos também promovem cultos, recebendo as famílias com maior ou menor distanciamento social, dependendo da fé na ciência de cada padre ou pastor. Criança é sinônimo de futuro. As escolas, porém, estarão fechadas. Desperdiçam a oportunidade de virar o jogo, jogar todos para cima. Por um desses mistérios da criação, desculpem-me o trocadilho, crianças têm menos vulnerabilidade ao coronavírus, quando não têm comorbidades, é claro; porém, podem ser agentes transmissores da doença, porque geralmente são assintomáticas quando contaminadas, dizem os especialistas. Por causa disso, os adultos estão com inconfessável medo das crianças, isso é um problema.
— Azedo, você não vai escrever sobre as crianças?
A pergunta foi feita por um amigo querido, o pediatra carioca Ricardo Chavez, parceiro de muitos blocos e passeatas, preocupado com o fato delas não estarem frequentando a escola. Entre os primeiros a defender o isolamento social, avalia que já passou da hora de as crianças terem uma vida quase normal, o confinamento doméstico prejudica o desenvolvimento infantil, ainda mais com o liberou geral do celular e outros equipamentos eletrônicos. Mandou-me um artigo excelente sobre o tema, da colega Ruth de Aquino, de quem foi um dos interlocutores, que recomendo. Repassei o texto e a pergunta para outro amigo querido, Luciano Rezende, prefeito de Vitória, que conclui o segundo mandato com reconhecido êxito administrativo e zero escândalos em oito anos. Médico também, respondeu-me dizendo a mesma coisa. Seu problema é convencer diretores de escola, professores e pais de alunos, na rede pública.
Pacto perverso
De memória, porque emprestei o livro e não me devolveram ainda, lembro de certa passagem de A quarta revolução (Portfólio/Penguin), de John Micklethwait e Adrian Wooldridge, sobre a desilusão da sociedade com os governos. O Ocidente está ficando para trás. Não se trata da chamada indústria 4.0, como o título induz, mas da necessidade de uma nova revolução política para reinventar o Estado. Vivemos uma corrida em busca de eficiência e eficácia, não apenas nas inovações tecnológicas. Estão em jogo os valores políticos que triunfarão no século XXI. Vem daí a tensão no mundo entre forças reacionárias e democráticas.
Quando o livro fala dos lobbies corporativos, cita dois exemplos da Califórnia. O dos agentes penitenciários, focado na luta contra a violência e a criminalidade, que conseguiu endurecer a legislação e multiplicar o número de presídios e a população carcerária, sem reduzir a violência, é claro. E o dos professores, que tem muito mais poder de pressão sobre os políticos, porque conseguem mobilizar os pais de alunos. Pesquisando, vi que em abril do ano passado, por exemplo, pais de alunos de São Francisco promoveram uma campanha para arrecadar fundos para uma professora, após descobrirem que ela, além de lutar contra um câncer de mama, pagava seu próprio substituto na escola. O relato do caso no San Francisco Chronicle gerou indignação em escala nacional, chegando ao Senado. Ao jornal The Washington Post, Eric Heins, presidente da Associação dos Professores da Califórnia, denunciou que o sistema de financiamento da educação sobrecarrega os professores e não os poupa, nem mesmo em momentos críticos, como períodos de doença grave.
Desde 1970, na Califórnia, o acordo coletivo dos professores garante 10 dias de folga para tratamento de saúde, que podem ser prorrogados por mais 100 dias, mas são descontadas do salário as despesas com o substituto, entre US$ 174 e US$ 240 a diária. Um educador infantil recebe por mês, em média, US$ 4.931,67; um professor primário, US$ 4.971,67; no ensino médio, US$ 5.138,33. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em relatório de terça-feira passada, no ensino infantil brasileiro os professores receberiam por mês o equivalente a US$ 2.063,75; no primeiro grau do ensino fundamental, US$ 2.083,75; e no segundo, US$ 2.089,33. A alta do dólar, com certeza, distorceu esses números. O piso do Fundeb é de R$ 2.886,24, sendo que apenas 11 estados cumprem essa regra, segundo o Dieese. No câmbio oficial, isso equivale a US$ 521,04. Por isso, desconfio que as nossas escolas públicas já não estão fechadas por causa da pandemia; estão sem aulas por causa dos salários e, em muitos casos, das condições em que se encontram. Quem paga o pato são as crianças.
Hélio Schwartsman: O que justifica as cotas?
Elas seguem na lógica de que podemos definir o destino de alguém com base em suas características fenotípicas
Há dois caminhos principais para justificar as cotas raciais. Pelo primeiro, elas seriam uma forma de reparar injustiças históricas. É preciso ser estatística e historiograficamente cego para não ver que existe racismo estrutural no Brasil e que a escravidão tem muito a ver com isso. Uma compensação aos descendentes de escravos na forma de cotas seria, então, uma forma de fazer justiça.
Não gosto muito dessa justificativa. O argumento central contra ela é que há um considerável descompasso entre o universo de prejudicados pela injustiça original e o de beneficiados pela política reparatória. As cotas, afinal, favorecem só um número pequeno dos descendentes de escravos, em geral os com mais instrução e que menos precisariam de impulso. Os negros mais necessitados, aqueles que não completam o ensino fundamental, lotam as cadeias e vão parar precocemente nos cemitérios, nada ganham com elas.
No polo oposto, o branco preterido no vestibular não é necessariamente um descendente de traficantes de escravos. Para a ideia de reparação fazer sentido, temos de apelar à noção de culpa coletiva, que é bem problemática.
O outro caminho me parece melhor. Por ele, as cotas não se justificam pelo passado, mas pelo futuro. Há um bom corpo de pesquisas mostrando que, quando diferentes pessoas, com diferentes backgrounds e perspectivas, se põem a trabalhar sobre os mesmos problemas, as soluções encontradas tendem a ser melhores. O bacana aqui é que a racionalidade das cotas também salta do indivíduo para a sociedade, e a culpa coletiva dá lugar à responsabilidade social.
Considero essa justificativa aceitável, mas devo confessar que não sou um grande fã de cotas raciais. Por mais que douremos a pílula, elas seguem na lógica de que podemos definir o destino de uma pessoa com base em suas características fenotípicas, que é justamente o que torna o racismo um problema moral.
Cristovam Buarque: Faltam educacionistas
O Brasil tem alguns dos mais renomados educadores do mundo e um dos sistemas educacionais de pior qualidade. A explicação é que não temos educacionistas. Os educadores brasileiros disseram ao mundo como deve ser o processo pedagógico, mas caberia aos políticos implantar o sistema nacional de educação com qualidade.
Educadores definem métodos; educacionistas determinam metas, estratégias, políticas, sistemas administrativos, financiamento. O educador vê e cuida de cada sala de aula; o educacionista do sistema de todas as salas. O educador é como o cientista que descobre a vacina; o educacionista é o sanitarista que desenha a logística para a distribuição da vacina. Sem o primeiro não temos vacina, ou método educacional, sem o segundo a vacina não chega a todos, como a escola não atende a todos.
Para o educacionista, a educação é o vetor do progresso, tanto para a eficiência econômica quanto para a justiça social. Ele vê o futuro de um país com a cara da escola pública no presente, porque todos os problemas da nação passam pela educação do povo. Foi o que fizeram os políticos educacionistas em países como Irlanda, Finlândia e Coreia do Sul.
A economia depende de confiança, poupança, investimento, mas também de uma população educada; a saúde requer saneamento e médicos, mas também educação; a ética na política exige fim de impunidade aos eleitos, mas também eleitores educados; a violência requer polícia, mas também educação com qualidade para todos.
Para o educacionista, o Brasil precisa escolher uma estratégia que lhe permita atingir excelência educacional, e assegurar que, desde a primeira infância, todo brasileiro tenha acesso à educação com a máxima qualidade. Diante da brutal desigualdade entre nossas cidades, em renda da população, receita de município, recursos humanos e gerenciais, além da diferença na vontade política de seus prefeitos, a estratégia educacionista passa pelo envolvimento do governo federal, na educação de base. Toda criança deve ser primeiro brasileira, não municipal, cuidada pela nação, não apenas por sua cidade.
Para alguns educacionistas, o caminho seria o governo federal transferir a cada família o mesmo valor necessário para que ela busque a escola de seus filhos. Para outros, essa solução não traria igualdade, porque os ricos complementariam a bolsa e pagariam escolas melhores para os filhos. Por isso, há quem proponha aumentar o valor do FUNDEB por criança, deixando cada prefeito administrar as escolas de seu município. E há os que acreditam que esse caminho não quebra a desigualdade entre cidades, porque a educação exige professores bem formados e capacidade gerencial que não estão disponíveis na cidade. As crianças de municípios pobres ficariam para trás.
Um terceiro grupo de educacionistas defende a substituição paulatina dos frágeis sistemas municipais, por um robusto sistema nacional único: uma carreira federal de professores com requisito mínimo de formação, dedicação, avaliação e plano de remuneração, padrões nacionais para a qualidade de edificações e equipamentos, todas escolas em horário integral. Esta substituição do sistema municipal pelo federal deve ser voluntária para o município e realizada no ritmo que os recursos federais permitam, por cidade, ao longo de anos.
Para obter excelência, o custo de cada aluno deve ser de cerca de R$ 15 mil por ano, que permite pagar um salário de R$ 15 mil por mês ao professor, em salas com 30 alunos, e financiar todos os demais gastos da escola. Se a implantação desse sistema ocorrer ao ritmo de 200 novas cidades por ano, o sistema nacional se completaria em 25 a 30 anos. Supondo que se mantenha o número de 50 milhões de alunos, e assumindo um crescimento econômico de 2% ao ano, com a manutenção da atual carga fiscal, o custo total, ao final dos 25 anos, não passaria de 6,6% do PIB. Esta alternativa é necessária e possível.
Quatro fatores dificultam o Brasil aceitar o educacionismo. Nossos líderes não veem educação como vetor do progresso; a mentalidade nacional não tem o sentimento de que o Brasil é vocacionado para a produção intelectual com padrões de qualidade internacional; nossa consciência sofre resquícios da escravidão e aceita a ideia de que a escola não deve ter a mesma qualidade para todos; e o imediatismo brasileiro não quer esperar os resultados de uma estratégia que demora décadas para chegar a todo o país
Por isso, é mais fácil ter bons educadores do que educacionistas de sucesso.
*Cristovam Buarque, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
Eliane Cantanhêde: Boiadas e boiadeiros
Onde corte no Fundeb, racismo, homofobia, queimadas e risco ao litoral vão cair? No STF
Quanto mais o presidente Jair Bolsonaro sobe nas pesquisas, mais as “boiadas” disparam e mais o Brasil anda para trás em princípios e em áreas estratégicas, sensíveis, que dizem respeito ao presente e ao futuro. O presidente e seus ministros parecem cada vez mais à vontade, desdenhando da opinião pública nacional e da perplexidade internacional.
O que dizer da Educação? Depois de tentar tirar de aposentados e pensionistas, o governo quer cortar dos precatórios e do Fundeb (que foi aprovado a duras penas, com o governo trabalhando contra) para pagar um novo Bolsa Família que Bolsonaro quer chamar de seu. Nada contra programas de distribuição de renda, mas à custa da Educação?
Bem, o Ministério da Economia descobriu que os ministros anteriores, Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub, estavam muito ocupados com ideologia, brigas internas e externas, e não sabiam o que fazer com as verbas, tanto que, apesar da pindaíba geral, sobrou dinheiro de um ano para outro. Como novo ministro, Milton Ribeiro nada mudou e o pobre MEC é um alvo apetitoso para Paulo Guedes agradar ao presidente.
Na entrevista ao Estadão, semana passada, Ribeiro admitiu sem constrangimento que o MEC continua não servindo para nada: nem para liderar a inclusão social via educação, nem para coordenar a volta às aulas com a aparente estabilidade da pandemia, nem para projetar um programa de internet e de computadores para mudar o destino de milhões de brasileirinhos das escolas públicas.
Então, para que serve? Para vigiar estudantes e professores de todos os níveis e implantar a ideologia de Bolsonaro e Ribeiro. Pastor presbiteriano, ele diz que “os jovens sem fé são zumbis existenciais” e que homossexuais são resultado de “famílias desajustadas”. Partindo de qualquer um já seria um horror, mas do ministro da Educação? Weintraub queria os ministros do Supremo na cadeia, Ribeiro quer catequizar os alunos. A Educação? Disso não se fala.
Após o questionamento na Justiça se há crime de homofobia na fala do ministro, já se emenda um outro, sobre crime de racismo num post da deputada Bia Kicis (PSL-DF), da tropa de choque bolsonarista no Congresso. Nele, ela sugere aos ex-ministros Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta, com a cara pintada de preto e cabelo afro, procurarem emprego no Magazine Luiza. Mandetta reagiu com uma profusão de adjetivos: “racista, nauseabunda, chula, pequena, inútil, abjeta, RACISTA!!!!” (assim em maiúsculas).
E as porteiras de Inpe, Ibama, ICMBio e Conama já foram escancaradas e não há governo estrangeiro, fundos internacionais, banqueiros, economistas, entidades que segurem todas as boiadas. A Secom do Planalto e o ministério de Ricardo Salles já tinham comparado – por erro? má-fé? – as queimadas de oito meses de 2020 com as de 12 meses dos anos anteriores para confirmar que a terra é plana. Ops! Desculpem. Para negar a destruição criminosa de amplas áreas de Pantanal e Amazônia. Ontem, o ataque veio do Conama.
Não à toa Bolsonaro enxugou e mudou o Conselho Nacional do Meio Ambiente, que agora tem maioria do… próprio governo. Com a mudança, foram derrubadas ontem três resoluções para, em vez de proteger o ambiente, favorecer o agronegócio e o setor imobiliário. As vítimas foram restingas e manguezais que, destruídos, jamais serão reconstruídos.
Todas essas boiadas, que definem a alma do governo, vão parar na Justiça. Partidos, entidades e cidadãos questionam o corte no Fundeb com objetivos políticos, a homofobia do ministro da Educação, o racismo da deputada, a (i)rresponsabilidade diante das queimadas, o risco de destruição do nosso lindo litoral. E a “nova CPMF” vem aí! É outra que vai cair no Supremo.
José Roberto Campos: Não está bom, mas pode piorar
61,5% dos municípios gastaram mais que o piso obrigatório para educação, e 97,4% mais que o piso para saúde
Apesar de pisos constitucionais definidos e obrigatoriedade de gastos, o desempenho da saúde e da educação estão ainda muito longe do aceitável. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu a unificação dos dois limites, ficando a cargo de Estados e municípios decidirem em qual área aplicar mais ou menos. O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC do Pacto Federativo e do orçamento de 2021, sugeriu ir além: acabar com a vinculação de ambas, o que também não desagradaria Guedes, que coleciona discursos sobres os três Ds (desvincular, desindexar, descentralizar).
Dois setores vitais para a população e o futuro, saúde e educação não deveriam ficar à mercê de ideias improvisadas em um ambiente nefasto de corte de gastos e penúria de recursos. Os pisos constitucionais foram uma forma encontrada para tentar resolver duas carências históricas do país. É preciso colocar algo melhor no lugar, e com calma.
A fusão dos pisos de gastos colocaria mais em risco a educação, do que a saúde, conclui estudo recém-publicado do Ipea1. O trabalho, porém, surpreende ao mostrar que municípios e Estados gastam bem mais nas duas áreas do que o mínimo obrigatório constitucional (15% com saúde, 25% com educação).
E não se trata de uma meia dúzia de exceções, mas da grande maioria. “Dos 5.480 municípios do país, 3.368 (61,5%) tiveram aplicação em educação no período 2015-2018 superior a 26,25% (5% a mais do que o piso), sendo 5.334 os que aplicaram acima de 15,75% (também 5% acima do piso) em saúde (97,4%)”, registra o estudo. De maneira geral, as despesas acima do mínimo obrigatório foram maiores em saúde do que em educação nos municípios, e maiores para a educação no caso de Estados e União.
Os economistas do Ipea foram examinar de perto a argumentação para unificar os dois pisos, que se resume ao fato dela permitir maior eficiência no gasto. Os 25% de despesas obrigatórias com educação seriam uma camisa de força e um desperdício nos locais com menos crianças e jovens. “Se tal hipótese fosse verdadeira, uma análise das aplicações dos municípios em MDE deveria revelar aplicação muito próxima à aplicação mínima (25%). Mas não é isso o que se verifica”, concluem.
Os números mostraram que a fatia dedicada à educação no orçamento dos municípios se situou até 3 pontos percentuais acima do mínimo e os de saúde, de 5 a 7 pontos percentuais acima. Mesmo no Norte e Nordeste houve diferenças de 3 pontos percentuais acima do piso obrigatório para ambas as áreas.
O trabalho constatou que houve fatia “não desprezível” de municípios que aplicaram 30% em saúde e 30% em educação, caso dos que têm até 500 mil habitantes e dos localizados do Nordeste, Sudeste e Sul. “Em síntese, a grande maioria dos municípios analisados (4.480 em 5.480, 81,8%) tem percentual de aplicação superior a 26,25% em educação (piso + 5%). Assim, não parece razoável que tenham aplicado mais do que o mínimo obrigatório em educação se não precisassem realizar despesas adicionais ao piso constitucional”.
Aonde estaria então o maior risco de perdas para os orçamentos de educação e para os da saúde, na fusão dos pisos? Os gastos com saúde são mais inelásticos que os da educação, logo mais resistentes à diminuição de seu papel em políticas públicas e mais visíveis do ponto de vista político-eleitoral. Mesmo assim, embora em menor escala, reduções nesta área podem acontecer.
Para avaliar o grau de risco, os autores separaram os municípios em que haveria maior possibilidade de queda nos gastos com educação - aqueles em que a diferença entre o gasto feito e o mínimo obrigatório é de até 0,7 ponto percentual e as despesas com saúde ultrapassam folgadamente o piso. Usaram critério idêntico para a saúde, com outros percentuais (0,4 e 4,3 pontos percentuais, respectivamente).
Possíveis perdas para a educação com a fusão de pisos ameaçariam 951 de 5.480 municípios, com população de 51,9 milhões de pessoas - 25% da população do país em 2018. Sul e Sudeste somam quase metade dos municípios em questão (455), seguidos pelo Nordeste (342). 41% das cidades nesse caso tem mais de 500 mil habitantes e 32% entre 100 mil e 500 mil habitantes.
Os riscos de diminuição dos gastos com saúde afetariam 97 municípios, mais concentrados no Norte e Nordeste e uma população de 2,24 milhões. Seriam mais atingidas áreas municipais com 20 mil a 50 mil habitantes, que já têm pouca infraestrutura para o atendimento.
As maiores despesas com saúde e educação não significam que seu montante seja suficiente para atender as necessidades. Argentina e Chile gastam quase o dobro per capita do que o Brasil, cujas despesas com educação estão abaixo dos da maioria dos membros da OCDE. Mas é inegável que uma melhoria da gestão nesse quadro de recursos produziria muito mais resultados, como advogam os especialistas.
- Gastos em saúde e educação no Brasil: impacto da unificação dos pisos constitucionais. Fabiola Sulpino Vieira, Luciana Mendes Santos Servo, Rodrigo Pucci de Sá e Benevides, Sérgio Francisco Piola e Rodrigo Octávio Orair. Texto para discussão 2596.
*José Roberto Campos é editor executivo do Valor.
Luiz Carlos Azedo: Calote e desvio de finalidade
Bolsonaro e Guedes negociaram a proposta de Renda Cidadã com líderes do governo no Congresso, mas ainda não existe maioria no Senado nem na Câmara para sua aprovação
A proposta de Renda Cidadã, anunciada ontem pelo governo, não teve boa aceitação no Congresso, nem no mercado financeiro. O projeto foi embarcado na chamada PEC Emergencial pelo seu relator, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), com o propósito de obter de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões a mais que os recursos destinados ao Bolsa Família, que será extinto pelo presidente Jair Bolsonaro porque é a cara do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A intenção do governo é conceder um auxilio de até R$ 300 para cada beneficiado, ampliando a base do programa para um número maior de pessoas, mas esses recursos não estão disponíveis no Orçamento da União de 2021.
Os parlamentares são a favor da transferência de renda para as parcelas mais carentes da população, mas não quanto à origem dos recursos, que muitos interpretam como uma maneira de burlar o teto de gastos (o aumento das despesas do governo não pode ultrapassar a taxa de inflação) e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse dinheiro sairia dos recursos destinados aos precatórios, que são as dívidas judiciais do governo já transitadas em julgado, uma espécie de calote temporário, e de uma parcela do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que levaria uma mordida de 5%, a pretexto de que o dinheiro seria vinculado à obrigação de as crianças das famílias beneficiadas frequentarem a escola.
Segundo Bittar, o valor do benefício ainda não foi fixado, devendo ficar entre R$ 200 e R$ 300 (o Bolsa Família chega até R$ 205 para cinco beneficiados). Especialistas em contas públicas avaliam que a proposta adia indefinidamente o pagamento de dívidas da União, além de mascarar a ultrapassagem do teto de gastos ao destinar recursos do Fundeb para o Renda Cidadã, o que muitos interpretam como um desvio de finalidade. A reação do mercado foi péssima: a Bovespa desabou e o Banco Central (BC) teve de vender dólares para evitar que subisse muito.
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes negociaram a proposta com Bittar e os líderes do governo no Congresso, mas ainda não existe massa crítica no Senado nem na Câmara para aprovação do novo programa. A construção dessa maioria não será fácil, mas não é impossível, porque muitos parlamentares, nas duas Casas, defendem uma política de transferência de renda para as pessoas que ficaram desempregadas ou sem seus pequenos negócios durante a pandemia. Entretanto, aprovar um calote nos precatórios e tirar recursos do Fundeb é outra história. Os lobbies dos advogados e da Educação são muito ativos e fortes. A inclusão da proposta na PEC Emergencial dificulta muito a aprovação, porque exige quorum elevado, mas, em contrapartida, reduz as possibilidades de judicialização do Renda Cidadã.
Novo imposto
A grande questão é que o governo está sendo pressionado pela recessão a adotar medidas que compensem o desemprego, que deverá chegar a 18% da População Economicamente Ativa (PEA). A prorrogação do auxílio emergencial, até dezembro, no valor de R$ 300, mitigou a recessão e o desemprego, mas é preciso pôr alguma coisa no lugar a partir de janeiro.
A grande aposta de Guedes para viabilizar o programa continua sendo a reforma tributária, na qual pretende criar um imposto digital, que está sendo chamado de nova CPMF, a pretexto de compensar a desoneração da folha de pagamentos. Ocorre que o Congresso não é nada simpático à criação de um novo imposto às vésperas das eleições municipais. Bittar anunciou também a criação de gatilhos para manter o teto de gastos e a redução em até 25% dos salários dos servidores. As duas propostas também terão dificuldades para aprovação, mas o Palácio do Planalto está mais confiante na capacidade de articulação de seus líderes no Congresso e na força do chamado Centrão.
Rachadinha
O Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou, ontem, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e seu ex-assessor parlamentar na Assembleia Legislativa fluminense, Fabrício Queiroz, por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, no esquema de rachadinha no seu gabinete na Alerj. Com isso, a vida do filho mais velho do presidente da República ficará mais complicada. O maior desconforto de Bolsonaro, porém, é com o envolvimento no caso da primeira-dama, Michelle, em razão de um depósito em sua conta bancária efetuado por Queiroz.