Eduardo Cunha
Rodolfo Borges: ‘Tchau, querida’ – O impeachment de Dilma na versão do diretor
É como se Iago tivesse escrito sua própria versão de Otelo. Shakespeare, no caso, seria a Rede Globo, roteirista das desgraças de todo político brasileiro —na avaliação de todo político brasileiro que cai em desgraça, como no caso do autor em questão. Não se trata de buscar em Tchau, querida – o diário do impeachment (Matrix, 2021) verdades ou mentiras. Como se filosofou no Twitter outro dia, há hoje um engarrafamento de comentaristas políticos, quando aquilo de que mais precisamos é um bom crítico de teatro. Julguemos a beleza do diário de Eduardo Cunha, portanto, como o faria Bárbara Heliodora.
O deputado cassado justifica as 800 páginas de seu longo relato, que assina com a filha Danielle, pela preocupação em se ater aos detalhes dos fatos. Já nas primeiras páginas, contudo, distribui bordoadas a desafetos como a família Garotinho, o também ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia e o ex-presidente Michel Temer —o maior alvo de seu relato, já que, ao contrário do que diz o famigerado “vice decorativo” de Dilma Rousseff, Cunha o acusa de trabalhar pelo impeachment “desde o início”. Mas é preciso reconhecer que a versão do diretor do impeachment de Dilma é bem menos romanceada que o açucarado Democracia em vertigem, para citar a crônica cinematográfica mais famosa do processo. Ao expor os meandros ordinários da política partidária do Congresso Nacional, Cunha oferece ao leitor os bastidores que sustentam o espetáculo do combate à corrupção, do enfrentamento da miséria, do crescimento econômico ou de qualquer outra bandeira virtuosa com as quais o público se entretém a cada ciclo eleitoral.
Sob a perspectiva do algoz de Dilma, a democracia brasileira sempre esteve em vertigem, mas especialmente durante o impeachment de Fernando Collor, quando o presidente foi processado politicamente por um crime comum —tanto que acabou julgado (e absolvido) pelo Supremo Tribunal Federal após renunciar para tentar escapar, sem sucesso, do julgamento político do Senado. Para deixar bem claro seu ponto, o ex-presidente da Câmara retorna no livro à proclamação da República, que classifica como um golpe de Estado, e pesca na história brasileira elementos que, somados, desembocarão no impeachment de Dilma. Esses elementos vão desde o Pacote de Abril de Geisel, que estendeu o mandato presidencial para cinco anos, o que acabaria descolando a eleição de Collor, em 1989, das eleições parlamentares e estaduais de 1992, até a vocação parlamentarista da Constituinte de 1987, conflitante com o presidencialismo adotado em sua sequência.
O presidencialismo de coalizão brasileiro é a base da instabilidade institucional para Cunha, e a opção por esse sistema só não foi mais nefasta para a República do que a adoção da possibilidade de reeleição, “o maior erro do período pós-ditadura”, que “jogou fora toda a estabilidade obtida por Fernando Henrique em seu primeiro mandato”. O livro está recheado de análises sobre estratégias feitas por um político dos mais competentes a passar pelo Parlamento brasileiro —ainda ressoa pelo plenário da Câmara a resposta de Cunha a Paulo Teixeira, em fevereiro de 2015, quando o deputado petista se valeu do “artigo 95” do regimento para tentar emplacar uma questão de ordem: “Não existe artigo 95”, respondeu de pronto o então presidente da Câmara, sem a necessidade de consultar o rebanho de assessores que ronda a mesa da presidência, deixando o adversário de momento completamente desconcertado.
Cunha aponta o clássico erro de cálculo de FHC ao deixar Lula sangrar durante a CPMI dos Correios em vez de optar pelo impeachment, optando pelo que parecia uma vitória fácil em 2006. A escolha do tucano permitiu ao petista se recuperar a ponto de conseguir se reeleger, mas se baseava em estratégia oposta —e igualmente frustrada— do próprio PT contra Collor em 1992; ao optar pelo impeachment do “caçador de marajás”, os petistas abriram espaço para a alternativa Itamar Franco e a criação do candidato FHC. Curiosamente, agora Lula estaria optando pela estratégia de deixar Jair Bolsonaro sangrar. A julgar pelo passado recente, não há garantia nenhuma de que o plano vingue. É curioso também o trecho em que Cunha explica como se baseou na ordem da votação da abertura do processo de impedimento contra Collor, do qual ele estava ao lado em 1992, para garantir de que as manobras do Governo Dilma para evitar o impeachment de 2016 não surtissem o efeito desejado.
Outra lição é dada durante a recuperação do episódio que, segundo Cunha, iniciou suas desavenças com a petista —e que a teria levado a trabalhar para isolá-lo no Congresso Nacional assim que tomou posse, em 2014. Refere-se a hidrelétrica de Furnas, onde havia diretores indicados por Cunha, trocados depois pela ex-presidenta, por suspeitas de irregularidades na gestão. “Dilma, como se vê, não havia perdoado que em 2007 eu tivesse ousado apoiar um ex-prefeito da cidade do Rio de Janeiro [Luis Paulo Conde], de extrema competência técnica, para ocupar um cargo em um setor [energia] do qual ela, naquele momento, se achava dona. Agora, eleita presidente, ela era realmente a dona de tudo”, escreve o deputado cassado. Conde presidiu Furnas, entre 2007 e 2008. “Essa é a origem de toda a raiva de Dilma contra mim”, sacramenta.
São inúmeras as vezes em que Cunha destaca os sentimentos de Dilma em relação a ele, sem mencionar o seus próprios ―e talvez não fosse necessário, pois o título e a capa de seu livro, claras provocações à petista, já o deixe bem claro. O autor segue: “Ela, pela falta de traquejo político, me transformou em seu maior inimigo, e, no curso dos anos seguintes, isso ficaria bem claro”. Em seguida, Cunha aplica a lição: “Certamente o fato de ela me transformar em inimigo acabou por me valorizar e me fazer crescer —pois em política é mais importante você escolher os adversários do que os aliados, já que os aliados se apoiam enfrentando os mesmos adversários”. E arremata: “Também em política, não se briga para baixo. Dilma, presidente da República, estava fazendo isso e não teria nada a ganhar, só a perder. Ela já era a presidente da República, e eu, um simples deputado”.
A narrativa de Cunha perde verossimilhança, contudo, quando ele tenta convencer o espectador de que a decisão de aceitar o impeachment de Dilma não teve nada a ver com o processo de cassação que ele enfrentava no Conselho de Ética e que, ao dar início à queda daquele Governo, o então presidente da Câmara pensava apenas no bem do país. Se todos os grandes eventos políticos que antecederam a derrocada de Dilma tinham uma série de variáveis político-partidárias por trás — como o próprio Cunha expõe de forma eloquente — por que apenas esse episódio, narrado pelo próprio diretor, seria diferente?
A franqueza exibida ao longo de todo o livro ganha brumas toda vez que o protagonista do enredo é Cunha —com raras exceções, como quando admite ter apresentado a proposta para limitar o número de ministérios a 20 para pressionar o Governo, e não exatamente para responder aos protestos de 2013, como alegado à época. Após descrever em tom heroico como, mudando de posição, garantiu a aprovação da MP dos Portos —que ele apelida de MP da Odebrecht, por supostamente beneficiar a empreiteira—, o autor menciona vagamente que “no meio do caminho” a Odebrecht o procurou pedindo ajuda para a votação, detalhando apenas que a empreiteira argumentou que a MP resolvia um problema de uma empresa sócia indireta do Governo, via FGTS. Argumento bom o bastante, ao que parece, para ele mudar de ideia.
Para além de indiretas, reflexões políticas, bastidores eletrizantes ―como tentativas de grampo ou mirabolantes manobras regimentais― e mesmo ousadias literárias, como a escolha por enumerar voto a voto o processo de impeachment ―“Chamei a Paraíba: Aguinaldo Ribeiro (PP); sim; Benjamin Maranhão (SD); sim; Damião Feliciano (PDT); sim (…) Faltavam apenas cinco votos”―, o livro apresenta a defesa de Cunha contra as acusações que o levaram à cassação e à prisão, fruto da Operação Lava Jato ―que, segundo ele, “atuou nos moldes de uma organização criminosa”. O leitor há de convir que seria demais exigir confissões de um político vivo ―e cada vez mais vivo, depois que um de seus pedidos de prisão foi revogado no final de abril. Afinal, como ensina Iago, quem expõe o coração à luz se arrisca a vê-lo dilacerado por gralhas.
Fonte:
El País
Luiz Carlos Azedo: A chave da cadeia
“A Segunda Turma do Supremo é pródiga na concessão de habeas corpus para os réus da Operação Lava-Jato. Dirceu deverá permanecer em liberdade até ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça”
A pesquisa eleitoral divulgada ontem provocou nova alta do dólar – ultrapassou a barreira dos R$ 4 e chegou a R$ 4,48 nas casas de câmbio –, porém, a imprevisibilidade do cenário eleitoral aumentou ainda mais com a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu manter em liberdade o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-tesoureiro do PP José Cláudio Genu, ambos condenados em segunda instância na Operação Lava-Jato. A decisão consolidou o entendimento da Turma de que a execução imediata da pena após condenação em segunda instância precisa ser examinada caso a caso. Com isso, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem uma porta aberta para conseguir um habeas corpus em favor do petista, cuja candidatura a presidente da República ainda não foi impugnada. Embora, pela Lei da Ficha Limpa, o petista seja inelegível.
Conhecida como Jardim do Éden, a Segunda Turma é pródiga na concessão de arquivamentos e habeas corpus para os réus da Operação Lava-Jato. Dirceu está condenado a mais de 30 anos de prisão, mas deverá permanecer em liberdade até ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. O ex-ministro começou a cumprir pena em maio, por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, mas foi solto um mês depois por ordem do STF. Toffoli votou pela soltura, mas o relator da Lava-Jato, o ministro Luiz Edson Fachin, pediu vista, ou seja, mais tempo para analisar a questão. Mesmo com o pedido de vista, os outros três ministros da Turma (Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski) decidiram conceder liberdade a Dirceu até que Fachin devolvesse o processo para julgamento.
Ontem, o caso voltou à pauta da Segunda Turma. Fachin votou pelo entendimento majoritário do Supremo no sentido de autorizar as prisões após condenação em segunda instância e sustentou que não se pode conceder habeas corpus de ofício nesse caso. Foi atropelado pelo ministro Dias Toffoli, que citou vários precedentes no Supremo. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski acompanharam Toffoli. Decano do STF, o ministro Celso de Mello votou com Fachin, mas ambos foram votos vencidos por 3 a 2. Fachin vem sendo voto vencido constantemente. Além de Lula, outros réus da Lava-Jato que estão presos deverão pleitear habeas corpus para sair da prisão, entre os quais os ex-deputados Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, ambos do MDB.
O Supremo está se tornando um fator de instabilidade no processo eleitoral, por causa das disputas entre seus ministros. A Primeira Turma e a Segunda, por exemplo, têm entendimentos distintos em relação à jurisprudência sobre execução da pena após condenação em segunda instância. Caso se confirme a ida da ministra Cármen Lúcia para a Segunda Turma, no lugar de Toffoli, que assumirá a Presidência do Supremo, pode ser que se forme uma nova maioria sobre o mesmo assunto, com entendimento contrário à decisão de ontem. Em contrapartida, embora negue essa intenção, Toffoli pode pautar nova votação sobre o mérito da questão no plenário do Supremo.
Pesquisa
A pesquisa divulgada pelo Ibope na segunda-feira está sendo decantada por analistas e candidatos. Revela que a estratégia de Lula para se manter na mídia deu certo, pois está com 37% de intenções de votos, mas gerou estresse entre os petistas porque outros números mostram as dificuldades para a transferência de votos em favor do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, seu vice e substituto virtual. Quatro de cada 10 eleitores consultados dizem que não votarão em Haddad, mesmo que esse seja uma indicação de Lula. O efeito imediato na campanha de Lula foi acirrar a divergência entre fazer a substituição logo ou protelar ao máximo a manutenção da candidatura do ex-presidente da República, cuja impugnação está prevista na Lei da Ficha Limpa, mas essa é uma batalha jurídica que pode chegar a 17 de setembro.
Também houve tensão na campanha de Alckmin, que subiu nas pesquisas de 5% para 7% no cenário sem Lula. Está atrás de Bolsonaro, que sobe para 20%; Marina, para 12%; Ciro, que vai a 9%. Para Alckmin, o grande desafio é chegar ao segundo turno. O tucano conta com a vantagem estratégica de ter mais tempo de televisão, recursos financeiros e capilaridade da campanha. Esse raciocínio valeria também para Haddad, daí a expectativa de que possa ultrapassar Bolsonaro, Marina e Ciro. Entretanto, a pesquisa está mostrando que essa não será uma tarefa fácil, principalmente porque Bolsonaro, Marina e Ciro estão com bases eleitorais muito resilientes. Com um cenário tão imprevisível, as turbulências no mercado financeiro já começaram, com alta do dólar e queda da bolsa de valores.
Alon Feuerwerker: A inversão da inércia e a naturalização das reformas atrapalham Temer. E o risco do jogar parado petista
A declaração pela PF da licitude do áudio da noite de 7 de março no Jaburu e o teor da denúncia vinda da PGR contra o presidente já eram perturbações na narrativa do Planalto para escapar do desfecho desfavorável. Mas ainda não haviam invertido o sentido da inércia. Sentido que se descobre na resposta a isto: “Se nada acontecer, acontece o quê?".
A resposta define algo muito importante para a análise: define quem depende da criação do chamado fato novo para atingir os objetivos. Até uma semana atrás esse desafio era dos que queriam derrubar o governo. A prisão de Geddel Vieira Lima e a noticiada aceleração das colaborações de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro finalmente inverteram os vetores.
Outro problema novo para os ocupantes do Palácio é uma certa naturalização da necessidade das reformas liberais. Um trunfo do atual governo era a suposta essencialidade dele próprio para que andassem bem a lipoaspiração na CLT e a imposição da idade mínima de aposentadoria. Mas espalha-se a impressão de que não é bem assim.
A CLT light nasce esta semana no Senado. Só o imponderável impedirá o desfecho. E o inferno policial-político começa a dificultar a possibilidade da mudança previdenciária. Perturba assim a “agenda”, que também é a base do projeto de continuidade pós-2018. Se antes Temer estava ajudando quem o levou ao poder, agora começa a dar a sensação de atrapalhar.
Isso costuma ser perigoso, porque não basta ao líder defender seu direito de sobreviver. Ele precisa convencer de que sua liderança é essencial para a proteção da tribo. Se a fraqueza do chefe passa a ameaçar a vida dos chefiados, estes procuram um meio de livrar-se do problema. Para que não se estrepem todos, o poder muda de mãos. Dilma caiu também por isso.
O atual presidente da Câmara tem potenciais fragilidades legais, mas se assumir definitivamente a cadeira não poderá ser investigado por atos anteriores ao mandato. É o supertrunfo de qualquer presidente, desde que tome o cuidado de não perdê-lo. E não é tão difícil assim proteger-se do risco. Só não cometer erros primários. Que de vez em quando acontecem.
Há ainda uma dúvida. Se a Câmara autorizar o processo contra o presidente da República este sai por até 180 dias. E se o STF não o condena em seis meses ele volta ao cargo. Será que nesse período o interino goza da mesma imunidade constitucional do titular? Mais um tema para a Corte decidir. Ou esclarecer, se decidir que já está decidido.
Para quem apoia o atual bloco de poder o ideal seria uma solução definitiva. Mas se o presidente renunciar ele perde o foro, e o afastamento via impeachment consumiria o tempo útil até a eleição do ano que vem. Seria uma boa maneira de esticar a confusão até lá. O que só interessa eleitoralmente à esquerda, especialmente ao PT.
PT sem marola
Por falar nisso, é compreensível que o PT não deseje facilitar um governo de transição que dê um reset de imagem e musculatura no bloco adversário. Mas só o temor da ameaça que a Lava-Jato representa à candidatura Lula explica a falta de apetite do petismo para ocupar espaços de mobilização política criados pela fragilidade do governo.
O PT não está convocando manifestações pelo #ForaTemer, não está obstruindo a reforma trabalhista no Senado. Nem a está combatendo na rua. Além disso, não assume publicamente o compromisso de revogar as reformas impopulares se voltar ao governo. Em resumo, o PT adotou a política de não fazer marola, para que nada de diferente aconteça.
É verdade que se o presidente acabar derrubado ficará mais difícil fazer a denúncia política de uma eventual condenação de Lula em Curitiba. Aliás esse é outro problema que atrapalha a sobrevivência de Temer. Nas idas e vindas do jogo do poder, a permanência dele passou a ser um incômodo para quem precisa do cartão vermelho do tribunais a Lula-2018.
Os números das pesquisas têm dado gás a essa tática petista. O PT joga parado e está capitalizando a crise de quem o tirou do poder. Mas numa luta assim é perigoso deixar o adversário respirar. Se se está perdendo por pontos é sempre possível nocautear. Se a tática petista funcionar, terá sido brilhante. Se não, restará ao PT lamentar a oportunidade perdida.
*
O apoio do PSDB a governos não tucanos é o passarinho na gaiola que o mineiro leva com ele ao entrar para o trabalho na mina. Quando o passarinho morre é hora de sair correndo.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político na FSB Comunicação
Tasso diz que País caminha para a ‘ingovernabilidade’
Presidente interino do PSDB, Tasso Jereissati avalia que se o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) fizer delação premiada, 'não tem o que discutir mais'
Julia Lindner, O Estado de S.Paulo
O presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE) fez um aceno nesta quinta-feira, 6, ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para uma eventual sucessão do presidente Michel Temer. Caso a denúncia contra o peemedebista seja aceita pelos deputados e ele seja afastado do cargo, Maia assumiria provisoriamente o cargo por até 180 dias até o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar o caso.
A escolha do relator da denúncia contra Temer por corrupção passiva na Câmara, deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), e a prisão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, acenderam o alerta entre Tasso e seus aliados para acelerar o desembarque. Agora, com os boatos de que o ex-deputado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha pode fechar acordo de delação premiada, o presidente interino do PSDB acha que a crise deve se intensificar ainda mais.
"Se Eduardo Cunha fizer delação, aí não tem nem o que discutir mais. Se vier essa delação não sei nem quem vai ser citado, quem não vai ser, mas vai ser um semestre terrível para nós", avaliou. Ele reclama que "não dá para viver cada semana uma nova crise" e que "está na hora de buscar alguma estabilidade" para o Brasil.
Embora diga que ainda é "precipitado" falar em nomes para uma "transição", Tasso afirma que o candidato "tem que ser alguém que dê governabilidade" para o País até a eleição de 2018. "Isso não é algo difícil de se encontrar", minimizou.
"Na travessia, se vier, têm várias opções. Se vier um afastamento pela Câmara, ele (Maia)é presidente por seis meses. Se Temer renunciasse já seria diferente, mas, se passar a licença para a denúncia, aí ele (Maia) é presidente por seis meses e tem condições de fazer, até pelo cargo que possui na Câmara, de juntar os partidos ao redor com um mínimo de estabilidade para o País", declarou o tucano. Ele diz que está sempre aberto para tratar de uma "saída negociada" com Temer.
Sobre um cenário hipotético de transição, caso Temer deixe o cargo, Tasso avalia que a equipe econômica do atual governo deveria ser mantida para manter a estabilidade. "O governo tem que ser o mais próximo possível do intocável em termos de postura ética", completou.
Tasso admite que está conversando com todas as legendas sobre o assunto. "Eu acho que o ideal é envolver todos os partidos, inclusive os de esquerda", defendeu.
Para ele, o governo "caminha para a ingovernabilidade", assim como considera que ocorreu com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) antes do processo do impeachment. Tasso considera ainda que o maior problema de Temer na base aliada é com o próprio PMDB, que está dividido.
"O primeiro sinal que vamos ter é com o relator (da denúncia contra Temer na CCJ, o deputado Sergio Zveiter), que é do PMDB. O PSDB não tem importância nenhuma nessa história. Se ele (Zveiter) der o voto licenciando o processo, quem está dando autorização é o PMDB. Quer coisa mais significativa que isso? Se ele não der (parecer favorável à aceitação da denúncia), aí é outra coisa."
Após mais de 45 dias longe das atividades legislativas, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), voltou ao cargo esta semana e, com isso, gerou um impasse sobre quem ficará no comando do partido. Tasso tem pressionado o tucano a tomar uma decisão definitiva sobre o assunto o quanto antes para ter maior legitimidade em suas decisões. Ele disse que, se continuar na função, a legenda vai começar a defender o parlamentarismo de uma maneira "bastante intensa".
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tasso-diz-que-caminhamos-para-ingovernabilidade-e-fala-em-maia-para-travessia,70001879777
Fernando Gabeira: Mala preta aos três anos da Lava-Jato
Apertem os cintos: a isso o que chamam estabilidade nós chamamos turbulência
O Brasil não é para principiantes. Tantas vezes ouvimos essa frase que se tornou lugar-comum. A fase de combate à corrupção iniciada há três anos pela Lava Jato pode levar-nos a conclusões maniqueístas, do tipo bem contra o mal, republicanos contra patrimonialistas.
Olhando de perto, a frente que se coloca contra o trabalho da Lava Jato é muito mais ampla do que o grupo dos grandes partidos que articulam para destruí-la, no governo e no Congresso.
Líder entre os juízes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que absolveram a chapa Dilma-Temer, apesar das provas, Gilmar Mendes fixou-se num argumento importante: o da estabilidade. Quem a rejeita, num país com 14 milhões de desempregados? O argumento de estabilidade deveria sempre estar sobre a mesa.
No entanto, conforme mostrou Bolívar Lamounier, em intervenção recente, um julgamento visto por todo o País no qual se enterram as provas é um fator de instabilidade. Cava um novo fosso entre a sociedade e as instituições, revelando uma Justiça Eleitoral, pouco conhecida até então, como um artefato de outra galáxia.
Em outra posição dentro da grande frente adversária estão os responsáveis, jornalistas próximos ao Planalto e o próprio PSDB, que saltou para a enganadora maciez dos cargos no governo.
Interessante classificar os que pedem a queda de Temer como irresponsáveis. Já que estamos usando a palavra, é bom lembrar que não somos presidentes nem recebemos um empresário investigado à noite, sem anotação na agenda, usando senhas no portão de entrada.
Não nos parece responsável um presidente que mantém aquele tipo de diálogo, tarde da noite, com o dono da Friboi. Tampouco parece responsável designar como interlocutor do empresário Joesley Batista um assessor especial que, horas depois, é filmado carregando a mala com R$ 500 mil.
Para ficar no universo mínimo de uma só palavra, a irresponsabilidade decisiva foi de Temer. Supor que três anos depois da Lava Jato não só tudo terminaria em pizza, como o dinheiro da propina seria pago diretamente na Pizzaria Camelo.
Foi Temer sozinho que arruinou suas chances de conduzir as reformas e jogou para fora da pinguela uma grande parte da sociedade, já constrangida com ela, mas vendo-a como a única saída momentânea. A maioria tem o direito de rejeitar um presidente que se envolve em práticas tão sospechosas. De achar que ele deva ser investigado, mas que os dados já expostos o desqualificam para o cargo.
Neste instante, a pergunta dos que defendem a instabilidade: se Temer cair, não pode ser pior, o caos não tomaria conta? A hipótese das diretas é bom tema para uma pajelança, mas não é uma proposta viável, na medida em que sua aprovação depende do Congresso.
Não tenho ilusões sobre um presidente eleito pelo atual Parlamento. Também ele seria escolhido com base numa promessa de neutralizar a Lava Jato. Independentemente de seu perfil, ele terá, de alguma forma, de comandar a frente contra as investigações.
Lula cumpriu o seu papel, a cúpula do PMDB e o presidente do PSDB também o cumpriram. Nesse particular, até o momento foram derrotados.
Temer está em guerra aberta contra a Lava Jato. Usa a mesma tática de Lula contra Moro. Agora o general a abater nas hostes adversárias é o ministro Edson Fachin. Esta semana surgiu a notícia de que Temer teria usado a Abin para investigar a vida de Fachin, descobrindo seus pontos fracos. Atribui-se a notícia a um assessor de Temer. Se isso foi mesmo assim, fico em dúvida se ele queria atingir seu chefe ou deixar no ar uma suspeita sobre Fachin.
Na Câmara, um dos veteranos da batalha Eduardo Cunha, o deputado José Carlos Marin, tornou-se vice-líder do governo. E disse que é perfeitamente legal a Abin investigar um ministro do STF.
Marin e outros veteranos da batalha de Cunha articulam uma CPI da JBS e o objetivo principal é levar Fachin para depor. Fachin é o Moro de Temer, até que Temer caia do governo nos braços do próprio Moro.
Estranha estabilidade a que nos oferecem os defensores da presença de Temer. Nos tribunais as provas não valem. Durante as investigações também pouco importam: em vez de se defenderem, os acusados passam a atacar os investigadores.
A máquina do Estado volta-se agora contra as instituições que realmente estão trabalhando com seriedade, desvelando o esquema continental de corrupção. Temer assumiu a mesma tática de Lula. E sem nenhuma combinação prévia se prepara para gastar dinheiro com um pacote de bondades que o tire do isolamento de hoje. Nem os próprios defensores da estabilidade econômica pensavam num desdobramento como esse.
Quando se desenha uma estabilidade com um presidente na corda bamba, as pretensões, mesmo legítimas, vão esbarrar a cada instante na sua própria negação. Ao invés do termo estabilidade, para conservar o que já existe, prefiro uma expressão para mudar o que está aí: equilíbrio dinâmico.
Se Temer incorreu em crime, ele precisa sair. Um novo presidente, eleito pelo Congresso, fará parte do mesmo bloco contrário ao da sociedade que apoia a Lava Jato. Mas como seria o último a tentar a batalha final, talvez tivesse algum cuidado – nessa guerra já caíram alguns dos principais expoentes da política brasileira. Num ano eleitoral existe uma chance de a sociedade controlar um pouco mais o Parlamento e o presidente escolhido por ele.
Não é um futuro dos sonhos. É um caminho difícil no rumo das mudanças, mas é o que a Constituição nos oferece. Teremos muito ainda que suportar. Mas será um fardo menor que enterro de provas nos tribunais e guerra contra investigações que podem destruir o gigantesco esquema de corrupção.
Por enquanto, vamos assistir à guerra de Temer contra a Lava Jato. Apertem, pois, os cintos: o que chamam de estabilidade nós chamamos de turbulência.
* Fernando Gabeira é jornalista.
Fernando Gabeira: Enquanto o Brasil chorava
No Brasil os bandidos é que determinam como e o que pode ser feito contra eles
Na madrugada, como costumam sempre fazer, os deputados votaram um texto destinado a golpear a Lava Jato e intimidar os procuradores e juízes. Dessa vez uma madrugada de luto pela queda do avião da Chapecoense, desastre que impactou o mundo.
Temer prometeu vetar a anistia para o caixa 2 e outros crimes. Mas não mencionou o tema da represália à Justiça, uma das grandes aspirações de Renan Calheiros.
O Brasil está diante de uma afronta espetacular: deputados investigados por corrupção determinam os limites dos próprios investigadores. Denunciar sua manobra não significa conciliar com abuso de autoridade, mas apenas enfatizar que legislaram em causa própria. No Brasil são os bandidos que determinam como e o que pode ser feito contra eles.
O que existe mesmo, como ação central, é uma tentativa de neutralizar a Operação Lava Jato, sobretudo às vésperas da divulgação dos depoimentos da Odebrecht. O caminho foi interferir nas “10 Medidas Contra a Corrupção”.
Interferir na proposta, na verdade, é um atributo do Congresso. Assim como não deve simplesmente carimbar medidas do governo, o Congresso não pode apenas carimbar medidas que se originam na sociedade.
Não há nenhum problema em cortar exageros, em adequar ao texto constitucional, etc. A crise começa quando decidem confrontar a Lava Jato e outras investigações. Em primeiro lugar, com manobras sobre uma anistia impossível; em segundo lugar, aprovando uma lei de controle de autoridade que não pertencia à proposta original.
Aliás, esse tema pertence a Renan Calheiros, com 12 investigações no Supremo Tribunal Federal. A Câmara dos Deputados antecipou-se a ele porque, com o êxito da Lava Jato, a contraofensiva parlamentar tornou-se a principal tarefa para bloquear as mudanças.
Não dá. Assim como não deu para o governo transformar-se num grupinho de amigos do Geddel e pressionar para que o prédio La Vue fosse construído com 30 andares.
Renan Calheiros segue sendo a maior ameaça. É curioso como um homem investigado 12 vezes coloca como sua tarefa principal controlar a Justiça. Com a votação da Câmara ele recebeu um alento. Renan e os deputados caminham para impedir que o Brasil se proteja dos assaltantes que o levaram à ruína.
Renan tem influência. Há os que pensam, como ele, que é preciso torpedear a Lava Jato e há os que não ousavam combatê-lo, mas agora começam a perceber que foi longe demais. E o derrotaram no plenário do Senado, impedindo a urgência na lei da intimidação.
Renan desenvolve o mesmo estilo de Eduardo Cunha, o cinismo, e usa o cargo para se proteger da polícia. Enfim, Renan delira, como Cunha delirava. A melhor saída é eles que se encontrem em Curitiba. Na ânsia de sobreviver, não hesitam em agravar a situação do País, já em crise profunda.
A votação escondida num momento de luto, tudo isso é muito esclarecedor sobre a gravidade do desafio que lançaram. O sonho dourado dos políticos corruptos ainda em liberdade não é apenas deter as investigações. Eles querem reproduzir o momento anterior, em que assaltavam os cofres das estatais, vendiam artigos, emendas, frases, às vezes até um adjetivo.
Romero Jucá é um craque nessa arte. Ele conseguiu passar uma lei que permite a repatriação do dinheiro de parentes de políticos. E não se expôs. Jogou apenas com a incompetência da oposição.
Os membros da apodrecida cúpula do PMDB precisam ser julgados. Enquanto estiverem no poder, estarão tramando uma volta ao passado, porque é esse o território em que enriqueceram. Eles sabem que nada é tão fácil como antes, caso contrário Sérgio Cabral estaria em Paris aquecendo o bumbum em privadas polonesas.
O problema no Brasil é julgar para gente com foro especial. O Supremo é um órgão atravancado por milhares de processos.
Uma razão a mais para julgar os políticos investigados com urgência é que estão legislando em causa própria. Depois de tantas investigações, tanta gente na rua, é incrível que o Brasil continue sendo dirigido pelo mesmo grupo que o assaltou.
É inegável que houve avanços, muito dinheiro foi restituído. Dirigentes do PT estão na cadeia, assim como alguns do principais empreiteiros do País. Entretanto, quem conseguiu escapar até agora organiza a resistência, prepara-se para o combate e só descansará quando puder de novo roubar em paz.
Esta semana me lembrei do Glauber Rocha. Num de seus diálogos mais geniais, um personagem dizia: “Já não sei mais quem é o adversário”. Se a sociedade e a Justiça tiverem dúvidas sobre quem é, podem pagar caro por essa hesitação.
O movimento inspirado por Calheiros e iniciado com êxito na Câmara é, no fundo, uma provocação irresponsável. O Congresso, recentemente, já foi invadido por gente indignada com a corrupção. Toda a luta pelo impeachment foi conduzida de uma forma pacífica. Todavia se torna mais difícil evitar a radicalização, uma vez que deputados e senadores já mal podiam andar pelas ruas antes mesmo de golpearem a Lava Jato.
Será preciso muita habilidade e paciência para julgá-los e prendê-los. Se isso não for feito logo, o Brasil merecerá o nome que Ivan Lessa lhe dava nos seus textos bem-humorados: Bananão. Não nos deixam outro caminho senão lutar com todas as forças, como se tivéssemos sido invadidos por alienígenas de terno e gravata.
Depois de nove anos, o primeiro inquérito em que Renan Calheiros é acusado finalmente entrou na pauta do Supremo para ser julgado. O silêncio dos ministros ao longo de todos esses anos contribuiu para que ele se sentisse impune. Se escolheram esta semana para absolvê-lo, então aí terão, ainda que involuntariamente, se tornado numa força auxiliar do crime político. Se condenado na primeira ação, Renan começará a arrumar as malas para Curitiba. Lá nasceram os demais inquéritos e lá já estão outros que deliram com riqueza e poder. Como Eduardo Cunha.
Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,enquanto-o-brasil-chorava,10000092006
Dora Kramer: Um fantasma na ópera
Eduardo Cunha não foi o primeiro nem será o último político de destaque a ser preso pela operação Lava Jato. Sequer pode ser apontado como aquele que maior poder e/ou volume de informações reuniu na República. As presenças de José Dirceu e Antônio Palocci em Curitiba – chefões da era em que o PT mandava (e principalmente desmandava) no País – dão por si tal testemunho. Pode ser que ele venha a fazer uma delação devastadora que comprometa do baronato ao cardinalato da política? Pode ser que haja vida em Marte. No terreno das possibilidades criam-se, entre outras coisas, fantasmas. Tudo é possível embora nem tudo seja provável.
Para dirimir quaisquer dúvidas, o melhor método é o exame das condições objetivas. A principal delas esteve registrada no placar eletrônico da Câmara no dia 12 de setembro último, quando o então deputado afastado de suas funções legislativas pelo Supremo Tribunal Federal teve o mandato cassado por 450 votos a favor e 10 contra. No início, quando o processo foi aberto no Conselho de Ética, a avaliação preponderante era a de que Eduardo Cunha sairia ileso. Segundo essa versão, teria poderes ilimitados para impedir o andamento dos trabalhos e um embornal de informações a respeito de seus pares tóxico o suficiente para garantir votos a favor da manutenção de seu mandato. No campo da suposição, isso parecia fazer sentido. Mas a realidade tem componentes menos esquemáticos.
No caso, a opinião pública, a revelação de novas e cada vez mais contundentes acusações, o comportamento excessivamente ousado de Cunha, a decisão do STF de afastá-lo do cargo, a impossibilidade de contar com ajuda do governo, o instinto de sobrevivência eleitoral dos deputados, uma série de fatores que desmontou a presunção inicial e produziu um resultado surpreendentemente desfavorável a ele. A prisão menos de quarenta dias depois provocou alvoroço, não obstante fosse algo esperado, líquido e certo. Fez-se o silêncio em Brasília. Pudera, dizer o quê? Lamentar, comemorar? O governo e mundo político em geral não poderiam fazer uma coisa nem outra. Até o PT se manteve discreto, dada sua impossibilidade de falar de corda em casa de enforcado.
Enquanto na capital federal a palavra de ordem era não passar recibo, no restante do País estabeleceu-se a gritaria em torno dos presumidos efeitos de uma delação premiada. Por ora apenas um fantasma nessa ópera composta pela operação Lava Jato. Não que seja um equívoco supor que Cunha faça delação e provoque com ela uma devastação em massa. Mas é preciso medir e pesar as circunstâncias. E estas não lhe são necessariamente favoráveis. Não é ele quem dita as regras muito menos o rumo dos acontecimentos como, de resto, já ficou demonstrado. A faca e o queijo estão nas mãos do Ministério Público e da Justiça.
Ainda que o ex-deputado tenha disposição de delatar não significa que os procuradores se interessem pela contrapartida ou que as condições estabelecidas em lei para a obtenção de benefícios se apliquem a Eduardo Cunha. A força tarefa da Lava Jato trabalha há mais de dois anos, período em que reuniu uma montanha de informações a respeito das quais seguramente o País ainda não sabe da missa a metade. De onde é possível que o ex-deputado não tenha dados que os investigadores considerem novos e/ou necessários ao esclarecimento dos fatos.
Se não pôde controlar seu destino quando presidente da Câmara nem se utilizar do arsenal intimidador de maneira eficiente, não será preso que Eduardo Cunha terá êxito no manejo da figura de assombração. Ademais, terá de ter muito cuidado com o que disser para não piorar sua já sofrível situação.(O Estado de S. Paulo)
Fonte: pps.org.br
Marco Aurélio Nogueira: Os podres da República e a sorte de Moro
*Marco Aurélio Nogueira
Bastou a prisão de Eduardo Cunha para que as nuvens ficassem mais carregadas e os dilemas da República se agigantassem.
Já se sabia de tudo, mas a prisão trouxe à tona uma trajetória que chama atenção pela longevidade, pela desfaçatez e pelo tamanho das ilicitudes. Cunha tem peso próprio, não é um qualquer quando se trata de exploração das brechas existentes na legalidade e na cultura político-administrativa do Estado brasileiro. É um profissional. As acusações contra ele abrangem um leque impressionante de fraudes, negócios escusos, abusos e irregularidades. Vêm lá de trás, mais ou menos do final dos anos 1980. Como foi possível sobreviver durante tanto tempo e seguir uma carreira ascendente que poderia tê-lo levado à Presidência da República? O sistema assistiu impassível à performance, que teria continuado se não houvesse a Lava Jato.
No mínimo por isso, o juiz Sergio Moro merece aplausos. Ele está a desnudar os podres de nossa vida estatal, valendo-se de uma obstinação que o tem ajudado a resistir a intempéries mil, ainda que o levando em certos momentos ao limite da temperança e da moderação.
As vozes mais sensatas e certeiras da República afirmam que a pressão sobre Moro aumentará terrivelmente. A prisão de Cunha fará um tsunami desabar sobre o juiz, impulsionado tanto pelos ventos que sopram do lado dos que não desejam o prosseguimento da Lava Jato, quanto pelos vagalhões produzidos por aqueles que não gostam do estilo de Moro e o veem como autoritário. No governo Temer, no Congresso e na oposição, quem tem o rabo preso está suando frio. A lógica das coisas aponta na direção deles. Decaído o chefe, é de esperar que o restante dos dominós caia também, ou seja ao menos ameaçado. Sobretudo se Cunha der com a língua nos dentes, contar o que sabe, com quem tramou, por que o fez, quanto ganhou e quanto distribuiu. Nitroglicerina pura, que será por ele usada com inteligência estratégica e instinto de sobrevivência, atributos que não lhe faltam.
No day after da prisão, não faltou quem fizesse a ilação apressada: Cunha derrubará Temer ou lhe roubará as bases de apoio a ponto de levar seu governo à asfixia. Setores da direita e sebastianistas de esquerda deram-se as mãos, desavergonhadamente, para atacar as detenções preventivas decretadas por Moro. Alegaram que elas ferem o Estado de Direito, que a prisão de Cunha não passaria de pretexto para prender Lula, que a Lava Jato teria criado a imagem da “corrupção sistêmica” só para justificar o arbítrio da república de Curitiba e “criminalizar o PT”. Cunha seria mais uma vítima desse procedimento judicial que fere a justiça, abusa da autoridade e desrespeita direitos.
Moro respondeu quase de imediato. Em palestra feita em Curitiba para desembargadores e juízes do Paraná, reiterou que a “aplicação vigorosa da lei” é o único meio de conter casos de “corrupção sistêmica”. As detenções cautelares seriam indispensáveis, até para deixar estabelecido que “processos não podem ser um faz de conta”. E explicou: “Jamais e em qualquer momento se defendeu qualquer solução extravagante da lei na decretação das prisões preventivas”. Seria preciso manter viva a “fé das pessoas para que a democracia funcione”, ou seja, impedir que se perca a “fé maior, de que a lei vale para todos”.
Evidenciou-se assim que o juiz sabe que a pressão sobre ele continuará a crescer. A coisa toda, no fundo, pode ser vista de forma mais simples.
Quando gente de direita e de esquerda se une para atacar um juiz, é porque há algo de muito errado no xadrez político. A causa, no mínimo, torna-se suspeita de antemão, especialmente quando estruturada para proteger pessoas que estão a ser investigadas há tempo, com provas que se superpõem e se acumulam.
Um juiz tende a ter atrás de si todo o sistema da Justiça: outros juízes, promotores, procuradores, tribunais, leis, jurisprudências, ritos consagrados, policiais federais. Moro não é, evidentemente, uma unanimidade entre seus pares e há muito conflito entre os órgãos e os aparatos de investigação e penalização. Mas, de algum modo, atacar hoje um juiz como ele pode significar um ataque ao conjunto do sistema.
Afinal, tudo parece indicar que a “corrupção sistêmica” está aí e atingiu níveis graves, que precisam ser contidos não só por uma questão de justiça, mas também por uma questão operacional: o sistema enfartará se não for “purificado” e esvaziado de trambiques e sujeira. Se é assim, em maior ou menor grau, Moro tem razão quando fala que “a condição necessária para superar a corrupção sistêmica é o funcionamento da Justiça”. Não haveria por que propor alguma espécie de “solução autoritária”, mas é preciso que se tenha vontade para que os processos cheguem a bom termo.
Ações judiciais na esfera política são acompanhadas com interesse pela sociedade, especialmente numa época de informações intensivas e protagonismo das opiniões. O cidadão assiste àquilo como parte de uma “limpeza” que ele gostaria de ver realizada. Muitas vezes joga o bebê fora junto com a água do banho: condena todos os políticos sem se esforçar para perceber que há diferenças entre eles, raciocina com o fígado e bate em todos como se fossem farinha do mesmo saco.
Se uma sociedade rejeita a corrupção sistêmica, o enriquecimento ilícito e os políticos “sujos”, com seus empresários a tiracolo, então não será o ataque a um juiz que vai convencê-la do contrário. Tal ataque, porém, se bem-sucedido, poderá fazer com que ela não se mobilize.
Até prova em contrário, se a sociedade assim quiser e souber se manifestar, Moro seguirá em frente, contra o sistema político que deseja seu silêncio, contra o governo e a oposição, contra o histrionismo da direita e as lágrimas de crocodilo da esquerda.
*Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp
Fonte: opiniao.estadao.com.br
João Domingos: Do céu ao inferno
Diz-se nas rodas políticas de Brasília que a cassação do mandato do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha é apenas uma questão de dias. Três ou quatro, a depender da velocidade da sessão marcada para segunda-feira. O placar apurado pelo Estado mostra que os votos pela cassação podem superar todas as expectativas. A surpresa – exceto liminar numa eventual ação judicial ou manobra regimental de última hora –, se ocorrer, será quanto ao minguado número de votos favoráveis a Cunha, dizem parlamentares que trabalham pela cassação. O que impressiona nessa história toda é a rapidez com que Cunha subiu aos céus e desceu aos infernos. Há pouco mais de um ano ele era muito poderoso.
Tão poderoso que, em 19 de maio de 2015, de forma espontânea foi à CPI da Petrobrás “tirar um sarro”, como se diz por aí, só porque a Procuradoria-Geral da República havia pedido que ele fosse investigado por suspeita de ter se beneficiado do desvio de dinheiro da estatal. Entre um rasgado elogio aqui e outro ali de parlamentares da maioria dos partidos que acompanhavam a sessão da CPI, o deputado Delegado Waldir (PR-GO) perguntou se Cunha tinha contas bancárias no exterior. A resposta foi quase um deboche: “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de Renda”.
Como logo surgiram informações em contrário, corroboradas por autoridades da Suíça, Cunha começou a perder terreno. Ainda na liderança do PMDB, ele alimentava a ideia de ser o candidato do partido à Presidência da República em 2018. De forma correta, ele calculou que o PT passaria por um processo profundo de desgaste, abrindo a possibilidade para uma candidatura conservadora. No caso, a dele mesmo. Para que o plano fosse à frente, Cunha precisaria ocupar um cargo importante, como a presidência da Câmara. Isso foi fácil. A seguir, tudo foi encaminhando do jeito que ele queria.
Conquistava mais e mais poder entre representantes de quase todos os partidos. Sua pauta conservadora para a Câmara era muito bem recebida. Os ataques que fazia ao governo petista também. Mas, aí, veio a ideia de aparecer na CPI da Petrobrás. Cunha imaginava que seria coberto de elogios apenas. Mas surgiu a pergunta das contas. E ele disse que não as tinha. Logo, abriu-se o processo no Conselho Ética. Cunha mentira à CPI, foi a acusação. Para tentar atrapalhar os trabalhos no colegiado, Cunha fez tantas manobras que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF que o suspendesse das funções legislativas.
O STF assim decidiu. Importante tentar entender por que, estando no céu, Cunha caiu tão rapidamente no inferno. Como toda instituição, o Congresso costuma criar anticorpos para se proteger toda vez que se sente ameaçado. Foi assim com os senadores Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho quando se envolveram em escândalos. Sem dó nem piedade, senadores que antes eram quase que serviçais dos dois passaram a defender a cassação. Eles renunciaram antes da instauração do processo e conseguiram manter os direitos políticos. Retornaram na eleição seguinte, como se nada tivesse acontecido.
Fariam o mesmo se estivessem no papel de juízes, como estavam os senadores que os abandonaram. Com Cunha acontece a mesma coisa. Ele se tornou uma espécie de câncer para a Câmara, pois é mais rejeitado do que a ex-presidente Dilma Rousseff. Mantê-lo vivo compromete a imagem de todos os deputados. Cunha tem feito um apelo a todos para que o ajudem. Dessa vez, sem a arrogância que o marcou ao depor à CPI da Petrobrás. Mas os deputados, pensando nas próximas eleições, já estão noutra. Só Cunha não percebeu. (O Estado de S. Paulo – 10/09/2016)
Fonte: pps.org.br
Brasilio Sallum Jr.*: Collor e Dilma – abuso de poder e voluntarismo
Confirmando-se em agosto o impedimento de Dilma Rousseff, o Brasil terá experimentado dois impeachments em 28 anos da democracia. O número é elevado: dois em sete períodos de governo.
Mas não há que ver nisso sinal de fragilidade do regime de 1988. Ao contrário, nos dois casos o Congresso interrompeu o mandato de presidentes que abusaram do poder que lhes foi concedido pelas urnas. No caso de Fernando Collor de Mello o estopim foi a acusação de corrupção, de ter recebido recursos das operações suspeitas de PC Farias, tesoureiro de sua campanha. Este teria usado seu vínculo com o presidente para tomar dinheiro de empresas que dependiam de decisões do governo. No caso de Dilma Rousseff, as “pedaladas” de que é acusada constituíram abuso do poder que o Executivo tem sobre os bancos públicos, obrigando-os a conceder à União empréstimos disfarçados para gastar mais do podia. Assim, de uma ou de outra forma, os dois abusaram do poder, cometendo crime de responsabilidade. A frequência do impeachment é, pois, sinal de força da democracia brasileira. Ela tem sabido reagir aos chefes de Estado que ultrapassam os limites da autoridade recebida pela eleição.
O impeachment de Fernando Collor e o que atingirá Dilma Rousseff não decorreram, porém, apenas dos abusos mencionados. As crises que atingiram seus governos, embora bem diversas, resultaram em parte do seu extremovoluntarismo. O abuso de poder foi apenas uma das manifestações desse voluntarismo, normalmente obediente à ordem legal. Claro que os voluntarismos dos dois tiveram orientações políticas muito diversas: Collor orientou-se pela crença no valor do mercado e Dilma, pela crença nas virtudes da intervenção estatal.
O voluntarismo de Collor expressou-se, por exemplo, na edição de mais de uma centena de medidas provisórias no seu primeiro ano de governo e na tentativa, posterior, de forçar reformas liberalizantes que exigiam mudanças na Constituição e, portanto, grande maioria parlamentar, quando mal conseguia maioria simples no Congresso. Assim, o presidente buscou, com sucesso variável, impor sua vontade graças ao uso intenso dos poderes do Executivo, mas desconhecendo ou menosprezando os interesses políticos sediados nos partidos e no Congresso. Atuava como se os votos recebidos na eleição de 1989 lhe tivessem dado superior legitimidade em relação aos demais Poderes de Estado. Isso até o início de 1992, quando foi obrigado a recuar e tomar em conta a força e a legitimidade dos demais Poderes. Mas não o fez na medida necessária para retomar o controle da situação.
O voluntarismo de Dilma está mais à flor da nossa memória. Todos se lembram da dádiva maravilhosa de 20% na conta da luz, anunciada em setembro de 2012 juntamente com a renovação antecipada de todas as concessões no setor elétrico. A vontade presidencial foi feita, a despeito dos protestos das empresas do segmento de eletricidade e da desorganização do setor, mas teve de ser paga depois pelo consumidor, cujos gastos em 2015 aumentaram em cerca de 50% para compensar a benesse antes recebida. Caso similar foi a contenção dos preços dos combustíveis abaixo do nível internacional desde 2007 e, especialmente, a partir do início de 2011. Em nome do controle da inflação, esse voluntarismo presidencial trouxe prejuízos elevadíssimos à Petrobrás (US$ 50 bilhões até o final de 2014) e ao setor produtor de álcool combustível. Esses e outros casos de imposição da vontade se expressaram em formas de intervenção estatal que fizeram pouco da lógica própria dos mercados, incluídos aqueles em que empresas estatais tinham e têm parte relevante.
Contudo talvez tenham sido as decisões políticas que Dilma Rousseff tomou depois da vitória eleitoral de 2014 que mais corroeram sua capacidade de governar. A mais relevante foi a decisão de adotar o “ajuste fiscal” como diretriz da política econômica do novo governo e convidar um banqueiro para conduzi-la, desdizendo tudo o que afirmara na campanha eleitoral. Além de contrariar o seu partido, que vivia na ilusão de que gasto é sempre igual a desenvolvimento, transformou a tristeza da derrota oposicionista em revolta contra o estelionato eleitoral sofrido. A mentira indiretamente revelada e reconhecida reduziu, antes mesmo da posse, a legitimidade não da democracia, mas da presidente recém-eleita.
Na sequência, ela escolheu uma equipe ministerial que a afastou mais ainda da corrente majoritária do PT. E decidiu disputar, com candidato do PT, o comando da Câmara dos Deputados (para o qual se vinha preparando o deputado Eduardo Cunha), corroendo a já precária aliança com o PMDB, que lhe dera o vice, votos e um bom naco de tempo no rádio e na televisão. A derrota fragorosa nessa disputa evidencia, mais que tudo, o voluntarismo político da presidente. Ela se inclinou quase sempre a tomar pouco em conta os interesses de partidos e lideranças com os quais interagia, como se eles tivessem de curvar-se à vontade presidencial por terem menos legitimidade. É verdade que o sistema presidencial brasileiro dá ao chefe de Estado um poder muito grande. Mas o impeachment de Collor demonstrou que para governar o presidente precisa manter liderança sobre uma coalizão partidária majoritária. Se não consegue fazê-lo, perde condições de bem exercer o cargo.
Seguramente abuso de poder e voluntarismo presidenciais não explicam, por si sós, a crise política atual. Mas sublinham que a democracia não exige apenas eleições; demanda também responsabilidade no exercício do poder, tanto pelo respeito aos limites da lei como por levar em consideração os interesses legítimos dos demais atores. Infelizmente, Collor e Dilma, não se mostraram capazes disso.
* BRASILIO SALLUM JR. É PROFESSOR DE SOCIOLOGIA DA USP, AUTOR DE ‘O IMPEACHMENT DE FERNANDO COLLOR – SOCIOLOGIA DE UMA CRISE’
Fonte: Estadão
Alberto Aggio*: O pós-PT e o retorno da política
A conjuntura política do País segue normalmente seu curso, sem contramarchas, desde a admissão do processo de impeachment pelo Congresso, o afastamento de Dilma Rousseff e a assunção de Michel Temer ao comando interino do governo da República. Malgrado temores de uns e desejos de outros, não há recuo no sentido que se impôs ao processo. Apesar das críticas e das indefinições iniciais do governo interino, das ocupações de prédios públicos e das manifestações de rua, nenhum abalo expressivo foi produzido. Aguardam-se para agosto os lances finais do processo de impeachment e poucos são os que creem na volta da presidente afastada. Crescem a aprovação do governo interino e a esperança na recuperação econômica, enquanto é visível o isolamento político de Dilma e do PT.
As avaliações do cenário político feitas pelos intelectuais petistas, salvo raras exceções, reiteram ad nauseam o paradigma do “golpe de novo tipo” (Opinião, 8/6). Algumas delas, sem nenhuma razoabilidade, beiram a alucinação. A favor do novo governo também houve manifestações destoantes de impaciência, desconsiderando as condicionantes da governabilidade nesta fase de interinidade.
Mesmo premido por uma herança dramática, Temer tomou iniciativas administrativas importantes. As medidas econômicas de restrição de gastos, de difícil implementação, ainda dependem de aprovação do Congresso. Elas compõem um ajuste fiscal de perfil estrutural, necessário e realista para recolocar o País nos eixos. Dilma tem argumentado que tais medidas não foram aprovadas pelas urnas e jamais seriam caso fossem apresentadas. Trata-se de uma crítica vazia e sem sustentação, uma vez que Dilma abandonou seu discurso eleitoral para adotar um ajuste fiscal mitigado, que não se concretizou por tibieza sua e por oposição do seu próprio partido. Traindo a si mesma e ao País, Dilma cometeu um “estelionato eleitoral” que lhe custou a confiança da sociedade. Agora, o País precisa enfrentar a crise sem tergiversações.
As mudanças mais significativas verificaram-se, contudo, no âmbito político. A renúncia de Eduardo Cunha e a eleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara dos Deputados são sinais de um “retorno da política” e apontam para uma valorização da representação, para a superação das crispações decorrentes da clivagem “nós versus eles” e para mais autonomia, articulação política e eficiência do Parlamento.
A renúncia de Cunha e suas derrotas subsequentes nas Comissões de Ética e de Constituição e Justiça da Câmara jogam por terra mais uma falácia petista. Afirmava-se que o afastamento de Dilma levaria a um governo Temer/Cunha e aprovar o impeachment era colocar Cunha na Presidência da República, razão por que o ex-presidente da Câmara havia posto em pauta o processo de impeachment, “vingando-se” de Dilma. Mas essa fábula se foi e Cunha, neste mesmo agosto, poderá perder o mandato de deputado.
Os primeiros lances do “retorno da política” exigiram que o PT negociasse seus votos na eleição para presidência da Câmara, mesmo com a condenação de alguns de seus intelectuais e parlamentares, evidenciando mais uma vez sua crise de orientação. O PT ainda não é capaz de admitir que sua decaída, cristalina pelo fracasso de Dilma e pela montanha de casos de corrupção, é a base da imagem negativa que o partido criou para si mesmo, uma consequência que não pode ser enfrentada com escapismos do tipo “o PT é atacado por suas virtudes, e não por seus erros”.
É uma situação dramática para um partido que, longe de ser revolucionário, promoveu um reformismo débil e instrumental com o objetivo de se perpetuar no poder. O PT fracassou porque não conseguiu combinar reformismo social e democracia política de maneira progressista, o que lhe bloqueou a possibilidade de se tornar uma esquerda simultaneamente “transformadora” e “de governo”. A consequência foi a perda da vocação majoritária e a regressão a um discurso de “resistência” a tudo: ao suposto “golpe”, ao governo Temer, ao imperialismo e ao capitalismo.
Somado ao pragmatismo de sempre, o PT vive hoje envolto pela sedução de um regresso a posições remotas da esquerda do século 20, em companhia desajeitada daqueles que creem num “movimentismo” permanente.
No mundo político fora do PT, os resultados da débâcle petista são diferenciados. Um deles foi o ressurgimento de um anticomunismo anacrônico e obtuso, idêntico ao seu objeto de rechaço. O outro foi abrir espaço para o liberalismo voltar a ocupar o centro da cena e, renovado, apostar suas fichas num programa para sair da crise e retomar o crescimento. Na bússola do liberalismo constam a contração do Estado e o estímulo à economia privada, que parecem convencer o conjunto da sociedade.
Embora divididos, os liberais passaram a ser tratados como o núcleo de articulação de uma nova proposta hegemônica. Em nossa História contemporânea, a aliança entre esquerda e liberais operou em defesa das liberdades: foi assim no Estado Novo e na luta contra o regime militar. Não há razão para que ela não seja perenizada e ganhe novos patamares, novos direitos.
Luiz Sérgio Henriques publicou neste espaço artigo sobre a crise do PT e a possibilidade de uma “outra esquerda”, democrática e reformista, fundada nos valores da Constituição de 1988 e no Estado Democrático de Direito. Certamente, ela deverá também buscar uma maneira justa e progressista de combinar reformismo social e democracia política. Assim, além de perenizar a aliança com o liberalismo em defesa das liberdades, na quadra que atravessamos será preciso avaliar os termos de uma nova concertação que possa empreender uma reforma histórica do Estado brasileiro, rompendo privilégios e corporativismos, sem eliminar sua presença reguladora, solidária e em defesa da cidadania. Seria um grande desafio e um belo destino.
*Alberto Aggio é historiador, é professor titular da Unesp
Publicado no Estadão em 31/07/2016
#NatalSemDilma é o novo bordão das manifestações de rua pró-impeachment
O #ProgramaDiferente, da TVFAP.net, acompanhou nesta segunda-feira, 19 de outubro, mais uma manifestação pró-impeachment convocada pelos movimentos Vem Pra Rua e Brasil Livre em diversas cidades do país.