edmar bacha

Arte: João Rodrigues/FAP

Edmar Bacha: "Estamos dispostos a ir para rua em defesa da democracia"

João Rodrigues, da equipe da FAP

O economista Edmar Bacha é o entrevistado especial da edição 46 da revista Política Democrática Online, produzida pela Fundação Astrojildo Pereira. A conversa foi conduzida por André Eduardo (consultor legislativo do Senado Federal na área de economia), Arlindo Fernandes de Oliveira (consultor legislativo do Senado), Benjamin Sicsú (presidente do Conselho de Administração da Fundação Amazônia Sustentável e vice-presidente de novos negócios da Samsung para a América Latina por 17 anos) e Benito Salomão (economista chefe da Gladius Research e doutor em economia pela Universidade Federal de Uberlândia).



A situação da econômica global e os desafios da democracia brasileira estão entre os principais temas do podcast Rádio FAP desta semana. Membro da Academia Brasileira de Letras, Edmar Bacha é autor do livro “No País dos Contrastes: Memórias da Infância ao Plano Real”, em que revisita a trajetória acadêmica e profissional que o levou ao mais bem-sucedido projeto de estabilização econômica do Brasil.

Economia verde, mercado de carbono, a alta da inflação e os riscos de um golpe de Estado no Brasil também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios da Jovem Pan News e CNN Brasil.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

RÁDIO FAP




Bacha: Se ataques continuarem, próximo passo é impeachment

Um dos signatários do manifesto em favor da democracia, o ex-presidente do BNDES e do IBGE diz que a parcela de empresários que apoia o governo vem caindo ‘a olhos vistos’

Cássia Almeida / O Globo

RIO — O economista Edmar Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças, diz que há uma ameaça à democracia brasileira e que, se os ataques não cessarem, mesmo após a manifestação maciça da elite econômica, o caminho seria pressionar o Congresso a abrir processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

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Bacha diz que há risco para o crescimento do país, que vai precisar de investimento e tecnologia quando a economia se recuperar da crise da pandemia. Mas “isso só vai vir de governo que sabe o que está fazendo. Este está demonstrando que está perdido”, afirma.

Qual a importância da adesão maciça dos empresários, economistas, gestores públicos neste momento ao manifesto pela democracia?
É fundamental por duas razões: a primeira é a tolerância com as bravatas que o presidente vem fazendo desde sempre. Mas ele chegou a um ponto que realmente virou uma ameaça à democracia brasileira.

Está desafiando as instituições democráticas, não somente o Judiciário, o sistema eleitoral. Chegou a um ponto que as pessoas disseram: “Basta, vamos levar o que ele está falando a sério. E é inaceitável.

E qual a segunda razão?
Havia a crença de que a Faria Lima (avenida que abriga o centro financeiro do país) não iria fazer nada. Enquanto a Bolsa estiver subindo e a economia estiver crescendo, os empresários vão ficar satisfeitos. Tem um ministro que se diz a favor do mercado. Mas nós sabemos distinguir os nossos interesses empresariais do que é fundamental, que é o Brasil, o valor da democracia, o valor supremo. Temos lei, regras, respeito à Humanidade.

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Houve outros manifestos que não surtiram efeito. Se os ataques à democracia continuarem, qual seria o próximo passo?
O próximo passo seria o Congresso votar o impedimento dele (do presidente Jair Bolsonaro). Ele não pode continuar na Presidência. Está vendo que vai ser derrotado, resolveu extremar. Estamos numa democracia representativa, vamos pressionar nossos representantes no Congresso. O caminho legítimo é esse.

O presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL), anunciou que levará o projeto do voto impresso ao plenário.
Concordo com Lira, a comissão (especial criada para analisar o projeto na Câmara) impôs uma derrota forte (foi rejeitado por 23 votos a 11). Podemos projetar essa derrota no plenário. Assim, fica caracterizado que o Congresso disse não ao voto impresso. Tem que ir a voto. É preciso mostrar que o voto impresso é algo que ficou no passado.

Se os ataques continuarem?
Se o Congresso disse que não, é uma afronta, tem uma questão concreta para o impedimento. O Congresso é soberano. Não somente os ataques, o desrespeito às pessoas, os crimes de responsabilidade que ele vem praticando. O caminho seria pressionar diretamente os representantes do povo para tomar uma atitude, que seria o impedimento desse presidente.

Isso seria discutir o impeachment do terceiro presidente seguido.
O que sugere que temos de repensar nosso sistema político-eleitoral, que está demonstrando certa instabilidade.

Como vê o papel da Forças Armadas?
Não é crível que o Exército de Caxias se comporte dessa forma. Está perdendo prestígio com a população.

Há uma parte do empresariado que apoia o governo...
Parcela que está diminuindo a olhos vistos, como demonstra a adesão que esse manifesto está tendo.

Quantos já assinaram?
Da última vez que vi, estava em 17 mil adesões.

Quais os reflexos dessa crise política na economia?
A retomada para voltar ao ponto de partida está surpreendentemente forte, em parte pela força da recuperação lá fora da China e dos Estados Unidos. Estaríamos produzindo mais, se não houvesse restrições de oferta. Depois da retomada, a partir daí, a economia só vai crescer com investimento e tecnologia, isso só vai vir de um governo que sabe o que está fazendo. Este está demonstrando que está perdido. Um presidente que não se concentra em questões fundamentais e está criando instabilidade nesse nível. Se não há investimento, não haverá crescimento.


Fonte: O Globo

https://oglobo.globo.com/economia/se-ataques-democracia-continuarem-proximo-passo-impeachment-diz-economista-edmar-bacha-25145269

*Título original do texto foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)


O Estado de S. Paulo: Vamos ter uma alteração estrutural da economia no pós-covid, diz Edmar Bacha

Integrante da equipe que criou o Plano Real disse que recuperação do Brasil será lenta, mas abrirá espaço para a questão da distribuição de renda do País e o aumento dos gastos públicos

Vinicius Neder, O Estado de S.Paulo

RIO - O economista Edmar Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (IEPE/CdG) e integrante da equipe que criou o Plano Real, vê pouco espaço para uma recuperação rápida, em “V”, da economia brasileira, que entrou em recessão no primeiro trimestre deste ano, conforme o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Membro do órgão colegiado, Bacha acha que o mais provável é que o ritmo de recuperação da atividade estacione num platô, à medida que o impulso das medidas do governo for passando.

Embora seja favorável à discussão sobre a manutenção dos auxílios emergenciais via unificação dos programas de transferência de renda, Bacha ressalta o aperto dos gastos públicos no País, que exige reformas para liberar espaço para ampliar o investimento em políticas focadas na redistribuição da renda.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Estamos em meio à recessão, mas há espaço para recuperação em “V”?

Nos Estados Unidos, como reportou a Marcelle (Chauvet, professora da Universidade da Califórnia, integrante do Codace, na reunião da última sexta-feira, 26), foi feita uma pesquisa muito interessante com economistas sobre a forma da retomada. Já houve duas rodadas da pesquisa. Na primeira, a maior parte dos economistas colocou o “V”, e, agora, todo mundo mudou do “V”, para algo que começa com um “V” inclinado, mas logo depois atinge um platô. E essa questão do platô é fundamentalmente por causa do esgotamento dos impulsos fiscal e creditício que o governo está dando. Quando isso acabar, como vai ficar? Depois, do lado do vírus, tem a questão de que isso vai exigir uma realocação muito pronunciada da atividade econômica. O mundo pós-covid não vai ser o mesmo. Vai ser bastante diferente. A natureza da atividade econômica vai ser muito distinta, com setores que vão ser beneficiados e os setores que vão ser prejudicados. Vamos ter uma alteração estrutural, se não permanente, pelo menos prolongada na estrutura das atividades econômicas.

No caso do Brasil, o quadro é diferente, já que o espaço fiscal para manter medidas é menor?

Obviamente, o Brasil tem bastante menos espaço fiscal do que os países que têm moeda-reserva. (…) Com esse agravamento do quadro fiscal, estamos indo para uma relação dívida pública sobre PIB de 100%. Agora, se temos menos espaço fiscal, temos um pouquinho mais de espaço monetário. Os juros lá (nos países desenvolvidos) já estão em zero. Isso é uma questão complexa, que vai depender muito da capacidade que temos de reestabelecer o ânimo empresarial e a disposição dos consumidores a gastar.

Os impulsos ficais ajudam no consumo das famílias, não?

Nos Estados Unidos, por causa das transferências, houve uma retomada muito forte, praticamente no nível anterior, do consumo das classes mais pobres. O consumo que está retraído é o consumo dos 25% mais ricos, do pessoal que fugiu de Manhattan. Esse consumo vai voltar quando o medo passar. O curso do vírus é que vai determinar um pouco esse processo de retomada do consumo da parte mais substantiva do total. Embora seja menos gente (os 25% mais ricos), o poder de compra é muito maior.

Isso vai acontecer no Brasil ainda?

Com certeza. Não temos ainda esse tipo de dado. Nos Estados Unidos é um pouco mais fácil porque aqui as pessoas mais pobres ainda gastam em dinheiro. Isso é mais difícil de traçar.

Diante disso, deveríamos investir na manutenção dos auxílios emergenciais?

O ideal seria a gente encontrar um espaço fiscal para fazer uma ampliação do Bolsa Família. Esse é um tema que está em discussão muito ampla, tem propostas pipocando para todo lado, algumas mais fantasiosas, outras mais realistas. Há uma coisa emergencial, que é o prolongamento do auxílio, dado que o vírus não se abateu no período que estávamos com esperança que se abatesse. A outra questão é como será o formato mais ou menos prolongado desse processo.

O sr. é favorável a uma ampliação das transferências?

Acho importante, temos que discutir isso. Podemos fazer desta crise uma oportunidade para uma discussão séria sobre distribuição de renda no País.

É possível fazer isso sem reformas, como a administrativa e a tributária?

A alternativa a isso seria aumentar brutalmente os impostos, o que não é o caso. Já estamos com uma carga tributária, para nosso nível de renda, bastante alta. Temos que conseguir um jeito é de redistribuir o gasto. E tem que melhorar a qualidade dos impostos, obviamente.

Qual a consequência de continuar aumentando a dívida pública?

Isso seria autodestrutivo, porque a retomada depende do restabelecimento de um ambiente de negócios. As oportunidades estão aí. A do saneamento está sendo criada (com a aprovação, na semana passada, do novo marco regulatório para o setor). A questão é saber se o pessoal (os investidores) vai vir. Para vir, precisa ter confiança no ambiente de negócios e em tudo o mais. Num País que está com a dívida descontrolada, quem vai ser louco (de investir)?

Como fazer as reformas?

Vai ter que fazer uma redistribuição. Então, vai haver perdedores, sem dúvida. Não é fácil. Não é uma coisa para fazer do dia para a noite. Vai precisar de um debate amplo na sociedade, para ter uma avaliação muito clara para as pessoas do que se trata. Não vai chover dinheiro. Vamos tirar dinheiro de um lado e colocar no outro. É importante que esse debate seja bastante amplo, porque se depender só dos lobbies que pressionam o Congresso, não vamos chegar a lugar algum.

O sr. está mais pessimista ou otimista com os rumos da economia?

Estamos numa situação extremamente difícil. Normalmente, os períodos de expansão são muito mais prolongados do que os períodos recessivos. É uma característica do ciclo econômico tradicional. Agora, pega essa última leva. Tivemos um período recessivo, de 2014 a 2016, que é praticamente da mesma extensão (11 trimestres) que a expansão que tivemos até o ultimo trimestre do ano passado (de 12 trimestres). Só isso já é uma sinalização bastante clara da precariedade. A economia já estava andando de lado. Essa expansão não foi nada para ficar muito entusiasmado. A economia já não vinha bem das pernas. Precisamos ter um conjunto de mudanças muito substantivas para uma retomada mais vigorosa e para termos um espaço mais amplo para essa discussão dos sistemas redistributivos, que são tão importantes no Brasil.

As medidas dos países desenvolvidos podem beneficiar o Brasil com um crescimento global maior?

Já estamos nos beneficiando da retomada na Ásia. As exportações brasileiras para a Ásia estão indo muito bem, obrigado. Nesse sentido, sim, mas isso olhando para os próximos meses. A questão que se coloca mais à frente, pós-covid, é como vai ser essa reestruturação, a recomposição da economia mundial, toda essa questão do protecionismo e do papel das organizações internacionais. Isso vai depender muito do resultado das eleições (presidenciais) americanas (marcadas para novembro).