Editorial

Revista Política Democrática || Editorial: Democracia e República

Sabemos por experiência que cenários de corrupção sistêmica minam a legitimidade das instituições democráticas, ao ponto de propiciar o alastramento de correntes de opinião autoritárias no conjunto dos cidadãos. A luta contra a corrupção, em favor da prevalência de regras e práticas republicanas, constitui, portanto, parte importante do repertório da vigilância e mobilização permanentes em favor da democracia.

Na luta concreta contra a corrupção hoje no Brasil, contudo, há vertentes que levam água ao moinho do autoritarismo. Manifestações em favor do fechamento ou expurgo do Supremo Tribunal Federal são o caso óbvio, mas não único. Um dos pilares do estado democrático de direito é o respeito aos direitos e garantias individuais, cuja premissa é a independência do Poder Judiciário, ou seja, sua capacidade de fazer valer posições contramajoritárias, em particular quando de ameaças aos direitos de grupos minoritários.

Na divisão de tarefas entre os Poderes, cabe ao Judiciário, portanto, julgar, e a nós, cidadãos, acatar suas decisões, malgrado a divergência que podem deixar em cada um. Trazer ao debate público a questão da culpa ou da inocência de A ou B, do acerto ou equívoco de tal ou qual decisão concreta dos tribunais é um equívoco, do ponto de vista da democracia.

Cabe a nós, contudo, cidadãos, e por extensão a nossos representantes no Congresso Nacional, manter sob escrutínio e reforma permanente as regras de funcionamento da nossa máquina de produzir justiça. Há tensão entre o papel que a tradição brasileira e o Código de Processo Penal atribuem ao juiz e os direitos e garantias consagrados na Carta de 1988? Caso afirmativo, como resolver essa tensão, sempre em benefício do fortalecimento da democracia?

O mesmo vale para os tribunais superiores. Não podemos trazer à arena política a discussão sobre o mérito de suas decisões concretas. Mas devemos discutir e deliberar sempre sobre a adequação de seu formato, composição e funcionamento. Há que debater, do ponto de vista das atribuições constitucionais, se os tribunais devem atuar como colegiado ou somatório das posições de seus membros. E, mais relevante ainda, no caso do Supremo Tribunal Federal, quais as melhores regras para favorecer a coerência temporal de suas decisões e preservar, dessa forma, sua credibilidade como árbitro final perante o conjunto dos cidadãos.


O Globo: A proposta de uma antirreforma política

São inconcebíveis R$ 3,6 bilhões para campanhas e o ‘distritão’, de que se beneficiarão apenas políticos conhecidos, em prejuízo dos partidos e da renovação

A proximidade de outubro, quando se esgota o prazo para que mudanças na legislação eleitoral vigorem no pleito do ano que vem, agita um Congresso preocupado com as finanças da campanha. E como o tempo é curto, amplia-se a margem de risco da aprovação de medidas de um modo geral equivocadas, e, no caso do financiamento dos gastos eleitorais, contrárias ao interesse do contribuinte.

O perigo é real, como demonstra uma miscelânea batizada de reforma, sob relatoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP), que ganhou notoriedade ao embutir emenda no projeto para que candidato condenado a até oito meses do pleito não seja preso. Logo recebeu o nome de “emenda Lula”, líder máximo do partido do deputado e condenado em primeira instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O reluzente chamariz desse projeto é o inconcebível aumento do Fundo Partidário, já em elevados R$ 800 milhões, para R$ 3,6 bilhões ou o equivalente a 0,5% da receita líquida da União. No pleito de 2022, seria reduzido para 0,25%. Em nada alivia para quem paga imposto.

É certo que a democracia tem um custo. Mas é preciso debater esta opção de uma contribuição compulsória de R$ 3,6 bilhões, pelo contribuinte, enquanto as contas públicas continuam muito desequilibradas, e persistem efeitos sobre a população da abissal recessão de 2015 e 2016. Na falta de emprego e na queda da renda.

Este projeto também avança em outro desatino, com a instituição do tal “distritão”, pelo qual cada estado seria um distrito, em que os mais bem votados ocupariam os assentos da bancada estadual, em ordem decrescente.

O sistema é muito simples de entender e, à primeira vista, irretocável do ponto de vista de preceitos democráticos. Afinal, entrariam na bancada os mais votados. Mas é positivo só mesmo à primeira vista.

Ao atender o senso comum — algo quase sempre perigoso —, o “distritão" só beneficiará candidatos à reeleição, portanto, já conhecidos, e famosos em geral. Irá em sentido contrário à necessidade de renovação na política, e ainda deixará em plano secundário os partidos, cujo fortalecimento é crucial para a democracia representativa.

Esboça-se a possibilidade da volta daquele clima de feira livre que o então presidente da Câmara Eduardo Cunha criou em 2015, ao tentar votar uma reforma política a toque de caixa, sem qualquer maior reflexão.

Enquanto isso, está em fase final de tramitação na própria Câmara proposta de emenda constitucional, já aprovada no Senado, com uma reforma eficaz, na medida certa: cláusula de desempenho para exigir que partidos tenham um mínimo de votos, a fim de ter acesso a prerrogativas como o uso do dinheiro do Fundo; e a extinção das coligações em pleitos proporcionais, para não ser distorcida a intenção do eleitor. Não se deve perder esta oportunidade.

Editorial O Globo

 


O Estado de São Paulo: A miséria da esquerda

Sem Lula, os partidos do dito 'campo popular' (esquerda) dificilmente serão capazes de comover os eleitores com seu discurso estatizante

Os intelectuais petistas começam a admitir em voz alta aquilo que seus colegas militantes apenas murmuravam aqui e ali: a esquerda - como eles a entendem - é totalmente dependente de Lula da Silva para existir como força eleitoral. Sem o demiurgo petista e suas bravatas demagógicas, reconhecem esses amuados ativistas, os partidos do dito “campo popular” dificilmente serão capazes de comover os eleitores com seu discurso estatizante, baseado na puída tese marxista da luta de classes. Ou alguém acredita que Dilma Rousseff, que se julga herdeira de Leonel Brizola e seu esquerdismo terceiro-mundista, teria sido eleita e reeleita presidente da República não fosse seu padrinho?

“Impedir o PT de ter um candidato competitivo a um ano do pleito equivale a banir a esquerda da vida política”, sentenciou o professor de História da USP e autor do livro História do PT, Lincoln Secco, em recente entrevista ao Estado. Segundo Secco, “a esquerda não tem plano B sem o Lula”. Mais do que isso: o professor petista considera que, “sem apoio do Lula, nenhum candidato da esquerda se viabiliza”.

O professor Secco não está sozinho nessa avaliação. A sentença do juiz federal Sérgio Moro que condenou Lula a mais de nove anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro teve o condão de fazer com que outros militantes manifestassem sua preocupação com o futuro eleitoral da esquerda, depois de mais de uma década de bonança petista. Para essa turma, é preciso começar a encarar a vida sem Lula na cédula de votação em 2018.

O mais curioso desse diagnóstico é que Lula da Silva jamais foi de esquerda. Sua carreira como líder sindical e depois como político se notabilizou pelo oportunismo desbragado. “Eu nunca fui um esquerdista”, disse o chefão petista em 2006, quando era presidente, buscava a reeleição e tinha de convencer o mercado de que nada mudaria na condução prudente da política econômica. Já quando precisa insuflar a militância esquerdista, Lula não tem dúvida em bradar, como fez no mais recente congresso do PT, que é necessário fazer “a esquerda voltar a governar o País”. Cabe aos ingênuos escolher em qual Lula se deve acreditar.

Diante da perspectiva muito concreta de passar os próximos anos na cadeia, Lula da Silva parece ter intuído que o melhor a fazer no momento é travestir-se de esquerdista, vociferando palavras de ordem contra o capital, a imprensa e a classe média, de modo a eletrizar os tolos que ainda se dispõem a defendê-lo, a despeito de todas as evidências. Sua intenção é óbvia: transformar seu julgamento em um caso político, como se sua condenação judicial, acompanhada de carradas de provas, fosse uma ação da “direita”, interessada em destruir as chances eleitorais da “esquerda”.

Essa encenação para engambelar esquerdistas bocós conta com a participação ativa da cúpula do PT, ciente, é claro, do risco de ver o partido encolher drasticamente nas próximas eleições caso Lula não possa concorrer. No mais recente encontro do Foro de São Paulo - o notório convescote de partidos esquerdistas da América Latina que acabam de se reunir em Manágua -, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, disse que “a direita reacionária e golpista não descansa” em seu intento de “destruir o PT e impedir que o maior líder popular brasileiro, Lula, seja nosso candidato nas eleições presidenciais de 2018”. Segundo a petista, “mais do que nunca necessitamos de um governo de esquerda de volta ao nosso país”. No mesmo discurso, sem ruborizar, a senadora aproveitou para se solidarizar com as ditaduras da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua.

A estratégia petista de vincular o destino de Lula ao da esquerda - não só brasileira, mas latino-americana - parece estar funcionando bem, a julgar pelo lamento dos esquerdistas que já se consideram órfãos do chefão petista. Isso só comprova a miséria do pensamento dito “progressista” no País. Afinal, se essa esquerda, para existir, depende de um rematado demagogo condenado por corrupção, então é mesmo o caso de considerá-la moralmente extinta.

Editorial O Estado de São Paulo

 

 


O Estado de S.Paulo: A confiança na mídia

Pesquisa do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo mostra que 60% dos brasileiros acreditam nas notícias que leem ou ouvem e reconhecem a responsabilidade das empresas de mídia na filtragem das informações

Levantamento realizado pelo Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, vinculado à universidade inglesa de Oxford, revela que os cidadãos continuam confiando nos meios de comunicação para se manterem informados. Intitulada Relatório de Jornalismo Digital 2017, a pesquisa também mostra que o Brasil é um dos países em que essa confiança é mais acentuada. Segundo ela, 60% dos brasileiros entrevistados afirmaram que acreditam nas notícias que leem ou ouvem e que reconhecem a responsabilidade das empresas na filtragem das informações que veiculam.

Ao todo, foram entrevistadas mais de 70 mil pessoas, num total de 36 países. A média de confiança nos meios de comunicação entre os países pesquisados foi de 43%. O país em que o nível de confiança é mais alto é a Finlândia, com 62%, seguido pelo Brasil. Os índices de confiança também são expressivos em Portugal, Polônia e Holanda. Nos Estados Unidos, o índice é de 38%. Entre os países em desenvolvimento, a Coreia do Sul é o que registra um dos índices mais baixos, de 23%.

A tendência é de crescimento dos níveis de confiança. Levantamento realizado no ano passado com mais de 33 mil pessoas de 28 países, pela consultoria americana de relações públicas Edelman, mostrou que a confiança cresceu globalmente de 45%, em 2015, para 47%, em 2016. Esse foi o índice mais alto desde a eclosão da crise financeira de 2007-2008, quando 380 bancos de pequeno e médio portes quebraram e grandes instituições, como o Lehman Brothers, faliram. No Brasil, o índice pulou de 51% para 54%, entre 2015 e 2016.

Alertando para os efeitos das novas tecnologias sobre a qualidade da informação, a pesquisa mostra que 40% dos entrevistados consideram que as empresas de comunicação estão no caminho certo, criando blogs especializados para investigar a veracidade das notícias publicadas na internet. Revela, igualmente, o impacto negativo da proliferação de mensagens caluniosas e de notícias falsas - as chamadas fake news - nas redes sociais. Segundo a pesquisa, os aplicativos que têm ganhado mais espaço são os que permitem comunicação mais privada, como o WhatsApp. Já os aplicativos que utilizam algoritmos para definir quais informações terão maior visibilidade, como o Facebook, têm perdido espaço.

O Facebook e o WhatsApp são os aplicativos mais acessados nos 36 países pesquisados, seguidos pelo YouTube, Twitter, Instagram e Linkedin. Para se manter à frente nas redes sociais em todo o mundo, há três anos o Facebook comprou o WhatsApp por US$ 21,8 bilhões. No Brasil, 46% dos entrevistados afirmaram usar o WhatsApp para acessar e compartilhar notícias em 2017 - o que corresponde a um aumento de 7% em relação a 2016. Já o Facebook registrou uma queda de 12%, no período. Pertencente à Google, o YouTube é a fonte de informação para 36% dos entrevistados brasileiros - ante 35%, em 2016. Em seguida vêm o Instagram e o Twitter, ambos com 12%.

Além disso, o levantamento do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo aponta mudanças significativas nas formas de acesso a informações e compartilhamento de notícias pela internet. Pela primeira vez, no Brasil, os celulares ultrapassaram os computadores como o principal instrumento para acesso a notícias. A utilização de smartphones para leitura de notícias nas regiões urbanas do País é de 65%, ante 62% dos computadores. Na média dos 36 países pesquisados, 56% dos entrevistados afirmaram ter usado o celular na semana anterior para se informar, ante 58% no caso de computadores. O Chile é o país em que os celulares são mais usados para leitura de notícias - 74% dos pesquisados dão prioridade a eles, enquanto a taxa de acesso a informações por computadores é de 51%. No México, a proporção é de 70% e 45%, respectivamente.

Se o funcionamento da democracia depende da liberdade e da qualidade das informações e da responsabilidade dos meios de comunicação, o aumento dos índices de confiança da população na mídia digital é uma importante notícia.

 

 


O Globo: Fragilização de Temer fortalece alternativa Maia

Relatório na CCJ é uma derrota do presidente, que deseja um processo rápido de votação para evitar o aprofundamento do desgaste político contínuo

Já era esperado que o relator do pedido de licença para que o presidente Michel Temer seja julgado no Supremo pelo crime de corrupção passiva, deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), aprovasse a admissibilidade do processo. Na sessão de ontem da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Zveiter, advogado de profissão, disse que a denúncia encaminhada pela Procuradoria-Geral da República contém “sólidos indícios de práticas delituosas”.

A defesa de Temer, feita por Antonio Cláudio Mariz, seguiu a linha da tentativa de desconstruir a denúncia pela suposta falta de provas. Por exemplo, de que os R$ 500 mil guardados na mala com que Rocha Loures foi filmado nas ruas de São Paulo seriam mesmo para o presidente.

O fato é que começa a se desenhar a saída de Temer, por até 180 dias, com a posse do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para esperar o veredicto do STF, e, se houver a condenação do presidente, convocar uma eleição indireta em 30 dias, à qual o próprio Maia poderia ser candidato de consenso da base do governo.

A rigor, a crise política que desgasta o governo Temer transita em pista dupla: da consolidação do entendimento de que a posição do presidente é indefensável, e pela via das negociações no Congresso em torno de um nome que possa levar o país até as eleições de 2018, daqui a pouco mais de um ano. É neste contexto que se fortalece Rodrigo Maia, também aceito por ter forte compromisso com as reformas. Definido este consenso, Temer terá ainda mais dificuldades políticas.

Por tudo já conhecido até agora — desde a revelação pelo GLOBO da gravação por Joesley Batista de sua conversa nada republicana, em altas horas, com Michel Temer, no porão do Palácio do Jaburu —, as provas e indícios contra o presidente são fortes. Da temática daquela conversa — cuidados pecuniários com Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, para não fecharem acordos de delação — à propina acertada com Loures, indicado por Temer para o empresário tratar de qualquer assunto.

O tempo corre contra Temer, à medida que as informações decantam na opinião pública. Daí o Planalto querer que as votações ocorram logo na Câmara — na CCJ e, depois, no plenário. Quebra-se, também, uma espécie de encanto que se tentou criar em torno de Temer, vendido no mercado das esperanças como o único capaz de garantir as reformas. Quando, na verdade, passou a ser o contrário, à medida que o inquilino do Planalto, fragilizado, deixou de ter condições de aprová-las, a não ser negociando-as no balcão do toma lá dá cá. E assim, tornando-as inócuas. Uma aprovação de fantasia.

Haja vista o exemplo da reforma trabalhista, em que o Planalto emite sinais de recuar no fim do imposto sindical, tornando-o uma contribuição espontânea, mas por etapas. Assim, será perdida chance preciosa de se moralizar a vida sindical, tornando as agremiações de fato representativas, inclusive as patronais, sem espertalhões acostumados ao acesso fácil do dinheiro público, arrecadado pelo imposto que precisa ser extinto.

Fica cada vez mais evidente, na prática, que a Constituição tem o mapa do caminho para a saída da crise, por definir de maneira clara o rito para a saída de Temer ou a sua permanência.

 


O Estado de S.Paulo: A lógica torpe do petismo

PT mostra que não aprendeu nada com os erros cometidos durante o período em que esteve no poder e faz questão de perder cada oportunidade que aparece para exercer uma saudável autocrítica

Editorial

A resolução aprovada no 6.º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) revela de modo incontestável a torpe lógica que move o partido. Se os discursos de Lula da Silva, o líder máximo da organização, e do restante da cúpula dirigente durante o evento já indicavam que o PT opera em uma realidade alternativa, como se fosse um mero observador da crise econômica, política e moral que legou ao País, e não seu responsável direto, agora, com a publicação do teor do documento, ao cinismo, à soberba e à desfaçatez daquelas falas se soma o atestado de que, realmente, os polos do partido são invertidos.

No texto, o PT ataca o que classificou - entre aspas, vale ressaltar - como “republicanismo” de Lula da Silva e Dilma Rousseff no processo de escolha dos nomes para a Procuradoria-Geral da República (PGR), para o Supremo Tribunal Federal (STF) e para a Polícia Federal (PF) durante seus mandatos na Presidência. No caso da Procuradoria-Geral, os ex-presidentes escolheram os primeiros colocados na lista tríplice enviada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Já a indicação de ministros para o STF teria recaído sobre juristas que não estavam comprometidos, a priori, com a agenda do partido. E a não interferência dos chefes do Poder Executivo nas indicações para a diretoria da PF constituiu o tal “republicanismo”.

De acordo com o documento, a postura “republicana” de Lula e Dilma durante as referidas nomeações foi diretamente responsável pelas agruras vividas pelo partido a partir da eclosão do escândalo do mensalão, em 2005. “Sem aquele tipo de ‘republicanismo’, a Operação Lava Jato e antes dela a Ação Penal 470 (mensalão) não teriam conseguido instalar a ‘justiça de exceção’ organizada com o objetivo de destruir o PT e Lula”, diz o projeto de resolução aprovado pela direção petista. Tudo soa tão descabido e surreal que o texto está mais próximo de um roteiro de comédia pastelão do que de um documento oficial de um partido que governou o País por 13 anos.

O caso das indicações para a PGR é um dos mais nítidos exemplos da lógica torpe do PT. O partido, agora na oposição, é uma das entidades que acusavam o presidente Michel Temer de “ameaçar a Lava Jato” caso não indicasse o primeiro colocado na lista tríplice da ANPR como sucessor de Rodrigo Janot. Ora, nem Lula, nem Dilma, nem Temer ou qualquer presidente da República têm a obrigação legal de atender a esse critério.

Em que pesem as eventuais críticas que possam ser feitas aos membros da cúpula da PGR e da PF e aos ministros do STF, a ressalva que o PT faz é, na prática, um elogio à atuação daqueles que, aparentemente, critica. Para o partido, indicações corretas seriam aquelas em que os indicados estivessem comprometidos, acima de quaisquer outros desígnios, com os interesses da própria legenda. Aliás, não foi imbuído de outro espírito que, uma vez no poder, o PT aparelhou cada repartição pública que encontrou pela frente.

Seria absolutamente natural um partido que chegou ao poder indicar para cargos-chave da administração pública quadros identificados com seu projeto de governo. O que se viu, no entanto, foi a ocupação do Estado com o único objetivo de saquear os cofres públicos para viabilizar um projeto de poder, e não de país.

Diante dos maiores descalabros cometidos durante os mandatos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, o Partido dos Trabalhadores foi condescendente, como também foi com os membros da cúpula petista enredados pelas teias da Justiça. Quando supostamente “acertaram” - segundo os critérios da lógica invertida do partido -, foram criticados.

Com uma resolução desse teor, o PT mostra que não aprendeu nada com os erros cometidos durante o período em que esteve no poder e faz questão de perder cada oportunidade que aparece para exercer uma saudável autocrítica, a tal “refundação” defendida por alguns de seus próceres. Mas é compreensível. Devem ser de difícil contrição erros que são vistos como virtudes.

 

 


O Estado de São Paulo: Falastrão e enganador

O chefão do PT, que enxerga na sua candidatura à Presidência a melhor maneira de se livrar da cadeia, está como sempre no palanque disposto a fazer pouco da inteligência e do discernimento dos brasileiros

A estratégia lulopetista de sobrevivência está focada no quanto pior, melhor, que visa a manter o Brasil paralisado e a crise econômica e social se agravando. É uma lógica irresponsável e socialmente cruel, mas que oferece aos salvadores da Pátria nostálgicos do poder – ou ameaçados pela Justiça – o falacioso argumento de que é necessário lutar para que “os trabalhadores continuem com os seus direitos”, como declarou Lula, na quarta-feira passada, em entrevista a uma rádio da Paraíba. Na entrevista, o ex-presidente até falou em conspiração, mas para levantar a suspeita de que o governo norte-americano esteve por trás do afastamento do PT do governo.

O chefão do PT, que enxerga na sua candidatura à Presidência a melhor maneira de se livrar da cadeia, está como sempre no palanque disposto a fazer pouco da inteligência e do discernimento dos brasileiros. Em franca campanha, sabe que eleições diretas serão realizadas, de acordo com a lei, em outubro do ano que vem. Mas, para manter o discurso populista, continua defendendo “Diretas Já”. Não será de estranhar, portanto, que, quando as urnas se abrirem em outubro de 2018, proclamará tratar-se de conquista sua. E insiste também no “Fora Temer”, para manter coerência com sua própria história: com maior ou menor empenho, esteve por trás do “Fora Sarney”, do “Fora Collor”, do “Fora Itamar” e do “Fora FHC”. Ou seja, mesmo que outros sejam eleitos, só o PT tem legitimidade para governar o País.

A quarta-feira passada foi pródiga em oportunidades para o falastrão, que se proclama “o homem mais honesto do País”, se comportar como se o Brasil não tivesse passado pela experiência de tê-lo, e a sua pupila Dilma Rousseff, na chefia do Executivo. Na entrevista à emissora paraibana, Lula começou atacando o alvo preferencial do revanchismo petista, a quem responsabiliza por todos os males que afligem os brasileiros: “Ninguém quer mais o afastamento do Temer do que nós. Queremos a saída do Temer e eleições diretas porque queremos fazer com que os trabalhadores continuem com seus direitos”. Quer dizer: até a chegada de Lula ao Planalto, os trabalhadores não tinham direitos. A partir de então o Brasil tornou-se um campeão dos direitos civis, um verdadeiro “protagonista internacional”: “Nenhum país conseguiu fazer o que o Brasil fez em 12 anos. Acho que tinha interesse americano que o Brasil não desse certo”. Aí vieram os “golpistas”, derrubaram Dilma e seguiu-se o “governo ilegítimo” de Temer, que conspira contra os direitos dos brasileiros e as eleições diretas.

Embora a estratégia lulopetista de conquista e manutenção do poder tenha sido, desde sempre, a de dividir o País em “nós” contra “eles” – uma reprodução tosca da luta sindical da qual Lula copiou os fundamentos de sua ação política –, o estadista de Garanhuns condenou na entrevista o clima de “ódio e intolerância” que domina a política brasileira, atribuindo a responsabilidade por isso, especialmente, a Michel Temer e Aécio Neves. E acrescentou, em tom irônico, que ambos estão agora experimentando o “próprio veneno”.

Na mesma quarta-feira, ao falar em Brasília na solenidade oficial de posse da senadora Gleisi Hoffmann (PR) na presidência nacional do PT, Lula partiu para cima do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que “deve estar se preparando para ser o próximo presidente da República como seguidor do golpe, e não podemos achar que um golpista é melhor do que outro”. Logo, se for o caso, “Fora Maia”. E emendou, como se as eleições diretas para presidente tivessem sido abolidas: “A mudança que queremos é que o povo brasileiro volte a ter o direito de escolher o seu presidente. Errando ou acertando é o povo que tem o direito de tirar e colocar pessoas”.

É verdade. Errando ou acertando, foi o povo quem elegeu Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, que agora é presidente porque os senadores e deputados nos quais o povo votou livremente em 2014 cassaram o mandato da titular.

Editorial

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,falastrao-e-enganador,70001880053

 


Folha de São Paulo: Mudar para ficar igual

Enquanto o descrédito do governo emperra sua agenda, as energias dos congressistas voltam-se, de modo cada vez mais explícito, para a própria preservação.

Enfraquecem-se as reformas, avançam remendos para dar ares de mudança ao conservadorismo.

A proposta de emenda constitucional destinada a reformular a Previdência, da qual depende o programa de reequilíbrio do Orçamento da União, tende a ser desfigurada —restaria para votação uma versão mínima, a deixar para o futuro incerto medidas essenciais.

A reforma política parece fadada ao mesmo destino. Há textos distintos em tramitação no Congresso, mas o que lideranças da Câmara dos Deputados e do Senado têm discutido não passa de um pacote de ocasião, sob medida para preservar o statu quo.

As mudanças devem ser aprovadas até setembro para que disciplinem as eleições de 2018. O desinteresse em inovações substantivas e a exiguidade do prazo, tudo indica, contribuirão para a inércia.

De maior prioridade para a confraria é a aprovação de um fundo de campanha, a ser irrigado com R$ 3,5 bilhões em dinheiro público. Viver de caixa dois se tornou mais perigoso; doações individuais não bastam para as exorbitâncias do marketing das candidaturas.

No mais, tudo é incerto, quase improvável. É possível que se aprove alguma cláusula de barreira —a exigência de um patamar mínimo de votos para que um partido tenha acesso a tempo de rádio e TV e a recursos orçamentários.

Já muito permissivo, o piso aprovado pelo Senado, de 2% dos sufrágios, ameaçaria cerca de metade das legendas hoje representadas no Congresso. Logo, corre o risco de ser rebaixado.

Há também grande interesse em descartar a emenda que proíbe coligações em eleições proporcionais.

A associação entre siglas incentiva a proliferação de agremiações negocistas, que buscam no consórcio com as maiores um trampolim para eleger seus candidatos. Em troca, oferecem tempo de TV e atos de pirataria eleitoral, como ataques grosseiros a adversários.

Já o desejável sistema distrital misto deve ficar para 2022, se tanto. No lugar, ameaça-se aprovar o chamado distritão, sistema em que os nomes mais votados em cada Estado levam as cadeiras da Câmara, sem levar em conta o desempenho de partidos ou coligações.

O mecanismo, nota-se, favorece os políticos já estabelecidos e as celebridades oportunistas, em prejuízo da identidade partidária.

Entende-se a mudança. A imagem dos partidos afunda no lodaçal de escândalos. Melhor não fazer alarde da filiação, mas antes safar-se de modo individualista.

Editorial Folha de São Paulo

Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/07/1897910-mudar-para-ficar-igual.shtml

 


O Estado de São Paulo: O valor probatório da delação

É muito oportuna a decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região afirmando que colaboração premiada, sem outras provas, não basta para condenar um réu

Editorial

Num momento em que pairam acaloradas discussões sobre o papel das delações no processo penal, é muito oportuna a decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região afirmando que colaboração premiada, sem outras provas, não basta para condenar um réu. No caso, a 8.ª Turma, por maioria de votos, absolveu o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, condenado pelo juiz Sergio Moro a 15 anos e 4 meses de prisão – por considerar que não havia prova suficiente, existindo apenas delações premiadas.

O TRF da 4.ª Região não costuma abrandar penas. Em geral, a Corte confirma as punições aplicadas pelo juiz Sergio Moro e, não raro, as aumenta. Tanto é assim que, na mesma decisão que absolveu o sr. João Vaccari Neto, os desembargadores mais que dobraram a pena de Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás. Eles entenderam que havia ocorrido concurso material nos crimes de corrupção, e não simples continuidade delitiva. Com isso, a pena inicialmente aplicada ao sr. Renato Duque, de 20 anos e 8 meses, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa, passou a ser de 43 anos e 9 meses de reclusão.

A decisão do TRF manifesta uma exemplar sintonia com a lei. No art. 4.º, § 16 da Lei 12.850/2013 é expresso: “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. Diante da clareza da lei, não é possível transigir e achar que, em algum caso excepcional, haveria a possibilidade de condenar alguém com base apenas em delações premiadas. A corrupção e a impunidade não serão vencidas com manobras interpretativas da lei. Justamente por ser tão urgente conferir outro grau de respeito à lei urge ser muito estrito na aplicação da lei, também quando ela não agrada a todos.

É muito pedagógico que um tribunal decida pela absolvição de um réu por falta de provas, mesmo havendo delações premiadas que o apontem como culpado. Na decisão de absolver não há uma afirmação definitiva de que o crime pelo qual ele foi acusado não foi cometido. Diz-se apenas que o Ministério Público (MP), mesmo tendo obtido várias delações premiadas, não produziu as provas necessárias.

Tal ponto tem uma enorme importância nos dias de hoje, diante de uma distorção que vem se tornando cada vez mais frequente. Na forma como foi concebida e é aplicada em outros países, a delação premiada é ponto de partida para investigações criminais. A partir das informações prestadas pelo colaborador da Justiça, os agentes da lei realizam investigações com o objetivo de produzir provas robustas, que fundamentarão, a seu tempo, o processo penal. No Brasil, parece às vezes que as delações são vistas como o término da investigação. O trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público seria destinado a conseguir delações premiadas. Uma vez obtidas, estariam prontos – essa é a impressão – para levar o caso à Justiça.

Ora, a delação premiada não deve substituir a investigação. A experiência tão positiva dos outros países, que levou a que o ordenamento jurídico nacional ampliasse cada vez mais o uso da colaboração premiada, aponta que a eficácia do acordo de delação está justamente em ser auxílio à investigação. Ao contrário do que se poderia pensar, a colaboração premiada não diminui o trabalho investigativo da Polícia e do MP. Ao abrir novas frentes de investigação, apontando crimes antes desconhecidos, ela as amplia enormemente.

A proibição da Lei 12.850/2013 de se condenar apenas com fundamento em colaborações premiadas preserva, portanto, o sentido original das delações, de auxílio às investigações. Caso meras palavras, ditas por quem se beneficia em dizê-las, pudessem servir para provar crimes, o processo penal ficaria seriamente enviesado. Em vez de ser um instrumento para alcançar a verdade dos fatos – finalidade de todo processo judicial –, as delações se transformariam num obstáculo adicional para o juiz saber o que realmente ocorreu, já que se atribuiria valor probatório a informações transmitidas em contexto não isento.

É preciso reconhecer que conteúdo de delação que não foi provado não serve para nada. A decisão do TRF da 4.ª Região talvez possa ajudar alguns a perceber que o passo seguinte à obtenção da delação deve ser a investigação, e não o vazamento. E que nenhuma campanha de convencimento da opinião pública substitui provas, num tribunal honesto.

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-valor-probatorio-da-delacao,70001869796

 


O Estado de S.Paulo: Lições de uma derrota

A rejeição da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais do Senado serviu para reiterar a duvidosa qualidade da base de apoio a Michel Temer no Congresso

A rejeição da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado foi comemorada como um gol de placa pelo time dos inimigos da modernização do Estado. O senador petista Humberto Costa (PE) chegou a dizer que foi “a maior derrota do governo Temer”. É um evidente exagero, considerando-se principalmente que o revés não altera de nenhuma maneira a tramitação da reforma no Senado e, mantidas as atuais condições, sua aprovação em plenário deverá ser razoavelmente tranquila. Mesmo assim, o episódio serviu para reiterar a duvidosa qualidade da base de apoio ao presidente Michel Temer no Congresso, algo preocupante diante dos imensos desafios que ainda estão pela frente, em especial a reforma da Previdência.

Michel Temer não pode se dar ao luxo de perder nem votações secundárias, como esta na CAS, porque a estabilidade de seu governo está assentada na presunção de que ele controla uma boa bancada no Congresso, capaz de levar adiante as impopulares reformas. Ao se descuidarem dessa maneira, permitindo que governistas rebeldes prejudicassem os esforços do Palácio do Planalto, os operadores políticos do governo ajudaram a alimentar uma imagem de fragilidade que, somando-se aos problemas jurídicos de Michel Temer, coloca em questão a capacidade do presidente de concluir sua agenda reformista.

É preciso também destacar o papel negativo do PSDB nesse episódio da votação na CAS. Os tucanos precisam decidir se estão mesmo na base de apoio ao presidente Temer e se são favoráveis às reformas, como garantem seus dirigentes. A rejeição à reforma trabalhista contou com a ajuda do senador Eduardo Amorim (PSDB-SE), que na planilha do Palácio do Planalto havia sido contabilizado como um voto a favor. Como o placar foi de 10 a 9, pode-se concluir que esse voto foi decisivo para a derrota. Mas é digno de nota também o comportamento irresponsável de outros governistas na CAS. Cinco senadores da base aliada simplesmente não apareceram para votar.

E há também a sabotagem, pura e simples, capitaneada por Renan Calheiros, líder do PMDB no Senado. Sem fazer parte da comissão, Renan pediu a palavra e tratou de desqualificar todas as reformas encaminhadas pelo governo, acrescentando ainda críticas aos “erros em série da política econômica”. Segundo o senador, que falava como se fosse um sindicalista da CUT, a equipe econômica está levando o País a um “quadro desesperador”.

Nominalmente, o senador Renan Calheiros é do mesmo partido do presidente Michel Temer, mas, na prática, seu partido sempre foi ele mesmo. Neste momento, Renan, alvo de múltiplos inquéritos sob acusação de corrupção, parece acreditar que sua salvação se encontra numa aliança tácita com o chefão petista Lula da Silva, ainda muito forte entre eleitores do Nordeste. De quebra, espera que essa proximidade com Lula ajude o filho, Renan Filho (PMDB), a conseguir a reeleição como governador de Alagoas.

Como era esperado, o governo deu o troco a Renan, usando a linguagem que o Congresso entende: demitiu apadrinhados do senador Hélio José (PMDB-DF), que é do grupo de Renan e votou contra a reforma na CAS.

Mas apenas isso não basta. É preciso denunciar, com a máxima crueza possível, que esses parlamentares são a vanguarda do atraso. Não está em jogo apenas um punhado de mudanças na legislação trabalhista ou no sistema previdenciário. O que está em jogo é a definição do futuro imediato do País.

É urgente enfrentar os problemas estruturais que condenam o Brasil ao desenvolvimento medíocre e à baixa produtividade. As reformas em curso, tímidas diante do desafio, são apenas o começo desse processo, que tem de servir principalmente para romper a lógica segundo a qual tudo neste país começa e termina no Estado. Os inimigos das reformas são justamente aqueles que construíram relações privilegiadas com o Estado, seja na forma de subsídios e isenções em geral, seja como obséquios para funcionários públicos, em detrimento do resto da população, que deve arcar com os impostos que sustentam essa relação viciada. A derrota do governo é a vitória dessa gente.

 

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,licoes-de-uma-derrota,70001854590

 


O Estado de São Paulo: A vitória de Macron

A ampla vitória do presidente da França, Emmanuel Macron, nas eleições legislativas, nas quais seu partido A República Em Marcha (REM) obteve folgada maioria na Assembleia Nacional é importante não apenas porque lhe dá condições de aprovar as reformas que propõe na economia e na política.

A ampla vitória do presidente da França, Emmanuel Macron, nas eleições legislativas, nas quais seu partido A República Em Marcha (REM) obteve folgada maioria na Assembleia Nacional – ainda maior quando somada à bancada de seu partido aliado, o Movimento Democrático (MoDem) – é importante não apenas porque lhe dá condições de aprovar as reformas que propõe na economia e na política. Ela muda em profundidade o panorama político do país e tem repercussões que vão além de suas fronteiras, na medida em que fortalece a União Europeia (UE), abalada pela saída do Reino Unido.

No curto período de um ano, Macron, ex-ministro da Economia de François Hollande, que bateu recorde de impopularidade, elegeu-se presidente, transformou seu novo partido no maior do país, com 308 deputados num total de 577 da Assembleia, que se sobrepõe hoje às tradicionais forças de direita (Os Republicanos e seus aliados), com 131 eleitos, e esquerda (Partido Socialista e aliados), com 31 eleitos, que dominaram a política francesa por mais de 40 anos.

Um conjunto de circunstâncias favoráveis permitiu essa ampla renovação dos quadros políticos: dois terços da Assembleia, com a chegada de um grande número de jovens e de mulheres (158), boa parte dos quais estreando na política. Tudo indica que a crise de representatividade, que atinge vários países de todos os continentes, está sendo resolvida ali rapidamente e sem maiores abalos.

O ponto fraco, logo apontado pelos adversários de Macron, foi a alta taxa de abstenção, de 56,6%. Taxa que já vinha crescendo no país e agora ultrapassou a metade do eleitorado. Em primeiro lugar, é evidente que o problema afeta tanto Macron como todos os que se opõem a ele. Em segundo lugar, o primeiro-ministro, Edouard Philippe, se apressou não apenas a comemorar a vitória como a reconhecer, certamente levando em conta a abstenção, que o governo não recebeu um cheque em branco.

A oposição, tanto a da extrema direita da Frente Nacional – que conta com o apoio de boa parte dos trabalhadores – como a da extrema esquerda da França Insubmissa, promete ir às ruas para se opor à reforma trabalhista. Segundo Macron, as regras atuais são ultrapassadas e atrapalham a retomada da economia e na prática colaboram para o desemprego, porque impõem altos custos às empresas. Embora governo e centrais sindicais reconheçam que as negociações serão difíceis, a ampla maioria parlamentar de que Macron dispõe permite a aprovação fácil da reforma na Assembleia e fortalece sua posição tanto nesses entendimentos como no enfrentamento nas manifestações, prometidas tão logo foram anunciados os resultados das eleições.

No plano político, o caso das mudanças propostas por Macron é diferente. Além de ser igualmente fácil sua aprovação pela Assembleia, não encontram maior resistência na oposição. Tanto a referente à moralização como a alteração parcial do sistema eleitoral. O ponto forte da primeira é o fim do nepotismo por parte de deputados. Ele foi o ponto central do escândalo que fez o candidato da direita, François Fillon – emprego da mulher e dos filhos como assessores, com altos salários –, perder a eleição para presidente, antes dada como certa. A segunda é a introdução no sistema eleitoral de uma dose de voto proporcional, hoje inteiramente distrital. Essa é uma mudança que interessa à extrema direita e à extrema esquerda.

No plano externo, a retomada da economia francesa, estagnada há muitos anos e com uma taxa de desemprego de 10% da força de trabalho, é julgada importante também pela UE, a começar pela Alemanha. A aliança com a Alemanha, considerada o motor da UE desde o início, não pode funcionar a contento com a França na situação em que se encontra.

O tempo dirá se Macron saberá enfrentar o desafio das transformações que prometeu e da esperança que despertou. A mudança no panorama político que já operou e a folgada maioria parlamentar que acaba de obter são passos da maior importância, mas só eles não bastam.

 

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-vitoria-de-macron,70001849874

 


O Estado de São Paulo: A soberba de Lula

Ao se descortinar os fatos graves contra o ex-presidente, ficou demonstrado que o mito do herói petista serve melhor à literatura do que à política

O Estado de S.Paulo

O oportunismo que marcou a trajetória política do ex-presidente Lula da Silva, desde sua ascensão como líder sindical, foi tomado durante muito tempo como uma das virtudes capazes de levar um ex-metalúrgico a ocupar a Presidência da República. A realidade dos fatos, sobejamente documentada nos autos de um número constrangedor de processos judiciais a que responde, encarregou-se de demonstrar que o mito do herói serve melhor à literatura do que à política. Ao descortinar aos olhos dos cidadãos minimamente informados fatos graves que só a fé cega em um demiurgo é capaz de obliterar, as investigações sobre a conduta do ex-presidente revelaram que de virtuoso o oportunismo não tem nada.

Em evento de posse da nova direção do Partido dos Trabalhadores (PT) no sábado passado, na Assembleia Legislativa de São Paulo, Lula se apresentou como o único cidadão capaz de tirar o País da crise. Trata-se da imodéstia de quem se vê acima de qualquer responsabilidade que possa recair sobre seus atos, alguém ungido por um especial desígnio que justificaria qualquer desvario político. “Se o PT deixar, serei candidato para voltar a ver uma sociedade mais igual”, disse o ex-presidente. Poucas vezes uma afirmação de Lula soou tão embusteira. O PT é Lula, o rumo do partido é a expressão máxima de sua vontade. Portanto, o PT não tem qualquer ingerência sobre sua eventual candidatura à Presidência em 2018. Aliás, ainda que tivesse, esta prerrogativa, hoje, é exclusiva do Poder Judiciário, que pode torná-lo inelegível pela Lei da Ficha Limpa.

Durante o discurso, Lula mostrou que além de soberbo é incapaz de compreender a grandeza do cargo que ocupou e que sonha em voltar a ocupar. Afirmando que para voltar à Presidência “não precisa convencer os não convencíveis”, pois lhe bastariam “50% mais um” dos eleitores, Lula deixou clara a visão mesquinha que tem da Presidência da República, como se uma vez eleito estivesse comprometido apenas com o destino daqueles que o apoiam, e não com o de todos os brasileiros.

Ao arvorar-se em único capitão habilidoso o bastante para conduzir um navio à deriva, Lula esconde o papel determinante que teve na construção da pior crise política, econômica e moral da história recente, o mais eloquente atestado do desastre que o lulopetismo representou para o País. Em um misto de vaidade e desfaçatez, o ex-presidente afirmou em seu discurso na Assembleia Legislativa que “a melhor experiência de governança neste país foi do PT”. Para ele, a profunda recessão econômica e os 14 milhões de brasileiros desempregados são “fatos alternativos”.

Citado na delação superpremiada do empresário Joesley Batista como beneficiário de uma conta milionária abastecida com dinheiro de propina, Lula não se deu por constrangido e lançou mão de seu conhecido senso de humor rasteiro. “Estou quase fazendo delação para pegar os meus US$ 82 milhões”, ironizou. O problema seria encontrar um possível delatado, já que as investigações realizadas até agora colocam Lula no topo do esquema de corrupção engendrado para pilhar os recursos do Estado.

Mas não foi só a soberba, a imodéstia e a desfaçatez que marcaram o discurso de Lula na posse da nova direção de seu partido. O cinismo também deu as caras quando o ex-presidente afirmou que “o País nunca precisou tanto do PT como agora”. Prometendo resgatar o “Lulinha Paz e Amor”, o ex-presidente disse que “o PT é o único capaz de devolver a alegria ao povo brasileiro”. Lula é o grande artífice da grave crise por que passa o Brasil e por meio de seu discurso agressivo e excludente disseminou a cizânia e implodiu todas as pontes para uma reconciliação nacional em torno de um projeto de retomada do crescimento econômico, do desenvolvimento social e do debate de ideias próprio da democracia em um ambiente menos anuviado.

Se em meio à crise paira a incerteza sobre qual caminho o País deverá seguir em 2018, o lulopetismo já apresentou razões mais do que suficientes para a Nação saber qual deve ser evitado.

Editorial - O Estado de São Paulo