Economia
Luiz Carlos Azedo: Quando o conceito é fatal
De agosto/2020 a junho/2021, registramos os maiores índices de desmatamento. SP, GO, MG e MT registraram mudanças impressionantes
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Houve uma mudança muito significativa na conjuntura política. Em primeiro lugar, a ameaça de um golpe de Estado, que deixou o país à beira de um ataque de nervos, desapareceu do horizonte próximo após o 7 de Setembro. Não houve a adesão militar contra o Supremo Tribunal Federal (STF) que o presidente Jair Bolsonaro esperava, as reações das instituições políticas e da sociedade esvaziaram a mobilização golpista. Desde então, o eixo da vida política nacional se deslocou da crise sanitária, cuja crônica política e criminal está no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre a pandemia da covid-19, para a crise da nossa economia, tendo por pano de fundo a antecipação da disputa eleitoral de 2022.
Especialistas em planejamento sabem que um erro de conceito pode ser fatal. Muitas vezes, o erro decorre de um falso diagnóstico; outras, de um conceito errado. A tempestade perfeita pode ser fabricada quando as duas coisas coincidem com uma concepção equivocada, por exemplo, o negativismo em relação à ciência. No caso da pandemia, o erro de diagnóstico foi considerar a covid-19 uma “gripezinha”; o de conceito, apostar na “imunização de rebanho” para manter a economia aquecida. Com isso, buscou-se toda sorte de atalhos para evitar a recessão, que passou a ser o objetivo do governo, em vez de salvar a vida das pessoas. A cloroquina entra nessa história como uma poção mágica. Havia outra solução simples para um problema tão complexo (acreditem, elas também existem) — a vacinação em massa.
Vejam bem, não estamos falando que a produção da vacina não é simples. Sua fabricação é um processo complexo, mas a pesquisa científica intensa resolveu o problema em pouco mais de um ano após a identificação do vírus e seu sequenciamento genético. Estamos falando do conceito — a imunização em massa — já consagrado mundialmente pelas autoridades sanitárias. A erradicação da poliomielite, que foi a doença infantil mais devastadora do século passado, é um excelente exemplo. A pólio era misteriosa e se expandia no verão, com causas desconhecidas. Nos Estados Unidos, a ignorância levou as pessoas a pôr a culpa nos sorvetes; e o preconceito, nos negros pobres e nos imigrantes, principalmente asiáticos.
Mesmo adultos corriam grande risco. O presidente Franklin Delano Roosevelt foi para a cadeira de rodas aos 39 anos, quando contraiu a doença. Cada surto de pólio deflagrava uma quarentena, como acontece agora com a covid-19. Em 1916, em Nova York, houve 8.990 casos, com 2.400 óbitos; em 1952, 57 mil casos, 3 mil mortes e 21 mil crianças com paralisia permanente. Um paciente com pólio no hospital custava US$ 900, quando o salário médio era de R$ 875.
Sem a vacina criada por Jonas Salk e Albert Sabin, estima-se que os Estados Unidos teriam 250 mil pessoas com paralisia, a um custo de US$ 30 bilhões. Não temos projeções de quanto já estamos economizando com a vacinação em massa da população, mas estima-se que o custo da pandemia no Brasil chegue a R$ 700 bilhões, cerca de 10% do nosso PIB, ou o equivalente a 20 anos de Bolsa Família. Ou seja, dá para ter uma noção do prejuízo causado pelo negativismo do presidente Jair Bolsonaro, que até hoje não tomou a vacina.
Aquecimento
Mais difícil de calcular é o prejuízo do negativismo em relação ao aquecimento global. Alguns números podem ser ilustrativos. Até o fim de setembro, somente 22% das verbas destinadas para o combate ao desmatamento e às queimadas foram utilizados pelo governo federal. O governo resolveu economizar o dinheiro do combate ao desmatamento e às queimadas: de R$ 384,9 milhões em caixa para isso, somente foram gastos R$ 83,5 milhões. De agosto do ano passado a junho deste ano, registramos os maiores índices de desmatamento. São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso registraram mudanças climáticas impressionantes. As mais espetaculares foram as tempestades de poeira. Quanto estamos perdendo de investimentos ao “passar a boiada”?
O Brasil já foi muito respeitado por sua política ambiental, agora é pária internacional. Bolsonaro não vai à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), que começa hoje, em Glasgow, na Escócia, embora tenha participado da reunião do G-20 em Roma, na Itália, ontem. Não teria condições de participar de um fórum como esse sem passar constrangimentos.
‘Petrobras é um problema’, diz Bolsonaro no G20 ao presidente da Turquia
A declaração foi feita em uma conversa informal com Recep Tayyip Erdogan durante o evento realizado em Roma
Eduardo Gayer / O Estado de S. Paulo
Brasília - Um dia após a Petrobras perder R$ 23 bilhões em valor de mercado por medo de ingerência política do governo, o presidente Jair Bolsonaro afirmou neste sábado, durante a cúpula do G20, em Roma, que a estatal “é um problema”. A declaração foi feita em uma conversa informal com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que citou os grandes recursos petrolíferos do Brasil.
“A Petrobras é um problema, mas estamos quebrando monopólios, com reação muito grande. Há pouco tempo, era uma empresa de um partido político. Mudamos isso”, disse Bolsonaro a Erdogan, por meio de um intérprete. A gravação do diálogo foi divulgada pelo jornalista Jamil Chade, do UOL.
Em meio à dificuldade de conter a alta dos combustíveis, que afeta a popularidade do governo, o presidente e o ministro da Economia, Paulo Guedes, têm feito uma série de ataques à Petrobras nas últimas semanas. Em transmissão ao vivo nas redes sociais na última quinta-feira, o chefe do Executivo chegou a afirmar que a estatal deveria dar menos lucro, o que fez as ações da empresa tombarem na Bolsa de Valores.
Bolsonaro ainda disse a Erdogan que a economia brasileira está se recuperando da crise da covid-19. “Economia voltando bem forte. A mídia, como sempre, atacando. Estamos resistindo bem. Não é fácil ser chefe de Estado em qualquer lugar do mundo”, afirmou, sem citar a disparada da inflação. A escalada de preços levou o Banco Central a subir a taxa básica de juros do País, a Selic, em 1,5 ponto porcentual, a 7,75%, no maior aumento desde 2002.
O presidente brasileiro também disse ao colega turco ter um apoio popular muito grande, quando, na verdade, setores de dentro do governo não dão a reeleição como garantida. Não à toa, o Palácio do Planalto resolveu lançar um Auxílio Brasil turbinado a R$ 400 apenas até o final do ano eleitoral, com o objetivo de vitaminar a popularidade de Bolsonaro.
"E quando é a eleição?", questionou Erdogan ao líder brasileiro durante a conversa. “Daqui a 11 meses”, respondeu Bolsonaro. “Significa que o senhor tem muito a fazer coisa ainda para fazer", acrescentou o turco. "Temos boa equipe de ministros. Não aceitei indicação de ninguém. Prestigiei as Forças Armadas. Um terço dos ministros são militares”, tentou insistir o presidente.
Bolsonaro está no encontro do G20, em Roma, com os ministros Guedes, João Roma (Cidadania), Walter Braga Netto (Defesa) e Carlos França (Relações Exteriores) e participará, entre hoje e amanhã, além de encontros bilaterais, de painéis sobre economia, meio ambiente e saúde pública. Os três temas são considerados delicados para o governo, em meio às críticas sobre a política ambiental e a postura durante a pandemia.
Na segunda-feira, 1 de novembro, após a cúpula, o presidente segue para a cidade italiana de Anguillara Veneta, onde moravam seus antepassados, para receber o título de cidadão local. O projeto de homenagem ao presidente foi aprovado sob críticas. Na sexta-feira, 29, militantes ambientais chegaram a pichar “Fora, Bolsonaro” na prefeitura da cidade.
Ao cumprir a agenda pessoal em Anguillara Veneta, Bolsonaro deixará de ir à COP-26, evento sobre as mudanças climáticas que contará com a presença dos principais líderes globais. O governo será representado pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Pereira Leite.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,petrobras-e-um-problema-diz-bolsonaro-no-g20-ao-presidente-da-turquia,70003885026
Luiz Carlos Azedo: A crise da social-democracia
No Brasil, sob forte influência das ideias positivistas, que aqui sempre muito foram heterodoxas, nunca houve uma tradição social-democrata propriamente dita
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O título da coluna nos remete ao começo de tudo. A social-democracia tem sua origem no século 19, como resultado de um movimento político associado aos sindicatos operários e a ideias marxistas. A sua ascensão ao poder se deu em 1910, na Alemanha, após 20 anos de lutas vigorosas, que garantiram conquistas políticas, como o amplo direito de voto, a liberdade de expressão, de imprensa e de organização, e sociais, como a redução do horário de trabalho, contratos coletivos, educação básica, assistência médica e previdência, na onda da segunda revolução industrial.
Com quase 1 milhão de filiados, a Social-Democracia chegou ao poder ao obter 30% dos votos, tornando-se o principal partido do parlamento alemão, com uma liderança que reunia líderes operários e grandes intelectuais. A Revolução Russa de 1905 e a Revolução Mexicana (1910), além do prestígio de socialistas na França e trabalhistas na Inglaterra, transformaram a Segunda Internacional (a primeira teve vida efêmera) no mais vigoroso movimento político do começo do século XX. Mas veio a Primeira Guerra Mundial e isso pôs tudo a perder, porque os social-democratas alemães e trabalhistas apoiaram a guerra
O nacionalismo implodiu a Segunda Internacional. Na Rússia, o líder bolchevique Vladimir Lênin agarrou a bandeira da paz com as duas mãos e tomou o poder, criando a Internacional Comunista. Após a II Guerra Mundial, a social-democracia voltou ao poder em vários países da Europa Ocidental, enquanto os comunistas, apoiados ampliaram seu poder para o chamado Leste europeu, até o colapso da União Soviética, além da China, de Cuba e do Vietnã, onde permanecem no poder.
No Brasil, sob forte influência das ideias positivistas, que aqui sempre foram heterodoxas, nunca houve uma tradição social-democrata propriamente dita. O Partido Comunista, fundado por Astrojildo Pereira em 1922, foi obra de nove anarquistas. O Partido Socialista criado por tenentistas, em apoio a Getúlio Vargas, em 1932, fracassou, por razões óbvias. Somente 1947, sob a liderança de João Mangabeira, viria a ser criado o Partido Socialista Brasileiro, por políticos e intelectuais da chamada Esquerda Democrática.
O PSB se contrapunha aos comunistas, liderados por Luís Carlos Prestes, e aos dois partidos criados por Getúlio Vargas em 1945, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), formado por políticos e líderes ligados aos sindicatos oficiais, e o Partido Social Democrático, constituído por antigos interventores do governo Vargas. Como se vê, nada a ver com a social-democracia, que emergia da II Guerra mundial como uma força política importante em vários países da Europa, que aceitava o capitalismo e atuava para mitigar seus efeitos considerados perversos.
Quem é quem?
A Internacional Socialista defende as liberdades civis, os direitos de propriedade e a democracia representativa, na qual os cidadãos escolhem os rumos do governo por meio de eleições regulares com partidos políticos que competem entre si. Na economia, as teorias do economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) lhe caíram como uma luva, mas foram progressivamente mitigadas por ideias social-liberais. No Brasil, com a reforma partidária de 1979, antes mesmo da redemocratização, houve uma corrida para representar a social-democracia por aqui.
Quem chegou primeiro foi o trabalhista Leonel Brizola, graças às ligações com o líder socialista português Mario Soares, que patrocinou a entrada do PDT na organização internacional, deixando o ex-governador Miguel Arraes e o PSB a verem navios. Entretanto, após a vitória eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Internacional Socialista realizou em São Paulo, em 2003, o seu 22º congresso, o que foi uma espécie de reconhecimento do PT como uma força social-democrata. Recentemente, Lula foi a estrela do Congresso do Partido Socialista-Operário Espanhol, liderado por Pedro Sanchez.
Aquela reunião, porém, fora esvaziada: o alemão, Gerhard Schröder (social-democrata); o britânico, Tony Blair (trabalhista; e o sueco, Göran Persson (social-democrata), todos então no poder, se identificavam muito mais com o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Como o Brasil é um país de ideias fora de lugar, como já disse Roberto Schwarz, ao mostrar como as ideias liberais foram solapadas pela realidade de um país escravocrata e socialmente atrasado, o ideário social-democrata, mesmo enviesado, continua sendo disputado por diferentes partidos. De certa forma, as prévias do PSDB, com a disputa entre os governadores João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, dois políticos liberais, são mais um lance desse tortuoso caminho das ideais políticas no Brasil.
Benito Salomão: Uma âncora para a inflação
Brasil terá um longo período de baixo crescimento do PIB e elevada inflação
Benito Salomão / Correio Braziliense
O ano de 20121 caminha para o final, e as projeções mais recentes apontam para um cenário bastante pessimista. O Brasil terá um longo período com a combinação indesejada de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e elevada inflação. Muitos fatores podem explicar essa deterioração macroeconômica súbita, que se deu em um intervalo de poucos meses. A economia brasileira começou 2021 com previsões demasiadamente otimistas. A pesquisa Focus, divulgada semanalmente pelo Banco Central (BC), apontava, em janeiro, previsões medianas de crescimento elevado, inflação próxima ao centro da meta e taxa Selic em torno de 3,25% ao ano. O que aconteceu para que, poucos meses depois, o país estivesse aprisionado em um debate sobre estagflação?
É possível começar constatando que não é possível jogar a conta da deterioração macroeconômica exclusivamente nos modelos mal calibrados do começo do ano. Inúmeros erros de políticas acometeram o país ao longo de todo o ano, a começar, os erros no enfrentamento da pandemia. A sabotagem às medidas de isolamento social quando necessárias e o atraso da vacinação fizeram que os efeitos da covid-19 se ampliassem no tempo, levando às quarentenas intermitentes, que retardam a recuperação e o emprego, além do prolongamento excessivo de medidas de socorro aos vulneráveis como auxílio emergencial.PUBLICIDADE
Outros equívocos se somaram aos erros da pandemia. Como não mencionar o fato de o governo federal ter aprovado a sua Lei Orçamentária Anual (LOA) apenas em abril de 2021? O impasse que atrasou a construção da peça orçamentária se deu envolvendo a dificuldade de conciliar as emendas paroquiais do baixo clero do Congresso Nacional, obstruídas pelo teto de gastos, que está com os dias contados no Brasil.
O consenso político que parece cristalizado nos interesses dos poderes Executivo e Legislativo (predominantemente da Câmara dos Deputados) é de que uma regra fiscal, fruto de um intenso esforço legislativo no passado e muito importante para disciplinar o gasto público, sobretudo obrigatório, pode ser desperdiçada para o atendimento de interesses eleitorais de curtíssimo prazo dos mandatários das duas casas da praça dos três poderes.https://22022f16ea280c4c3474ad784dcf48db.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Mas não se enganem, o populismo carrega em seu DNA o gene da autodestruição. Em clássico ensaio de 1990, Rudiger Dornbusch e Sebastian Edward narram as fases do populismo na América Latina. O texto tem, em determinados trechos, aspectos de profecia. No Brasil, as consequências parecem não estarem dispostas a esperar a próxima legislatura para cobrar a fatura do voluntarismo irresponsável que ocupa Brasília. A inflação chegou aos dois dígitos e tem exercido um impacto avassalador na renda das famílias que tendem a radicalizar contra os responsáveis.
O Banco Central, embora sinalize que fará o “possível” para guiar esta inflação novamente para a meta, tem poucos instrumentos para isso em um cenário cuja política fiscal não colabora. Voltamos ao teto de gastos e aos interesses paroquiais dos populistas de Brasília. No afã de sinalizar medidas para aliviar o sofrimento da carestia provocado pela inflação, a Câmara tem elaborado propostas que fragilizam o equilíbrio fiscal, desancoram as expectativas e alimentam a própria inflação que não cede, apesar de toda contração monetária em curso patrocinada pelo BC.
Inflações elevadas e persistentes são frutos de maus fundamentos macroeconômicos e também da falta de credibilidade do governo de plantão. Desde o Plano Real, os períodos de inflação estável têm estado atrelados a alguma âncora macroeconômica. Entre 1995 e 1998, essa âncora foi o câmbio fixo e em paridade com o dólar. Após 1999 e até o desastre da nova matriz heterodoxa, em meados de 2012, os juros e as metas de inflação funcionaram como âncora. Após 2016, o regime de metas que ancorava as expectativas de inflação ganhou ajuda da política fiscal por via do teto de gastos, que deu ao país uma esperança quanto ao equilíbrio de longo prazo das contas públicas.
Executivo e Legislativo têm sabotado continuamente o teto de gastos, e o Brasil todo está colhendo as consequências da inflação cheia do IPCA, nos índices de difusão de preços e nos núcleos de inflação que têm elevado o custo de vida em todo o território nacional. Uma consequência secundária da irresponsabilidade é a política monetária, extremamente contracionista, que o BC terá que empreender para atenuar os efeitos do populismo político e fiscal sobre os preços. É preciso reancorar a macroeconomia do país.
*Mestre em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU)
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/10/4957764-artigo-uma-ancora-para-a-inflacao.html
Janio de Freitas: CPI da Covid é exemplo de atuação a Ministério Público e Judiciário
Já Rodrigo Pacheco não emitiu nem uma palavra de apoio aos trabalhos ou de aplauso aos resultados
Janio de Freitas / Folha de S. Paulo
A descrença na punição dos indiciados na CPI da Covid, pelo visto, bem próxima da unanimidade, é um julgamento de tudo o que se junta no sentido comum de "Justiça brasileira".
Também desacreditado por parte volumosa da opinião geral, o desempenho da CPI excedeu até o admitido pelos mais confiantes.
O fundo da realidade volta à tona, porém. A criminalidade constada aliados por covardia ou por patifaria.
A CPI traz mais do que a comprovação de um sistema de criminalidade quadrilheira, voltado para o ganho de fortunas e mais poder político com a provocação da doença e de mortes em massa.
Nas entranhas desses crimes comprovados, está a demonstração, também, da responsabilidade precedente dos que criaram as condições institucionais e políticas para a degradação dramática do país e, nela, a tragédia criminal exposta e interrompida pela CPI.
Nada na monstruosidade levada ao poder surgiu do acaso ou não correspondeu à índole do bolsonarismo militar e civil.
Muito dessa propensão foi pressentido e trazido à memória pública com exaustão, lembrados os antecedentes pessoais e factuais.
Também por isso as surpresas com a pandemia não incluíram a conduta do poder bolsonarista, que então prosseguiu, em maior grau, a concepção patológica de país traduzida na liberação de armas, nas restrições à ciência, na voracidade destrutiva.
A CPI proporciona ainda um exemplo ao Ministério Público e ao Judiciário.
Cumpriu um propósito de extrema dificuldade, porque contrário a um poder ameaçador e desatinado, e o fez com respeito aos preceitos legais e direitos. Sem a corrupção institucional própria do lavajatismo.
É necessário não esquecer a contribuição, para o êxito incomum da CPI, de senadores como Omar Aziz, que impôs o bom senso e a determinação com sua simpática informalidade. E Randolfe Rodrigues, autor da proposta de CPI e impulsionador permanente do trabalho produtivo.
Tasso Jereissati foi importante, com o empenho para aprovação e composição promissora da comissão, além de dirimir impasses --tudo isso, apesar da cara de cloroquina do seu PSDB chamado a definir-se contra o poder bolsonarista.
O polêmico Renan Calheiros foi, como sempre, muito decidido e eficiente. Otto Alencar e Humberto Costa, médicos, foram decisivos muitas vezes. E houve vários outros, mesmo não integrantes do grupo efetivo, como Simone Tebet.
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco não deve ficar esquecido. Filia-se ao PSD com o projeto de candidatar-se à Presidência, de carona no êxito da CPI.
Contrário à investigação da criminalidade do governo e de bolsonaristas na pandemia, sumiu com o projeto aprovado para criação da CPI.
Foi preciso que o Supremo o obrigasse a cumprir as formalidades de instalação. E não emitiu nem uma palavra de apoio aos trabalhos ou de aplauso aos resultados.
A descrença em punições não precisa de explicação. Oferece mais uma desmoralização das afirmações de que "as instituições estão funcionando" no país do governo criminoso e da descrença nos tribunais superiores.
Sem solução
Inesperada, a derrota na Câmara do projeto que passaria ao Congresso atribuições dos promotores e procuradores, sem com isso atacar o essencial, evitou mais uma falsa solução.
Mudar a natureza de procuradores e promotores é impossível, um Dallagnol será sempre o que é. Logo, o necessário é o acompanhamento honesto do que se passa no Ministério Público, e mesmo no Judiciário.
Tarefa básica que os conselhos dessas instituições não fazem, funcionando sobretudo no acobertamento dos faltosos.
Eis uma norma há anos adotada pelo Conselho Nacional do Ministério Público: mesmo que determinada pelas regras penais, a demissão do faltoso só deve ocorrer se há reincidência.
Do contrário, a pena será apenas de suspensão temporária da atividade e dos vencimentos. Uma discreta indecência.
O necessário é fazer com que os conselhos sejam leais às suas finalidades.
O que o Congresso pode conseguir com a criação de um sistema de vigilância público-parlamentar. Até algo assim, os conselhos do Ministério Público e da Magistratura continuam como motivo de descrença extensiva nessas instituições.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/10/conselhos-de-ministerio-publico-e-judiciario-sao-motivo-de-descrenca-extensiva.shtml
Dorrit Harazim: Vísceras expostas
Cabe agora ao Ministério Público e à Justiça responder aos pedidos de indiciamento
Dorrit Harazim / O Globo
O simples fato de a CPI da Covid ter existido e resistido, apesar da tropa de choque bolsonarista e da contrariedade do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já foi notável. Duplamente admirável foi o empenho da maioria de seus integrantes em trabalhar como gente grande, com decência e benefício claro para a sociedade. Conseguiram dar algum compasso moral a um Brasil que, de resto, está à deriva e expuseram as vísceras de Jair Bolsonaro, cujo método de governo se assenta num amplo leque de tipificações penais.
Nada a festejar, porém. Não pode haver conforto para povo algum que tem na chefia da nação um presidente indiciado por crime contra a humanidade — no caso, contra sua própria gente. É igualmente trevoso para a história de qualquer nação ver seu presidente indiciado por mais outros oito crimes. É tudo de um horror abissal, por ser factual. E por quase ter ficado enterrado nos porões do governo, não fosse o dever cumprido pela maioria na CPI.
Cabe agora ao Ministério Público e à Justiça responder aos pedidos de indiciamento. E dar uma resposta adulta para a gargalhada com que o filho Zero Um do presidente, senador Flávio Bolsonaro, pretendeu desdenhar o documento histórico. O aspecto mais chulé da vida nacional anda esquisito — num curto espaço de tempo somos informados de que o presidente chora escondido no banheiro e de que o Marcola do PCC, líder da maior facção criminosa do país, está deprimido na prisão.
Mas são problemas reais que deixam em torvelinho 213 milhões de brasileiros. A fome de comer pelanca, o caos social, a extrema direita sem freios, os solavancos na economia, a emergência ambiental, a incerteza quanto a liberdades, a degradação geral da vida em sociedade — tudo isso entrou em marcha acelerada sob o comando errático de um só homem, Jair Bolsonaro. Que ninguém se engane — armados de fé e, se preciso, munidos de armas, seus seguidores mais extremados nunca lhe faltarão no pacto de morte contra o Estado Democrático de Direito.
Talvez o presidente e o relator da CPI da Covid, senadores Omar Aziz e Renan Calheiros, já tenham se arrependido de ter votado pela recondução de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República. Nos Estados Unidos, o então presidente Donald Trump sobreviveu a dois processos de impeachment porque os senadores do Partido Republicano cerraram fileiras. Acreditaram estar fazendo política. Na realidade, fizeram história trevosa ao deixar o caminho aberto para Trump e sua vertente nacionalista voltarem ao poder — seja na reconquista da maioria na Câmara e no Senado em 2022, seja com Trump de volta à Casa Branca em 2024.
Não se trata de alarmismo. Nesta semana, Steve Bannon, o já notório cérebro de uma internacional fascistoide que inclui o Brasil, desafiou abertamente o Poder Legislativo dos EUA. Simplesmente recusou-se a depor perante a comissão de inquérito que investiga sua atuação na invasão do Capitólio de 6 de janeiro último, quando milicianos trumpistas pretendiam impedir a certificação da vitória eleitoral de Joe Biden em 2020. Parece pouco? Para padrões da bicentenária democracia americana, não é. Ao deboche público das instituições, arrostado por Bannon, vem somar-se uma acelerada limitação do direito ao voto em vários estados decisivos do país. E esse desmonte é obra de governadores mais leais a Trump que àquilo que os Estados Unidos de melhor deram ao mundo: o voto universal e livre.
Por toda parte, pipocam candidatos a clones de Trump, que Steve Bannon vai arrebanhando e formatando em rede. Alguns ainda são meros aspirantes a um poder menor, como a figura midiática do argentino Javier Milei, candidato a uma vaga no Congresso nas eleições do próximo mês. Admirador declarado de Trump e Bolsonaro, tem fala carismática e propostas de soluções simples para problemas complexos, como manda o manual populista. Outros visam mais alto logo de cara. Na França está em curso a ascensão meteórica e inesperada do polemista Éric Zemmour, apresentador do canal conservador CNews , que parece querer disputar a corrida presidencial. Situado à extrema direita de Marine Le Pen, Zemmour também é admirador declarado de Trump, alerta contra o “declínio da França”, ataca a imigração, o islamismo e o resto da cartilha democrática.
Sem falar no governo a cada dia mais fechado da Polônia, primeiro a desdenhar de peito aberto as convenções democráticas da União Europeia. Na sexta-feira, a ainda chanceler da Alemanha, Angela Merkel, recebeu uma ovação sincera dessa mesma União Europeia. Foi recebida pelo rei Philippe da Bélgica (a sede da EU é em Bruxelas), homenageada com peças de Mozart e Beethoven em concerto de gala e saudada com frases como “a senhora foi um compasso”, “as próximas cúpulas sem Angela Merkel serão como Paris sem a Torre Eiffel”. No caso, não eram exagero — por 16 anos ela foi âncora. Sem ela, a Europa e o mundo com Trumps e Bolsonaros se tornarão ainda mais sombrios.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/visceras-expostas.html
Elio Gaspari: Os frentistas abandonaram o Posto Ipiranga
Quase todos saíram, por terem percebido que estavam perdendo tempo, ou queimando biografias
Elio Gaspari / O Globo
Num governo que já explodiu a meta da inflação, o ministro Paulo Guedes adoçou sua adesão ao estouro do teto de gastos falando difícil, com uma azeitona em inglês:
“Estamos buscando a formatação final dos R$ 400, fazendo a sincronização dos ajustes das despesas obrigatórias, dos salários e do teto ou pedindo um waiver.” Na gíria do carteado, a tradução dessa palavra é “estia”. O jogador que tem menos habilidade pede uma estia ao outro.
Quanto à sincronização, Guedes conseguiu a demissão sincronizada de quatro colaboradores. Desde a posse do Posto Ipiranga, 19 frentistas já pediram o boné. Quase todos, por terem percebido que estavam perdendo tempo, ou queimando biografias. Na Prevent Senior, diriam que elas caminhavam para uma “alta celestial”.
Guedes parece ter subestimado a saída do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, em julho do ano passado. Mesmo antes da posse, Mansueto mostrou ao czar que uma parte de suas promessas era fantasia. O economista havia passado com brilho pelo Massachusetts Institute of Technology e conhecia as mumunhas de Brasília. Ao ir embora, mostrou que entendia muito de política.
A última debandada da ekipekonômika mostrou que Guedes não entendeu onde se meteu. Nenhum deles foi-se embora porque Guedes sofreu derrotas políticas, mas porque tendo-as sofrido, meteu-se numa aventura injetando cloroquina na sofrida economia nacional. Guedes encantou-se ao ver que as portas se abrem sozinhas para deixar o excelentíssimo senhor ministro passar, e por essa porta 19 se foram.
‘Oito Dias de Maio’, um grande livro
Saiu nos Estados Unidos um grande livro. É “Eight Days in May: The Final Collapse of the Third Reich”, do historiador alemão Volker Ullrich, conhecido pela sua biografia de Adolf Hitler. Ele conta com maestria os dias que foram do suicídio do Fuhrer (30 de abril de 1945) à rendição do alto comando alemão em Reims (7 de maio).
A sabedoria convencional sugere que entre um fato e outro pouco de relevante aconteceu, além do inexorável triunfo das Tropas Aliadas. Com um olhar alemão, Ullrich mostra um painel de dramas, ruínas e ambições. Nele, sobressai a figura do almirante Karl Dönitz, um nazistão a quem Hitler passou o governo do Reich. Seu comportamento, com o pelotão de militares e civis que o rodeava, é uma aula sobre a psicologia do poder, mesmo quando ele só existe na forma de delírio patológico.
O almirante tinha uma ideia: continuar a guerra na frente do Leste, sem combinar com os russos que já estavam em Berlim. No dia 5 de maio, ele compôs ministério e entregou ao economista Otto Ohlendorf a tarefa de planejar a reconstrução do país. (Como oficial da tropa da SS, ele se envolveu na morte de 90 mil pessoas na frente russa).
Nesse dia, a fotógrafa americana Lee Miller posava com o torso nu na banheira do apartamento de Hitler em Munique, e um general alemão chegava ao QG dos Aliados levando a proposta de paz em separado. Não foi recebido pelo comandante americano Dwight Eisenhower: rendição incondicional ou nada. Quando ele relatou a Dönitz o resultado da gestão, o almirante indignou-se e considerou a posição de Eisenhower “inaceitável”. Pouco depois entendeu que inaceitável era sua ideia e, às 2h41m da madrugada do dia 7, os alemães assinaram a capitulação.
No dia 9, os russos já tinham identificado os restos de Hitler a partir de sua arcada dentária. Dönitz, contudo, ainda não sabia se deveria renunciar. Seu chanceler argumentava que a rendição fora das tropas, não do governo. O almirante concordou e foi ao rádio: “Nós não temos do que nos envergonhar. Nesses seis anos, o que o Exército conseguiu combatendo e a população, resistindo, foi um fato inédito na História do mundo, um heroísmo sem precedentes.”
No dia 23, seu governo foi extinto, e ele foi preso. Passou dez anos na cadeia e morreu em 1980. Nunca disse uma palavra contra Hitler nem a favor dos judeus. Os dois comandantes do Exército alemão foram enforcados em 1946, e seu ministro da Fazenda foi executado na Alemanha em 1951 pelo que havia feito na Rússia.
Boa ideia
Aos poucos, a Petrobras está retomando o fornecimento de combustível de aviões e helicópteros.
Não há razão para que existam intermediários para abastecer com combustível da Petrobras voos de bases da empresa para plataformas da própria companhia.
Posto Ipiranga
De uma víbora:
“O Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro virou uma daquelas casas pelas quais, segundo o escritor Guimarães Rosa, homens sérios entravam, mas por elas não passavam.”
Mailson disse tudo
O ex-ministro Mailson da Nóbrega disse tudo:
“Parece um grande manicômio.”
A privataria avança no parque
A Urbia, empresa que se tornou concessionária do Parque do Ibirapuera, privatizado pela fúria liberal do então prefeito e hoje governador João Doria, decidiu abrir uma interessante discussão. Quer arrecadar uma tarifa a empresas e treinadores que cobram pela prática de atividades esportivas no seu espaço.
Essa tarifa renderia de R$ 100 mil a R$ 200 mil mensais à empresa. Querem cobrar de 3% a 5% do que pagam os alunos; até as árvores sabem que essa conta vai para o bolso dos alunos.
Há empresas que se apropriam de pequenos espaços para suas atividades. Nesses casos, a ideia faz sentido. A girafa aparecerá quando se quiser cobrar a um treinador que acompanha clientes numa corrida ou numa sessão de ginástica sem demarcar espaço.
Se o doutor João Doria sair candidato pelo PSDB poderá explicar o alcance de suas privatizações durante a campanha.
Bolsonaro no Congresso
Um leitor de folhas de chá acredita que se Jair Bolsonaro perceber que não terá chances de vitória na eleição presidencial procurará abrigo numa disputa para o Senado, ou mesmo para a Câmara.
Se isso acontecer, o recuo do capitão nada terá a ver com apreço pelo Legislativo. Será uma busca de imunidade.
Príncipe William
Faz tempo que não se ouve uma coisa inteligente vinda da Casa de Windsor. A rainha Elizabeth não fala. Seu falecido marido foi um campeão de impropriedades, e seu filho Charles falava com plantas.
O sinal de vida veio do príncipe William, que criticou os milionários que torram fortunas para ir ao espaço enquanto as coisas na Terra vão mal.
As aventuras espaciais de Elon Musk e Jeff Bezos, bem como o quadro de Banksy parcialmente triturado que foi arrematado num leilão por US$ 25,4 milhões serão marcos das maluquices de uma época.
No século passado, o fotógrafo Philippe Halsman ganhou notoriedade com a “jumpology”, algo como “pulologia”. As celebridades eram fotografadas enquanto pulavam. Até o Duque e a Duquesa de Windsor participaram dessa palhaçada, rendendo uma bela imagem.
Anos depois, a televisão italiana criou o programa de bobagens “Mondo Cane”. Num de seus episódios, um artista tocava uma peça de Beethoven dando tapas na cara de suas vítimas.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/os-frentistas-abandonaram-posto-ipiranga-25249228
Eliane Catanhede: Quanto mais golpeia a economia, mais Bolsonaro abre a trilha da terceira via
Quanto mais troca a responsabilidade fiscal pelo Centrão, o presidente afugenta o setor produtivo, bancos, agronegócio, grandes executivos e economistas
Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo
Ao incinerar os princípios básicos da macroeconomia em favor dos interesses rasteiros da micropolítica, o presidente Jair Bolsonaro não percebe que faz mais o jogo do Centrão do que dele próprio e que trabalha contra a sua reeleição. Furar o teto de gastos não vai salvá-lo, vai afundá-lo de vez.
De um lado, Bolsonaro não entrega reformas, privatizações e neoliberalismo. De outro, atua contra a meta de inflação, os juros baixos, a responsabilidade fiscal e social. Não constrói nada e destrói o que já existe; não respeita nem demite Paulo Guedes, uma alma penada.
Na economia, o governo não tem ministro, plano de voo e o que mostrar, sem passado, presente e futuro. Na política, está nas mãos de quem desdenha da economia, do social e do próprio destino de Bolsonaro, fazendo da fraqueza dele a sua força. O principal efeito pode ser justamente eleitoral.
Quanto mais troca a responsabilidade fiscal pelo Centrão, mais Bolsonaro afugenta o setor produtivo, bancos, agronegócio, grandes executivos e economistas. E mais abre caminho para uma terceira via. O senador Rodrigo Pacheco e o ex-juiz Sérgio Moro vão se filiar, um ao PSD, na próxima quarta, o outro ao Podemos, em 10 de novembro.
Pacheco e PSD têm muito a ganhar e nada a perder. Ele, que faz 45 anos em 3/11, tem duas plataformas: a presidência do Senado, onde marca posição pró-democracia e criou uma barreira às audácias da Câmara e de Bolsonaro, e Minas, onde a debacle do PSDB e do PT fez emergir o PSD – mesma sigla (não partido...) de Juscelino Kubitschek, símbolo de político.
Seja ao fim candidato a presidente, vice ou nada, Pacheco lucra com a visibilidade e tem seu mandato no Senado garantido por mais quatro anos. E o PSD de Gilberto Kassab ganha tempo e moeda de troca, enquanto conversa com Lula e espera o quadro eleitoral decantar.
Quanto a Moro, ele perdeu parte do que tinha – na direita e no centro – e não ganhou o que não tinha – a esquerda. O X da questão é o Estado da filiação. Se for ao Podemos do Paraná, a candidatura à Presidência seria a única opção, porque Álvaro Dias é o dono da única vaga do partido ao Senado. Já se for ao de São Paulo, Moro estará de olho no Senado.
Na raia da terceira via, há duas certezas, o veterano Ciro Gomes (PDT) e um nome do PSDB a ser lançado em novembro, além de várias incógnitas, como o neófito Datena, do União Brasil. O mais relevante é que há clamor e trilhas abertas. Bolsonaro ajuda muito, a golpes de incompetência política, econômica, social e administrativa. Lula prefere concorrer com ele, mas não vai ser tão fácil.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,quanto-mais-golpeia-a-economia-mais-bolsonaro-abre-a-trilha-da-terceira-via,70003878055
Míriam Leitão: Mentiras fiscais desviam o foco
Os mais otimistas estão prevendo que o PIB brasileiro suba 1%
Míriam Leitão / O Globo
O governo terminou a semana com o presidente Bolsonaro acusado de nove crimes, e o Ministério da Economia com um desfalque de parte da equipe. Os dois eventos estão ligados. Bolsonaro, acuado pela CPI e pela perda de popularidade, anunciou elevação do benefício social, ainda inexistente, mas para isso foi preciso atropelar as regras fiscais. A reação foi a saída de quatro secretários da equipe econômica. Depois disso, o presidente visitou o Ministério da Economia, disse que o ministro tem sua confiança, e Paulo Guedes ficou no cargo.
A confusão feita pelo governo nos últimos dias vai impactar o país por muitos anos. Os juros vão subir mais para compensar a incerteza da política fiscal. O país crescerá pouco no ano que vem e os economistas já falam em estagflação. Enquanto isso o mundo estará crescendo forte.
– O mundo vai crescer 4,9% em 2022, será uma das maiores distâncias entre o Brasil e o mundo em quatro décadas — diz o economista-chefe de um dos maiores bancos do país.
Os mais otimistas estão prevendo que o PIB brasileiro suba 1%. Mas muitos economistas de bancos e consultorias estão reduzindo para números próximos de zero.
Fazer o orçamento será um exercício de adivinhação depois da mudança feita essa semana. O teto de gastos será corrigido pelo índice de janeiro a dezembro, em vez de ser pela inflação de doze meses até junho. Ou seja, o orçamento será enviado ao Congresso sem que se saiba a inflação do ano e, portanto, sem o valor do teto de gastos. Será votado também sem a definição do valor do teto. Só em janeiro do ano em que o Orçamento estará sendo executado é que se saberá qual foi a inflação de janeiro e dezembro.
–O espaço do teto era corrigido pelo IPCA de 12 meses acumulado até junho. Por que? Porque o orçamento precisa ser enviado em 31 de agosto ao Congresso com a previsão de despesas dentro do teto. A Secretaria de Orçamento precisa desses números e de tempo para preparar. Fizeram isso por conveniência, porque agora há um ganho — explicou uma fonte que já preparou as contas para o orçamento.
Outra consequência dos eventos dessa semana, e que se estenderá para os próximos anos, é a mudança nos precatórios. São dívidas que tramitaram na Justiça. Não são meteoros, ao contrário do que disse Guedes. A solução poderia ter sido outra, que não a de dar um calote em parte dos credores.
—É falacioso o argumento de que não há como pagar os precatórios. O governo não soube gerenciar o problema. Uma das maiores dívidas era com o Fundef, que poderia ter tido uma boa negociação. Havia um erro da AGU de R$ 30 bilhões e o governo foi alertado sobre isso bem antes. Bastava negociar com os estados. Nada foi feito porque os “beneficiários” seriam governos da oposição — explicou um ex-integrante do governo.
Por onde se olhe há gambiarras e casuísmos. O governo deixará de pagar dívidas que poderia ter negociado e vai criar uma dívida paralela, para ser paga em 10 anos, e que pode virar uma bola de neve. A mudança do prazo do índice que corrige o teto de gastos é uma manobra oportunista. Até meses atrás, o governo comemorava o descasamento dos índices porque haveria uma folga fiscal. E é isso que Paulo Guedes disse que havia “R$ 30 bi a R$ 40 bi que eram nossos e sumiram”. Se a inflação caísse fortemente no segundo semestre, o teto seria corrigido pela inflação de 12 meses até junho e, então, as despesas subiriam menos porque o INPC seria menor. Só que a realidade não respeitou as previsões e a inflação subiu nesse segundo semestre comendo a “folga fiscal”. Será mudada a periodicidade do índice que corrige o teto porque agora dá vantagem ao governo. Mas isso vai criar um problema permanente na formulação do orçamento.
E tudo isso foi feito para ajudar os pobres? Não. Tudo isso é feito para parecer que está ajudando os pobres, mas para garantir na prática que continuam altas as emendas parlamentares inventadas no governo Bolsonaro, e conhecidas com o nome de RP9. E, desta forma, o governo possa continuar comprando apoio no Congresso.
Foi uma semana de mentiras, desrespeito às leis fiscais e muita demagogia para tentar desviar a atenção do fato de que o presidente Jair Bolsonaro foi acusado de cometer nove crimes, entre eles o crime contra a humanidade.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/mentiras-fiscais-desviam-o-foco.html
Cristovam Buarque: A gripezinha fiscal do Guedes
O debate atual sobre o financiamento do Auxílio Brasil é mais um exemplo de corrupção da bondade
Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles
As atas das sessões no Parlamento durante os debates da Lei Áurea mostram escravocratas argumentando contra a Abolição, porque os escravos livres ficariam desamparados e morreriam de fome. Isto é corrupção da bondade. Defender aos pobres fazendo mal a eles. Este caso extremo foi repetido ao longo de décadas na política brasileira. Não defenderam a Abolição com distribuição terra aos ex-escravos, defendiam manter a escravidão para proteger aos escravizados.
Esta tem sido uma prática comum da minoria privilegiada brasileira ao defender propostas que lhes interessem, argumentando a favor dos pobres. Além da corrupção no comportamento, que rouba dinheiro público, temos a corrupção da ostentação, a corrupção dos privilégios, a corrupção nas prioridades e corrupção das bondades falsas. O BNH foi criado com o argumento de dar habitação aos pobres, mas serviu para financiar o lucro de empreiteiras, e construir as mansões e apartamentos que caracterizam as moradias das classes médias e altas brasileiras. O sistema nacional de habitação deixou pobres sem água, saneamento e os privilegiados com bons apartamentos financiados com empréstimos subsidiados, construídos por pedreiros recebendo míseros salários e continuarão sem casa, água nem saneamento.
O debate atual sobre o financiamento do Auxílio Brasil é outro exemplo de corrupção da bondade: em nome de atender o povo pobre, que passa fome, e precisa do auxilio, provavelmente vai fazer a maldade de trazer de volta a inflação, que sacrificará sobretudo a população pobre..
Por décadas os dirigente brasileiros aliaram o populismo mais desbragado dos políticos com o keynesianismo de economistas que não souberam adapta-lo às características do Brasil. O resultado foram décadas de uso da inflação para financiar projetos megalomaníacos, mordomias desavergonhadas, privilégios aristocráticos, subsídios à ineficiência, concentração da renda. Além de criar e consolidar a cultura de recursos ilimitados do Tesouro, capaz de financiar o luxo e dar ajudas a quem vive no luxo, tudo financiado pela inflação que aumenta as receitas nominais dos governos fazendo circular moeda desvalorizada, espécie de cheque com quase fundo.
O Auxílio Brasil aos pobres não deve ser adiado, mas deve ser financiado com recursos dos que não são pobres. Sem risco da inflação que paga com uma mão e tira com a outra.
O povo precisa e tem direito a receber uma renda que lhe permita sobreviver com dignidade. Esta renda exige muito mais do que os míseros R$400,00 que estão oferecendo, mas em moeda estável, sem inflação. E o Brasil, com um PIB e uma Receita Pública que permite financiar este auxílio. Desde que se toque no exagerado custo dos subsídios a setores ineficientes, se elimine privilégios financiados com recursos públicos, cancele-se o fundo partidário, as emendas parlamentares, os precatórios, reduzam o custo monumental do Estado, especialmente Legislativo e Judiciário. Mas no lugar de tirar de quem tem para auxiliar quem não tem, prefere-se romper o Teto para repetir as antigas equações populistas e gastar mais do que dispõe, com empréstimos ou emissão de moeda deixando ao povo a conta da inflação.
Bolsonaro aplica para as finanças a mesma visão negacionista com que enfrentou o covid, agora enfrenta o deficit. Para ele, com o apoio do Guedes, furar o teto é um arranhãosinho. A consequência poderá ser muito mais do que uma gripezinha fiscal: um epidemia monetária chamada inflação.
*Cristovam Buarque foi governador, senador e ministro
Fonte:
Luiz Carlos Azedo: A bagunça na economia
Com a inflação descontrolada, ninguém sabe o resultado da equação “injeção de dinheiro no bolso dos mais pobres e elevação dos juros”, em termos de atividade econômica
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Quem quiser que se iluda. A um ano do pleito de 2022, a política econômica do governo Bolsonaro entrou em acelerado modo eleitoral. Quando falou das pressões da ala política e da incompreensão dos jovens integrantes de sua equipe em relação ao teto de gastos, na entrevista coletiva de sexta-feira, no Ministério da Economia, ao lado do presidente da República, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sinalizou que pretende manipular os instrumentos de que o Estado dispõe para intervir na economia no sentido de construir um cenário favorável à reeleição de Jair Bolsonaro.
É disto que se trata: começou uma corrida maluca para ganhar as eleições, na qual o governo pretende reverter os desgastes de Bolsonaro junto à população de mais baixa renda e, com isso, manter o apoio do Centrão. O carro chefe da estratégia é o Auxílio Brasil, o programa de Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, além de outros benefícios, como o vale gás e o subsídio de R$ 400 para os caminhoneiros abastecerem os tanques de seus veículos. O rombo no teto de gastos, estimado em R$ 86 bilhões, pode chegar a R$ 100 bilhões.
O problema é que os R$ 400 anunciados por Paulo Guedes, R$ 100 a mais do que aceitavam os integrantes da equipe econômica que deixaram o governo, liderados pelo secretário de Tesouro Bruno Funchal, dificilmente serão mantidos pelo Congresso. Não para reduzi-los; pelo contrário, para aumentá-los, podendo chegar a R$ 600, como propôs o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é uma bandeira que a oposição agarrará com as duas mãos, muito provavelmente com o apoio docemente constrangido do Centrão. A conferir!
Cá entre nós, para um governo cujo orçamento é da ordem de R$ 1 trilhão, essa despesa poderia ser feita dentro do Orçamento da União, se o valor equivalente fosse remanejado de outros setores do governo, em vez de obtidos por meio de um calote nas dívidas judiciais, ponto de partida da chamada PEC dos Precatórios, e de uma manobra contábil no cálculo do IPCA, que serve de base para a atualização do teto, que deixou de junho a junho para janeiro a dezembro, ou seja, uma mágica que comprova a teoria de que na política o calendário é relativo. Na economia também, mas o dono do tempo é o mercado.
Estelionato eleitoral
O problema é o “instinto animal” dos agentes econômicos, como diria o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, principalmente de produtores e investidores, porque a manobra não altera positivamente a realidade da economia, da geração de riqueza ao emprego e à renda, pelo contrário. Vejamos:
(1) Dólar – O rombo no teto de gastos pode chegar a R$ 100 bilhões, o que vai provocar mais desvalorização da moeda. O mercado estima que a cotação do dólar chegará a R$ 5,80 em dezembro e ultrapassará R$ 6,20 até as eleições de 2022.
(2) Inflação – No acumulado de 12 meses até setembro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 10,25%. Foi a maior taxa anula desde fevereiro de 2016.
(3) Juros – O Banco Central será obrigado a aumentar ainda mais a taxa básica de juros, atualmente em 6,25% (Selic). Na próxima reunião do COPOM, deve subir 1,25 ponto percentual e chegar a 8,75% ao ano, em dezembro, subindo para 10.5% em 2022.
(4) Crescimento – O crescimento esperado de 1,8% para o PIB de 2022 deu lugar a uma expectativa média de 1%. Há quem fale em 0,5% do PIB.
(5) EUA – O Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) pode subir os juros, hoje na faixa entre 0% e 0,25%, em meados do ano que vem.
(6) China – O PIB chinês cresceu 4,9% no terceiro trimestre de 2021, o ritmo mais lento em um ano, em razão da crise de energia, das interrupções na cadeia de abastecimento, do agravamento das dívidas em seu setor imobiliário e dos surtos esporádicos de Covid-19.
Nesse cenário, o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula emulam propostas de caráter populistas, que tendem a deteriorar ainda mais a situação da economia. Tanto na reeleição de Fernando Henrique Cardoso, com o câmbio fixo, como na reeleição do ex-presidente Lula, com o Bolsa Família, foi possível interferir na economia para favorecer quem estava no poder, porém, numa situação de inflação sob controle. Longe da eleição, com a inflação descontrolada, ninguém sabe o resultado da equação “injeção de dinheiro no bolso dos mais pobres e elevação dos juros”, em termos de atividade econômica. Quem ganhar as eleições, ao assumir, terá que fazer um duro ajuste nas contas públicas.
A direita, o centro e a esquerda no “dia do fico” de Paulo Guedes
A sexta-feira, 22 de outubro, promete ficar conhecida, na crônica política, como o “dia do fico” do ministro Paulo Guedes
Paulo Fábio Dantas Neto / Blog Democracia e Novo Reformismo
A primeira das interpretações possíveis - aquela que mais diretamente aciona a intuição e os sentidos de quem assistiu à bizarra entrevista coletiva de ontem à tarde – é a de um canastrão ébrio, delirante, inconsciente do seu script. O ex-posto de conveniência de um chefe mais aventureiro do que ele, que de há muito não se abastece com ele e sequer passa por perto dele, posa, tal qual um apóstolo de religião extinta ou um poeta de língua morta, de guardião de um teto de gastos imaginário enquanto se desnuda ensopado pelo aguaceiro político e fiscal que lhe tirou o prumo, a equipe e o que lhe restava de dignidade. Patético agonizar de um paciente terminal, ao qual não faltou uma cena que lembra outra. Em maio de 2020, o então ministro da Saúde, Nelson Teich, também em coletiva, ouviu perplexo, da boca de um repórter, a notícia de uma declaração de Bolsonaro que desmoralizava o que ele, ministro, acabara de afirmar. Foi constrangedor comparar sua cara de traído, derradeiro sabedor da situação em que se metera, com o riso zombeteiro do general Pazuello, seu futuro sucessor, divertindo-se com a saia justa do condenado. Pois foi do mesmo sarcasmo o sorriso de Bolsonaro quando Guedes errou, ontem, o nome do novo auxiliar que anunciava na cena do “fico”. Sem noção do próprio papel e do lugar subordinado que ocupa, o ministro jactava frases baluartistas sobre um país inexistente e supunha um “acordo” seu com o presidente, a quem não obedece, mas com quem negocia.
Passado o impacto da impressão que acionou a intuição da agonia pública e indigna de Paulo Guedes, apareceu lugar para um raciocínio mais ajustado à imagem do dia do fico. Dela decorre uma segunda linha de interpretação do episódio e do processo em que ele se insere, a qual, pelo que se pode notar, faz, até aqui, mais fortuna na cobertura da imprensa. Para o bem de poucos e felicidade particular dos que não tem noção do povo e da nação - vítimas reais da pobreza e doença adensadas pela perversidade de um desgoverno - o presidente fez um afago no ministro que é o seu elo com o mundo da economia. Pressionado pelo desastre das bolsas e do câmbio, de um lado e pelo apetite patrimonialista de sua base congressual, de outro, Bolsonaro pisou no freio com os políticos para prestigiar seu ministro, o qual, em retribuição, reviu a suposta inclinação a pedir demissão. Supõe-se que o mercado raciocina que ruim com Guedes, pior sem ele. Nada que signifique perigo do centrão perder a condição objetiva de aliado preferencial do Presidente, na hora do “vamos ver”. É adiamento de um desfecho, o que por si só mostra a simultânea fragilidade da situação política do governo e do próprio Bolsonaro, premidos por um caos econômico, uma crise social e uma alta rejeição popular. Que dizer do futuro de um governo para o qual o ébrio da banca ainda é uma âncora?
O contraste entre as duas interpretações é pouco relevante, se comparado à situação de desgaste que nenhuma delas consegue ocultar. As reações de Bolsonaro e Guedes à adversidade que os põe na defensiva são, igualmente, de terceirizar responsabilidades. Bolsonaro sempre apontou o dedo para o isolamento social provocado pelos governadores e pelo Judiciário; Guedes lembra que inflação é assunto do BC, que precisa “correr atrás”. Anestesiado por angústias de curto prazo, Guedes forja um discurso por um “ajuste fiscal mais brando, com abraço social mais longo”. Ao BC cabe aumentar juros para conter a inflação que afeta o povo. Inflexão ao social útil à satisfação da banca. A situação permite uma terceira interpretação, segundo a qual Paulo Guedes e políticos do centrão lutam por restos, em meio a escombros, sendo Bolsonaro menos árbitro e mais refém dessa disputa.
A esse respeito, a coluna de Andrea Jubé (“Não tem bala de prata para a economia - Valor Econômico, 22.10.21) traz abordagem original do atual contexto pré-eleitoral cuja fonte é o economista e consultor político Mauricio Moura, fundador do Instituto Ideia Big Data. A controvérsia que ele abre com as previsões predominantes em análises de cenários para 2022 instiga a reflexão. Para Moura, o grau de dificuldades de Bolsonaro para obter a reeleição justifica que ele, apesar de ocupar, hoje, o segundo lugar nas pesquisas, seja considerado como “terceira via”, sendo Lula e um candidato, ainda oculto, da centro-direita, as vias mais prováveis de estarem presentes no segundo turno. Considera que o prazo de um ano é apertado para se recuperar uma economia que, no momento, produz problemas sociais (desemprego, inflação, pobreza, fome, fechamento de pequenos negócios) em níveis de gravidade comparáveis aos de 1988. A menção àquela conjuntura nos lembra de que na eleição de 89 o legado econômico-social do governo Sarney teve rejeição quase unânime, entre duas dezenas de candidatos presidenciais.
Ao lado disso - e em conexão lógica com isso – Moura salienta os índices de ruim e péssimo quase consolidados na marca de 55% e um dado, talvez o mais importante para o contexto, que aqui se discute, de disputa política em torno do auxílio social, encarado como uma espécie de tábua de salvação do governo. A má notícia para Bolsonaro seria que apenas dez por cento dos eleitores que consideram o governo regular (grupo no qual repousa, em tese, algum potencial de crescimento para ele) estão nas classes D e E. Se essa informação é precisa, fica uma certa impressão de que ela não justifica tanto barulho na atual queda de braço entre Guedes e o centrão. Fica no ar, como complemento dessa terceira interpretação, a sensação de que o conflito público foi aquecido para que dessa vez não haja dúvidas sobre o pai da criança do auxílio Brasil. Turbina-se uma crise “entre a política e a economia” (disjunção funcional ao apoliticismo reinante) para não haver divisão de louros entre Executivo e Legislativo, esse comparecendo – ao contrário do ocorrido com o auxílio emergencial de 2020 – apenas com o carimbo formal. Sendo tema de acirrada controvérsia, o auxílio adquire também valor simbólico de opinião pública, podendo afetar o comportamento eleitoral de bem mais gente do que seus beneficiários diretos. Não à toa sobraram farpas de Guedes ao Senado de Rodrigo Pacheco, cujo vagar na votação de alterações no IR teria obrigado o governo a conceber o mix alternativo que soma à PEC dos precatórios o auxílio Brasil a vulneráveis e, de quebra, a caminhoneiros. Pode-se negar tudo a Bolsonaro menos o reconhecimento do seu faro apurado para rivais.
Mas a realidade desafia as fabulações. Uma espécie de tempestade perfeita aguarda Bolsonaro na esquina, pois há a incompetência gerencial do governo e a propensão do presidente a se dirigir primordialmente ao seu grupo de eleitores mais fiel. Cético quanto à sustentabilidade de fases “moderadas” de Bolsonaro, o mesmo Maurício Moura o vê repetindo o erro que desgraçou Trump. Por outro lado, diz que se Bolsonaro conseguir se manter à frente de todas as candidaturas do centro e assim chegar ao segundo turno contra o PT (o que se pode dar também, caso o centro não se apresente razoavelmente unificado), ganharia competitividade no segundo turno, porque o antipetismo voltará a aflorar, fazendo Bolsonaro ser, outra vez, beneficiado pelo voto plebiscitário.
Ler essa última reflexão de Moura, trazida por Jubé, fez-me experimentar um temor que se achava aplacado, há meses, em relação ao risco de reeleição de Bolsonaro. Se hoje, ele pode ser “terceira via” porque tende a não chegar ao segundo turno, a condição para isso se confirmar é haver política inteligente na oposição de centro (para deslocá-lo do segundo turno) e na oposição de esquerda, para, em caso de fracasso do centro, adotar um discurso mais amplo para contemplá-lo e assim evitar a polarização extremada que pode devolver Bolsonaro ao páreo. Esse é um perigo que o país e a democracia não podem correr, por desagregação do centro, ou pela estreiteza da esquerda, ou pelas duas coisas.
Nesse sentido preocupam certos fios desencapados que se mostram em projetos de candidaturas excessivamente autárquicos e personalistas e, também, na gana de espetáculo que ameaça a credibilidade e a consequência dos resultados da CPI do Senado. Se um senso de centro político moderador não tirar de tempo esses fios, um festival de tiros no pé pode dar a Bolsonaro saídas que hoje não tem. Algumas das imprudências podem ter como alvo justamente inviabilizar a agregação de uma oposição de centro. Isso interessa objetivamente a Lula, que tem parceiros no centro e na direita para ajudá-lo a ominar o centro, por se imaginar imbatível num segundo turno contra Bolsonaro. Convém pensar em como agirá o eleitor conservador comum (majoritário no eleitorado) diante da perspectiva do PT retornar ao governo. Dependendo do tom da campanha lulista, mesmo decepcionado com o ‘mito”, esse eleitor pode olhar para o Bolsonaro de carne e osso que emergir, por exemplo, do auxílio Brasil e usar, na urna, o metro usado em 2018. Claro que o PT não pode se anular ou se imolar por causa disso. Mas na sua busca legítima de chegar ao segundo turno não precisa confundir tanto os inimigos.
Nenhum cuidado é demasiado quando se trata de bloquear o caminho ao reagrupamento do bloco reacionário que elegeu Bolsonaro em 2018. O ex-deputado Rodrigo Maia, por exemplo, atualmente secretário do governo de São Paulo, está certo ao dizer que o adversário do centro, a ser deslocado do segundo turno, deve ser Bolsonaro e não Lula. Nada a opor a essa tese geral. Mas o discurso se contradiz e por isso é pouco veraz ao bater continência ao governador paulista. Parece que o adversário real de Maia é a centro-direita, onde granjeou desafetos. Eixo que terá boa chance eleitoral se unificado, o que será mais difícil se Doria vencer as prévias do PSDB. Maia quer aliança preferencial com o PDT, subestimando, talvez, a relevância do campo do qual ele próprio provém. Como se Doria pudesse existir fora da direita, indo do centro à esquerda, o que não é real.
É um discurso que, além de agradável a Doria, pode ser útil, ou neutro, para se eleger deputado no Rio, mas pouco agregador para a eleição presidencial. É cada dia mais claro que, para ser competitiva e deslocar, de fato, Bolsonaro do segundo turno, uma aliança teria que ser do centro (PSDB, MDB, PV, Cidadania) com o PSD e o União Brasil. Seria bom o PDT estar nela também, mas todos sabem que esse partido só fará aliança se na cabeça estiver Ciro Gomes, candidato carente de prestígio entre partidos da direita, embora (ou até porque) corteje seus eleitores. Se houvesse a hipótese de o PDT puxar o tapete de Ciro para celebrar uma aliança sem a cabeça da chapa seria para apoiar Lula e não alguém do centro ou centro-direita, muito menos Doria.
Claro que tudo isso pode mudar em um ano, mas a possibilidade que hoje parece ainda haver de uma agregação ao centro que desminta a previsão de um segundo turno sangrento entre bolsonarismo e lulismo é outra: está em Eduardo Leite adotar postura menos evasiva, ser menos artificial e genérico no discurso, conseguir ganhar as prévias do PSDB e ser, quem sabe, um vice politicamente representativo numa chapa encabeçada por alguém do campo liberal- conservador, como Rodrigo Pacheco, por exemplo.
Não se trata aqui de gostar ou não dessa composição (particularmente vejo, entre os dois, pouca diversidade de atitude e estilo), mas de ver que é a opção que parece sobrar, a uma terceira via, para ter alguma cara de frente política. Ainda que com a ressalva de que sobre a estratégia de Gilberto Kassab em filiar Pacheco ao PSD e lançá-lo candidato paira a suspeita de que é jogo combinado com Lula para o segundo turno. Aliás, boataria mais afoita tenta tirar a bucha do balão antes que ele se acenda e suba, espalhando até a ideia de que Pacheco poderia ser vice numa chapa com o petista. A ordem natural das coisas é outra, pois Pacheco parece querer embicar sua nave no exato momento em que o “fico” de Paulo Guedes sinaliza o prolongamento de uma batalha intensa pelos recursos materiais envolvidos no fundo público que o governo gerencia (ou ao menos deveria). Dessa batalha chapa-branca fatalmente perdedores serão expelidos e o presidente do Senado tem perfil sereno, tolerante e acolhedor, propício a virar imã e não a ser imantado. A ver.
Como nada isso está combinado com os eleitores, Pacheco, se vier a ter em torno de si um arco de alianças amplo, poderia virar agente, em vez de novo solvente da terceira via. Embora tenha longa estrada a percorrer em busca de relevância eleitoral para o seu nome, ele tem cancha, poder de articulação e meios institucionais, caso performances de prima-donas, às vezes histriônicas, do trio que comanda a CPI da pandemia não prejudiquem a credibilidade do Senado como possível pista de decolagem de uma candidatura moderada.
Diante de óbices, até aqui não superados, para que Luiz Mandetta convença deputados do União Brasil (principalmente os egressos do ex- PSL) a admitirem lançar um candidato presidencial sério, aceitando assim repartir a farta cota do partido no fundo partidário, Pacheco, pelo PSD, parece ser opção mais à mão para o tal projeto de terceira via, ainda que carregada de incerteza sobre os passos subsequentes que poderão ser dados por ele, em diferentes direções. Isso deve ser ressalvado, não porque lhe falte discurso ou compromisso democráticos para eventualmente ser uma opção também voltada ao centro. Mas porque interlocuções que ele mantém, a partir da presidência do Senado, emprestam contorno mais enigmático ao desenho do arco político que pode reunir. Entre ser vice de Lula e candidato de uma direita governista dissidente, tudo, a princípio, é possível.
Nesse sentido, Mandetta seria caminho menos oblíquo e mais próximo ao perfil desejado por quem busca agregar um centro democrático com mais cara de oposição. Suas chances de vingar como opção agregadora dependem, no entanto, do processo adquirir andamento mais incisivo e ousado, no sentido de formulação de uma plataforma social democrática, porque, embora provenha da centro-direita, tem pendor a um discurso social, ainda inconcluso, mas perceptível nos movimentos de caráter unitário que ele tem feito até aqui.
Afora Pacheco ou Mandetta, opções aparentemente mais agregadoras, há um arquipélago de jogos solteiros, como os de Ciro Gomes, João Doria e Datena, para não falar do de Sergio Moro, esses dois últimos outsiders estranhos a qualquer centro. Em jogos mais personalistas é que mora, no caso do centro, o risco acenado na análise de Maurício Moura.
Por fim, vale prestar atenção ao que se passa (ou deixa de passar) no território da esquerda. Estranha a quietude que, por vezes, emana dessas paragens. Há certa acomodação à coadjuvância mesmo diante de temas que lhe são caros, como a pauta social. Parece que, resolvido o quem e, uma vez estando esse quem confortavelmente aclamado em pesquisas, transcorre hiato inercial antes que se defina “o que” e “o como” fazer as coisas e de comunicá-los ao país. O discurso de Lula é reiterativo, abaixo do seu potencial de mobilização política e de intervenção em cada cena. Peço licença à memória de Moraes Moreira para dizer que nesse tique, nesse taque, nesse toque, nesse (pouco) pique Lula leva de roldão o PT e, assim, candidato e partido ficam, perigosamente, reféns de uma fala de configuração plebiscitária, quase maniqueísta, quando ecos da trajetória do ator – especialmente os de 2002 - permitem esperar algo mais animado e complexo.
O tom meio nostálgico contamina e congela as falas dos partidos da oposição de esquerda, não só a do PT. Até Boulos recuou da ousadia positiva da sua campanha municipal e voltou a repetir jargões de esquerda negativa. O PSB, é verdade, captou e integrou alguns pontos fora dessa curva conservadora, como Freixo, Flávio Dino, Tábata Amaral e outros, que tensionam o arco de uma promessa renovadora. Mas o tom geral, mesmo entre quadros mais afeitos ao diálogo político e nele educados, é o que se vê na fala do deputado Molon, um desses quadros e atual líder da oposição na Câmara. Colocado diante do desafio concreto de dizer o que a oposição quer aprovar no caso do auxílio Brasil e suas conexões com a PEC dos precatórios, as mudanças no Imposto de Renda e por aí vai, perde-se na retórica. Sabe que “não vai por aí”, mas não consegue indicar por onde se deve ir. Num momento em que não se pode usar meias palavras para dizer que se deve votar, sim, o auxílio aos mais vulneráveis, isso é dito, ou de passagem, ou num repicar de cifras descomprometido com a exequibilidade. Falta admitir, com todas as letras, o limite fiscal, assumir medidas heterodoxas imediatas como exigências da emergência social, acenando com atitudes de contenção a médio e longo prazos. E resistir à tentação do udenismo de esquerda, que aponta emendas parlamentares e negociação política em geral como vilãs, sem dizer o que e como seria o uso “republicano” do inevitável furo no teto de gastos.
Esses e outros limites fazem a atitude da esquerda ser menos positiva na apresentação de proposições, atendo-se à torcida para que seu porta-voz chegue às urnas com a aprovação popular que atualmente tem. Dessa torcida faz parte torcer pelo fracasso prévio de uma terceira via, cujo papel, caso se construa, será tirar Bolsonaro do páreo, ainda no primeiro turno. Poderia ser objetivo nacional, se o diálogo entre forças democráticas fosse maior.
*Cientista político e professor da UFBa
Fonte: Blog Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/10/paulo-fabio-dantas-neto-direita-o.html