Economia

Deltan Dallagnol figura importante na lava-jato | Foto: Salty View/Shutterstock

Nas entrelinhas: Condenação de procuradores pode virar bumerangue

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A Segunda Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU) condenou ontem, por unanimidade, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, o ex-procurador Deltan Dallagnol e o procurador João Vicente Romão a ressarcir os cofres públicos por dinheiro gasto pela força-tarefa da Lava-Jato com diárias e passagens. Segundo os ministros da Corte, houve prejuízo de R$ 2,8 milhões em gastos da operação, valor que deve ser restituído ao Tesouro. Técnicos do tribunal haviam recomendado arquivar o processo.

Para o ministro do TCU Bruno Dantas, relator do processo, e para o subprocurador-geral do Ministério Público de Contas, Lucas Furtado, o modelo adotado na operação permitiu o pagamento “desproporcional” e “irrestrito” de diárias, passagens e gratificações a procuradores, com ofensas ao princípio da impessoalidade, em razão da ausência de critérios técnicos que justificassem a escolha dos procuradores que integrariam a operação.

A decisão é mais um capítulo da “desconstrução” da Lava-Jato, que culminou na anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com base no princípio do juiz natural, sustentado pela defesa do petista desde quando o ex-presidente começou a ser investigado pelo então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro.

Principal referência da operação, Moro teve sua imparcialidade como magistrado colocada em xeque quando aceitou o convite do presidente Jair Bolsonaro (PL), recém-eleito, para ser o ministro da Justiça, e abandonou a toga. Ambos acabaram rompendo em abril de 2020, quando Moro deixou o governo.

Janot foi condenado por ter autorizado a constituição da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba; ex-coordenador da força-tarefa, Dallagnol por ter participado da concepção do modelo escolhido pela força-tarefa e da escolha dos integrantes da operação; e Romão, por solicitar a formação da força-tarefa. Sete procuradores foram inocentados.

Em nota, a assessoria de Dallagnol afirmou que há perseguição. “A decisão dos ministros desconsidera o parecer de 14 manifestações técnicas de cinco diferentes instituições (…) que referendaram a atuação da Lava-Jato e os pagamentos feitos. Tudo isso com o objetivo de perseguir o ex-procurador Deltan Dallagnol e enviar um claro recado a todos aqueles que lutam contra a corrupção e a impunidade de poderosos”. Agora, ele está impedido de concorrer às eleições, com base na Lei da Ficha Limpa, porque foi condenado por um colegiado.

Casa de enforcado

Entretanto, a decisão do TCU pode virar um bumerangue eleitoral. Iniciada em 2014, Lava-Jato foi uma das maiores iniciativas de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história recente do Brasil. Na época, quatro “organizações criminosas”, que teriam a participação de agentes públicos, empresários e doleiros passaram a ser investigadas pela Justiça Federal, em Curitiba. A operação apontou irregularidades na Petrobras, maior estatal do país, e contratos vultosos, como o da construção da usina nuclear Angra 3.

Frentes de investigação também foram abertas no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Distrito Federal. As investigações foram iniciadas a partir de uma rede de postos de combustíveis e de um lava-jato de automóveis de Brasília, usada para lavagem de dinheiro — daí o nome da operação. No ambiente de descontentamento com a política e os políticos, a força-tarefa de Curitiba e Moro alavancaram o tsunami eleitoral de 2018, quando Bolsonaro foi eleito.

No decorrer do atual governo, porém, o combate à corrupção deixou de ser uma prioridade para a opinião pública, muito mais preocupada com a pandemia de covid-19, a recessão econômica, o desemprego e o aumento da miséria. O eixo da política nacional se deslocou gradativamente da bandeira da ética para a economia.

Nesse ínterim, os condenados na Lava-Jato cumpriram parte da pena, adquirindo direito à prisão domiciliar ou liberdade condicional. Foram absolvidos ou tiveram suas condenações anuladas por desrespeito ao “devido processo legal”. Lula, que fora condenado e impedido de disputar as eleições de 2018, nas quais era o favorito, permaneceu 580 dias na carceragem da Polícia federal de Curitiba, até sua condenação ser anulada.

Sem entrar no mérito da polêmica jurídica sobre a Lava-Jato, que foi “deslegitimada” pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para os réus e condenados na operação esse assunto é como falar de corda em casa de enforcado. Na atual campanha eleitoral, quem ganha com a polêmica é Bolsonaro, apesar dos escândalos de seu governo, porque essa polêmica
aumenta a rejeição de Lula.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-condenacao-de-procuradores-pode-virar-bumerangue-eleitoral/

*Título editado


Lula x Bolsonaro - Toalhas | Foto: casa.da.photo/Shutterstock

Auxílio Brasil dá fôlego a Bolsonaro, mas Lula mantém vantagem na liderança

Redação Brasil de Fato*

nova pesquisa Quaest, encomendada pelo Banco Genial e divulgada nesta quarta-feira (3), aponta que o governo de Jair Bolsonaro (PL) dá sinais de recuperação na opinião pública, mas segue com dificuldades na corrida pela reeleição.

A queda na rejeição da gestão do presidente, que ocorreu principalmente entre beneficiários do Auxílio Brasil, impactou pouco a disputa eleitoral. O estudo aponta que o ex-presidente Lula (PT) segue firme no topo e com chances de vitória no primeiro turno.

A retomada do Auxílio Brasil fez com que o governo Bolsonaro atingisse o menor nível de rejeição desde que a pesquisa começou a ser feita, em julho de 2021. Agora, 43% avaliam a gestão federal de forma negativa, enquanto 27% consideram positiva.

O processo de recuperação da imagem do governo aparece nos eleitores que recebem o Auxílio Brasil. Em junho, a distância entre a avaliação negativa e a avaliação positiva era de 27 pontos percentuais. Em agosto, a diferença caiu para 11 pontos.


Avaliação do governo Bolsonaro entre beneficiários do Auxílio Brasil, de acordo com a pesquisa Quaest/Genial / Reprodução

O governo também voltou a recuperar sua imagem entre os eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018. Já são 57% dos eleitores do presidente que avaliam como ótimo ou bom o governo Bolsonaro. No começo do ano, eram apenas 45%.

O cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest, publicou uma análise da pesquisa no Twitter. Segundo ele, os sinais de melhora na avaliação do governo se devem a medidas do governo federal.

"A principal hipótese para explicar essa recuperação de imagem do governo e a aproximação das intenções de voto de Bolsonaro e Lula em setores importantes do eleitorado é o efeito expectativa de futuro gerado pelo presidente com as medidas adotadas nos últimos meses", escreveu.

Nunes destaca que caiu de 64% para 56% os eleitores que acreditam que a economia do Brasil no último ano piorou, e subiu de 15% para 20% os que dizem que a economia melhorou no último ano.

Ele também aponta que caiu de 25% para 21% os eleitores que acreditam que o principal responsável pelo aumento de preço dos combustíveis foi Bolsonaro.

O estudo aponta, portanto, que o atual chefe do Executivo conseguiu terceirizar a culpa da crise para os fatores externos ao país, que hoje agregam 34% dos entrevistados.

Leia a análise completa do diretor da Quaest:

https://twitter.com/felipnunes/status/1554768984267972608?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1554768984267972608%7Ctwgr%5Ee0b3964bc52dcb3a09ccdeeeaebf9e49f66880d1%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.brasildefato.com.br%2F2022%2F08%2F03%2Fauxilio-brasil-da-folego-a-bolsonaro-mas-lula-mantem-vantagem-na-lideranca-aponta-quaest

Corrida eleitoral

Nas perguntas sobre eleições, o levantamento da Quaest/Genial mostra que Lula segue disparado na liderança, com 44% das intenções de voto. O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem 32%.

O petista soma 2 pontos percentuais a mais que a soma de todos os outros candidatos, o que pode significar uma vitória no primeiro turno. A vantagem, no entanto, é igual à margem de erro, de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.

Ciro Gomes (PDT) oscilou para 5%, enquanto André Janones (Avante) apareceu com 2%, assim como Simone Tebet (MDB). Pablo Marçal (Pros) teve 1%. Estes valores são do cenário estimulado, quando os eleitores escolhem a partir de uma lista de pré-candidatos. Os demais candidatos não pontuaram.

Em relação à última pesquisa presidencial e nacional da Quaest, Lula e Bolsonaro oscilaram dentro da margem de erro. Em julho, o petista tinha 45% e o candidato do PL aparecia com 31%.

Segundo turno

Lula segue vencendo todos os cenários no segundo turno. Em comparação com a pesquisa de julho, Lula e Bolsonaro oscilaram dentro da margem de erro. O petista tinha 53%, agora 51%. Já Bolsonaro cresceu de 34% para 37%.

Em julho, Ciro tinha 25% em um segundo turno contra Lula, que tinha 52%. Agora, o político do PDT tem 27% e o petista, 51%. Contra Tebet, Lula manteve os 55%, enquanto a senadora oscilou de 20% para 22%.

O levantamento entrevistou 2.000 pessoas face a face, entre os dias 28 de junho e 31 de julho e foi encomendada pela Genial Investimentos. O índice de confiança é de 95%. A pesquisa foi registrada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sob o número BR-02546/2022 e custou R$ 139.005,86.

*Texto publicado originalmente em Brasil de Fato. Título editado.


Tenho fome Brasil | Foto: Joa Souza/Shutterstock

A urgência da fome é a urgência pela democracia

Denise De Sordi*, Brasil de Fato

“Geografia da fome”, de Josué de Castro é um livro que nos chama à ação. Daqueles que lemos e nos sentimos atordoados. Tem um sentido de urgência, de chamado da história. Foi este livro que nos explicou – e segue nos lembrando - que a fome não é natural, é um “fenômeno” social, é “marcante”, é “regular”, é “gritante” e é “extensa”. Um “problema” que, na década de 1940 – quando foi publicado, demandava uma “nova perspectiva” ofertada pelas ciências humanas e sociais, que estava ali, pelas mãos do autor, articulada num “método geográfico”, permitindo o estudo do problema sem “arrebentar as raízes que o ligam subterraneamente a inúmeras manifestações econômicas e sociais da vida dos povos” (p.16). A publicação deste livro, mais do que alertar para a fome, permitiu ainda dizer em alto e bom som que o acesso aos alimentos está ligado à renda dos trabalhadores.  

Como nos alertou Milton Santos na Apresentação, se a fome fosse algo da “natureza” a culpa seria “de ninguém”, o livro subverte, a partir de extenso estudo, este entendimento. Há uma culpa que está relacionada à organização da sociedade, aos “sistemas econômicos e sociais” (p.30). A pobreza generalizada da população explicava – e ainda explica – a fome mais do que outros fenômenos.  

Não à toa, a publicação do livro potencializou um debate que já corria ao longo dos anos da década de 1930 e que se estenderá para a concretização do salário mínimo como forma de garantia de acesso aos mínimos de sobrevivência aos trabalhadores. “Geografia da Fome” revirou as discussões políticas no período em que foi lançado e abriu um campo de discussões no qual a dimensão do que conhecemos por segurança alimentar foi incorporada ao campo das políticas públicas que começavam então a se desenhar e ser implementadas.  

Entretanto, é preciso lembrar que a fome hoje, esta que se alastrou pelo país desde 2016 e que se acentuou entre 2021 e 2022 provocando o retorno do país ao Mapa da Fome (FAO) não tem o mesmo sentido histórico que possuía em 1940, ou nos anos que seguiram, cortados por um intervalo histórico sombrio que travou as iniciativas, por exemplo, de programas alimentares. Período que foi finalizado pelas mobilizações populares e pela conquista da democracia, materializada como o pacto social que firmamos em 1988. Foi justamente por meio do acúmulo de experiências históricas derivado de inúmeras mobilizações populares engajadas na construção da redemocratização do país que a democracia brasileira tomou forma como prática de Estado e, assim, as políticas públicas sociais em nível nacional foram gradativamente conquistadas, ao longo dos anos da década de 1990, enquanto uma das principais formas de operacionalizar o pacto democrático.

Políticas e programas sociais não são, portanto, ações voltadas apenas para aqueles que são caracterizados pelo Estado como “pobres” – figura técnica e institucionalmente definida nos anos 2000 por linhas de corte de renda - políticas e programas sociais são parte orgânica da forma que assume a relação entre Estado e sociedade, são para todos nós. A experiência do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) – extinto em 1995, retomado em 2003 e extinto novamente em 2019 - talvez seja o exemplo mais claro de como esta relação pode se concretizar e ampliar a democracia.


Uma das características do projeto Cozinhas Solidárias é o plantio de hortas para aproximar as comunidades dos cuidados e usos dos alimentos / Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

Programas e políticas sociais não resolvem todas as questões sociais, mas indicam os termos do pacto social para lidarmos com a educação, a saúde, a pobreza, a fome, o emprego, o consumo, o acesso aos alimentos, a cultura, a política e assim por diante. Desde 2016 vivemos uma virada discursiva que intenciona resumir as políticas e programas sociais ao papel de “atenção aos pobres”. Esta é uma estratégia de “redução do Estado”, por meio da qual, cada vez mais, os Direitos Sociais deixam de ter como horizonte a universalização e são cada vez mais restringidos, isto é; focalizados.

Mais recentemente, no desaguar das consequências deste discurso, programas sociais construídos tendo em vista a complexidade da sociedade brasileira, foram desmanchados e/ou tornados inoperantes para atender ao processo de aprofundamento da exploração e expropriação dos trabalhadores. É uma agenda política e econômica que não só reproduz o empobrecimento e a pobreza como condição de vida majoritária, mas para a qual a permanência da pobreza no país é favorável.  

Dentre os programas extintos estão o Programa Bolsa Família (PBF) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Ambos nos remetem à conquista histórica da democracia no Brasil contemporâneo. A existência deles só foi possível porque o jogo democrático permitiu, ao longo dos anos de 1990 e 2000, a confluência de interesses diversos, a soma de diferentes perspectivas sobre quais são os melhores caminhos para se gerir o ritmo do empobrecimento, equilibrando as agendas econômica e social. Enquanto expressão das relações entre Estado e sociedade, não foi sem pressão e sem olhar para as práticas dos movimentos sociais e dos sujeitos organizados nas áreas urbanas e rurais, que estas políticas e programas foram formulados. É um tipo de dinâmica das relações entre Estado e sociedade que, para ser legítima e duradoura, deve contar com movimentos de baixo para cima que se traduzam em políticas e programas que os traduzam de cima para baixo.   

É esta dinâmica que é também preventiva da corrosão democrática, por isto, a reconstrução destas políticas e programas sociais parece demandar novamente um olhar para compreender o que está a ocorrer nas cozinhas solidárias, na constituição dos bancos de alimentos, e nas formas pelas quais movimentos sociais têm se organizado para garantir a sobrevivência da população, a partir de concepções que estão fincadas na solidariedade social. Isto é, a solidariedade como um valor democrático e um projeto de sociedade.  

Não se trata de uma agenda de ações emergenciais, mas de práticas para o agora que auxiliam na formulação política do futuro. A formulação de agendas deste tipo é algo que, historicamente – basta olharmos para as mobilizações ao longo dos anos de 1990 –, se potencializa quando emerge pelas mãos dos movimentos sociais, a exemplo das dezenas de cozinhas solidárias espalhadas pelos estados brasileiros pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, o MTST. As cozinhas solidárias - diferentes das comunitárias – oferecem uma experiência social inédita, revisitando a ideia das cozinhas coletivas das próprias ocupações urbanas para que se promova, no cenário de agora, um elo entre a produção dos alimentos e seus produtores, o consumo e a distribuição. É um tipo de ação que ganha relevo mediante o fim do PBF e a desarticulação do PAA em seu papel social.  

A soberania e a segurança alimentar andam junto com práticas democráticas. Lidar com a condição de insegurança alimentar, caracterizada por sua dimensão da fome, é também um compromisso histórico com a democracia. Ambas são tarefas urgentes. Há 33 milhões de nós impacientes e com fome.

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato.


Bolsonaro discursa com semblante de raiva | Foto: NANCY AYUMI KUNIHIRO/Shutterstock

Nas entrelinhas: O establishment se mexe em defesa das urnas

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O encontro do presidente Jair Bolsonaro com diplomatas estrangeiros para falar mal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e levantar suspeitas de que haveria fraudes nas urnas eletrônicas virou uma espécie de “efeito borboleta”, uma variante da Teoria do Caos, que consiste em grandes acontecimentos provocados inicialmente por pequenas alterações. O conceito passou a ser usado quando certas escolhas provocam desastres, principalmente depois do filme Efeito Borboleta, lançado em 2004, pela dupla Eric Bress e J. Mackye Gruber.

Evan Treborn (Ashton Kutcher), um jovem de 20 e poucos anos, em luta contra as memórias traumáticas de sua infância, descobre uma técnica que pode levá-lo de volta ao passado e passa a alterar diversos acontecimentos, com objetivo de mudar para sempre o seu futuro. Porém, o “efeito borboleta” trará consequências inesperadas para sua vida e daqueles que estão ao seu redor. Na tentativa de ficar com a namorada, Kayleigh, cria realidades alternativas que não terminam como gostaria. Entretanto, o que nos interessa não é um “spoiler”, mas o fenômeno ligado à Teoria do Caos.

Em 1952, o escritor de ficção científica norte-americano Ray Bradbury publicou o conto O som do trovão, no qual um personagem pisa em uma borboleta, provocando graves consequências, inclusive a chegada de um líder fascista ao poder. Em 1961, o que era ficção virou realidade científica. O meteorologista norte-americano Edward Lorenz desenvolveu um modelo matemático para a previsão do tempo, processando dados como temperatura, umidade, pressão e direção do vento no seu computador. Depois de observar os resultados, repetiu a operação. Inesperadamente, a segunda previsão foi completamente diferente da primeira.

Quanto mais o modelo avançava no tempo, as diferenças entre os dois resultados se tornavam maiores. O computador de Lorenz havia arredondado os dados de algumas casas decimais. Para Lorenz, isso equivalia a dizer que o vento provocado pelo bater de asas de uma borboleta no Brasil poderia ocasionar um tornado no Texas, nos Estados Unidos. Assim nasceu a Teoria do Caos, com seu “efeito borboleta”. É mais ou menos o que conseguiu o presidente Jair Bolsonaro com o seu inusitado e espantoso ataque às urnas eletrônicas na reunião de presentantes de quase 70 países, que provocou a forte reação da sociedade civil.

Manifestos

O establishment jurídico e empresarial resolveu dar um basta aos ataques de Bolsonaro à democracia. Suprapartidariamente, saiu em defesa do Supremo Tribunal Federal (STF). A iniciativa partiu de ex-ministros da Corte, professores e estudantes da tradicional Faculdade de Direito do Largo do São Francisco (USP), com uma declaração que começou com três mil assinaturas e já soma mais de 300 mil signatários. Outro manifesto, organizado pela poderosa Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), mobilizou o grande empresariado nacional, inclusive a Febraban. Recebeu apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Força Sindical e de outras centrais sindicais. Os principais banqueiros do país assinaram os dois manifestos, como pessoa física.

Enquanto o establishment se mexia, o governo divulgava dados positivos sobre a economia, entre os quais a redução do preço da gasolina, a geração de emprego e a distribuição do Auxílio Brasil. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tentava minimizar a importância dos manifestos. Segundo ele, os banqueiros assinaram os documentos porque perderam R$ 40 bilhões com o PIX. O lucro dos bancos não condiz com essa tese. A adesão também é resultado da PEC das Eleições, que agrediu a institucionalidade da economia e a segurança jurídica.

Protagonista do rolo compressor governista montado no Congresso, com recursos das emendas secretas ao Orçamento da União (somam R$ 16,5 bilhões), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi ao Twitter como se nada houvesse: “Má notícia para os pessimistas de plantão! Estamos na contramão do mundo, mas isso é bom! Inflação em baixa, PIB em alta”. Levou um banho de água fria com a divulgação do DataFolha de ontem. O pacote de bondades do governo ainda não mudou os humores dos eleitores. Na pesquisa estimulada, Lula (PT) tem 47% e Bolsonaro (PL), 29%; Ciro (PDT), 8%; Simone (MDB), 2%; Janones (Avante), Marçal (Pros)n e Vera Lúcia (PSTU) têm 1%. Branco/nulo/nenhum: 6%. Não sabe: 3% (4% na pesquisa anterior). Os demais candidatos não pontuaram. Lula venceria no primeiro turno.

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Nas entrelinhas Neoliberalismo | Imagem: reprodução/Correio Braziliense

Nas entrelinhas: Fracasso do Novo reflete o colapso do neoliberalismo

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Candidato do Novo, Felipe d’Avila até agora não emplacou. Na última pesquisa do Ipespe, registrou 1% de intenções de votos. Com 58 anos, nascido em São Paulo, é cientista político, mestre em administração pública pela Universidade de Harvard. Fundou, em 2008, o Centro de Liderança Pública, uma organização sem fins lucrativos dedicada à formação de líderes políticos. Com 10 livros publicados, é o candidato da chamada “nova política”, mas não consegue sensibilizar os eleitores.

O Novo é um projeto político que antecedeu as manifestações de junho de 2013, uma explosão de insatisfeitos de todos os matizes, contra o governo Dilma Rousseff. Com a reeleição da petista, a movimentação espontânea foi sendo direcionada para a campanha do impeachment dela. Nesse processo, surgiram vários movimentos cívicos; a turma do Novo, porém, desde o primeiro momento, apostou na formação de um partido ideológico, sem concessões ao pragmatismo político. A política do Novo é o neoliberalismo.

A grande façanha do Novo em 2018, quando elegeu oito deputados federais e 12 deputados estaduais, foi a eleição do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que lidera as pesquisas sobre o pleito para o governo do estado como candidato à reeleição. Entretanto, não existe transferência de votos para Fernando d´Avila em Minas. Com palanque aberto, Zema enfrenta o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, aliado do ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas para a Presidência em Minas. O governador mineiro trafega nas bases de Bolsonaro, mas mantém um posicionamento independente.

O Novo foi o único partido que votou contra a chamada PEC das eleições, que aprovou o Auxílio Brasil e os subsídios para caminhoneiros e taxistas. Mantém sua coerência em relação aos princípios e valores que levaram à fundação da legenda, a ponto de devolver os recursos dos fundos partidário e eleitoral. Essas bandeiras vão ao encontro do cidadão comum que tem ojeriza à política e aos políticos, mas não têm apelo eleitoral até agora.

A abertura econômica está entre as principais propostas de d’Ávila, que chove no molhado: “O Brasil precisa de um presidente capaz de vencer esse populismo que nos deixou com estagnação econômica há 20 anos, recorde de desemprego, aumento da miséria. A abertura econômica do Brasil é fundamental. Nenhum país do mundo ficou rico mantendo a sua economia fechada”. O candidato do Novo defende a “conciliação” do agronegócio com o meio ambiente, a descentralização do poder e o empoderamento do cidadão por meio da digitalização do governo. E empunha a bandeira da “pacificação”, ao criticar a polarização entre o ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro.

Quatro décadas

O discurso envelheceu. O neoliberalismo está sendo responsabilizado pelo aumento das desigualdades no mundo e das baixas taxas de crescimento. Segundo o economista Joseph Stiglitz, Nobel de Economia, a diminuição simultânea da confiança no neoliberalismo e na democracia não é coincidência, nem mera correlação. “O neoliberalismo minou a democracia durante 40 anos. A forma de globalização prescrita pelo neoliberalismo deixou indivíduos e sociedades inteiras incapazes de controlar uma parte importante de seu próprio destino”, argumenta.

Segundo Stiglitz, o sistema capitalista precisa ser reformado, porque fomenta um crescimento de desigualdades, destruição do meio ambiente, polarização de nossas sociedades e um permanente descontentamento, que não podem ser negados. “Precisamos de um novo contrato social, que espalhe solidariedade em nossas sociedades e pelas gerações. Isso significa um papel diferente para os governos, menos ajuda para as empresas e mais ajuda aos cidadãos que necessitam, impostos progressivos e, acima de tudo, reescrever as regras da economia”, argumenta o economista.

Esse cenário é corroborado até pela diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, segundo a qual o “o capitalismo está fazendo mais mal do que bem”. O FMI fala em “cultura da solidariedade” e “globalização da esperança”. Também fala em melhorar os sistemas globais do comércio, de controlar os fluxos de capitais pelos danos que podem causar e sobre a sustentabilidade da dívida. Trocando em miúdos, o projeto de d’Ávila está descolado da realidade do Brasil e do mundo.

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No meio do caminho tinha um Janones | Foto: reprodução/OTempo

Nas entrelinhas: No meio do caminho tem um Janones

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O presidente Jair Bolsonaro vive o rescaldo da grande convenção de domingo que oficializou sua candidatura. Seu discurso no Maracanãzinho mirou aquilo que as pesquisas estão mostrando e seus marqueteiros também: (1) precisa do voto das mulheres, daí o discurso de Michelle, a primeira-dama, na convenção, dirigido ao mundo evangélico para chegar ao eleitorado feminino; (2) está em franca desvantagem junto à população de mais baixa renda, em que o ex-presidente Lula nada de braçadas, situação que tenta reverter prometendo manter o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 após as eleições (apesar de a equipe econômica só conseguir garantir R$ 400 remanejando o Orçamento da União de 2023); e (3) sonha com os votos de classe média que recebeu em 2018 e está perdendo, por causa de seu radicalismo, principalmente nos estados do Sudeste. Jovens e o Nordeste são batalhas perdidas.

Acontece que Bolsonaro não se aguenta e fala o que realmente pensa, não o que as pesquisas qualitativas da equipe de campanha estão mostrando: na convenção, fugindo ao script, partiu novamente para cima do Supremo Tribunal Federal (STF) e das urnas eletrônicas, o que é um tiro no pé, porque reforça a imagem de candidato perdedor e a ideia de que prepara um golpe de Estado, ainda mais depois de ter feito uma nova convocação para mais uma manifestação contra o Supremo no 7 de Setembro.

O Dia da Independência pode ser um Rubicão. É aí que o papel do candidato a vice, general Braga Netto, precisa ser observado com atenção. Além de ser o responsável pelo programa de governo, que promete entregar nas próximas semanas, ascendeu à condição de articulador da campanha e está viajando aos estados. O ex-ministro da Defesa transita muito bem no universo de apoiadores de Bolsonaro, não esconde sua afinidade com as teses golpistas e é o mais preparado para cuidar, com outros militares, da mobilização da militância de campanha. Como todos sabem, Bolsonaro tem uma milícia política armada.

Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (cuja candidatura sofre um ataque da ala lulista do MDB, às vésperas da convenção para homologar seu nome) e André Janones (Avante), juntos, somam de 12% a 13%, o suficiente para levar a eleição ao segundo turno e manter Bolsonaro dois dígitos distante de Lula, caso a polarização entre ambos se mantenha. Mesmo que esse quadro não se altere a favor de uma terceira via, são candidaturas que têm um papel a cumprir no debate político e na negociação do segundo turno, porque forçariam um entendimento em direção ao centro. Entretanto, temos uma eleição com forte tendência de polarização, com 70% do eleitorado supostamente já definido, que pode registrar o voto útil tanto em favor de Bolsonaro como de Lula na reta final do primeiro turno.

Esse é um tipo de aposta incorporada à narrativa da frente de esquerda que apoia Lula, para vencer no primeiro turno, alimentada pelos arreganhos autoritários de Bolsonaro e da extrema direita que o apoia. Mas não existe eleição decidida de véspera, os 45 dias de campanha de rádio e televisão tanto podem abduzir completamente os candidatos de terceira via como provocar o contrário, com um dos três postulantes à terceira via se beneficiando do aumento da rejeição aos dois candidatos, em razão da pancadaria entre Lula e Bolsonaro.

David contra Golias

A candidatura do deputado André Janones à Presidência da República foi oficializada no sábado. A convenção foi em Belo Horizonte, com o grande Teatro do Minascentro lotado. Advogado, filho de uma empregada doméstica, Janones é um fenômeno das redes sociais, seu primeiro emprego foi como cobrador de ônibus. Nas pesquisas divulgadas ontem, figurava com 2% de intenções de votos; vem sendo assim, teimosamente. Ele é um fenômeno da antipolítica: em 2016, quando se candidatou à Prefeitura de Ituiutaba pelo PSC, perdeu; em 2018, surfou a greve dos caminhoneiros e foi o terceiro mais votado nas eleições para deputado federal em Minas. Disputa pela primeira vez a Presidência da República, é um David contra Golias.

Janones é uma pedra no caminho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porque a resiliência de seus eleitores pode inviabilizar uma vitória do petista no primeiro turno, somada aos votos de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). O candidato do Avante tem seu discurso na ponta da língua: “Só de eu poder dizer que nós temos de fato um projeto para o país, para mim, já fez tudo valer a pena. Hoje, nós temos um projeto que contempla todas as áreas: saúde, segurança, educação, agro… Todas as áreas e todos com a mesma mensagem, com o mesmo objetivo: a diminuição da desigualdade social no nosso país, a diminuição da distância entre os mais ricos e os mais pobres”, explica.

O deputado mineiro defende um programa de combate à pobreza, financiado por uma reforma tributária, para taxar lucros e dividendos, e criar um imposto sobre grandes fortunas, rever os atuais incentivos fiscais, sem sacrificar a classe média com mais tributação. Na convenção, André Janones defendeu a democracia; em entrevistas, já disse que não apoiará Bolsonaro, no segundo turno. O Avante tem oito deputados federais, 16 deputados estaduais, 82 prefeitos e 1.074 vereadores.

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Ciro Gomes com microfone na mão | Foto: Antonio Scorza/Shutterstock

Nas entrelinhas: Resiliência mantém Ciro na disputa do primeiro turno

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O perfil político do ex-governador do Ceará Ciro Gomes pode ser sintetizado numa palavra da moda: resiliência. Ontem, o PDT aprovou em convenção nacional, por aclamação e sem votos contrários, a escolha do seu nome como candidato à Presidência da República. Ele resistiu a todas as investidas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para desestabilizar sua candidatura. O petista comeu pelas beiradas as alianças do PDT nos estados, mas o político cearense, intempestivo e destemperado, duas palavras que também constituem o seu perfil, resistiu bravamente. Manteve-se em cena com uma fatia de 8% do eleitorado, que segue firme e forte apoiando sua candidatura.

Esta será a quarta vez que Ciro disputará a Presidência, que é a sua grande obsessão política. Nunca chegou ao segundo turno, mas sempre deu trabalho aos adversários, nos pleitos de 1998 e 2002, pelo antigo PPS, e 2018, pelo PDT, quando obteve seu melhor desempenho, com 13,3% dos votos.

Ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, foi responsável pela implementação do Plano Real, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) deixou o cargo para concorrer e vencer as eleições de 1994, derrotando Lula. Ciro tem uma trajetória bem-sucedida de gestor público, como prefeito de Sobral e Fortaleza e governador do Ceará, que hoje se destaca por ter uma das melhores redes de ensino público e gratuito do país.

Ciro é um caso raro de resiliência porque trafega numa faixa muito estreita do eleitorado, mantendo-se sempre em torno dos 8% de intenções de votos, conforme o último levantamento do Instituto DataFolha. Sua campanha eleitoral está a cargo de João Santana, o ex-marqueteiro das campanhas vitoriosas de Lula, em 2006, e Dilma Rousseff, em 2010 e 2014.

Santana está entre aqueles que foram flagrados recebendo dinheiro de caixa dois pela Lava-jato, mas fechou delação premiada e, assim, saiu da prisão. Conhece como ninguém as relações de Lula com seus velhos aliados e o eleitorado, principalmente o nordestino.

“Vote em um e se livre de dois” é o bordão criado por Santana para abrir caminho na polarização eleitoral protagonizada por Lula e o presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao contrário dos demais, que ainda não apresentaram suas plataformas, Ciro tem um programa de governo com princípio, meio e fim, no qual busca uma espécie de aggiornamento do velho trabalhismo brizolista, que é o DNA do PDT. A chave é o modelo nacional-desenvolvimentista, considerado esgotado pela maioria dos economistas. Suas propostas estão publicadas no livro Projeto Nacional: O Dever da Esperança.

Programa

Ciro quer revogar o “teto de gastos”, rever a autonomia do Banco Central, abandonar o tripé da política monetária (meta de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal), criar 5 milhões de empregos nos dois primeiros anos de governo com uma canetada, mudar a política de preços da Petrobras, adotar o programa de renda mínima universal do ex-senador petista Eduardo Suplicy, investir pesadamente em escolas federais em tempo integral e criar um complexo industrial de saúde, focado na produção de medicamentos.

Velhas propostas de campanhas anteriores foram exumadas pelo programa, como a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, com alíquota progressiva para patrimônios acima de R$ 20 milhões; a tributação de lucros e dividendos; e um imposto progressivo sobre heranças e doações, além de dois impostos gerais: um para pessoa física e outro para a jurídica. Também pretende promover uma nova reforma da Previdência, atingindo o setor público, com adoção do regime de capitalização. Seu guru é o economista Mangabeira Unger, professor da Harvard, de quem foi aluno.

O político cearense é um osso duro de roer numa campanha. Não tem medo das agruras da corpo a corpo na rua, onde enfrenta os desafetos petistas e bolsonaristas. Nos debates, é contundente e preparado para defender seus pontos de vista. Esses atributos, porém, também são seu ponto fraco, porque é destemperado e disposto até a resolver no braço as diferenças, quando é agredido verbalmente. Nada disso, porém, abala a fatia do eleitorado que lhe permanece fiel. O seu problema é de outra natureza: sair dessa bolha.

Ciro se coloca como uma alternativa ao PT. Nas eleições passadas, quando ficou fora do segundo turno, viajou para Paris, com o propósito de não votar nem em Bolsonaro nem em Fernando Haddad, o candidato do PT. Busca ser uma alternativa para os eleitores e as forças políticas de centro, mas seu programa político acabou se tornando um obstáculo para isso. Quem conseguiu ampliar as alianças ao centro foi Lula, ao atrair o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, que se filiou ao PSB, para ocupar a posição de candidato a vice.

As forças de centro que se mantiveram distante de Lula sempre apostaram numa terceira via, mas nunca aceitaram que fosse liderada por Ciro. O PSDB e o Cidadania, que fizeram uma federação, optaram por apoiar a candidatura de Simone Tebet (MDB), que agora também sofre um ataque especulativo do petista. Mesmo isolado e sem coligação, a candidatura de Ciro foi bancada pelo presidente do PDT, Carlos Lupi, que deixou em aberto a vice. Caso o MDB, cuja convenção será 27 de julho, resolva defenestrar a candidatura de Tebet, o jogo fica zerado na terceira via. E Ciro pode voltar a ser uma alternativa a algumas das forças que compõem esse campo, como o Cidadania.

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Jair Bolsonaro - Foto: Shutterstock/Marcelo Chello

Nas entrelinhas: As duas táticas de Bolsonaro para se manter no poder

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O presidente Jair Bolsonaro opera simultaneamente duas táticas para se manter no poder. Ambas podem dar errado, se não conseguir reverter a grande vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições. Ambas se combinam quando à possibilidade cada vez mais evidente de que planeja melar as eleições de outubro próximo, caso seus resultados sejam desfavoráveis. A primeira, operada com extrema competência pelo Centrão, é a PEC da Eleição, promulgada ontem, com medidas para transferir recursos para a população de baixa renda, caminhoneiros e taxistas.

A PEC nasceu no Senado, onde somente não conseguiu a unanimidade porque o senador José Serra (PSDB-SP), solitariamente, votou contra. Na Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), operou um rolo compressor para que a emenda constitucional fosse aprovada em dois turnos e promulgada nesta semana, após 72 horas de articulações, sessões relâmpagos e votações. Somente o Novo e alguns parlamentares isolados em seus partidos, votaram contra a PEC.

Na essência, a proposta tem um viés golpista, porque a legislação eleitoral proíbe a adoção de medidas de caráter assistencialista a menos de 100 dias eleições. Para que isso seja possível, o Congresso aprovou um “estado de emergência”, que possibilita descumprir a legislação eleitoral, tendo como pretexto a guerra da Ucrânia, por causa da crise dos combustíveis. Com isso, a máquina do governo federal será usada para influenciar o voto dos eleitores de forma sem precedentes.

A legislação eleitoral estabelece um equilíbrio entre a vontade dos políticos no poder (ética das convicções) e a legitimidade dos meios de sua atuação nas eleições (ética da responsabilidade), a cargo dos órgãos de controle do próprio Estado: Controladoria-Geral da União (CGU), Receita Federal, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União (TCU), Procuradoria-Geral das República (PGR) e Justiça Eleitoral. Com a PEC, esses órgãos nada poderão fazer para evitar o abuso de poder econômico e outros crimes eleitorais, derivados da execução da PEC em plena campanha eleitoral. A única barreira a ser vencida é a resistência surda da própria burocracia, responsável pela implementação das medidas.

A outra tática em curso, sob responsabilidade dos generais do Palácio do Planalto, é semear a desconfiança em relação à segurança das urnas eletrônicas, corroborando os ataques que o presidente Jair Bolsonaro vem fazendo contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os ministros Edson Fachin, atual presidente, e Alexandre de Moraes, o próximo a comandar a Corte. Para isso, o Ministério da Defesa está sendo acionado, contrapondo o prestígio das Forças Armadas à legitimidade do TSE no processo eleitoral, o que não é nenhuma novidade na história republicana.

O golpe

Ontem, durante audiência no Senado, palco de ataques à Justiça Eleitoral, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, chegou a propor que fosse utilizado o voto impresso durante a votação, para checar as urnas eletrônicas por amostragem, proposta já recusada pelo TSE. No encontro, o coronel Marcelo Nogueira de Souza, especialista em guerra cibernética, admitiu que as urnas são invioláveis a ataques de hacker externos, porém sustentou que não são seguras do ponto de vista de eventuais violações internas, ou seja, colocou sob suspeita a próprio TSE.

Mesmo que a intenção do ministro da Defesa não fosse pôr sob suspeita a segurança das eleições, o resultado prático da audiência foi fortalecer a percepção de que o presidente Bolsonaro não pretende aceitar um resultado desfavorável nas urnas, e as Forças Armadas estariam coniventes com isso. Impossível não lembrar do Plano Cohen, documento divulgado em 30 de setembro de 1937, com supostas “instruções da Internacional Comunista (Komintern) para a ação de seus agentes no Brasil”. Na realidade, tratava-se de um plano simulado como “hipótese de trabalho”, segundo seu verdadeiro autor, o capitão Olímpio Mourão Filho, então chefe do serviço secreto da Ação Integralista Brasileira (AIB).

Com base no Plano Cohen, o presidente Getúlio Vargas solicitou imediatamente ao Congresso autorização para decretar o estado de guerra pelo prazo de 90 dias. A aprovação da medida abriu caminho para o golpe do Estado Novo, desfechado em 10 de novembro de 1937, que suspendeu as eleições e institucionalizou a ditadura. A fraude do Plano Cohen só foi revelada após a extinção do Estado Novo, em 1945.

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Sessão do Congresso realizada em julho deste ano — Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Com PEC 'Kamikaze', teto de gastos sofre 5ª alteração no governo Bolsonaro; economistas veem perda de credibilidade

Desde 2019, o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional patrocinaram cinco grandes mudanças no teto de gastos, a principal regra fiscal do país, responsável por limitar o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. Nesta quarta-feira (13), a quinta alteração foi avalizada pela Câmara com a aprovação da proposta apelidada de "PEC Kamikaze"

Agora, as alterações somam um impacto fiscal de R$ 213 bilhões em relação ao desenho original da regra, de acordo com um monitoramento realizado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão atrelado ao Senado Federal.

Ao longo desses anos, as alterações permitiram que despesas fossem realizadas fora do teto de gastos, além de uma mudança que alterou o período de correção do teto, expandindo o espaço para novos gastos dentro da regra. 

"Essas mudanças significam que, nessa disputa entre o desejo de aumentar gastos e a regra que deveria conter essa ampliação, a regra se tornou o elo mais fraco. Ou seja, ela não passa a ser crível mais", avalia Daniel Couri, diretor-executivo da IFI. ”

"Mexer tanto numa regra fiscal faz com que as pessoas não achem mais que ela vai segurar qualquer crescimento de despesa", acrescenta.

Sozinha, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apelidada de "Kamikaze" adicionou um custo de R$ 41,2 bilhões fora da âncora fiscal.

Ela cria um estado de emergência e, entre as principais propostas, amplia o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, dobra o benefício do vale gás e cria um voucher de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos. As medidas valem até 31 de dezembro deste ano.

Perda de credibilidade fiscal

Ao assumir o comando do país, a atual equipe econômica se comprometeu com a manutenção do teto de gastos e defendeu a redução de despesas obrigatórias. No primeiro ano da gestão Bolsonaro, o time do ministro Paulo Guedes teve sucesso ao obter, no Congresso Nacional, a aprovação da reforma da Previdência.

Mas as outras reformas acabaram ficando pelo caminho, como é o caso da administrativa, que reduziria os gastos com pessoal, e a tributária, que aumentaria o potencial de crescimento e arrecadação do país.

Com reformas travadas e eleições se aproximando em um cenário de pandemia e inflação elevada, governo e Congresso começaram a patrocinar uma série de investidas contra o teto de gastos.

"Na virada do ano, em 1º de janeiro, de acordo com essa PEC (Kamikaze), o país teoricamente não terá mais esses benefícios em vigência, mostrando o caráter eleitoral da medida, que está sendo adotada a menos de 100 dias da eleição", afirma Juliana Damasceno, economista da consultoria Tendências.

As pesquisas eleitorais mais recentes mostram Bolsonaro atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que tem levado preocupação ao Palácio do Planalto.

"Pequenas alterações que dão apenas uma sobrevida ao teto acabam prejudicando a regra em si, com uma qualidade pior e fazendo com que a regra não seja a âncora que deveria ser no médio e longo prazo", diz Juliana. "Hoje, o teto ainda é uma âncora, mas é uma âncora abalada."

Em Brasília, porém, o discurso da equipe econômica é outro. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem dito que a melhora de arrecadação observada nos últimos meses permite que o país amplie os seus gastos.

"Nós estamos repassando os excessos de arrecadação, nós estamos (repassando) os extraordinários resultados dos dividendos das empresas estatais. Nós estamos compartilhando com a população", afirmou Guedes na terça-feira.

Nem todo gasto realizado fora do teto é alvo de críticas dos especialistas em contas públicas: no início da pandemia, com o país em estado de calamidade pública, o Congresso aprovou o chamado "Orçamento de Guerra", o que permitiu separar as despesas emergenciais relacionadas à pandemia de coronavírus do Orçamento geral da União.

Com o "Orçamento de guerra", o governo não precisou cumprir exigências aplicadas ao orçamento regular, como a "regra de ouro", que impede a União de contrair dívidas para pagar despesas correntes, e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Dessa forma, a União pôde contar com crédito extraordinário para novos gastos, sem afetar o teto de gastos. Por ter sido uma manobra realizada dentro da regra do jogo, o montante do "Orçamento de guerra" não entrou no acompanhamento da IFI.

Teto foi criado em 2016

Criado em 2016 pelo governo Michel Temer, o teto de gasto se transformou na principal âncora das contas públicas do país desde a sua implementação.

À época, a equipe econômica justificou a medida como uma forma de controle do rumo das finanças do governo. O Brasil gastava mais do que arrecadava, passou a acumular déficits primários sucessivos, e viu a dívida crescer. Com a piora das contas públicas, o país perdeu, em 2015, o grau de investimento, uma espécie de selo de bom pagador e que assegurava a confiança dos investidores internacionais na economia brasileira.

"Ele (o teto) se fez necessário por conta da trajetória ascendente (da dívida). Naquele momento, essa regra foi colocada para impor algum controle, alguma trava na trajetória de gastos e dar uma certa previsibilidade para onde iriam as contas públicas", diz Juliana.

Sem uma âncora fiscal clara nos últimos meses, a economia brasileira passou a enfrentar sucessivos períodos de incerteza, o que provocou a desvalorização do dólar em relação ao real em diversos momentos. Desde que a PEC “Kamikaze” passou a ser discutida, por exemplo, o país viu a moeda norte-americana saltar do patamar de R$ 4,60 para R$ 5,40.

Na ponta, para o cidadão, um real desvalorizado pode se refletir em mais inflação e, consequentemente, em aumento da taxa básica de juros, o que encarece os empréstimos para as famílias e os investimentos para as empresas.

"Quando o país mexe no teto de gastos, ele está turvando o cenário, adicionando muita incerteza, muito risco, o que faz com que o mercado comece a precificar todas essas questões", diz Juliana.

"A nossa segurança jurídica, o ambiente de negócios mais seguro e atrativo, acaba sendo prejudicado, seja por uma taxa de câmbio mais alta, seja por uma taxa de juros mais alta."

Relembre as mudanças já feitas no teto de gastos

  • Setembro de 2019

O Congresso aprovou uma PEC que permitiu ao governo federal não contabilizar no teto de gastos as transferências federais para estados e municípios relacionadas à repartição da cessão onerosa do pré-sal. Ao todo, foram repassados R$ 46,1 bilhões fora do teto.

A cessão onerosa é o nome que se dá ao direito de contrato de exploração de petróleo em uma área do pré-sal. Antes das mudanças, os repasses dos recursos arrecadados com a cessão onerosa eram considerados uma despesa do governo, o que entrava na conta do teto.

  • Março de 2021

aprovação da PEC Emergencial abriu um espaço de R$ 44 bilhões fora do teto para o governo gastar. À época, o valor foi utilizado para bancar uma nova rodada do Auxílio Emergencial.

O governo condicionou a volta do auxílio à aprovação da PEC, porque ela criou mecanismos para tentar compensar esse gasto adicional. Passou a permitir que sempre que as despesas obrigatórias da União superassem 95% da despesa total sujeita ao teto de gastos, alguns gatilhos de contenção, para evitar descontrole fiscal, fossem automaticamente acionados.

Também proibiu o reajuste salarial de servidores e contratação de novos funcionários.

  • Dezembro de 2021

PEC dos Precatórios provocou duas alterações no teto de gastos, com impacto de R$ 81,7 bilhões, de acordo com a IFI. Desse montante, o impacto de R$ 69,7 bilhões tem como origem a mudança no período de correção do teto, agora de janeiro a dezembro – antes, era corrigido com base na inflação registrada em 12 meses até junho do ano anterior.

A outra mudança tem a ver com o pagamento fora do teto de R$ 7,9 bilhões de precatórios (dívidas da União) do antigo Fundef – fundo educacional que foi substituído pelo Fundeb – e de R$ 4,1 bilhões com dívidas que o governo pagou com 40% de desconto.

  • Julho de 2022

A PEC Kamikaze cria benefícios sociais a poucos meses da eleição, que será realizada em outubro. O custo estimado fora do teto é de R$ 41,2 bilhões. A proposta amplia o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, dobra o benefício do vale gás e cria um voucher de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos.

Também prevê um auxílio para taxistas, compensação para os estados para atender a gratuidade de transporte para idosos, entre outros.

*Texto publicado originalmente no g1


Empresário atrai dinheiro com um grande ímã | Imagem: Tijana Moraca/Shutterstock

Nas entrelinhas: PEC sob medida para bagunçar a economia

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A Câmara dos Deputados concluiu, ontem, a votação em primeiro turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria uma série de benefícios às vésperas das eleições, que vigorarão até 31 de dezembro. Patrocinada pelo Centrão e agasalhada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a proposta representa rombo adicional de R$ 41,2 bilhões no Orçamento deste ano, com propósito de conceder benefícios à população de baixa renda. A PEC passou por mais um turno de votação na noite de ontem.

A menos de três meses das eleições, a PEC aumenta o valor do Auxílio Brasil, amplia o Vale-Gás e cria um “voucher” para os caminhoneiros. Como a legislação eleitoral proíbe esse tipo de medida às vésperas das eleições, inventa um “estado de emergência” que livra o presidente Jair Bolsonaro (PL) das punições previstas em lei para esse tipo de crime eleitoral. Os benefícios aprovados começarão a ser pagos em agosto, mas vigorarão somente até dezembro. A medida é um estelionato eleitoral escancarado, mas foi aprovada com os votos da oposição, com exceção do Novo.

A aprovação da PEC foi marcada por suspeitas de fraude na votação de terça-feira e uma mudança regimental de ultima hora, ontem, para permitir a aprovação com quórum virtual. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), alterou as regras de votação a fim de permitir que parlamentares registrassem presença remotamente. Sessões extraordinárias foram realizadas para encurtar o prazo entre a primeira e a segunda votação, sendo que uma delas durou um minuto.

A PEC começou a tramitar no Senado, onde obteve apoio quase unânime — somente o senador José Serra (PSDB-SP) votou contra. Um acordo entre o Palácio do Planalto, que dobrou as resistências da equipe econômica, o Centrão e a oposição foi o ovo da serpente da quebra de institucionalidade da economia e das regras do jogo eleitoral. Velha raposa política, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), ex-líder do governo, na hora da votação, inclui no projeto o “estado de emergência” para burlar a legislação eleitoral. A justificativa é marota: a guerra da Ucrânia.

A institucionalidade das políticas econômicas é uma chave para que o país possa atingir bons resultados. O vale-tudo institucional, tanto quanto no mercado, compromete a interação entre o Estado, as instituições, as empresas e a sociedade, joga o crescimento para baixo e os preços para cima. Medidas como a de ontem contrariam as expectativas dos investidores. Seu resultado são a falta de investimentos, a redução da atividade econômica, o aumento da inflação, as altas taxas de desemprego.

Consequências

O Orçamento da União foi capturado pelo Centrão, por meio do chamado “orçamento secreto”. A aprovação da PEC foi a contrapartida para que Bolsonaro liberasse a execução das emendas parlamentares às vésperas da eleição. O resultado é a bagunça fiscal e a execução caótica do Orçamento, que passa ao largo de projetos estruturantes, porque as emendas apresentadas, em sua maioria, têm objetivos clientelistas. O pacote está em contradição e impacta a política monetária, que foge à alçada do Congresso e foi completamente blindada pela autonomia do Banco Central (BC).

O combate à inflação pelo autoridade monetária, por meio da elevação da taxa de juros, e a garantia de alta rentabilidade dos capitais aplicados em ativos financeiros, principalmente os títulos públicos, provocam a retração da atividade econômica e a concentração de renda, na contramão dos objetivos imediatos das medidas aprovadas pela PEC. Os investimentos estrangeiros feitos no país, atraídos pela alta rentabilidade dos títulos públicos, têm caráter especulativo. O Estado também não é capaz de financiar a modernização da infraestrutura, nem é esse o objetivo do “orçamento secreto”, consumido por distribuição de tratores, caminhões, estradas vicinais etc. O país perde complexidade econômica e competitividade no mercado mundial.

Como a economia está ancorada no regime de metas da inflação, que já foi para o espaço, e no câmbio flutuante, que se tornou um grande estorvo para o governo por causa da alta do petróleo, o grande ponto de interrogação é o resultado da equação benefícios concedidos pela PEC versus processo inflacionário. Às vésperas da eleição, ninguém sabe se as medidas serão capazes de reverter a desvantagem eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PL) em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Trocando em miúdos: a oposição entrou numa casa de caboclo sem saber como vai sair. Quem não tem nada a perder é Bolsonaro. E o Centrão? Também, pois seus políticos têm como característica principal é a capacidade de adaptação.

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Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Nas entrelinhas: “Orçamento secreto” é moeda de troca eleitoral

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O Congresso aprovou, ontem, a Lei Orçamentária de 2023, com a manutenção da regra que mantém o chamado “orçamento secreto”, um conjunto de emendas negociadas entre os parlamentares e o relator do Orçamento da União sem que os responsáveis pela sua indicação sejam revelados. O relator da Lei Orçamentária, senador Marcos Do Val (Podemos-ES), retirou do texto o caráter impositivo das emendas e criou um mecanismo para que os autores secretos das emendas possam remanejá-las sem que seus nomes, destinação e valor sejam revelados. A nova lei também aumenta o poder do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre a distribuição desses recursos entre os deputados. No Senado, acontece a mesma coisa com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Neste ano, o montante do “orçamento secreto”  chega a R$ 16 bilhões, que estão sendo controlados pelo Centrão e são utilizados como moeda de troca nos arranjos eleitorais regionais. Nos bastidores, há relatos de que emendas bilionárias são oferecidas a candidatos para que retirem candidaturas majoritárias e a lideranças de partidos para que façam coligações. Os líderes de bancada que dão sustentação a Lira aproveitam as emendas para aumentar o controle sobre suas bancadas e a sua própria influência nos respectivos partidos.

As emendas do relator previstas para o Orçamento de 2023, cujo montante chega a R$ 19 bilhões, já são moeda de troca na eleição da nova Mesa da Câmara, na próxima legislatura. Lira se movimenta como candidato à reeleição em 2023; o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, como bom mineiro, ainda não abriu o jogo. No momento, as emendas do relator são uma dor de cabeça para o senador mineiro, por causa de um “sincericídio” do senador Do Val, que admitiu ter recebido R$ 50 milhões em emendas, que destinou ao seu estado, por ter votado a favor da eleição de Pacheco, por influência do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil).

A oposição tentou impedir a aprovação da medida, por considerar que o texto amplia o sigilo do “orçamento secreto”. Votaram contra a pedida 110 deputados de PT, PSB, PCdoB, PSol, Rede e Novo. Em 2020 e 2021, apenas 1,8% de todo o recurso destinado às emendas de relator foi de autoria da oposição.

O “orçamento secreto” desequilibra o jogo entre o Centrão e a oposição, que acaba isolada, porque os recursos estão sendo diretamente destinados às bases eleitorais dos parlamentares que fizeram as indicações. É um mecanismo de blindagem para quem já tem mandato, contra os pretendentes de seus próprios partidos que não controlam esses recursos, na negociação do apoio de prefeitos, vereadores e deputados estaduais. Do ponto de vista da legislação eleitoral, é uma excrescência, porque significa a volta ao clientelismo, quiçá à formação de caixa dois eleitoral.

Fundo eleitoral

Esse desequilíbrio é ainda maior porque o fundo eleitoral somente começará a ser distribuído quando tiver início a campanha eleitoral oficialmente. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio da Portaria nº 579/2022, determinou o valor a que cada partido político terá direito na distribuição dos R$ 4,9 bilhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). É a maior soma de recursos já destinada ao Fundo desde a criação, em 2017, e foi distribuído entre os 32 partidos políticos registrados no TSE com base em critérios específicos. O Partido Novo (Novo) renunciou ao repasse dos valores, sua cota será revertida ao Tesouro Nacional.

O União Brasil, resultante da fusão do Democratas (DEM) com o Partido Social Liberal (PSL), receberá o maior montante, com mais de R$ 782 milhões. Em seguida, estão o Partido dos Trabalhadores (PT), com pouco mais de R$ 503 milhões; o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), com R$ 363 milhões; o Partido Social Democrático (PSD), com R$ 349 milhões; e o Progressistas, com aproximadamente R$ 344 milhões. Juntas, essas cinco legendas respondem por 47,24% dos recursos distribuídos.

Os recursos do Fundo Eleitoral ficarão à disposição do partido político somente depois de a sigla definir critérios para a distribuição dos valores. Esses critérios devem ser aprovados pela maioria absoluta dos membros do órgão de direção executiva nacional e precisam ser divulgados publicamente. As federações partidárias são tratadas como um só partido também no que diz respeito ao repasse e à gestão dos recursos públicos destinados ao financiamento das campanhas eleitorais.

Três federações partidárias estão aptas a participar das eleições gerais de outubro: Federação PSDB Cidadania, integrada pelo Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) e pelo Cidadania; Federação PSol Rede, que reúne o Partido Socialismo e Liberdade (PSol) e a Rede Sustentabilidade; e Federação Brasil da Esperança (FE Brasil), integrada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido Verde (PV).

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Déficit econômico | Foto: Jittapon.k/Shutterstock

Artigo: A economia política do deficit

Benito Salomão, Correio Braziliense*

Em função dos efeitos perniciosos da inflação sobre a renda das famílias e da proximidade com o primeiro turno das eleições, o governo encaminhou e o Congresso avalizou mais um pacote fiscal que contém "bondades". A PEC 16/2022, aprovada no Senado e em revisão na Câmara dos Deputados, prevê transferências de renda para setores da sociedade que, somadas, podem custar mais de R$ 40 bilhões aos cofres públicos. A medida abre uma prerrogativa perigosa de extrapolar regras fiscais e eleitorais motivada pelos objetivos eleitorais do governante de plantão.

A criação de benefício em ano eleitoral afronta a legislação eleitoral que veda tal comportamento. Isso porque expansões fiscais em períodos próximos das eleições causam assimetrias de forças entre situação e oposição em um pleito eleitoral. Buchanan e Wagner, no clássico livro de 1977 Democracy in Déficit: The Legacy Economic of the Lord Keynes, chamam a atenção para esse fenômeno. Os autores sustentam que deficits públicos apresentam seus benefícios (como elevação nos níveis de emprego e renda) a curto prazo, porém seus custos ocorrem mais a longo prazo e, portanto, quando contratados às vésperas de eleições, desequilibram as forças do jogo democrático.

Entre os custos dos deficits fiscais, Dornbush e Edward (1990) listam no clássico ensaio Macroeconomic populism alguns desequilíbrios macroeconômicos como deficits externos; volatilidade na taxa de câmbio; inflação e expansão de juros no curto e longo prazo.

Entretanto os custos não param por aí, deficits fiscais levam à ampliação a posteriori do tamanho dos governos. Retornando à literatura clássica, Adolph Wagner (1890) estilizou uma tendência das democracias contemporâneas de absorverem demandas sociais em seus orçamentos. Portanto, o orçamento do governo tende a crescer acima da renda nacional, o que ficaria consagrado na literatura como Lei de Wagner.

Décadas mais tarde, Peacock e Wiseman (1961) retornam ao tema e após ampla análise da política fiscal no Reino Unido e concluem que o tamanho do governo está relacionado com a dinâmica do gasto público. Em outras palavras, na visão destes autores, é o lado das despesas que causa uma ampliação do tamanho dos governos pelo lado dos impostos. Surge assim a taxonomia Spend-Tax.

Veja artigos de Parceiros da FAP

Já em 1978, Milton Friedman retorna ao tema e atesta, em um ensaio que discutia regras fiscais na economia estadunidense, que o governo só poderia gastar recursos tributários disponíveis. E que, na ausência de disponibilidade de recursos tributários que permitissem a ampliação de despesas, por mais meritórias que pudessem parecer, seria preciso "starve the beast", que, em tradução livre, significa "deixar que a fera morra de fome". Surge, com isso, a clássica taxonomia Tax-Spend.

A economia brasileira é, segundo a evidência empírica disponível, enquadrada na taxonomia Spend-Tax. Isso está relacionado com o quadro normativo da política fiscal cujo crescimento inercial das despesas públicas, somado às restrições quanto a cortes de despesas, pressiona a longo prazo o crescimento da carga tributária.

Em ensaio recente, aceito para publicação no periódico argentino Estúdios Econômicos, eu e o professor Cleomar Gomes do (PPGE-UFU) buscamos enquadrar a política fiscal brasileira em uma das taxonomias supracitadas. Nossos resultados a partir de estimações de modelos não lineares, sugerem que a economia brasileira é Spend-Tax para a relação entre receitas tributárias; despesas primárias totais e despesas primárias obrigatórias. Porém, pode ser considerada como Tax-Spend no caso da relação entre receitas e despesas discricionárias, dentre as quais, o investimento público.

As conclusões do nosso ensaio mostram que o cenário fiscal brasileiro é bastante pernicioso. Isso porque as despesas obrigatórias pressionam, a longo prazo, as despesas primárias totais e as receitas tributárias. Entretanto, as despesas discricionárias dependem do crescimento de receitas para poderem também crescer. Essas rubricas de despesas são fundamentais para acelerar a trajetória de crescimento da economia brasileira, pois contemplam investimentos públicos e transferências diretas às famílias de baixa renda com elevada propensão a consumir. Utilizando a terminologia técnica, as despesas discricionárias têm elevado efeito multiplicador.

A chamada PEC Kamikaze agrava ainda mais essa situação, rompe as regras fiscais e eleitorais brasileiras, exacerbando incertezas. Também produzirá a médio prazo um aumento da carga tributária e uma limitação do investimento público tão necessário para que o país cresça.

*Texto publicado originalmente publico no Correio Braziliense