Economia

Do direito inalienável de derrubar estátuas

Um bandeirante é, acima de tudo, um predador. Celebrá-lo é afirmar um “desenvolvimento” de um país composto por uma nata encastelada em condomínios e uma grande massa que ainda hoje é caçada

Vladimir Safatle / El País

“Quem controla o passado, controla o futuro”. Essa frase de 1984, de George Orwell, é uma das mais importantes lições a respeito do que é efetivamente uma ação política. Toda ação política real conhece a importância de compreender o passado como um campo de batalhas. Ela compreende que o passado é algo que nunca passa por completo. A definição mais correta seria: o passado não é o que passa. O passado é o que se repete, o que se transfigura de múltiplas formas, o que retorna de maneira reiterada. O passado é o que faz CEOs falarem, em 2021, como senhores de escravos do século XIX, que faz transgêneros atualmente em luta falarem como pessoas escravizadas em luta séculos passados. Nosso tempo é espesso. Nas camadas dessa espessura convivem mortos e vivos, espectros, limiares e carne. Só mesmo uma noção pontilhista e equivocada de instante pode reduzir o presente ao “agora”. O “agora” é apenas uma forma, politicamente interessada, de bloqueio do presente. Pois quem luta pela liberação do passado, luta pela modificação do horizonte de possibilidades do presente e do futuro.


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Seria útil lembrar disso no Brasil, ou seja, nesse país que se especializou em procurar não falar de seu passado devido a uma certa crença mágica de que, se não falarmos dele, o passado irá embora e nunca mais voltará. Os apóstolos do esquecimento deveriam lembrar que foi assim que criamos o país da compulsão contínua de repetição. País que se acostumou a ver militares agindo como se estivessem em 1964, no qual uma política catastrófica de anistia permitiu que as Forças Armadas preservassem seus responsáveis por crimes contra a humanidade até que eles voltassem a ameaçar a sociedade. O esquecimento é uma forma de governo. A tentativa de exilar os sujeitos no presente puro é o seu braço armado mais forte. Deveríamos partir daí se quiséssemos efetivamente entender o que é o o Brasil.

Dito isto, não é motivo de espanto ver alguns a criticarem uma das mais importantes ações políticas desse últimos meses, a saber, a queima da estátua do bandeirante Borba Gato, em São Paulo. Quem acha que isso é apenas um ato “simbólico” deveria pensar melhor a respeito do que compreende por símbolo e como são eles que, muitas vezes, impulsionam as lutas mais decisivas e as transformações mais impressionantes. Quando caiu, a Bastilha não era mais que um símbolo. Mas foi a queda do símbolo, foi um ato simbólico por excelência, que abriu toda uma época histórica. A modificação na estrutura simbólica é modificação nas condições de possibilidade de toda uma era histórica. Aqueles que fazem profissão de fé de “realismo político”, de “materialismo”, talvez estejam a esconder certo receio de que estruturas simbólicas fundamentais desçam as ruas e sejam queimadas.

Pois uma estátua não é apenas um documento histórico. Ela é sobretudo um dispositivo de celebração. Como celebração, ela naturaliza dinâmicas sociais, ela diz: “assim foi e assim deveria ter sido”. Um bandeirante com um trabuco na mão e olhar para frente é a celebração do “desbravamento” de “nossas matas”. Desbravamento esse que não é abertura de nada, mas simples apagamento de violências reais e simbólicas que não terminaram até hoje. Pois poderíamos começar por se perguntar: contra quem essa arma está apontada? Contra um “invasor estrangeiro”? Contra um tirano que procurava impor seu jugo ao povo? Ou contra aquelas populações que foram submetidas à escravidão, ao extermínio e ao roubo? Um bandeirante era um caçador de homens e mulheres, ou seja, a encarnação mais brutal de uma forma de poder soberano ligado à proteção de alguns e à predação de muitos. Um bandeirante é, acima de tudo, um predador. Celebrá-lo é afirmar um “desenvolvimento” que, necessariamente, realiza-se em um país composto por uma nata de rentistas encastelados em condomínios fechados e uma grande massa que ainda hoje é caçada, que desaparece sem rasto nem traço.

Destruir tais estátuas, renomear rodovias, parar de celebrar figuras históricas que representam apenas a violência brutal da colonização contra ameríndios e pretos escravizados é o primeiro gesto de construção de um país que não aceitará mais ser espaço gerido por um Estado predador que, quando não tem o trabuco na mão, tem o caveirão na favela, tem o incêndio na floresta, tem a milícia. Enquanto estas estátuas estiverem sendo celebradas, enquanto nossas ruas tiverem esses nomes, esse país nunca existirá. Quem faz o papel de carpideira de estátua acaba se tornando cúmplice dessa perpetuação. Só sua derrubada interrompe esse tempo. Essa ação é, acima de tudo, uma autodefesa.

Quando a ditadura militar criou o mais vil aparato de crimes contra a humanidade, dispositivo de tortura de Estado e assassinato financiado com dinheiro do empresariado paulista, não por acaso seu nome foi: Operação Bandeirante. Sim, a história é implacável. Como disse no início, o passado é o que não cessa de retornar. Borba Gato estava lá, nas câmaras de tortura do DOI-Codi, encarnado, por exemplo, em Henning Albert Boilesen: empresário dinamarquês presidente da Ultragaz e fundador do CIEE, que se deleitava em inventar máquinas de torturas (a pianola Boilesen) e assistir a torturas e assassinatos. Por isso, quando as estátuas começarem a cair, é porque estamos no caminho certo.

Vladimir Safatle é professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.


Política de renda básica continua sendo emergencial, diz Débora Freire

Segundo a economista, programas sociais de renda básica "serão muito necessários pós-Covid" e precisam ser elaborados tendo em vista o enfrentamento das desigualdades sociais e a recuperação econômica

IHU Online

A experiência do Auxílio Emergencial concedido no ano passado, que repassou parcelas de até 1.200 reais para os beneficiários, indica a urgência desse tipo de política no país para enfrentar o aumento da pobreza. "Na minha concepção, a política de renda básica continua sendo emergencial e vai ser emergencial pós-crise. Teremos que discutir o aprofundamento da proteção social no Brasil se não quisermos perenizar o aumento da pobreza e da desigualdade que vai aumentar quando acabar o Auxílio Emergencial ", diz Débora Freire.

No ano passado, a economista fez um estudo acerca dos impactos da renda básica emergencial tanto na vida das famílias que receberam o benefício quanto na própria dinâmica da economia. "Observamos um impacto de quase 50% na renda das famílias mais pobres, aquelas que recebem de zero a um salário mínimo. Essas foram as famílias mais atendidas pelo Auxílio Emergencial. Para algumas delas, o auxílio mais do que cobriu a perda de renda naquele período. Também percebemos impactos nas classes que recebem de dois a três salários mínimos. Chamo a atenção para os impactos positivos em famílias que não são elegíveis do programa, que não recebem diretamente a transferência de renda. Esse é um impacto importante dos programas de transferência de renda e acontece porque as famílias que recebem o benefício diretamente estão na base da pirâmide e gastam sua renda em consumo. Então, elas aumentam o seu consumo e isso significa mais venda, ou seja, os setores produtivos têm que produzir mais para atender aquela demanda e, ao produzirem mais, empregam mais capital e temos mais geração de renda na economia", ressalta.

No ano passado, Débora Freire participou do evento "A Renda Básica Universal (RBU) para além da justiça social", promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Na palestra "Renda Básica Universal. Combate à desigualdade e busca da justiça social na experiência brasileira", ela defende a construção de um "aparato de proteção social que consiga se ajustar rápido às crises, visto que a população informal e uberizada tem uma característica de muita volatilidade nos seus rendimentos, e toda vez que os rendimentos tendem a ser reduzidos seria possível fazer alguma transferência imediata para as famílias".

A seguir, reproduzimos a conferência no formato de entrevista.

Débora Freire é graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ, mestra em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa - UFV e doutora em Economia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais - CEDEPLAR/UFMG. É professora adjunta do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG.

Confira a entrevista.

IHU – Quais as principais conclusões da pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada - Nemea sobre o Auxílio Emergencial?
Débora Freire – Fizemos um estudo no Nemea acerca dos impactos da renda básica emergencial e o olhar que trago, para além das questões sociais e do impacto nas desigualdades [gerado pelo auxílio], é o de olhar para programas sociais de renda básica como programas também de incentivo econômico e de incentivo à recuperação econômica, que serão muito necessários pós-Covid.

discussão sobre a implementação de programas de renda básica já existia [antes da pandemia], muito por conta da dinâmica do mercado de trabalho que estamos observando nos últimos anos, como o aumento de empregos de pior qualidade e fenômenos de flexibilização no mercado de trabalho, conhecidos como uberização. Muitas pessoas, dada a crise econômica, especialmente no Brasil desde 2015, aceitam empregos de pior qualidade, com jornadas exaustivas e sem garantias de direitos – isso, de fato, piora o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas. Ao mesmo tempo, ocorre um processo de robotização que tem gerado uma substituição da mão de obra de trabalho por máquinas e fala-se de uma tendência em que não haverá emprego para todo mundo. Então, temos visto um aumento do desemprego. Nesse contexto, no mundo todo, a discussão sobre uma renda básica, sobre um nível mínimo de vida necessário para as pessoas, já estava ganhando forma há algum tempo, em razão dessas novas dinâmicas, mas ganhou outra perspectiva e velocidade por causa da pandemia de Covid-19.

No Brasil, implementou-se um programa de auxílio emergencial que foi, de fato, um sucesso do ponto de vista das políticas públicas na pandemia em relação ao eixo econômico
Débora Freire/Tweet

Na pandemia, os programas de transferência de renda foram utilizados na maioria dos países que conseguiram ser exitosos na tarefa de garantir um nível mínimo de renda para as famílias. No Brasil, não foi diferente: implementou-se um programa de auxílio emergencial que foi, de fato, um sucesso do ponto de vista das políticas públicas na pandemia em relação ao eixo econômico. Foi a política mais exitosa. No entanto, as transferências de renda foram reduzidas e não há perspectiva da continuação deste programa ou da implementação de um programa diferente. Também não sabemos, do ponto de vista da saúde, o que vai acontecer. Não sabemos até quando esta crise vai durar e, do ponto de vista econômico, a recuperação tende a ser lenta. Ao mesmo tempo, vemos uma discussão muito truncada e difícil de ser feita no âmbito federal, que não tem previsto no orçamento o que vai ser feito. O governo tem “batido muito a cabeça” [para encontrar formas] de como financiar uma renda básica, mas essa discussão não tem avançado na medida que precisa.

Não voltaremos para o mundo anterior e, muito provavelmente, teremos um mundo com muito mais desigualdades e com uma dificuldade de recuperação econômica muito expressiva
Débora Freire/Tweet

IHU – Como, a partir do Auxílio Emergencial, foi possível fortalecer minimamente o sistema de proteção social?
Débora Freire - Gostaria de destacar as potencialidades do tipo de transferência de renda, como a renda básica emergencial, para que possamos pensar novas perspectivas a respeito do aprofundamento da proteção social no Brasil, que vai ser necessário.

Não voltaremos para o mundo anterior e, muito provavelmente, teremos um mundo com muito mais desigualdades e com uma dificuldade de recuperação econômica muito expressiva. Na minha concepção, a política de renda básica continua sendo emergencial e vai ser emergencial pós-crise. Teremos que discutir o aprofundamento da proteção social no Brasil se não quisermos perenizar o aumento da pobreza e da desigualdade que vai aumentar quando acabar o Auxílio Emergencial.

renda básica emergencial teve tanto sucesso, que conseguiu neutralizar o impacto da crise nas famílias. Não tivemos até hoje políticas tão distributivas como foi o Auxílio Emergencial no Brasil, mas tão logo o benefício acabe, vamos ver a face da desigualdade. Precisamos discutir possibilidades de políticas, de desenho de renda básica, e de financiamento.

A renda básica emergencial teve tanto sucesso, que conseguiu neutralizar o impacto da crise nas famílias
Débora Freire/Tweet

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde - OMS declarou a pandemia de Covid-19, e o Brasil teve um tempo para se ajustar, para tentar antever os efeitos da Covid. Mas, de fato, não aproveitamos esse tempo para nos planejarmos de maneira adequada. Do ponto de vista das medidas em relação aos impactos econômicos e das políticas a serem adotadas, primeiro, ouvimos declarações de que o governo continuaria com a agenda de austeridade, não mudaria os rumos da política econômica por conta da pandemia, o que de fato era um contrassenso, porque todos sabiam que a realidade iria se impor, a crise iria chegar e precisaríamos de um Estado fazendo política contracíclica, ou seja, aumentando os gastos estatais com saúde e proteção social. Já se sabia que isso deveria ser feito, mas o governo teve dificuldade de fazê-lo. Depois, o governo foi ajustando suas expectativas e anunciou que algumas medidas seriam tomadas, como a expansão do Bolsa Família, mas ainda havia uma incredulidade em relação aos impactos da crise. O ministro da Economia chegou a dizer que com oito bilhões seria possível dar conta da crise, mas hoje já se sabe que [aquilo] era uma fantasia, porque dada a magnitude dos gastos públicos que foram necessários e ainda são, aquela visão do início da crise era totalmente equivocada.

Impacto da pandemia na renda das famílias

Quando de fato foi decretada a pandemia de Covid-19, o nosso grupo de pesquisa reorientou sua agenda para avaliar os impactos sociais da pandemia. Nos perguntamos se o impacto seria homogêneo entre as pessoas e as famílias. Primeiramente, tínhamos um discurso de que por se tratar de uma crise sanitáriaricos e pobres enfrentariam a crise da mesma maneira. Obviamente, já sabíamos que isso não iria acontecer, do ponto de vista tanto da saúde como da economia.

Do ponto de vista da saúde, já sabíamos que a população mais pobre e vulnerável seria mais impactada, porque são pessoas que moram em condições mais precárias, vivem em locais com uma densidade populacional muito maior, aglomeradas, com mais dificuldade de acesso a serviços de saúde e a produtos de higiene que são necessários para tentar evitar o contágio e, além disso, pegam transporte público para ir trabalhar e não conseguem evitar aglomerações.

Do ponto de vista econômico, tentamos responder quão heterogêneo seria o impacto na renda das famílias, advindo de um cenário recessivo, que seria inevitável dada a crise de Covid-19. A nossa pergunta foi: como a queda de 1% no emprego impacta a renda das famílias por classes de renda? Para responder a essa pergunta, utilizamos um modelo de simulação – o qual desenvolvi na minha tese de doutorado – que mapeia os fluxos econômicos, como se fosse uma fotografia de toda a economia, mapeando os fluxos de vendas e compras entre setores produtivos, as famílias e o governo; as transferências de renda entre as famílias – como os setores produtivos remuneram as famílias na forma de renda do trabalho e do capital; e como essa renda é distribuída por classes de renda.

Do ponto de vista agregado, vimos que a queda de 1% no emprego se relacionaria a uma queda de 1,4% do PIB e a uma queda de 1,1% na renda disponível das famílias. Mas o nosso interesse era avaliar como esse impacto heterogêneo se daria do ponto de vista da renda das famílias por classes de renda, já que o modelo permitia essa análise. Conseguimos perceber que uma crise recessiva de 1% de queda no emprego afetaria a renda das famílias mais pobres – estamos considerando 11 classes de renda. Nas duas primeiras classes de famílias, que recebem até um salário mínimo e até dois salários mínimos, observamos que o impacto da recessão é 20% maior do que o impacto médio na renda das famílias de modo geral. Ou seja, projetamos que a renda das famílias mais pobres seria mais afetada do que a renda da maioria porque essa crise atingiu principalmente o setor de serviços, que emprega uma proporção maior de trabalhadores informais, com mão de obra menos qualificada e, portanto, a maior parte das famílias mais pobres trabalha no setor de serviços. Enquanto as famílias mais pobres têm uma renda menor e dependem exclusivamente da renda do trabalho e das rendas de transferência, as famílias mais ricas têm renda proveniente de rendimentos de capital, de ativos financeiros. Dada essa diferença, é mais impactado quem depende da renda do trabalho. Essas famílias precisariam ser auxiliadas porque, do contrário, aumentaria muito a desigualdade no país.

Implementação do Auxílio Emergencial

Primeiro, o Ministério da Economia anunciou um auxílio no valor de 200 reais para os autônomos. Já se sabia que isso seria insuficiente. O governo teve muita dificuldade de entender como conceder o auxílio: se iria utilizar o CadÚnico e como poderia expandi-lo. No entanto, a sociedade civil e os pesquisadores se mostraram muito participativos e pressionaram o Congresso para que votasse um benefício que fosse suficiente para lidar com a crise, visto que 200 reais era um valor insuficiente. O Congresso votou a renda básica emergencial de 500 reais, o governo acabou passando o valor para 600 reais, que foi aprovado no Senado.

IHU - Quais foram os impactos desse programa na economia?
Débora Freire - A pergunta da nossa pesquisa era: a renda básica emergencial é uma resposta suficiente aos impactos econômicos da pandemia de Covid-19 no Brasil? O nosso intuito era avaliar o impacto do auxílio na renda das famílias, mas também na economia, visto que, ao nosso ver, os impactos econômicos dos programas de transferência de renda têm de ser considerados. Esse tipo de política atua não apenas para diminuir a vulnerabilidade social das famílias no momento, mas como uma política de atenuação dos impactos da pandemia. Isso é importante de avaliar porque nos mostra os potenciais de um programa de renda básica para a recuperação econômica e como esses programas têm servido também do ponto de vista econômico e não apenas social.

Nós utilizamos aquele mesmo modelo de simulação que foi desenvolvido na minha tese de doutorado para simular os impactos da renda básica emergencial. No entanto, o adaptamos para um modelo trimestral – ele era anual – para captar os efeitos do trimestre e de curto prazo do programa. A estratégia de simulação mesclou duas bases de dados: a base de microdados do CadÚnico e os microdados da Pnad para mapear quem seriam os potenciais elegíveis para o programa, para conseguirmos mensurar os choques de transferência de renda que estabeleceríamos no nosso modelo.

O modelo tem 11 classes de renda e analisamos separadamente as três primeiras classes, que são as famílias que recebem de zero a três salários mínimos e que seriam contempladas pelo Auxílio Emergencial. Usando e mesclando essas bases de dados, estabelecemos os filtros usados pelo governo para determinar a elegibilidade para o programa: o indivíduo deveria atender a todos os pré-requisitos estabelecidos, como ser maior de 18 anos, não ter emprego formal, não receber benefício previdenciário ou assistencial, exceto o Bolsa Família, ter renda familiar de até meio salário mínimo per capita ou até três salários mínimos totais e não ter recebido acima de 28.559 reais no ano anterior. Deveria também ou ser microempreendedor individual ou contribuir individualmente para o FGTS ou ser um trabalhador informal, tanto desempregado como autônomo, inscrito no CadÚnico, ou por meio de autodeclaração, que foi feita via aplicativo. Conseguimos chegar a um número de beneficiados muito próximo ao número projetado pelo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea e pelos dados divulgados pelo Dataprev. Posteriormente, o benefício atingiu um contingente populacional muito maior.

A estratégia de simulação que fizemos contemplou dois cenários: a renda básica emergencial nos três primeiros meses previstos, e depois analisamos um cenário sem o benefício.

Observamos um impacto de quase 50% na renda das famílias mais pobres, aquelas que recebem de zero a um salário mínimo. Essas foram as famílias mais atendidas pelo Auxílio Emergencial
Débora Freire/Tweet

Resultados

Observamos um impacto de quase 50% na renda das famílias mais pobres, aquelas que recebem de zero a um salário mínimo. Essas foram as famílias mais atendidas pelo Auxílio Emergencial. Para algumas delas, o auxílio mais do que cobriu a perda de renda naquele período. Também percebemos impactos nas classes que recebem de dois a três salários mínimos. Chamo a atenção para os impactos positivos em famílias que não são elegíveis do programa, que não recebem diretamente a transferência de renda. Esse é um impacto importante dos programas de transferência de renda e acontece porque as famílias que recebem o benefício diretamente estão na base da pirâmide e gastam sua renda em consumo. Então, elas aumentam o seu consumo e isso significa mais venda, ou seja, os setores produtivos têm que produzir mais para atender aquela demanda e, ao produzirem mais, empregam mais capital e temos mais geração de renda na economia. Uma vez que a distribuição de renda na economia entre as famílias é concentrada, os principais beneficiários indiretos desses programas de transferência de renda são as famílias que estão nas classes superiores. Esse efeito positivo para as famílias que recebem mais de três salários mínimos é um dos impactos indiretos da renda básica emergencial na economia.

Impactos macroeconômicos

Uma vez que esse tipo de programa gera impacto na renda das famílias, gera também efeitos macroeconômicos. Isso porque estimula o consumo das famílias que, por sua vez, gera um estímulo à produção de renda na economia, que se transforma em impactos macroeconômicos. Temos impactos no PIB, no consumo das famílias, no emprego e no investimento. Observamos um impacto positivo no PIB, de 0,44%, no primeiro trimestre, mas no cenário em que a renda básica fosse retirada, haveria uma queda nesses impactos, que perduraria ao longo do próximo ano (2021).

O programa de renda básica emergencial teve um impacto de mitigar a recessão e a crise econômica - Débora Freire Tweet

Dado o cenário econômico recessivo, o programa de renda básica emergencial teve o efeito de mitigar a recessão e a crise econômica, uma vez que gerou um impacto positivo no PIB e nas demais variáveis macroeconômicas. Se não fosse o Auxílio Emergencial, teríamos tido uma recessão econômica muito maior. Esse foi um programa muito importante, pois o consumo se manteve aquecido, apesar da crise. A queda do consumo foi muito menor do que se não houvesse a renda básica emergencial.

Financiamento

Uma questão importante das simulações é que nesses cenários nós consideramos o financiamento dessa política como de fato foi colocado em prática, por meio do endividamento público. Sabemos que os gastos para enfrentar a crise estão sendo financiados com o aumento do endividamento e, exatamente por isso, temos impactos maiores do ponto de vista econômico. Por que digo isso? Porque se tivéssemos que financiar a política com algum recurso como, por exemplo, impostos, teríamos um choque negativo na economia e os impactos seriam menores. Os efeitos [do Auxílio Emergencial] seriam maiores e teríamos um impacto ainda mais positivo se tivéssemos um financiamento baseado na tributação dos mais ricos, porque eles consomem uma maior parte da sua renda.

É importante ressaltar que o auxílio é uma política emergencial. Para pensar uma renda básica permanente, vai ser necessário algum tipo de ajuste e de mapeamento de fonte de financiamento. Não se financia uma política permanente com endividamento público. Então, precisamos pensar de onde tirar o recurso para desenhar uma política de renda básica permanente.

Os efeitos [do Auxílio Emergencial] seriam maiores e teríamos um impacto ainda mais positivo se tivéssemos um financiamento baseado na tributação dos mais ricos - Débora Freire Tweet

IHU – Quais setores econômicos foram impactados pelo Auxílio Emergencial?
Débora Freire - Esse tipo de transferência de renda para as famílias tem potencial de atingir setores produtivos de forma assimétrica porque eles têm participação distinta no consumo das famílias. Alguns setores têm uma participação muito mais efetiva. Quando consideramos as famílias em classes de renda, essa composição também muda porque enquanto as famílias de classe mais baixa gastam a renda em alimentação, serviços pessoais e eletrodomésticos, as famílias de classe mais alta têm uma cesta de consumo média diferente: elas consomem viagens, combustível, ou seja, têm outro perfil e padrão de consumo. Como as famílias de classes mais baixas foram as principais atingidas pelo auxílio, consequentemente o programa atingiu os setores de eletrodomésticos, de perfumaria, higiene e limpeza, de artefatos de couro e calçados, de saúde, de vestuário, de alimentos e bebidas. O setor de comércio foi muito afetado pela crise de Covid-19, mas o Auxílio Emergencial foi um programa de estímulo também para o setor.

Outro impacto do Auxílio Emergencial diz respeito à arrecadação do governo. O sistema econômico é integrado e muitas vezes fazemos algumas confusões em relação ao orçamento público, que não é igual ao orçamento familiar. Ou seja, a família gasta aquilo que ela tem de renda, mas o governo tem uma especificidade diferente: ele tem a capacidade de afetar a sua receita com seus gastos. O governo é um setor demandante da economia e, quando ele amplia os gastos, faz com que a economia se aqueça e gere o ajuste da produção dos setores produtivos para atender a demanda crescente. Esse novo cenário gera mais renda e, consequentemente, há um aumento na arrecadação de impostos. Então, o governo tem a capacidade de arrecadar e afetar a sua arrecadação.

O setor de comércio foi muito afetado pela crise de Covid-19, mas o Auxílio Emergencial foi um programa de estímulo também para o setor
Débora Freire/Tweet

Em função disso, chamamos a atenção para este resultado: a política de renda básica tem o efeito de, em partes, se autofinanciar, porque uma vez que o governo transfere renda para as famílias, a arrecadação do governo também vai ser afetada pela política. Segundo nossos cálculos, em três meses de renda básica emergencial, 24% do custo da política seria coberto pelo “desvio” que ela gera na arrecadação do governo. Ou seja, teríamos um efeito autoalimentador da política na receita do governo, que deveria ser considerado. Obviamente, a política não gera mais arrecadação do que o seu custo, mas no caso de uma política emergencial, o valor coberto seria de 24%. Então, é preciso considerar o custo líquido dessas políticas e não o custo bruto. O auxílio é primordial para as novas dinâmicas econômicas pós-Covid-19 exatamente porque essa nova dinâmica de desigualdades tende a se acelerar depois da pandemia.

IHU – Quais os desafios de instituir uma renda universal e incondicional?
Débora Freire - Quando falamos de renda básica, estamos falando de uma transferência de renda regular, incondicional e universal, ou seja, todos podem recebê-la. Mas a forma de financiamento é via imposto de renda: as famílias de classes mais altas seriam contribuintes líquidos, porque elas poderiam receber o benefício, mas teriam que pagar por ele no imposto de renda, ao passo que as famílias mais pobres seriam beneficiados líquidos, porque são isentas do imposto de renda.

renda mínima diz respeito a programas focalizados, segundo critérios de renda, como o Bolsa Família, em que as pessoas precisam ter um limite de renda para receber o benefício, e também são condicionais porque tem alguma contrapartida, como as crianças terem que estar na escola para a família receber a renda etc. Os programas também podem ter focalização indireta, ou seja, crianças, idosos, famílias com crianças. Essa proposta tem sido muito discutida, visto que um programa de renda básica, inicialmente, é de difícil implementação porque é muito amplo. Teríamos que começar com programas com desenhos menores e, a partir das melhoras econômicas e fiscais, ir expandindo os programas. Poderíamos pensar na universalidade em um determinado tipo de focalização, como crianças, por exemplo. Ou seja, todas as famílias que têm crianças receberiam o benefício. Atingiríamos principalmente os mais pobres, visto que as famílias com mais crianças são as mais pobres, e teríamos um esquema de contribuintes e beneficiários líquidos. Também tem uma discussão importante acerca de uma renda para os jovens, porque as famílias com jovens costumam ser mais vulneráveis. Nesse sentido, a renda poderia ser estendida posteriormente aos jovens e depois aos idosos, por exemplo. Alguns desenhos estão sendo discutidos, principalmente na academia brasileira. O grande problema é o financiamento exatamente porque o governo tem sido reticente em fazer uma reforma tributária que angarie recursos dos mais ricos, que hoje são subtributados.

Além de combater a pobreza e a desigualdade, a renda básica tem a característica de dotar o cidadão de poder de barganha e, talvez, essa seja uma característica muito importante para os tempos atuais
Débora Freire/Tweet

Poder de barganha

Além de combater a pobreza e a desigualdade, a renda básica tem a característica de dotar o cidadão de poder de barganha e, talvez, essa seja uma característica muito importante para os tempos atuais, visto as dinâmicas do mercado de trabalho. O trabalhador tem perdido muito poder de barganha e muitas pessoas estão trabalhando de forma precária, com jornadas exaustivas, sem nenhum tipo de direitos. Em geral, as pessoas aceitam essas condições uma vez que não conseguem encontrar empregos em outras atividades.

Vejo a renda básica como uma política que não só vai auxiliar a recuperação da economia, como vai ajudar no processo de dotar o cidadão de poder de barganha, garantindo a ele um nível de renda mínimo. Com esse nível de renda mínimo, poderá barganhar melhores condições de trabalho, visto que ele não depende fundamentalmente daquele trabalho que o explora para sobreviver e mitigar os problemas relacionados à oferta de emprego.

Só o Bolsa Família, nos seus moldes atuais, não será suficiente - Débora Freire Tweet

IHU - Quais são as perspectivas para a proteção social no Brasil?
Débora Freire - Será necessário algum tipo de proteção social, porque do contrário tende a se perpetuar uma situação de vulnerabilidade, de aumento da pobreza e da desigualdade. Só o Bolsa Família, nos seus moldes atuais, não será suficiente.

É preciso um aparato de proteção social que consiga se ajustar rápido às crises, visto que a população informal e uberizada tem uma característica de muita volatilidade nos seus rendimentos, e toda vez que os rendimentos tendem a ser reduzidos seria possível fazer alguma transferência imediata para as famílias. A grande questão, como comentei anteriormente, é como financiar esse tipo de programa. Existem as propostas de realocação de programas, sem alterar gastos, como acabar com alguns programas e canalizar isso para expandir o Bolsa Família ou criar um programa de renda básica. Tem ainda as propostas de financiar por meio da tributação dos mais ricos. Na minha concepção, o ajuste e a recuperação da economia brasileira têm que ser via sistema tributário e gasto social. Se redistribuirmos a renda dos pobres para os extremamente pobres ou a da classe média baixa para os pobres e extremamente pobres, estamos limitando o efeito progressivo da política e, consequentemente, limitando o impacto da política na economia ao mesmo tempo que tendemos a gerar crises sociais exatamente porque sabemos que esse equilíbrio não é estável. Uma vez que os mais ricos continuam com seus benefícios tributários, com as reduções no imposto de renda, com a isenção de lucros e dividendos para pessoa física, isso tende a gerar uma instabilidade muito grande, porque a classe mais rica mantém seu aparato econômico, inclusive, ganhando participação na renda nacional, ao passo que a classe média baixa está sendo muito afetada e comprimida para que a renda seja transferida para os mais pobres. Isso não é um equilíbrio viável.

O caminho mais viável economicamente e socialmente para financiar a renda básica seria a tributação dos mais ricos. A grande questão é: por que tanta resistência? Para fazer isso, precisamos rever e flexibilizar o teto de gastos. Não estou dizendo que não precisamos de regras fiscais, precisamos, sim, mas temos de ter uma regra que não trate o gasto de forma homogênea e que possibilite uma canalização do gasto para transferências sociais. O teto de gastos, ao limitar o crescimento real dos gastos a zero, elimina esse tipo de possibilidade de tributar mais os mais ricos e canalizar recursos para os mais pobres via um programa de transferência de renda. Nesse sentido, o imposto de renda de pessoa física é a potencial grande fonte de recursos para financiar uma renda básica.





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Como Copa, Olimpíada e Bolsonaro implodiram imagem do Brasil no exterior

Quando o Rio de Janeiro foi escolhido em 2009 para sediar a Olímpiada de 2016, o clima era de grande entusiasmo. Seria, aparentemente, uma grande oportunidade de divulgar o Brasil, atrair investimentos e turismo internacional

Nathalia Passarinho / BBC News Brasil

Imagens do ex-presidente Lula e do ex-jogador de futebol Pelé pulando de alegria e até chorando circularam nos meios de comunicação. Três anos antes, em 2006, o Brasil já havia sido escolhido para ser sede da Copa do Mundo em 2014.

Com esses dois megaeventos internacionais, o país seria notícia no mundo todo. E foi. Mas, contrariamente ao senso comum, essa "ampla divulgação" provocou efeito inverso do esperado: marcou o início da derrocada da imagem do Brasil no exterior.

Pelo menos é o que revelam dados obtidos pela BBC News Brasil da pesquisa Anholt-Ipsos Nation Brands, que mede a percepção das pessoas sobre os países em áreas como governança, exportação, cultura e população.

O estudo, encomendado pelo consultor britânico de políticas públicas Simon Anholt, é feito desde 2005 por uma das maiores empresas de pesquisa de opinião pública do mundo, a Ipsos Mori.Pule Talvez também te interesse e continue lendo

Anholt, que já atuou como conselheiro de governantes de 56 países, disse à BBC News Brasil que a Olimpíada e a Copa do Mundo serviram de publicidade negativa ao Brasil porque o mundo passou a conhecer mais sobre a pobreza, a desigualdade social, a violência e a corrupção existentes no país.

Por quase dez anos, o Brasil vivenciou "estabilidade" na sua marca externa, ou seja, na forma como era visto pelo mundo. No entanto, justamente nos anos em que o país sediou os dois grandes eventos esportivos internacionais, houve uma piora acentuada na percepção externa em relação ao país, conforme os dados da pesquisa Nation Brands.

Mas como isso aconteceu?

Holofote sobre o Brasil mostrou 'demais'

Letreiro da Olimpíada no RJ
Brasil gastou mais de R$ 40 bilhões para sediar Jogos Olímpicos no RJ em 2016

Simon Anholt explica que quando um país sedia jogos de envergadura internacional, o noticiário do mundo inteiro passa a fazer matérias sobre a nação-sede. Nesse bojo, entra de tudo: aspectos da história, política, segurança, economia etc. Ou seja, no caso do Brasil, as reportagens jogaram os holofotes não apenas nos aspectos positivos, como cultura e belezas naturais, mas também nos problemas econômicos e sociais.

Em 2014, ano da Copa do Mundo, o Brasil vivia o início de uma prolongada crise econômica. Em 2016, ano da Olimpíada do Rio de Janeiro, a Operação Lava Jato avançava, implicando políticos de peso no esquema de corrupção da Petrobras. Enquanto isso, o Senado estava prestes a confirmar o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A ampla divulgação do Brasil durante os dois campeonatos internacionais ajudou a derrubar, segundo Anholt, uma imagem "mistificada e irreal" que grande parte do mundo tinha do país — de aberto, tolerante, alegre e voltado à música e ao futebol.

"A Copa do Mundo e a Olimpíada foram, de certa maneira, um despertar para a realidade das ideias afetivas que as pessoas tinham do Brasil", disse à BBC News Brasil.

"Havia, pelo menos fora da América, uma ideia romântica equivocada do tipo de país que o Brasil é, focado no futebol, samba, cachaça."

Anholt diz que o fato de a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016 terem sido eventos bem-sucedidos, sem intercorrências graves, não mudou em nada o impacto negativo que os holofotes provocaram.

O Brasil gastou mais de R$ 41 bilhões para fazer a Olimpíada do Rio de Janeiro e outros R$ 26 bilhões para a Copa do Mundo.

"As pessoas já esperam que os eventos sejam bem-sucedidos. O que surpreendeu as pessoas foram as evidências da pobreza, desigualdade, violência, corrupção. E elas meio que não estavam esperando por isso", diz Anholt, que é autor de seis livros sobre marca e imagem internacional dos países. "O mito do Brasil era o de que ele seria um país muito mais desenvolvido e progressista. Eu me refiro à percepção fora da América Latina."

O que mostram os dados
O Brasil figura na posição 30 do ranking Nation Brands, que mede a percepção no exterior de 50 países, entre os quais Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Brasil e Argentina. A Alemanha é o país mais bem avaliado, seguido pelo Reino Unido.

Para fazer a lista, são ouvidas mais de 20 mil pessoas de todas as faixas etárias, poder econômico e nacionalidades. Elas respondem a 50 perguntas sobre diferentes aspectos de um país — de qualidade do governo a belezas naturais e turismo. O recorte representa 70% da população mundial e 80% da economia global.

Os resultados não são divulgados ao público — são vendidos a governos e grandes empresas. Mas Anholt compartilhou com a BBC News Brasil dados relativos ao Brasil.

Vidro de ônibus quebrado
Durante a Olimpíada do RJ, dois ônibus que levavam jornalistas foram atingidos por pedras. Num dos incidentes, uma jornalista americana levantou a dúvida sobre a possibilidade do veículo ter sido atingido por tiros

Desde 2008, o país possuía uma "nota geral" estável, mas no ano da Copa do Mundo houve uma queda forte na percepção das pessoas sobre o Brasil em todos os aspectos, inclusive "cultura", que é a área de melhor pontuação.

Em 2015, houve uma leve recuperação, mas a Olimpíada de 2016 provocou uma deterioração ainda maior na imagem do Brasil no exterior, principalmente no quesito "governança", que avalia a competência de um governo nacional e a percepção internacional sobre o seu comprometimento com questões globais, como paz, segurança, desigualdade e meio ambiente.

Simon Anholt explica que o mesmo fenômeno ocorreu na África do Sul, que sofreu queda acentuada na sua "marca internacional" após a Copa do Mundo de 2010. O evento, assim como a Copa e a Olimpíada realizados no Brasil, foi um "sucesso". Mas as horas e horas de reportagens sobre o país africano deterioraram a sua imagem, em vez de promovê-lo no imaginário mundial.

"Quando tem Olimpíada e Copa do Mundo, a imprensa internacional vai a esse país e tem que preencher a grade de notícias entre os jogos. E o que eles fazem é mostrar o país-sede e a cidade-sede. São horas e horas de vídeos sobre o país, e as pessoas assistem", destaca Anholt, que também é professor de Ciência Política da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.

"O conhecimento sobre Brasil e África do Sul era limitado e, em alguns casos, romantizado, entre o público internacional. Mas agora elas estão vendo o Brasil e a África do Sul e pensam: 'meu Deus, esses são países em desenvolvimento, com pobreza, violência e corrupção'. E a imagem se deteriora em função disso."

Queda ainda maior com o governo Bolsonaro
Desde a última queda acentuada na sua imagem internacional em 2016, o Brasil iniciou uma recuperação. Mas, de 2019 em diante, após o início do governo Jair Bolsonaro, a "marca" ou imagem externa do país parece ter entrado em queda livre, conforme os dados do Nation Brands.

"A derrocada na imagem partir de 2019 é a mais significativamente negativa já registrada pelo Nation Brands Index. Isso tem correlação com o governo Bolsonaro, reação do governo à pandemia e ao furor internacional diante das queimadas na Amazônia", explica Anholt.

O pior desempenho do Brasil é no quesito governança, que mede a percepção sobre a competência do governo — o Brasil figura em 44º no ranking nesse tópico. O melhor desempenho é em "cultura", que mede a apreciação do mundo à música, filme, esporte, arte e literatura de um país. Nessa área, o Brasil aparece na décima posição no ranking.

Jair Bolsonaro
A partir de 2019, imagem do Brasil passa a sofrer queda ainda pior que a vivenciada na Copa do Mundo e Olimpíada. Para Simon Anholt, posição do presidente sobre Amazônia e pandemia influenciaram

Segundo o consultor de políticas públicas britânico, líderes nacionalistas como Donald Trump, Bolsonaro ou Viktor Órban, da Hungria, podem ser populares em seus países, mas não costumam gozar de boa imagem internacional.

"Em geral, pessoas não gostam de líderes com o estilo do presidente Bolsonaro. Domesticamente, pode haver um apelo, mas internacionalmente eles não costumam ser populares", diz.

"Se formos comparar com Trump, ambos os líderes usavam o mesmo 'manual' e Trump era dramaticamente impopular no exterior, embora fosse muito popular entre parte da população americana."

A BBC News Brasil encaminhou e-mail para o Itamaraty pedindo comentário sobre essas declarações e sobre o resultado do Brasil no ranking e aguarda resposta.

Efeito pandemia
A postura negacionista do governo federal brasileiro diante da gravidade da pandemia também contribuiu, segundo Anholt, para prejudicar a "marca Brasil" em 2020.

"Em geral, as pessoas não estão tão interessadas assim em como outros países lidam com a pandemia, elas querem saber da pandemia no próprio país. A não ser que haja algo que chame muita atenção. E, nesse caso, novamente há o fator Bolsonaro", diz o professor de política.

"Você tem um presidente que, aparentemente copiando Trump, diz que isso não é nada, é um mito, é uma trapaça. E isso é chocante. Essas são as questões que afundaram a imagem do Brasil. Não é algo permanente, mas levará tempo para uma recuperação."

Imagem está piorando entre jovens estrangeiros
Um fenômeno que o Nation Brands Index capta é que a imagem do Brasil no exterior está se deteriorando mais rapidamente entre os jovens, principalmente por causa da posição atual do governo Bolsonaro em relação a direitos de minorias e proteção da Amazônia.

O discurso do presidente de abrir a floresta para a mineração e de minimizar desmatamento e queimadas teve um impacto forte entre o segmento de 18 a 29 anos, diz Anholt. Essa faixa etária é a que posiciona o Brasil pior no ranking de "governança", em 45º entre 50 países.

"O entendimento claro é que Bolsonaro não promoveria um diálogo construtivo com a comunidade internacional sobre proteção do meio-ambiente. E, recentemente, a imprensa internacional mostrou horas e horas de imagens de árvores na Amazônia queimando", lembra.

"Foram imagens poderosas. Principalmente entre os jovens a bandeira da luta contra mudanças climáticas é cada vez mais forte."

Qual o impacto de ter uma imagem externa ruim?
Segundo Simon Anholt, a imagem de um país no exterior tem impacto profundo em diferentes aspectos — de turismo e atração de investimentos externos, ao poder de influenciar decisões políticas no cenário internacional.

"A imagem de um país afeta até mesmo a capacidade de fechar acordos. O Reino Unido ou a União Europeia pode, por exemplo, não se empenhar em fechar um acordo comercial com o Brasil porque os jovens eleitores desaprovam a conduta do governo brasileiro em relação à Amazônia", exemplifica.

Queimada na Amazônia
Proteção ambiental é uma das principais bandeiras da atual geração de adolescentes. Postura do governo brasileiro em relação à Amazônia tem reduzido a popularidade do Brasil entre os jovens, diz Anholt

É o que está ocorrendo com o amplo acordo comercial negociado entre o Mercosul e a União Europeia. Em vários países europeus, a aprovação da proposta nos parlamentos sofre resistência por causa da imagem negativa da política ambiental do governo brasileiro.

Mas Anholt enxerga o "despertar" do mundo para a realidade do Brasil, iniciado na Copa do Mundo de 2014 e na Olimpíada de 2016, como "positivo a longo prazo".

"De certa forma, ainda que seja prejudicial à imagem, é bom que as pessoas comecem a enxergar o Brasil de maneira mais complexa e adulta", diz.

"Os EUA sempre apresentaram essa imagem do Brasil como sendo de festa constante. E tudo bem para algumas coisas, mas isso não é bom se você é a Embraer e se você tem ambição de ser uma economia séria no cenário mundial."

Além disso, diz Anholt, a pressão internacional pode favorecer a que o Brasil "corrija rumos" em questões de importância global, como proteção ambiental.

"O Brasil agora está sendo observado e julgado. E no momento está sendo julgado severamente no governo Bolsonaro", avalia.

"Acho que a festa acabou no que diz respeito à imagem do Brasil no exterior. Embora isso seja triste e crie pressões econômicas, no longo prazo será uma coisa boa. Já é hora de o mundo reconhecer o Brasil como algo mais que apenas Carnaval de rua."


Cenário internacional: O Brasil, a OCDE e o meio ambiente

Correções e ajustes serão necessários para preencher os requisitos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

Rubens Barbosa / O Estado de S. Paulo

Desde que, em 2017, o Brasil pediu para ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o cenário internacional transformou-se de forma acentuada. A mudança do clima passou a ser vista como elemento importante para a política macroeconômica. Bancos centrais, reguladores e ministérios de finanças discutem estabilidade macroeconômica, regulação financeira e sustentabilidade fiscal relacionadas aos riscos climáticos. Organizações políticas multilaterais, como o G-7 e o G-20 passaram a incluir meio ambiente e mudança de clima entre suas prioridades e a União Europeia e os Estados Unidos põem esses temas no centro de reformas econômicas voltadas para o crescimento e a recuperação dos prejuízos causados pela pandemia.

No seu relatório anual, a OCDE faz uma avaliação ampla de reformas para promover o crescimento em longo prazo nos 37 países-membros e alguns emergentes, incluído o Brasil. No tocante ao meio ambiente, a estimativa é de que mais de três quartos da população brasileira está exposta a níveis nocivos de poluição do ar, semelhante ao risco de boa parte dos países examinados. A constatação é de que as emissões de gás carbônico ficaram estáveis em anos recentes antes da crise sanitária. Ao lado do exame da política econômica e social, o relatório inclui a “nova prioridade”, envolvendo a política ambiental para o Brasil preservar os recursos naturais e acabar com o desmatamento, reforçando o apelo global. No documento a OCDE mostra a necessidade de reforçar a proteção efetiva dos recursos naturais, incluindo os da floresta tropical amazônica. Defende a manutenção das leis atuais e de proteções capazes de reduzir o desmatamento no passado, combinadas com mais fiscalização para combater o desmatamento ilegal, o que exigirá recursos adicionais. A OCDE recomenda ao governo brasileiro “evitar um enfraquecimento do atual quadro de proteção legal, incluindo as áreas protegidas, o Código Florestal e concentrar-se no uso sustentável do potencial econômico da Amazônia”. Em outro levantamento comparativo, a OCDE indica que medidas adotadas pelo governo brasileiro para ajudar a economia a passar pela crise da covid-19 subiram a US$ 105 bilhões, mas apenas uma fração desse montante, US$ 351 milhões, ou 0,3%, teve efeito claramente positivo para o meio ambiente. Por outro lado, o governo brasileiro ainda não respondeu ao convite da OCDE para participar do Programa Internacional de Ação sobre o Clima, visando a acelerar a ação dos países na descarbonização de suas economias.

Como explica Vera Thorstensen, coordenadora do Centro de Estudos do Comércio Global e Investimento, “a maioria de suas regras é negociada pelos seus membros como recomendações e orientações não obrigatórias. A OCDE exerce sua função por meio de exames contínuos das práticas de seus membros, realizados pelo seu Secretariado, e um sofisticado processo de comparação entre os participantes, por meio de instrumentos de análise e uma métrica de avaliação sofisticada. O resultado é a apresentação dos mais diversos pontos das atividades econômicas dos membros, comparando-os e estimulando-os a cumprir as regras, sob pressão política de seus pares”. No processo de acesso do Brasil à OCDE, o País passará pelo crivo de seus membros, com base nos indicadores verdes da organização, quais sejam, os de sustentabilidade, os de crescimento verde e os de meio ambiente.

É importante entender como funciona o mecanismo de trabalho da OCDE. Como reiteradamente afirmado pelo governo atual, “a entrada do Brasil na OCDE é uma prioridade da política externa e da estratégia de aprimoramento das políticas públicas nacionais e de maior integração do País à economia mundial”. Para alcançar esse objetivo será necessário não só participar ativamente de seus trabalhos técnicos na área econômica, financeira e comercial, mas também levar em conta outras áreas importantes para os países-membros, incluída a ambiental e de mudança de clima. Os indicadores verdes e as recomendações feitas pela organização devem ser acompanhados pelo governo e pela sociedade civil para que o Brasil esteja em conformidade com as regras e possa ser aceito por todos os países-membros.

Não basta participar dos 246 instrumentos legais existentes no âmbito da OCDE. Correções e ajustes na política ambiental serão necessários para preencher os requisitos exigidos pela organização de Paris e serem avaliados positivamente pelos demais países. O combate aos ilícitos na Amazônia (queimadas, destruição da floresta e garimpo) são medidas que só dependem da vontade política do governo.

Se o desafio da mudança de clima não fosse suficiente, em dezembro passado a OCDE passou a monitorar também a corrupção no Brasil. Pela primeira vez em 27 anos de atividades, o Grupo Anticorrupção da OCDE criou um grupo específico, integrado por EUA, Itália e Noruega, para acompanhar o que acontece no Brasil nesse campo. A criação desse grupo coincide sintomaticamente com o esvaziamento da Lava Jato, o que deverá ser objeto de questionamento dos países-membros na próxima reunião do grupo.

*Presidente do IRICE


O Centrão no telhado. Aliança pode impactar desempenho de Bolsonaro

Não se deve subestimar a aliança de Bolsonaro com o Centrão. Além de dar mais estabilidade ao governo no Congresso, pode impactar seu desempenho eleitoral

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas (Correio Braziliense e Estado de Minas)

A reunião do presidente Jair Bolsonaro com o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, foi transferida de ontem para hoje, na versão oficial, porque o avião no qual retornou do México atrasou. Nos bastidores, porém, a ida do parlamentar para a Casa Civil do Palácio do Planalto está no telhado. O presidente da República cogitaria dar “meia-volta, volver” no deslocamento do general Luiz Eduardo Ramos (aquele que foi “atropelado por um trem”) para a Secretaria-Geral da Presidência, com o argumento de que a Casa Civil tomaria muito tempo de Nogueira, cuja principal tarefa seria a articulação política.

A ida de Ciro para a Secretaria-Geral da Presidência só fará sentido se for um desejo do próprio. Se for um recuo de Bolsonaro, porém, mesmo que o senador aceite a tarefa, será um sinal de que o empoderamento do Centrão no Palácio do Planalto foi apenas uma flor do recesso. A entrega da Casa Civil ao Centrão descontenta os seguidores de Bolsonaro nas redes sociais e os militares que controlavam a Esplanada, pois a Casa Civil tem um papel estratégico na coordenação da administração federal. Entretanto, na Secretaria-Geral, Ciro não terá a força política que seus aliados no Congresso esperam.

Não faltam motivos para a mexida no Palácio do Planalto na metade do terceiro ano de mandato. O tempo ruge para Bolsonaro, que lidou com o relógio como se esse não fosse o recurso mais escasso de seu mandato. O presidente da República perde o foco com atos de repercussão negativa e assuntos que não são prioritários, ainda que emulem seus seguidores. O tempo perdido já cobra seu preço nos indicadores do governo. Basta olhar para os problemas reais do país, a começar pela crise sanitária.

Ontem, sete capitais registraram falta de vacinas — Belém, Campo Grande, Florianópolis, João Pessoa, Rio de Janeiro, Salvador e Vitória —, o que é um atestado de incompetência do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Ou seja, quatro ministros depois, as falhas do governo federal na coordenação do combate à pandemia continuam. Mesmo com o Congresso em recesso, portanto, sem as sessões da CPI da Covid, Bolsonaro continua acumulando notícias negativas na Saúde. A vacinação avança num ritmo lento, apesar dos esforços dos estados para controlar a pandemia. A redução do número de mortes diárias — foram 578 óbitos causados pela doença e 18.999 novos casos notificados nas últimas 24 horas —, não apaga o trauma de 550 mil mortos.

Aposta na galinha
O mau desempenho do governo é escandaloso na saúde, mas isso não significa que, em outras áreas, tudo esteja bem. Houve um desmonte de políticas públicas na educação, com universidades e outros estabelecimentos federais de ensino à míngua, crise de financiamento na rede privada e evasão escolar generalizada. A ausência de uma política de habitação adequada somada à pandemia, apesar do bom desempenho do mercado imobiliário, multiplicou a população em situação de rua nas grandes e médias cidades. Na segurança pública, a liberação da venda de armas e a truculência policial fizeram explodir o número de mortes por arma de fogo — ou seja, a violência e a insegurança aumentaram.

Na área econômica, o agronegócio e a mineração vão bem, obrigado, porém, a política oficial de agressão ao meio ambiente cobra seu preço. As mudanças climáticas estão em toda parte e, com isso, as pressões internacionais sobre o governo aumentarão. As enchentes na Alemanha, na Holanda e em outros países europeus farão recrudescer os protestos e retaliações contra o governo brasileiro e produtos brasileiros. Ao mesmo tempo, aqui no Brasil, os incêndios provocados pela seca já começaram e ainda teremos uma crise energética. Bate à porta uma inédita onda de frio, para a qual muitos não estão preparados, e o governo não tem sequer um plano de contingência, apesar dos alertas dos meteorologistas.

Alta da inflação, juros subindo, 17 milhões de desempregados, mesmo com uma expectativa de crescimento em torno de 5% neste ano, o ambiente econômico é muito ruim para a maioria da população. Como acontece nas crises, os mais pobres estão mais pobres. Entretanto, a retomada do crescimento é um fator positivo, que alimenta as esperanças do mercado, do ponto de vista da rentabilidade das empresas, e do próprio Bolsonaro. Um voo de galinha da economia, em ano eleitoral, pode embalar o projeto de reeleição. Por essa razão, não se deve subestimar a aliança de Bolsonaro com o Centrão. Além de dar mais estabilidade ao governo no Congresso, pode impactar seu desempenho eleitoral, turbinando candidaturas de seus aliados nos estados e o desempenho do governo na ponta do clientelismo.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-centrao-no-telhado/

Ciro Nogueira aceita convite de Bolsonaro para ocupar a Casa Civil

Anúncio foi feito nas redes sociais pelo parlamentar, que falou em 'dedicação em busca do equilíbrio'

Ricardo Della Coletta, da Folha de S. Paulo

Presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI) aceitou o convite de Jair Bolsonaro para ser o novo ministro da Casa Civil.

O anúncio foi feito pelo parlamentar no Twitter. "Acabo de aceitar o honroso convite para assumir a chefia da Casa Civil, feito pelo presidente Jair Bolsonaro", escreveu Ciro. "Peço a proteção de Deus para cumprir esse desafio da melhor forma que eu puder, com empenho e dedicação em busca do equilíbrio e dos avanços de que nosso país necessita.


Na manhã desta terça-feira (27), o senador esteve no Palácio do Planalto por cerca de duas horas, para uma reunião com Bolsonaro.

A chegada de Ciro ao Planalto não deve ser a única mudança no primeiro escalão.

Pelo desenho definido, a reforma ministerial envolve trocas em três pastas: o senador pelo Piauí vai para a Casa Civil no lugar do general Luiz Eduardo Ramos Ramos, que deve passar para a Secretaria-Geral da Presidência —ocupada hoje por Onyx Lorenzoni.

Já Onyx deve ser titular do Ministério do Emprego e Previdência, a ser recriado com o desmembramento do Ministério da Economia.

Após o encontro no Planalto, Ciro compartilhou uma foto em que, além de Bolsonaro, também aparecem o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os ministros Ramos, Fábio Faria (Comunicações) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo). "Tenho certeza também de que contaremos com o apoio do meu querido amigo Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, nessa honrosa missão", disse o senador, na publicação.

Ao deixar o Planalto, Ciro apenas afirmou que a posse deve ser "o mais rápido possível" e confirmou a recriação do ministério do Emprego.

Também nesta terça, Ramos confirmou sua transferência para a Secretaria-Geral.

"Seja bem-vindo Ciro Nogueira ao time Jair Bolsonaro. Desejo muito sucesso na Casa Civil. Agradeço aos servidores que estiveram comigo nessa jornada e sigo em nova missão determinada pelo Presidente da República na Secretaria-Geral. Tenham certeza que mais uma vez darei o meu melhor em defesa do Brasil", escreveu Ramos em uma rede social.

O convite de Bolsonaro para que Ciro Nogueira vá para a principal pasta do Palácio do Planalto é a jogada mais robusta que o presidente fez até aqui para assegurar o apoio de partidos e da base de congressistas ao seu governo.

Parlamentares, sobretudo os do centrão, vinham pressionando pela saída de Ramos da Casa Civil.
A avaliação é que o general não tem traquejo político, falha na articulação com o Legislativo e breca demandas de senadores e deputados, como a liberação de emendas.

Há ainda a constatação de que, com a proximidade das eleições de 2022, é preciso ter alguém na Casa Civil que saiba dar visibilidade aos feitos do governo.

Aliados também esperam que Ciro Nogueira costure as alianças políticas necessárias para a campanha de reeleição de Bolsonaro.

A prioridade para articuladores políticos e dirigentes de siglas que hoje pretendem apoiar a campanha à reeleição de Bolsonaro é a reformulação do Bolsa Família e outras medidas que impulsionem a recuperação da economia em 2022, após a vacinação da população contra a Covid-19.

A aposta é que, com um programa de forte apelo popular e uma economia aquecida, o presidente deve conseguir recuperar a popularidade.

Atualmente, pesquisas indicam aumento na reprovação do governo e favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o pleito do próximo ano.

Ao trazer o senador para o coração do governo, Bolsonaro sela seu casamento com o centrão —grupo de legendas fisiológicas que, na campanha de 2018, era frequentemente criticado pelo então presidenciável.

O episódio que marcou o discurso contra a velha política na campanha foi protagonizado pelo atual ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno. "Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão", cantou o general num ato partidário de 2018. Em sua versão, ele canta “centrão” no lugar de “ladrão”, que consta na letra original composta por Ary do Cavaco e Bebeto Di São João.

Pouco mais de dois anos depois, o discurso mudou radicalmente. "Eu nasci de lá [do centrão]", afirmou Bolsonaro nesta quinta-feira (22), também em entrevista. "Eu sou do centrão."

A aproximação do chefe do Executivo com o centrão ocorre em um momento de extrema fragilidade do governo, quando Bolsonaro se vê ameaçado por mais de cem pedidos de impeachment e pelo avanço da CPI da Covid, que tem jogado luz sobre supostos casos de corrupção na gestão.

​Hoje o governo Bolsonaro tem 22 ministérios, 7 a mais do que os 15 prometidos na campanha eleitoral de 2018. Sob a gestão de Michel Temer (MDB), seu antecessor, eram 29 pastas.

A administração atual chegou a ter 23 órgãos com status de ministério. Porém, o Banco Central perdeu este status com a aprovação de sua autonomia.


Crescimento cíclico ou retomada sustentada - parte 2

A última década foi terrivelmente frustrante em termos de crescimento econômico

José Roberto Mendonça de Barros / O Estado de S. Paulo
Foto: Agência Brasil

O crescimento econômico é uma construção de longo prazo. O Brasil tem crescido pouco desde 1980. Imaginamos que o controle da inflação, desde o Plano Real, pudesse abrir as portas para uma nova era. Entretanto, a última década foi terrivelmente frustrante. Paramos de vez. 

Para sair de um buraco, primeiro é preciso parar de cavar. Por isso, para voltar a crescer, antes de tudo precisamos deixar de apostar em ações fracassadas.

Não é possível crescer com base em recursos derivados de atividades ilegais. O maior exemplo atual é o que ocorre na Amazônia: grilagem de terras, extração e exportação de madeira vinda de áreas públicas ou com documentos ilegais ou garimpos em áreas invadidas. A Região Norte não crescerá com essa base. 

Transferências para segmentos e regiões mais pobres têm mesmo de ocorrer, mas têm de ter propósito: bolsa-escola, médico de família, desenvolvimento da bioeconomia, recuperação florestal, pagamentos por serviços ambientais, pagamentos por serviços comunitários e tantos outros. 

Não é possível crescer com projetos inviáveis técnica e economicamente. A lista aqui é enorme. Um exemplo é a indústria naval. Outra é a obrigatoriedade de construir gasodutos e térmicas a gás em regiões sem o gás e sem grande consumo de energia (como está na atual lei sobre a Eletrobrás). Os experimentos fracassados de Ceitec e Unitec, que deveriam fabricar chips, são ilustrativos também. 

Também é evidente que projetos decorrentes de voluntarismo político e corrupção emperram o crescimento. As refinarias Abreu e Lima e Comperj torraram mais de US$ 30 bilhões sem retorno. Ao mesmo tempo, o Tribunal de Contas da União apontou a existência de algumas milhares de obras públicas federais inacabadas. O atual sistema de “emendas do relator” é mais um passo para gastar recursos em projetos paroquiais, no mais das vezes sem contribuição relevante para o crescimento ou com retornos sociais modestos. O processo de construção de um Orçamento com propósitos sensatos foi totalmente destruído na atual gestão. 

Não se cresce com instituições fracas e capturadas por lobbies e outros grupos de interesse, como é largamente comprovado na literatura econômica. O nome da Codevasf, que agora cuida até do Amapá, vem imediatamente à mente. 

Na mesma direção, inúmeras representações empresariais acabaram por se transformar em instrumentos de obtenção de vantagens do governo federal e do Congresso, com pouca preocupação com a evolução da inovação, produtividade e competitividade das empresas. 

Precisamos nos concentrar em desenvolvimento, reformas e ações que possam, de fato, trazer de volta o crescimento econômico.

Infelizmente, a política econômica atual pouco avança nesses quesitos, e é por isso que as projeções de crescimento para 2022 e adiante não passam de medíocres 2%. 

A desarticulada proposta da atual reforma tributária é mais um exemplo do que não deve ser feito: foi jogada no Congresso, e é seguro que sairá algo desfigurado, mantendo nosso sistema tributário complexo, caro e confuso.

A competitividade e viabilidade da economia têm de ser construídas passo a passo, numa perspectiva de longo prazo, partindo da criação de conhecimento, instituições e desenvolvimento tecnológico. O exemplo do agronegócio é o mais evidente à mão. Já está largamente comprovado que o setor vai adiante com duas bases muito sólidas: constante desenvolvimento tecnológico, base de sua competitividade, e uma participação intensa nas cadeias internacionais de suprimento agrícola. O investimento em educação especializada, técnica e superior, a força do sistema cooperativo e do crédito especializado também têm sido fatores relevantes. 

Por outro lado, nossa indústria está encolhendo, fechada em seu protecionismo e é cada vez menos competitiva. Ao mesmo tempo, é possível conhecer muitas empresas bem-sucedidas nestes últimos anos. Na maioria dos casos que conheço ocorreu algo muito semelhante ao já observado sobre o agronegócio: são empresas antes de tudo preocupadas com inovação e produtividade e, ao mesmo tempo, que buscam se colocar no mundo, participando das cadeias globais, criando músculos para superar as deficiências do custo Brasil. 

Só voltaremos a crescer de forma sustentada se esses sucessos forem mais generalizados.

*Economista e sócio da MB Associados.


Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,crescimento-ciclico-ou-retomada-sustentada-parte-2,70003788828


Quem tem medo do impeachment?

Engrossa a adesão de centro-esquerda e centro-direita à tese do afastamento de Bolsonaro, mas, em contrapartida, cresce a resistência da esquerda tradicional 

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Existe uma explicação para a surpreendente troca de ministros na Casa Civil, com a entrada do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, no lugar do general Luiz Ramos, transferido para a Secretaria-Geral da Presidência: Bolsonaro está com medo do impeachment, já não confia na liderança e na capacidade política do grupo de generais que o cerca e teme a deriva das Forças Armadas em apoio ao vice, Hamilton Mourão, um general de quatro estrelas escanteado pelo presidente da República. Entregar o coração do governo ao Partido Progressista — herdeiro da antiga Arena e do PDS, partidos que apoiaram o regime militar — foi a maneira que encontrou para evitar que a legenda governista embarque no impeachment, diante do desgaste de Bolsonaro e da pressão das ruas a favor do afastamento.

Os generais palacianos que mandavam e desmandavam no Palácio do Planalto levaram um baile dos políticos do Centrão, que se aproveitam do enfraquecimento do governo para abocanhar fatias maiores de poder e do Orçamento da União. O último lance dessa disputa de bastidor foi o vazamento da suposta ameaça feita pelo ministro da Defesa, Braga Netto, de que não haveria eleição sem voto impresso. O novo ministro da Casa Civil teria sido o portador do recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que vazaria a informação para as jornalistas Vera Rosa e Andreza Matais, do jornal O Estado de S. Paulo.

A dúvida é se o vazamento foi combinado entre os dois políticos ou não. Resultado: o general acabou na berlinda, mesmo tendo desmentido a informação, porque insistiu em defender a tese de que as urnas eletrônicas não são seguras, o que é uma forma de tumultuar o processo eleitoral, além de uma atitude inadequada para quem ocupa o cargo de ministro da Defesa. Nos bastidores da política de Brasília, todos sabem que Braga Netto põe pilha na radicalização de Bolsonaro e, para agradá-lo, constrange os comandantes militares, com exceção do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, bolsonarista convicto. A disputa entre os militares e os políticos do Centrão pelo controle político dos ministérios será a grande contradição interna do governo até as eleições.

A mudança coincide com o crescimento das manifestações de protesto contra o governo em todo o país, em parte, porque o avanço da vacinação permite que as pessoas se sintam mais seguras nas ruas, mas principalmente por causa dos quase 550 mil mortos por covid- 19 e do desmonte das políticas públicas. Esses protestos passaram por três estágios: no primeiro momento, foram manifestações convocadas pela esquerda mais radical e alguns sindicatos; depois, entraram em cena os partidos de esquerda tradicional e as centrais sindicais; agora, está se ampliando, com maior participação dos partidos de centro-esquerda, como PSDB e Cidadania, e os movimentos cívicos Vem Pra Rua, MBL, Agora,Acontece, Livres etc. Mas há contradições também na oposição.

Polarização eleitoral
O que une os protestos de rua é o “Fora Bolsonaro”, ou seja, a oposição ao governo; o impeachment de Bolsonaro empolga o senso comum oposicionista, mas não é unanimidade. Há setores que não concordam com a tese, porque afastar Bolsonaro significa entregar o governo ao general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, e abrir espaço para a consolidação da hegemonia militar, além de facilitar o surgimento de uma candidatura conservadora competitiva, que pode ser a dele próprio e/ou de outro candidato. Esse posicionamento parte sobretudo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião sobre as eleições de 2022.

Esse favoritismo do petista engrossa a adesão de setores de centro-esquerda e centro-direita à tese do impeachment, mas, em contrapartida, aumenta a resistência da esquerda tradicional ao afastamento, pois prefere um embate eleitoral com Bolsonaro. Há uma espécie de “me engana que eu gosto”. Uns fingem que querem o impeachment e só jogam para a arquibancada; outros dizem que são contra, mas, se houver necessidade de se livrar de Bolsonaro para permanecer no poder, não hesitarão em entrar na conspiração no Congresso, como já aconteceu antes com os presidentes Collor de Mello e Dilma Rousseff.

No terceiro ano de mandato, o governo Bolsonaro fracassa em três frentes: a econômica, a social e a sanitária. Até agora, não tem volume de entregas administrativas para garantir a própria reeleição. Bolsonaro confia o governo aos aliados do Centrão para sobreviver e chegar às eleições como alternativa de poder, na polarização com Lula. Para isso, precisa evitar o surgimento de um candidato competitivo de centro. Isso coincide com os interesses eleitorais de Lula, que também não quer uma “terceira via” que possa ameaçá-lo no segundo turno. Na velha dialética, essa é a lei da “unidade dos contrários”.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-quem-tem-medo-do-impeachment/

Toque de retirada

Já era tempo de o Ministério da Economia ter-se dado conta da extensão da vulnerabilidade a que está exposta a condução da política econômica

Salta aos olhos a escalada de dificuldades que vêm sendo enfrentadas pela condução da política econômica nos últimos meses, em decorrência da perda de ascendência do governo sobre o Congresso. Basta ter em conta episódios recentes mais marcantes para discernir os contornos de um processo, cada vez mais claro, de avanço do Centrão sobre a condução da política econômica.

Não é que o governo tenha perdido o controle do Congresso para a oposição. Longe disso. O que se observa é algo bem distinto. Fragilizado como está, o governo perdeu ascendência sobre o bloco parlamentar que supostamente lhe dá apoio. Matérias de seu interesse acabam, sim, sendo aprovadas pelo Congresso. Mas sempre à moda do Centrão. O governo já não tem como impedir que sejam brutalmente desfiguradas.

É o que fica claro quando se tem em conta os episódios do orçamento secreto, da pilhagem da privatização da Eletrobrás e, agora, da aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com amplo espaço para reedição do orçamento secreto, em 2022, e triplicação do financiamento público de partidos políticos nas eleições do ano que vem.

Já era tempo de o Ministério da Economia ter-se dado conta da extensão dessa vulnerabilidade tão séria a que está claramente exposta a condução da política econômica. E, dessa perspectiva, é fácil perceber quão temerária foi a decisão do governo de enviar ao Congresso, justo agora, um projeto tão complexo de reforma da tributação direta no País.

Mesmo que se tratasse de projeto cuidadosamente concebido e bem articulado, sobre o qual o governo tivesse inabalável convicção, ainda teria sido decisão imprudente, tendo em conta o alto risco de que, nas atuais circunstâncias, as medidas propostas acabassem desfiguradas no Congresso. Tendo em vista, contudo, que não se trata em absoluto de um projeto bem concebido e que, sobre ele, nem mesmo o Ministério da Economia se mostra convicto, a decisão já não pode ser considerada meramente imprudente. Só pode ser percebida como deplorável temeridade.

Constatados os furos, as inconsistências e as desarticulações do projeto, o que agora se vê é o complexo sistema de tributação de renda pessoal, lucros e aplicações financeiras no País sendo drasticamente reconcebido pelo Centrão, ao sabor de uma pororoca de lobbies de todo tipo. No Congresso, brinca-se com dispositivos e parâmetros tributários com a mesma leveza com que uma criança encaixa peças de um jogo de armar, ao acaso, sem maiores preocupações com o que está sendo montado. Não é excesso de pessimismo temer que disso dificilmente sairá um sistema de tributação direta melhor do que o que hoje se tem.

Vendo-se agora relegado a mero coadjuvante na tramitação da reforma no Congresso, o ministro da Economia tem razões de sobra para estar alarmado com o desfecho que poderão ter as negociações no Legislativo quando, afinal, o projeto for votado em plenário, na Câmara e no Senado.

Tudo indica que o presidente, devidamente alertado, já compartilha dessa apreensão. Há poucos dias, Bolsonaro achou oportuno esclarecer que, a seu ver: “Houve um exagero por parte da Economia na reforma tributária, já está sendo acertado com o relator. Realmente, a Receita, no meu entender, como é muito conservadora, foi com muita sede ao pote”. E acrescentou: “Mesmo sendo projeto meu, se passar no Congresso e chegar para mim aumentando a carga tributária, eu veto” (O Globo e Estadão, 21/7).

A ameaça de veto é uma solução descabida. Mas ainda há tempo de evitar o pior. Não é a primeira vez que o governo constata que submeteu ao Congresso um projeto equivocado e impensado. Quando isso ocorre, a solução natural é a simples retirada do projeto. É inegável que há muito o que aprimorar na legislação de Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas. Mas, nas atuais circunstâncias, o que de melhor o governo poderia fazer é retirar o projeto do Congresso e deixar a reforma que faria sentido para momento mais oportuno. Se o Centrão consentir, é claro.

*ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO


‘Polo democrático precisa construir agenda mínima e ter cara’, diz consultor estratégico

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

consultor estratégico Orlando Thomé Cordeiro faz um alerta sobre a necessidade de se criar uma alternativa aos nomes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “É imprescindível que o chamado Polo Democrático construa uma agenda mínima, olhando para frente, para o futuro”, afirma, em artigo publicado na revista Política Democrática Online de maio.

O polo democrático deve “deixar claro quais os pontos básicos que uma candidatura desse campo tem a oferecer para a população”, afirma, na publicação, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. “Em complemento, há que se produzir a narrativa adequada para que as ideias-força sejam comunicadas de maneira a emocionar, engajar e mobilizar”.

Veja a versão flip da 31ª edição da Política Democrática Online: maio de 2021

Na avaliação do consultor, a agenda e a narrativa mobilizadoras necessitam de um nome que as represente. “Precisa ter cara! Ser percebida pelo eleitorado como competitiva para conseguir chegar ao segundo turno e derrotar qualquer um dos dois atuais favoritos. É uma decisão pra já! Como disse o poeta, não temos tempo a perder”, escreve ele, na revista Política Democrática Online.

“É evidente que Bolsonaro não joga sozinho nesse campo, e a oposição não petista, mesmo não tendo encontrado ainda o melhor caminho para derrotá-lo, tem procurado se mexer. Uma coisa é certa, porém: uma dispersão de candidaturas provocará a repetição do que aconteceu em 2018”, afirma. “É possível evitar isso?”, questiona.

De acordo com Cordeiro, a polarização representada pelas candidaturas de Lula e Bolsonaro só interessa a eles. “Afinal, trata-se de um processo de retroalimentação. Não tem, no entanto, efeito prático algum criticar tal polarização sem apresentar alternativa capaz de atrair aquela parcela do eleitorado que prefere não votar em nenhum dos dois”, assevera.

Confira todos os autores da 31ª edição da revista Política Democrática Online

A íntegra do artigo de Cordeiro está disponível, no portal da FAP, para leitura gratuita na versão flip da revista Política Democrática Online, que também tem artigos sobre política, economia, tecnologia e cultura.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.

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‘Não se resolve economia sem prévia solução do problema da saúde’, afirma economista

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O economista Benito Salomão diz que é possível identificar, nitidamente, a diferença de desempenho de países que optaram por adotar enfrentamento sério e preventivo em relação à pandemia da Covid-19 e dos que assumiram uma “estratégia dúbia”. A análise dele está publicada na revista Política Democrática Online de maio (edição 31).

Produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania, a publicação tem todos os seus conteúdos disponibilizados, na íntegra, gratuitamente, no portal da entidade. “Os dados confirmam a teoria de que não se resolve a economia sem prévia solução do problema da saúde”, destaca Salomão.

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No total, conforme lembra o economista, 60 países que já apresentaram dados do PIB em 2020. Segundo ele, o primeiro grupo (China, Vietnã, Nova Zelândia, Noruega, Finlândia, Nigéria, entre outros) viram seu PIB variando entre -2% e 2%. Muito acima, portanto, da mediana dos 60 países, uma retração de -4,1%.

Esse desempenho, de acordo com Salomão, também foi muito superior a países que negligenciaram a doença no início (Reino Unido, México, Itália, França e Espanha) e que apresentaram retrações do PIB entre -8% e -10%.

De acordo com o autor do artigo publicado na revista Política Democrática Online, o Brasil apresentou um mergulho do PIB de -4,1% em 2020, o maior da sua história e, paralelamente a isto, uma taxa de óbitos de 130 para cada 100 mil habitantes, o dobro da média mundial de 62 mortes por 100 mil.

Por outro lado, segundo o economista, países como Nova Zelândia, Coreia do Sul e Vietnã têm taxas próximas de 0 mortes por 100 mil. “Há, portanto, clara correlação entre número baixo de mortes e o amortecimento dos impactos sobre a atividade”, afirma.

O desempenho do Brasil, na avaliação de Salomão, é ainda pior ao se considerar a expansão fiscal patrocinada pelo governo no exercício de 2020. Ao todo, o pacote fiscal brasileiro para o enfrentamento da COVID-19 teve magnitude de 12% do PIB, algo muito semelhante à Turquia, que gastou 12,8%, mas teve taxa de mortos de 40 para cada 100 mil habitantes e um crescimento econômico de 2% em 2020.

“O pacote fiscal brasileiro foi o dobro do governo de Israel, que gastou 6,1% do PIB e quase o triplo da Noruega (4,3% do PIB). Em outras palavras, o Brasil gastou, mas não gastou com efetividade, negligenciou a compra de vacinas e suavizou pouco o ciclo econômico”.

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A íntegra do artigo de Salomão está disponível, no portal da FAP, para leitura gratuita na versão flip da revista Política Democrática Online, que também tem artigos sobre política, economia, tecnologia e cultura.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.

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Benito Salomão: Democracia e política fiscal

A resposta anunciada pelo presidente americano à crise da covid-19 repercutiu no Brasil. Ao todo, serão desembolsados pelo Tesouro dos Estados Unidos (EUA) alguns trilhões de dólares para fomentar setores emergentes intensivos em tecnologia de fronteira, ambientalmente sustentáveis e de alta produtividade. Para financiar o ambicioso programa, o presidente Biden pretende elevar impostos corporativos e a progressividade da carga tributária americana, isto é, setores econômicos de baixa produtividade e famílias com maior capacidade de pagamento devem contribuir mais com o plano econômico do democrata e financiar indiretamente a emergência da nova economia. Ainda assim, medalhões da academia norte-americana, como Lawrence Summers, criticam o programa, cuja escala é inédita e apresenta riscos de sobreaquecimento da economia do país, cujo efeito colateral mais visível a curto prazo é a inflação.

Voltemos nossos olhos ao Brasil. Aqui, o Bid Economics, como é chamado o plano, é celebrado por setores mais simpáticos ao dirigismo estatal e crentes na expansão do gasto público como um vetor do desenvolvimento. O Plano Biden tem muitos elementos que podem ser aproveitados, sim, pela economia brasileira. A noção de incentivar uma economia de baixo carbono, o desenvolvimento científico de fronteira e a recuperação da infraestrutura são gargalos históricos deste lado dos trópicos. Da mesma forma, o Brasil é uma espécie de paraíso de milionários, que são subtributados quando comparados relativamente com as classes médias e as camadas mais humildes da população.

O Plano Biden ainda terá chances de mostrar a que veio. Ficaremos atentos, sempre há uma certa defasagem entre o lançamento de um plano promissor e suas consequências na prática. O prêmio Nobel de economia James Buchanan, em livro publicado com Richard Wagner, em 1977, apontou as consequências de longo prazo de deficits públicos sobre a economia americana. A primeira consequência é a expansão do tamanho do governo como proporção da renda nacional. Para os autores, o acúmulo consecutivo de deficits fiscais levaria, no longo prazo, a um crescimento do setor público acima do setor privado. Mas essa é a menor das consequências, deficits públicos precisam ser considerados à luz de suas fontes de financiamento que são basicamente três:

Tributos — no modelo macroeconômico tradicional —, o gasto público atua estimulando a demanda agregada e o crescimento econômico, os impostos, por outro lado, atuam desestimulando. Em ensaio publicado em 2019, este autor chamou a atenção para a utilização de instrumentos tributários e de gastos públicos adequados para que os efeitos multiplicadores de uma expansão das despesas se sobrepusessem aos efeitos dos tributos. Em outras palavras, é pouco produtivo para a economia criar deficits que serão financiados por impostos distorcivos e recessivos para financiar despesas de custeio com baixo efeito multiplicador sobre a atividade.

Dívida — até muito recentemente —, se acreditava que a absorção de deficits públicos via dívida pública não apresentava maiores custos macroeconômicos. Em 2010, no entanto, ensaios dos prestigiados economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff estimaram que dívidas soberanas superiores a 90% do PIB exercem efeitos prejudiciais sobre o crescimento econômico. Ademais, Robert Barro, em 1974, apresentou o conceito de equivalência Ricardiana, em linhas gerais, o autor argumentava que a contração de deficits fiscais no presente levaria a uma elevação a posteriori da carga tributária. Ou seja, gasta-se hoje para tributar amanhã.

Finalmente, inflação, que é a consequência macroeconômica mais severa de desequilíbrios macroeconômicos causados por deficits públicos. Phillip Cagan chegou a comparar os efeitos da inflação semelhantes aos efeitos de um imposto indireto, que reduz a renda disponível dos consumidores.

Mas, voltando a Buchanan e Wagner, a principal disfunção causada por um deficit público é o desequilíbrio causado nas democracias, em que eleitores preferem mais bens e serviços públicos e menos impostos, políticos têm o incentivo de atender tais demandas visando à permanência no poder. Dado que os deficits apresentam benefícios no presente e custos no futuro, é viável para políticos ampliarem as despesas, deixando o ônus do ajuste para o sucessor, o que causa um viés nas democracias e é um incentivo ao populismo. No Brasil, regras fiscais foram pensadas para precaver tais atitudes; devemos preservá-las.

BENITO SALOMÃO — Economista do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Fonte:

Correio Braziliense

https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/05/4925185-artigo-democracia-e-politica-fiscal.html