Economia
Evandro Milet: Capitalismo brasileiro consegue avançar aos tropeções
É animador, por exemplo, perceber que privatizar não é mais um palavrão, a não ser para a esquerda mais corporativista
Evandro Milet / A Gazeta
Nós costumamos reclamar, com razão, das mazelas do capitalismo brasileiro. Capitalismo de laços ou de compadrio, insegurança jurídica, burocracia, protecionismo, custo de capital, lobbies setoriais, corrupção, subsídios indevidos ou intermináveis, manicômio tributário, legislação trabalhista, ambiente de negócios em geral etc. etc. etc.
Mas será que absolutamente nada mudou ou nada aconteceu de positivo nos últimos anos? Depois do desastre do governo Dilma, aprendemos o que é pedalada, que não se deve mascarar as contas públicas, que não se pode baixar juros na marra e que intervenções voluntaristas no mercado de energia geram contas mais altas. Aprendemos que apesar das reclamações, o teto de gastos segurou os jabutis que eram incluídos sistematicamente no orçamento e disciplinou a ideia de que despesas devem apresentar de onde vem a receita correspondente.
Aprendemos também que essa disciplina fiscal permitiu baixar juros provocando uma saudável debandada das aplicações de renda fixa para investimentos de risco e a explosão dos investidores privados na Bolsa e nas inúmeras startups que pipocam pelo país inteiro. Com isso, muitos financiamentos antes custeados pelo Tesouro no Bndes, com alto custo fiscal, foram substituídos por investimentos privados via IPO’s - que muitos não sabiam o significado - ou outras emissões.
Juros baixos também turbinaram a construção civil com crédito imobiliário e lançamentos que enchem as páginas dos jornais. Aqueles que ainda acham que o governo deve comandar a economia começam a perceber que esses rudimentos de ambiente de negócios saudável já demonstram que nem precisa o governo se meter. Ou se meter com muito cuidado para, principalmente, destravar caminhos. Ou se meter para fazer privatizações, concessões ou PPPs. Animador é perceber que privatizar não é mais um palavrão, a não ser para a esquerda mais corporativista que não tem noção da ineficiência de operação de governos quaisquer pelo rigor da contratação de pessoas e insumos e pela avalanche de órgãos fiscalizadores que fazem tremer a caneta de qualquer burocrata, ameaçado no CPF.
E a legislação trabalhista? Todos os candidatos a empreendedor pensavam dez vezes antes de contratar empregados, conhecendo inúmeras histórias de decisões trabalhistas esdrúxulas em benefício indevido de empregados e morriam de medo de passivos trabalhistas impagáveis. Fora a insanidade medieval de não permitir terceirizações de atividade-fim, o que inviabilizaria no Brasil uma Apple ou Nike que projetam produtos e contratam execução onde der. Isso mudou com nova legislação, facilitando a contratação de pessoal, apesar de reclamações indevidas de precarização ou de eventuais decisões dissonantes de alguns juízes.
Justiça seja feita à equipe do Ministro Meirelles no Governo Temer, responsável por grande parte dessas iniciativas.
Do lado das grandes empresas muita coisa mudou. A Lava Jato, por mais que se reclame de eventuais excessos, criou uma preocupação saudável contra a corrupção. O compliance se espalhou pelas grandes com legislação específica e o quase pavor de apoio a políticos e a ameaça de quebrar a empresa, além do medo generalizado de combinar negócios escusos que poderiam aparecer cristalinos em delações premiadas.
Mudou também, com a globalização e as exigências crescentes dos consumidores internacionais, quanto às iniciativas de diversidade e sustentabilidade ambiental, agora sintetizadas na sigla ESG. Muitos ainda reagem às iniciativas de grandes empresas aos processos de admissão de pessoas negras ou de variadas orientações sexuais defendendo uma visão antiga de meritocracia, indefensável frente à desigualdade social. Esses terão que atualizar seus conceitos sob pena de serem engolidos por boicotes ou processos.
Não há dúvida que estamos longe ainda de um saudável ambiente de negócios. As reformas não andam, a nossa classificação como país nos critérios internacionais de competitividade continua lá na rabeira, a produtividade fundamental para o crescimento não avança e a educação está à deriva, com o Ministério entregue sucessivamente a pessoas despreparadas. E agora volta a ameaça de inflação e dos juros altos.
Que os sinais positivos ajudem a evitar um retrocesso que se avizinha perigosamente.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/capitalismo-brasileiro-consegue-avancar-mesmo-que-aos-tropecoes-0821
Marcus Pestana: Com a inflação não se brinca
País conviveu com índices anuais de inflação de dois dígitos entre 1954 a 1994, chegando a mais de 200% em muitos deles
Marcus Pestana / O Tempo
Se não bastassem os graves efeitos da atual crise, um assunto volta a povoar as preocupações da sociedade brasileira: a inflação. Na história econômica do capitalismo brasileiro, a inflação alta é uma característica crônica. As novas gerações não vivenciaram na pele os efeitos de uma inflação alta, graças ao êxito do Plano Real, desencadeado em 1994, um dos mais engenhosos e bem sucedidos planos de combate à inflação de todo o mundo.
O Brasil conviveu com índices anuais de inflação de dois dígitos em todos os anos de 1954 a 1994, chegando em muitos deles a mais de 200%. O recorde foi em março de 1990 com um índice de 83,95% em um único mês. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgou a revisão de sua projeção de inflação medida pelo IPCA para 2021 de 5,9% para 7,1%. Isto é muito superior ao centro da meta inflacionária de 3%. Seria um movimento episódico em função da pandemia ou uma tendência de perda de controle? É cedo para dizer, mas com inflação não se brinca.
Algumas correntes teóricas equivocadas defendem uma certa complacência com a inflação em troca de um índice maior de crescimento da economia. Mas a inflação, a partir de certo nível, ganha dinâmica própria e acarreta graves consequências sociais e políticas. Basta lembrar a experiência histórica mais emblemática, a hiperinflação alemã da República de Weimar, que chegou a 29.500% ao mês entre 1922 e 1923, e foi a incubadeira do “ovo da serpente” nazista. Claro que estamos longe disso.
A inflação é caracterizada pela alta geral, contínua e persistente dos preços. Quando cresce a patamares elevados torna “o orçamento familiar uma peça de humor negro e o orçamento público uma obra de ficção” como certa vez descreveu o professor Luiz Gonzaga Belluzzo. A inflação se transforma num biombo atrás do qual se operam brutais transferências de renda. É um tema de fácil percepção popular. A carestia dos alimentos e a inflação geral é sentida por todas as donas de casa no supermercado e por todos os trabalhadores. A inflação já elegeu e derrubou governos.
As causas da inflação brasileira são várias. Déficits públicos, quando financiados por expansão monetária, podem pressionar os preços pelo aumento da demanda, se não houver capacidade ociosa na economia. Choques de custos resultantes do encarecimento das importações ou até de fatores climáticos, como os atuais aumentos da energia e dos alimentos, também têm o seu papel.
As incertezas quanto ao futuro político e econômico, como também ocorre em nossos dias, podem desencadear posturas defensivas na fixação dos preços. A estrutura oligopolizada gerando baixa concorrência e o fechamento da economia que inibe a competição, como é nosso caso, também resultam em inflação. A queda da produtividade que determina baixa eficiência e competitividade também alimenta a espiral. A rigidez do mercado de trabalho excessivamente regulado gera inflação. E o componente inercial, que esteve fortemente presente no Brasil no início dos anos de 1980 e início dos 90, provoca uma dinâmica autônoma onde inflação gera mais inflação.
Portanto, as políticas clássicas ortodoxas de aperto fiscal e monetário são insuficientes. O buraco é mais embaixo. Temos que persistir na transformação estrutural da economia através das reformas para que a estabilidade conquistada pelo Plano Real seja preservada.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Fonte: O Tempo
https://www.otempo.com.br/politica/marcus-pestana/subscription-required-7.5927739?aId=1.2533789
Ascânio Seleme: O poder político é civil
Ideia de reunião com os chefes das três Forças Armadas é oferecer poder político a quem por direito constitucional não o tem
Ascanio Seleme / O Globo
Não se deve oferecer poder político a quem por direito constitucional não o tem. A ideia dos governadores de se reunirem com os chefes das três Forças Armadas para medir a temperatura e tratar das manifestações do dia 7 de setembro é exatamente isso, dar força e poder político aos militares. O Brasil não precisa disso numa hora como esta. Conversar com os chefes militares pode até ocorrer, mas informalmente e nunca de maneira concertada e coletiva. No caso, os militares têm um dever constitucional e a ele devem se ater. Se ocorrer um badernaço de policiais militares armados no dia 7, caberá às Forças Armadas intervir para manter a lei e a ordem, como manda a Constituição. E ponto.
Generais só devem ser ouvidos sobre questões militares ou que envolvam atividades fora das definições constitucionais em que as Forças Armadas possam ser empregadas. Se um governador precisar da ajuda do Exército para abrir uma estrada ou construir uma ponte, por exemplo. Ou se um ministro precisar do serviço da Aeronáutica para transportar vacinas para um local que não é servido por linhas aéreas comerciais. Conversar com militares sobre suas atribuições constitucionais é chover no molhado. Sabem o que o general Paulo Sérgio, comandante do Exército, responderia aos governadores se estes lhes perguntassem como agiria em caso de baderna no 7 de setembro? Que agiria de acordo com o que determina a Constituição.
Aliás, o general Paulo Sérgio disse esta semana que o Exército respeitará sempre seus limites constitucionais. Falou isso no discurso que fez no dia do soldado. Foi claro diante do presidente da República, que ouviu calado. Mesmo que Jair Bolsonaro tente dar um golpe (e vai tentar), não será no dia 7 de setembro deste ano. E no momento em que tentar, pelo que se ouviu no dia do soldado, será rechaçado pelo Exército. Poderá ter o apoio de policiais militares? Sim. Mas estes nada podem sozinhos, não são organizados nem disciplinados. Sua reputação é péssima em todas as unidades da federação, ao contrário das Forças Armadas, uma das instituições mais respeitadas do país.
Exército, Marinha e Aeronáutica jamais se subordinarão a um golpe engendrado pela PM que, embora seja uma força de segurança pública, também em muitos casos é sinônimo de violência e terror. Tampouco as Forças Armadas se aliarão às milícias, quase todas formadas por ex-oficiais e ex-praças das PMs e dos Bombeiros. O que resta a estes agitadores que pretendem se manifestar armados no dia 7 é a baderna.
Usar a arma da corporação para se manifestar em vias públicas e ameaçar a democracia é crime. PMs armados em ato civil são declaradamente covardes. Qualquer ato de violência que vier a ocorrer será de responsabilidade destes que desrespeitam as leis e a Constituição. E devem ser punidos. É importante que os opositores de Jair Bolsonaro entendam isso e não insistam em se manifestar no mesmo dia. Podem dar o argumento que os extremistas precisam para iniciar a baderna e responsabilizar o outro lado.
Embora o Congresso estude uma quarentena de cinco anos para militares disputarem eleição, ninguém tem medo de medir forças com eles. Mas que venham desarmados, sem as fardas, reformados, e pelo voto. Em 2018, arrastados pelo fenômeno que elegeu Jair Bolsonaro, 72 militares foram eleitos para exercer mandatos nas câmaras estaduais e federal e no Senado. Menos de 5% dos 1626 parlamentares eleitos naquele ano excepcional. Dos 27 governadores eleitos, dois são militares reformados.
Todos os militares foram eleitos depois de se reformarem. Embora muitos usem seus antigos cargos antes do nome, como o ex-senador major Olímpio, nenhum deles é mais militar. São todos civis e só por isso foram habilitados para disputar um cargo eletivo. O poder político é civil no Brasil, manda a Constituição. Quer usar farda e armas pagas pelo Estado? Então fique no quartel. A beleza da democracia é que o eleito será sempre aquele que o povo escolher. Pode ter sido coronel, sargento, professor ou advogado, pode nem ser o melhor, mas sempre será um civil escolhido pelos eleitores de maneira livre e secreta.
Negociar o quê?
Os governadores, liderados por João Doria, erram ao tentar negociar com o presidente Jair Bolsonaro. Não há o que negociar. Não há mais diálogo possível com o chefe do Executivo. Os entendimentos têm que ser feitos com os Poderes Legislativo e Judiciário, com os setores organizados da economia, o agronegócio incluído, com sindicatos patronais e profissionais, com a comunidade acadêmica e com a sociedade civil. É impossível pacificar o país convencendo Bolsonaro que o caminho moralmente aceito e constitucionalmente possível não é o dele.
Não chamem os bombeiros
Neste momento, bombeiros apenas atrapalham o percurso que o Brasil terá de seguir até se ver livre de Bolsonaro. O ministro Luiz Fux já tirou o uniforme e o capacete e voltou a usar a toga.
Cabeça de bozo
Os brasileiros lotaram as praias e os parques no fim de semana passado. Ipanema, vista de quem andava do outro lado da calçada, parecia viver um veranico normal, como se estivéssemos em agosto de 2019. Havia de tudo naquela orla, menos máscaras. Ah, sim, faltaram também as bandeiras do Brasil.
Beija mão 1
O presidente parece mesmo disposto a destruir a candidatura de André Mendonça para o Supremo. Jogou Mendonça aos lobos ao informar aos apoiadores do seu curralzinho no Alvorada que o candidato a juiz se comprometeu de rezar na primeira sessão de cada semana da Corte e com ele almoçar uma vez por semana.
Beija mão 2
Quem notou o gesto e já fez um rápido movimento para ocupar o vácuo involuntário deixado por André Mendonça foi o ministro do STJ João Otávio Noronha.
Beija mão 3
O apoio do pastor Silas Malafaia ajuda ou atrapalha a candidatura de Mendonça? Se desse para agradecer e dizer “não, obrigado”, essa era a hora.
Nosso Rio
Muito bom o Instagram da Prefeitura do Rio. Moderno, ágil, didático, bem humorado. Vale como uma aula de comunicação.
Melhor calar
Lula é mesmo muito corajoso. Podia ficar na dele, calado sobre assuntos polêmicos em que o PT está do lado errado da corda esticada. No caso da censura à imprensa, apelidada de regulação da mídia pela sua turma, Lula disse que será prioridade em seu governo. Por falar demais, deixou escapar sua real motivação: “Eu vi como a imprensa destruía o Chávez”. Significa que é melhor calar a imprensa antes de ouvir dela denúncias contra o seu governo. Na Venezuela, aliás, a imprensa foi dizimada por Chávez e Maduro.
Respeitem os índios
Não é de hoje que os índios brasileiros são desrespeitados e vilipendiados por seus conterrâneos não originários. Quase todos os ataques que sofrem têm natureza econômica em razão da ocupação e exploração de terras. Mas eles também sofrem preconceitos racistas facilmente identificados. O que os índios brasileiros querem é viver em paz nas suas terras. E querem também, se entenderem ser este o caso, ter o direito de eles próprios explorarem seus recursos naturais e suas áreas agricultáveis. Deve-se respeitar o índio como nosso mais rico patrimônio antropológico.
Pobre Minas
Quem achava que Minas Gerais não poderia chegar mais fundo no poço em que se meteu, surpreendeu-se com a aparição de Romeu Zuma, na cola do meteoro Bolsonaro de 2018. O governador causa mais vergonha aos mineiros do que um de seus mais célebres antecessores. Minas está cada vez mais parecida com o Rio. Acha o governador atual ruim? Corrupto? Espere o próximo.
Chora mais
Fabio Rigo, herdeiro da empresa que produz o arroz Prato Fino, atacou o SUS no seu Twitter, disse que teve Covid sem sentir cócegas, que não vai se vacinar e concluiu com a frase imortal dos abusados: “Quem pode mais, chora menos”. O tweet foi postado 16 horas depois de o Grêmio, seu time de coração, levar de 4 X 0 do Flamengo. Com todo respeito aos demais gremistas, chora mais, Rigo.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/o-poder-politico-civil-25174643
Triunfo eleitoral, mais distante, sempre foi o plano B de Bolsonaro
O plano A é um golpe de Estado, com a submissão do Judiciário e do Congresso ao 'meu Exército'
Demétrio Magnoli / Folha de S. Paulo
Munique tornou-se, desde setembro de 1938, um nome polissêmico. A capital da Baviera alemã passou a evocar “apaziguamento” e, ainda, “traição”. No Brasil de hoje, Munique é Brasília, desde que o comando do Exército recusou-se a punir Eduardo Pazuello. Dependendo da conclusão do caso do coronel Aleksander Lacerda, logo será São Paulo.
No Rio de Janeiro, em 23 de maio, Bolsonaro pronunciou um discurso subversivo, em ato de rua. Ao seu lado, no palanque, estava Pazuello, que também discursou. Duas semanas depois, uma nota do Exército comunicou o arquivamento do processo administrativo instaurado contra o general da ativa.
Munique: Neville Chamberlain e Édouard Daladier entregaram os Sudetos a Adolf Hitler. Brasília: Paulo Sérgio de Oliveira jogou à lata de lixo o Regulamento Disciplinar do Exército que proíbe manifestações públicas políticas de militares de ativa.
O “chavismo de direita” de Bolsonaro, na precisa expressão de Rodrigo Maia, subverte a ordem democrática na tentativa de dissolver a fronteira legal que separa os homens em armas da atividade política. O triunfo eleitoral, horizonte cada vez mais distante, sempre foi o plano B do presidente. Seu plano A é um golpe de Estado: a submissão do Judiciário e do Congresso ao “meu Exército”.
O “meu Exército” bolsonarista não é o Exército brasileiro, mas uma milícia nucleada por militares amotinados. A agitação subversiva no interior das Forças Armadas ainda não ganhou tração, apesar do espaço aberto pelo apaziguamento do comandante do Exército. Nas polícias militares, porém, ergue-se um Partido Bolsonarista cujos contornos delineiam-se com nitidez às vésperas dos atos golpistas de 7 de Setembro.
Nas quase 400 mensagens que publicou em agosto, o militante bolsonarista Aleksander Lacerda, que veste uniforme de coronel da PM, insultou reiteradamente o governador paulista e o presidente do Senado. Mas, sobretudo, convocou seus “amigos” —ou seja, os 5.000 policiais de sete batalhões que comandava— aos atos subversivos.
Não são gestos de um solitário desvairado, mas lances de uma estudada provocação. Lacerda testava os limites, investigava a firmeza da coluna vertebral de João Doria. Sua conclusão provisória é que São Paulo pode ser Munique.
“Ele tem de ser severamente punido sob o ponto de vista administrativo e sob o ponto de vista penal-militar. Se não, vamos instalar a balbúrdia na instituição”, alertou o coronel Glauco Carvalho, ex-comandante de policiamento da capital do estado.
Doria, porém, preferiu classificar o comportamento de Lacerda como “inadequado” e afastá-lo de seu comando, entregando-o à Corregedoria da PM. A “balbúrdia” está a apenas um tiro de distância.
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) já firmou entendimento de que governadores têm a prerrogativa de expulsar oficiais da PM, via processo administrativo, sem prejuízo de julgamento pela Justiça Militar. Contudo, em São Paulo, o apaziguamento começa a fazer seu curso. Simulando cegueira, Doria descreveu a conclamação de Lacerda ao motim como um “fato pontual”.
Enquanto o governador praticamente encerrava o assunto, a facção bolsonarista da PM paulista organizava caravanas de ônibus de policiais que, à paisana, pretendem participar das manifestações do 7 de Setembro.
“A solução do problema da Tchecoslováquia é o prelúdio de um acordo mais amplo pelo qual toda a Europa pode encontrar a paz”, declarou Chamberlain ao retornar de Munique. Segundo a teoria do apaziguamento, a paz vale a traição. Trump e Biden aplicaram a tese ao Talibã, assinando um acordo pelo qual o governo afegão libertou 5.000 combatentes inimigos, que retornaram de imediato ao campo de batalha.
“Vocês tiveram a escolha entre guerra e desonra. Escolheram a desonra, e terão a guerra”, fulminou o sucessor de Chamberlain. Cabul caiu 16 meses após o acordo. Hitler atacou um ano após Munique.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2021/08/triunfo-eleitoral-cada-vez-mais-distante-sempre-foi-o-plano-b-de-bolsonaro.shtml
Cristina Serra: Progressistas, acordem!
Em setores da oposição ao fascismo, prevalece aparente falta de estratégia e/ou predominância de projetos pessoais
Cristina Serra / Folha de S. Paulo
Eleito no embalo do golpe de 2016, do lava-jatismo e da insânia bolsonarista, o Congresso atual é o pior do período pós-redemocratização. Exceção deve ser feita a uma minoria atuante, porém insuficiente para se contrapor às pautas que destroem o Estado brasileiro e aprofundam as desigualdades e injustiças na nossa sociedade.
A Câmara foi sequestrada pela perversa aliança do centrão com a extrema direita, o que garante a permanência do arruaceiro no Palácio do Planalto e rebaixa o Parlamento. Qualquer novo governo comprometido com princípios civilizatórios elementares terá muita dificuldade de reverter o dano sem uma maioria progressista de deputados e senadores.
Em setores da oposição ao fascismo, porém, prevalece aparente falta de estratégia e/ou predominância de projetos pessoais. Em que pese a legitimidade dessas ambições, é hora de reocupar o Congresso. Todos com potencial de puxar votos para eleger bancadas expressivas têm que ser chamados para ajudar a restabelecer a normalidade institucional.
O estrago feito por talibãs de gravata como Eduardo Cunha e Arthur Lira (PP-AL) é autoexplicativo.
Além de reeleger os progressistas que já estão lá, é importante levar para o Congresso figuras públicas como Marina Silva, Flávio Dino, Miro Teixeira, Cristovam Buarque, Manuela D’Avila, Eduardo Suplicy, Nelson Jobim, Fernando Haddad, Guilherme Boulos e muitos outros que poderão, inclusive, atrair novas lideranças para a política.
É imperativo que a oposição progressista repense candidaturas estaduais. De que adiantará ter presidente e governadores democratas se o centrão, fundamentalistas do mercado e bancadas BBB (boi, bala e bíblia) mantiverem seu poder de chantagem? Ganhar a Presidência não será fácil, tampouco suficiente. Ou se retoma a civilidade no Congresso Nacional ou o país levará décadas para se recuperar da desgraça que a atual legislatura e esse desgoverno genocida estão executando com alguma competência.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/08/progressistas-acordem.shtml
Marco Antonio Villa: Precisamos salvar o Brasil do bolsonarismo
Bolsonaro quer que a oposição vá para o pau-de-arara, seja torturada e morta. Só não o fez ainda graças à ação corajosa do STF
Marco Antonio Villa / Revista IstoÉ
Os tambores das tropas de assalto bolsonaristas anunciam o golpe. Não há dia sem alguma notícia de ameaça ao Estado democrático de Direito. Jair Bolsonaro vocifera com ódio contra a democracia. A mesma democracia que abriu caminho para que chegasse à Presidência, isto após trinta anos de vida parlamentar. Houve um erro, grave erro, dos poderes constituídos que assistiram passivamente Bolsonaro atacar os fundamentos constitucionais, defendendo abertamente a supressão da Carta de 1988. Esta ação criminosa permitiu que numa conjuntura de enfraquecimento das instituições, em um momento de angústia e desespero frente aos sucessivos casos de corrupção, da falta de candidaturas que lessem a conjuntura e conseguissem entender o sentimento dos brasileiros cansados e frustrados com os presidentes recentemente eleitos, deu a Bolsonaro a chance de chegar ao posto de chefe do Executivo federal.
Do interior do aparelho de Estado, Bolsonaro foi diuturnamente solapando as bases democráticas construídas com tanto esforço desde os anos 1980. Ele representa os derrotados, a extrema-direita que foi enxotada do governo, que durante 21 anos se locupletou em nebulosas transações, que organizou um sistema repressivo para exterminar criminosamente os opositores à ditadura. Não é acidental que faça loas ao covarde coronel Ustra, transformando-o em seu herói. Para ele, a oposição tem de ir para o pau-de-arara, deve ser torturada e morta. Só não o fez ainda, graças à ação corajosa e republicana do Supremo Tribunal Federal. Se não estamos em uma ditadura — e desde o ano passado — é graças ao STF.
Estamos nos aproximando da hora decisiva. O Brasil não aguenta mais tanta turbulência política, tanto ódio, incompetência administrativa, falta de projeto de governo, tantos mortos da pandemia. Estamos alcançando a macabra marca de 600 mil óbitos. No País, em um ano e meio de pandemia e sem nenhum tiro — graças ao planejamento do genocida Bolsonaro — tivemos quatro vezes mais mortos do que em vinte anos de guerra no Afeganistão. Precisamos salvar o Brasil da sanha nazifascista, do bolsonarismo. Roubaram até a nossa bandeira. Temos de dizer: tirem as mãos do pavilhão nacional. Ele representa as lutas do povo brasileiro. Fiquem com a suástica e o fascio. A bandeira verde e amarela é nossa.
O Brasil não vai resistir a um processo eleitoral, no ano que vem, tendo Bolsonaro na Presidência. Ele quer completar a sua obra ensanguentando o País. Temos de resistir, antes que seja tarde demais.
Fonte: Revista IstoÉ
https://istoe.com.br/precisamos-salvar-o-brasil-do-bolsonarismo/
Governo e Centrão ainda parecem perplexos diante da piora da economia
Até o final do último semestre, o cenário era de festa, com retomada econômica e o aumento recorde de arrecadação
Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo
Com os preços dos alimentos e combustíveis em alta e o tarifaço da conta de luz mostrando a sua cara, o presidente Jair Bolsonaro achou por bem recomendar a todos os brasileiros que comprem fuzil, mesmo que seja caro.
Parece piada de mau gosto, mas não é. É o presidente falando: “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Aí tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se você não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, disse Bolsonaro numa fala odiosa e desrespeitosa com os brasileiros que estão penando com os efeitos da inflação.
É a última pérola de uma semana marcada por declarações de integrantes do governo que sintetizam o estado de desorganização na condução dos múltiplos problemas mais urgentes do País, como a inflação e a crise energética, temas que estão deixando o presidente e o governo ensandecidos.
PAULO GUEDES, MINISTRO DA ECONOMIA
Jair Bolsonaro achou por bem recomendar a todos os brasileiros que comprem fuzil. Foto: Evaristo Sá/AFP
“Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara?”, indagou o ministro Paulo Guedes. “Como gerar emprego com uma CLT tão rígida?”, questionou Bolsonaro.
“Cadê a grande deterioração fiscal?”, perguntou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que na semana anterior dissera que era impossível controlar a inflação com o fiscal descontrolado. Perguntas cujas respostas teriam de ser dadas por aqueles que estão questionando.
Campos Neto já suavizou o discurso do descontrole fiscal porque sua fala desagradou aos seus colegas da equipe econômica do lado de lá, no Ministério da Economia. Foi lembrado que os dados das contas públicas melhoraram nos últimos meses, enquanto a inflação acumulada em 12 meses tem assustado e chegou à marca de dois dígitos em quatro capitais na prévia de agosto.
A fala do presidente do BC também não foi bem recebida pela ala política, que viu na declaração uma crítica direta aos governistas do Centrão, grupo com fama e prática de gastador, mas que está preocupado com o prejuízo eleitoral de alta de preços persistente.
Campos Neto continua, porém, com excelente trânsito com o mundo político, que volta e meia elogia seu trabalho no BC em contraponto ao ministro Guedes, que voltou a ser alvo dos aliados do Centrão.
Governo e Centrão parecem ainda perplexos diante da piora do quadro econômico. Até o final do último semestre, o cenário era de festa, com retomada econômica e o aumento recorde de arrecadação. Dados positivos que alimentaram os instintos mais primitivos da gastança pré-eleitoral, e que agora cobram o seu preço. Todos acreditando que o Brasil ficou rico durante a pandemia pelo ciclo de alta das commodities, que encheu os cofres dos Estados e do governo federal a um ano da campanha de 2022.
Patrocinaram também a manutenção das emendas de relator, que financiam o orçamento secreto, a frágil governabilidade do presidente e o apoio nas votações de interesse do governo. O veto prometido do presidente não aconteceu com a ameaça dos caciques de retaliação.
O gatilho da piora no ambiente econômico foi disparado pelas trapalhadas na condução da negociação do parecer do projeto do Imposto de Renda e da PEC de parcelamento dos precatórios. Desde que a PEC foi enviada, o humor azedou ainda mais. Foi só ladeira abaixo porque há muita controvérsia e divisão de opiniões em torno da solução para o parcelamento por 10 anos do pagamento de uma dívida certa. A unanimidade no governo e no Congresso é que a PEC não fica em pé do jeito que está.
Um tema que dividiu até mesmo fiscalistas e defensores do teto de gastos e colocou pesos-pesados de equipes econômicas de governo passados em defesa da flexibilização da regra fiscal para evitar a moratória.
Em outro caminho, Legislativo e Judiciário também costuram uma solução para precatórios para limitar o pagamento até um determinado valor, e o saldo restante ficaria para ser pago no Orçamento dos anos seguintes, já como prioridade para serem quitados antes. Uma proposta que permitiria ser implementada com a aprovação de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou do Senado Federal, sem PEC, mas que é vista pelos críticos como uma “canetada” que passa por cima da Constituição.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-e-centrao-ainda-parecem-perplexos-diante-da-piora-do-quadro-economico,70003824056
A estratégia de criar inimigos em modo ‘reels’
Seguindo o exemplo de Trump, Bolsonaro radicalizou a linha de Maduro, Duda e Modi
João Gabriel de Lima / O Estado de S. Paulo
Criar inimigos é um clássico do arsenal dos políticos. Uma anedota conhecida sobre Jânio Quadros conta que, forçado a aumentar a gasolina, o ex-presidente inventou uma teoria conspiratória e colocou a culpa nos americanos – outro clássico. Mais tarde, em sua famosa carta de renúncia, que completou 60 anos nesta semana, Jânio invocou “forças terríveis”, esperando que parte da população se juntasse a ele no combate a tais entidades. Não houve clamor popular.
Jânio voltou para casa e amargou mais de 20 anos longe de cargos públicos.
Criar inimigos, em geral imaginários, tornou-se ainda mais fácil na era das redes sociais. “Diante do caos e da complexidade de um mundo em mudança frenética e acelerada, o populismo digital garante o repouso em certezas que não requerem provas”, escreveu Andrés Bruzzone em seu recém-lançado livro Ciberpopulismo. Bruzzone, consultor do Estadão e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é o entrevistado do minipodcast da semana.
Cada populista escolhe o moinho de vento que lhe parece adequado. Nicolás Maduro, da Venezuela, demoniza as ONGS de direitos humanos. O polonês Andrzej Duda já vociferou contra os imigrantes muçulmanos – que são pouquíssimos em seu país – e contra uma suposta conspiração LGBTQIA+. O indiano Narendra Modi cria leis para amordaçar a imprensa, inimiga clássica de dez entre dez autocratas.
Seguindo o exemplo de Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro radicalizou a linha de Maduro, Duda e Modi. Troca de inimigos como modelos mudam de look no “reels” do Instagram. Seus moinhos de vento já foram o fantasma do comunismo (uma alma penada), a urna eletrônica (que nunca deu problema no Brasil) e o “kit gay” (dispensa comentários). O mais recente é o ministro Alexandre de Moraes. Neste caso há um motivo concreto para a inimizade: “Quando se trata de livrar os seus familiares e amigos do alcance da Justiça – afinal, essa é a causa de sua desavença com Alexandre de Moraes – (Bolsonaro) não tem limites”, escreveu o Estadão em editorial.
Maduro, Duda e Modi são a prova de que a estratégia do inimigo imaginário pode trazer recompensas. Todos estão no poder em seus países. Vai funcionar com Bolsonaro? O presidente está em campanha frenética pela reeleição, mas enfrenta problemas. Sua popularidade vem caindo. A respeitada consultoria Eurasia, que previu a vitória de Bolsonaro em 2018, hoje aposta em Lula, e vê uma escotilha aberta para a terceira via.
Com a campanha antecipada a pleno vapor, os pré-candidatos perceberam que quem não colocasse o bloco na rua ficaria para trás. João Doria, Ciro Gomes e Eduardo Leite já esquentam os tamborins. A classe política não vê mais Bolsonaro como um player inexorável em 2022. Reportagem do Estadão mostrou que vários parlamentares duvidam que o presidente chegue ao segundo turno. O voto impresso não passou, e o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes foi rejeitado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco – ele próprio um possível candidato em 2022.
O cientista político Carlos Pereira levantou, no Estadão, a hipótese de que o presidente, antevendo o próprio fracasso, queira se tornar um mártir para seus apoiadores. Mártires, no entanto, não têm caneta. Como Trump, conseguem sobreviver politicamente – mas, como Jânio, acabam voltando para casa. Cultivar inimigos de forma serial, em modo “reels”, pode não ser uma boa estratégia.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,a-estrategia-de-criar-inimigos-em-modo-reels,70003823913
Murillo de Aragão: O alto custo da instabilidade política
Setores radicais estão querendo tornar pior o que já não está bom
Murillo de Aragão / Revista Veja
O semestre parecia positivo ao país. A vacinação seguia derrubando os índices de óbitos pela Covid-19 nos estados. A economia caminhava bem, e o câmbio em queda sinalizava que o cenário poderia se configurar para melhor. A arrecadação estava em alta e a dívida pública, em baixa. O Brasil, porém, é o Brasil. E, quando tudo poderia melhorar em meio à tragédia da pandemia, uma tormenta de tolices, equívocos e disputas frívolas arruinou a expectativa quando mais precisávamos dela.
Ainda que o Brasil seja melhor do que parece, setores radicais estão querendo que o que não está bom fique pior. Mesmo diante do risco de nova onda de Covid-19 e de uma crise hídrica que pode ser terrível, em especial em ambiente de inflação em alta e desemprego em nível assustador, há quem queira incendiar o parque institucional.
A instabilidade política trabalha contra o país. E quem a está incentivando não percebe isso. Cabe às instituições, inclusive o governo, conter os ânimos. Há tempos afirmei que o presidente Jair Bolsonaro tem em seus aliados mais radicais os seus principais adversários. Ao ser complacente com os delírios de seus apoiadores, para dizer o mínimo, Bolsonaro pode estar inviabilizando tanto o seu governo quanto o seu desejo de se reeleger.
“Não há caminho para rupturas no país sem que isso provoque imensos transtornos aos brasileiros”
As consequências são óbvias: Lula foi “ressuscitado” politicamente e o centro, que parecia pouco competitivo, pode se transformar em uma alternativa viável. No establishment econômico há um misto de enfado, desânimo e estupefação com a incapacidade do governo de capitalizar o que faz de bom. E, por outro lado, com a sua capacidade de se meter em querelas inúteis. Seu histórico é digno de uma república de bananas podres: ofensas pessoais, ameaças de invasão a órgãos públicos, paralisações, acusações sem prova, ameaças de agressões e não aceitação das regras democráticas, além de meteoros fiscais e propostas tributárias polêmicas.
Temos o privilégio de ser uma nação com poucos problemas gerados no exterior. Nossos problemas são 100% brasileiros. Mas estamos exagerando. Ao programarmos protestos contra instituições, passamos uma péssima imagem para os investidores. Como se estivéssemos, enquanto país, brincando de roleta-russa com um revólver carregado de balas.
Setores radicais que apoiam o governo querem forçá-lo a praticar haraquiri institucional. Só não percebem que o resto do país não quer isso. Por mais que o povo desconfie das instituições, somos um país cujo nível de reformismo é de baixo impacto. Acreditamos que mudanças cumulativas podem trazer bons resultados, e as reformas feitas nos últimos cinco anos mostram justamente que estávamos avançando.
Não há caminho nem clima para rupturas institucionais sem provocar imensos transtornos aos brasileiros, sobretudo aos que estão à margem do sistema. O direito de manifestação é livre e assegurado pela Constituição. E deve ser respeitado. Contudo, isso não significa que os manifestantes, sejam de qualquer espectro político, tenham passe livre para atacar instituições, vandalizar prédios e afetar o direto de ir e vir. É hora de termos mais juízo como nação e começar a pensar no elevado custo da instabilidade institucional.
Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753
Fonte: Veja
https://veja.abril.com.br/blog/murillo-de-aragao/o-alto-custo-da-instabilidade/
Vera Magalhães: Choro ainda é grátis, ministro Paulo Guedes
Ministro chega ao cúmulo de fazer pouco do galope dos preços e do impacto que isso terá na vida dos brasileiros
Vera Magalhães / O Globo
Para o ministro Paulo Guedes, a conta de luz vai aumentar mais, e não adianta nada ficar sentado chorando. Em tempos de inflação descontrolada, mortes aos borbotões e ataques sistemáticos à democracia e ao bom senso, chorar é uma das poucas coisas de graça à disposição do brasileiro.
O resto todo ofertado pelo governo que Guedes insiste em servir tem cobrado um alto preço moral, mental, político e econômico.
É altamente oneroso ter de aguentar uma frase fora de esquadro do ministro da Economia cada vez que a vida real evidencia o descompasso entre o que foi prometido por ele desde 2018 e o que vemos todos os dias no Brasil.
A crise hídrica de agora, que ameaça descambar para crise grave de fornecimento de energia e, consequentemente, para mais um entrave numa já não cumprida retomada econômica, não é uma inevitabilidade contra a qual não adianta chorar, como quer fazer crer o ministro.
Pode ser que, para alguém como ele, o aumento na conta de luz devido ao reajuste da bandeira tarifária não tenha nada demais. “Qual o problema?”, questiona — e o mais grave é que ele parece de fato não entender qual é!
Assim como não vê a escalada autoritária do presidente a que responde nem admite que está sendo empurrado pelo Centrão para a beirinha do precipício fiscal, o ministro agora chega ao cúmulo de fazer pouco do galope dos preços, administrados ou não, e do impacto que isso tem para levar muitos brasileiros (eleitores, ministros) de fato às lágrimas.
O aumento da conta de luz pode significar a diferença entre a pessoa ter dinheiro para pagar o boleto ou não. Assim como a escalada dos combustíveis está deixando em casa o desempregado que já tinha migrado para os serviços de aplicativo de transporte para ter uma renda. Muitas vezes o que esse “engenheiro, advogado que está dirigindo Uber”, categoria que já mereceu o desprezo de Milton Ribeiro, outro colega de Guedes desconectado da realidade da pasta que dirige, tira com uma corrida não compensa o que despende para encher o tanque. Mas qual o problema, não é mesmo? Vai ficar chorando em casa?
Enquanto Guedes e também Bolsonaro dão de ombros para a economia real — o primeiro porque vem sendo acossado pelo segundo para dar um jeito de parir a fórceps um programa de renda que salve seu couro nas urnas, e o segundo porque está todo dia tramando um golpe contra a democracia — , a crise hídrica galopou sem que houvesse um plano consistente de enfrentamento. O governo deixou de fazer seu trabalho, e o brasileiro que chore. E lute.
Na crise energética de 2001, igualmente um ano pré-eleitoral, Fernando Henrique Cardoso enfrentou um desgaste político enorme com o risco de apagão, mas entregou um racionamento para consumidores privados e públicos, empresariais e domésticos. Quem não economizasse pagava mais.
Foi criado um superministério para comandar o racionamento, comandado por Pedro Parente. O resultado foi que o apagão não veio.
Ganha um voto impresso emoldurado quem se lembrar de uma reunião que o fanfarrão Bolsonaro tenha organizado entre as várias pastas ligadas ao problema para equacionar a crise hídrico-energética e oferecer um plano que evite o colapso. Ele está muito ocupado redigindo pedidos de impeachment de ministros do Supremo em primeira pessoa e conclamando a população para um ato no Sete de Setembro, cujo objetivo sub-reptício é provocar a depredação ou invasão das sedes dos demais Poderes e fornecer uma desculpa esfarrapada para um autogolpe com base na deturpação do artigo 142 da Constituição. Prioridades, pessoal. Qual o problema de a energia ficar um pouco mais cara enquanto quem foi eleito para governar se ocupa com balbúrdia? Chorões, vocês, hein?
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/choro-ainda-e-gratis-guedes.html
'Tempestade perfeita' derruba cenário de crescimento econômico para 2022
Combinação de inflação e juros em alta, desemprego, crise hídrica e conflitos institucionais cria um caldeirão que faz crescer o temor de populismo eleitoral do presidente Bolsonaro
Adriana Fernandes / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Inflação e juros em alta, desemprego, dólar caro, crise hídrica, conflitos institucionais, atropelo nas votações de projetos do Congresso e novos riscos fiscais. A “tempestade perfeita” dos últimos dias obrigou economistas e investidores a reverem suas estimativas para o crescimento da economia no próximo ano para o mesmo patamar baixo comum nos anos pré-pandemia, abaixo de 2%.
Enquanto a população sente os efeitos da deterioração da economia no bolso e reclama da alta dos preços do gás de cozinha, da gasolina, da conta de luz e dos alimentos, o mercado parece estar caindo na real. Com todos esses problemas, o Brasil segue com risco de ter mais um crescimento estilo “voo de galinha”, depois da retomada mais rápida da crise econômica provocada pela pandemia da covid-19, sem aproveitar todo o potencial do ciclo de commodities (produtos básicos, como alimentos e minério de ferro) que bombou as exportações.
A aceleração da inflação está obrigando o Banco Central a ser mais duro na alta dos juros e esfriar a economia, comprometendo o crescimento do PIB em 2022. O cenário internacional também ficou menos favorável. No front doméstico, a crise política entre os poderes se acirra, elevando a percepção de risco de populismo eleitoral do presidente Jair Bolsonaro para recuperar a popularidade e chegar em 2022 com chances de se reeleger.
“Podemos ter um momento melhor no curto prazo, um ano um pouco melhor, mas a perspectiva é de um País medíocre”, diz o presidente do Insper, Marcos Lisboa, que se diz assustado com a tramitação dos projetos no Congresso: a reforma do Imposto de Renda e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de parcelamentos do precatórios, dívidas judiciais que a União é obrigada pela Justiça a quitar. A aprovação desses projetos é chave para Bolsonaro porque, sem eles, será mais difícil para o governo anunciar um benefício elevado do novo Bolsa Família para impulsionar a campanha eleitoral, sem mudar as regras fiscais.
Veja abaixo quais são os fatores que estão criando essa "tempestade perfeita" na economia:
1 - O desafio da inflação e dos juros
Não foi uma semana fácil para o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O comandante da política de juros no Brasil teve de fazer várias aparições públicas para transmitir confiança de que o BC vai controlar o processo de aceleração da inflação em meio à piora dos indicadores do mercado. Na sexta-feira, o dólar, por exemplo, chegou a atingir um patamar próximo de R$ 5,50, e acabou fechando em R$ 5,38.
“Temos os instrumentos, podemos fazer o trabalho. Estamos comunicando ao mercado com mais transparência como usamos nossos instrumentos”, disse Campos Neto, na quinta-feira, 19, com a mensagem de que fará tudo o que for possível e necessário para atingir a meta de inflação em 2022. Um trabalho também de coordenação das expectativas futuras da inflação, esforço que, como ele próprio admitiu, está sendo atrapalhado por um “fiscal descontrolado”.
Se o presidente Jair Bolsonaro contava com uma atividade econômica em recuperação e números mais robustos para pavimentar seu caminho à reeleição, esse cenário está cada vez mais distante. A espiral negativa é alimentada por ruídos políticos provocados pela percepção de que o presidente vai gastar mais para se reeleger, o que eleva a volatilidade do mercado e provoca a alta do dólar, que impacta ainda mais a inflação, renovando o círculo vicioso negativo.
O IPCA, índice oficial, fechou o mês passado em 0,96%, com alta acumulada de 8,99% em doze meses. E pior: as previsões do mercado não param de subir e apontavam, na última pesquisa Focus do BC, uma alta de 7,05% no final desse ano e de 3,90% em 2022. Projeções que devem subir ainda mais na pesquisa que será divulgada nesta segunda-feira pelo BC.
A inflação mais salgada puxou os juros para o patamar de 5,25% ao ano, e já se espera um aumento de mais 1 ponto porcentual na próxima reunião do Copom. É uma medida para esfriar a atividade da economia e segurar a disseminação da elevação dos preços. A consequência é menos crescimento em 2022.
“Há uma tempestade perfeita”, diz Antonio Corrêa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e professor do Programa de pós-graduação em Economia Política da PUC de São Paulo. Lacerda lembra que a divulgação do PIB no primeiro trimestre gerou euforia, mas, retirando o efeito estatístico, o crescimento não será muito diferente do padrão de 2017-2018-2019, ao redor de 1,5%.
A crise hídrica, que afeta os preços de alimentação e abastecimento de energia, chegou para complicar. “A crise hidrológica tem um impacto grande sobre a capacidade de expansão do PIB”, diz Fabio Terra, professor de economia da Universidade Federal do ABC (UFABC).
2 - O risco fiscal está de volta ao radar
A inflação mais alta prejudica a população, mas deu um refresco para as contas públicas. Fez aumentar a arrecadação e reduziu a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB). Essa melhora fiscal, porém, despertou ainda mais o ímpeto para gastos no governo Bolsonaro e nos seus aliados do Centrão.
Ao invés de melhorar a percepção da política da sustentabilidade das contas públicas, o resultado tem sido mais ruídos que aumentaram o risco fiscal. O temor que ronda as expectativas é a percepção de que a queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro, que vem sendo registrada nas pesquisas, vai levar o governo a adotar medidas mais populistas para buscar a sua reeleição, comprometendo regras fiscais, como o teto de gastos (a norma que limita o crescimento das despesas acima da inflação) e ligando o botão da contabilidade criativa.
Nas últimas três semanas, dois focos de tensão do lado fiscal contaminam as expectativas e têm gerado alta volatilidade no mercado: o projeto que altera o Imposto de Renda (IR) e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que parcela em até dez anos o pagamento de parcela dos precatórios (dívidas que a União precisa quitar depois de decisões judiciais).
As preocupações com o projeto do IR são várias, a depender de quem ganha ou perde mais com a mudança, mas do lado das contas públicas o risco é de queda da arrecadação futura, com as vantagens que estão sendo dadas nessa reta final antes da votação. Além disso, a negociação do projeto, envolve custos adicionais, como o aumento da parcela de recursos da União que é transferida para as prefeituras via Fundo de Participação dos Municípios.
Já a PEC dos precatórios divide o mercado. A maior polêmica é o fato de poder levar o Congresso a retirar essas despesas (só em 2022 são R$ 89 bilhões) do teto de gastos para não comprometer o espaço no Orçamento para o novo Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil, para dar um benefício maior que R$ 300. O presidente alimentou o risco do mercado ao falar em subir o benefício para R$ 400.
“A PEC dos precatórios envolve uma operação triangulada com dívidas que ataca de uma vez só duas regras: o teto e as metas fiscais. Ou seja, dribla normas de controle do gasto público e ainda distorce o resultado fiscal do governo central”, avalia Leonardo Ribeiro, analista do Senado e conhecedor dos meandros da confusa legislação fiscal brasileira.
“Não há como cumprir o teto de gastos, pagar os precatórios e manter os programas de governo ao mesmo tempo”, diz. “Esse triângulo se assemelha às pedaladas fiscais desenhadas pelo ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, do governo Dilma.”
3 - Ruídos políticos e crise institucional
Os ruídos políticos e a crise institucional entre os poderes também têm elevado a tensão, nos últimos dias, em meio à pressão do presidente Jair Bolsonaro sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal e ameaças de ruptura institucional.
Além de trazer o risco de afugentar os investidores, a crise política entre Executivo, Judiciário e Legislativo, amplificada pela briga do presidente pelo voto impresso, tem afetado também o mercado. Uma preocupação adicional é com a antecipação da campanha eleitoral e a sinalização do presidente Jair Bolsonaro de que vai acionar medidas de populismo fiscal para ganhar a eleição em 2022, como aumento de subsídios para a concessão de vale-gás e desoneração do diesel. A crise tem dividido o Senado e a Câmara e deve trazer mais dificuldades para que as votações de projetos em uma Casa se completem na outra.
DESFILE MILITAR - OPERAÇÃO FORMOSA
Na sexta-feira, 20, a notícia da agência Associated Press de que o presidente teria falado abertamente sobre seu arrependimento de apoiar a autonomia do BC reforçou a preocupação. O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, teve de sair a campo para garantir a autonomia do BC. O desconforto do presidente com a inflação, com o desemprego e com a queda de popularidade é cada vez maior, o que coloca pressão sobre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
“A tensão política é bastante sentida no mercado e existe um sentimento de que ficou mais provável o cenário negativo do que positivo olhando para o futuro”, diz o economista Gabriel Galípolo. Ele pondera, no entanto, que não consegue enxergar a ideia de que o mercado esteja fazendo uma ruptura com ideias que são representadas pelo governo Bolsonaro no campo econômico. Para ele, hoje a preocupação fiscal é mais uma questão de expectativas e apostas, especulando sobre o que vai ser o futuro, porque no quadro atual as contas públicas estão numa situação melhor, com déficit menor. “Mas o ambiente político está muito conflagrado e isso colabora para uma tensão interna, que, somado ao cenário externo, azedou o mercado.”
Na avaliação do professor da PUC de São Paulo Antônio Corrêa de Lacerda, o presidente Bolsonaro, em meio à pressão, cria factoides, sendo o mais recente o pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes. Bolsonaro prometeu entregar “nos próximos dias” outro pedido de afastamento tendo como alvo o ministro Luís Roberto Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TST). “No campo econômico, claramente ele vai jogar todas as fichas num auxílio emergencial turbinado que seria uma combinação de Bolsa Família visando criar algum impacto eleitoral”, avalia Lacerda.
4 - Commodities, China e Fed também são empecilho
Grande exportador de alimentos e minérios, o Brasil tem sido favorecido desde o ano passado com o boom dos preços das commodities (produtos básicos), que se seguiu ao processo de recuperação da economia global depois da pandemia. Agora, os ventos começam a ficar diferentes com impacto na economia, que já passa por problemas domésticos como inflação e juros altos e desemprego resistente e persistente.
A desaceleração da China acendeu o alerta para o Brasil. E, como mostrou reportagem do Estadão, o avanço da variante Delta da covid-19 também tem reduzido o otimismo dos economistas em relação à recuperação da atividade global neste ano. A nova cepa tem levado a China a fechar cidades, freando a retomada. O governo chinês vem retirando estímulos econômicos, o que acaba impactando os preços de commodities importantes para a atividade econômica brasileira, como o minério de ferro.
“De repente, o que acontece no mundo deu uma virada e temos uma desaceleração da China e uma nebulosidade sobre o que o Banco Central dos Estados Unidos vai fazer na política de juros”, diz o economista Fábio Terra, da Universidade Federal do ABC (UFABC). “Tudo que o Fed (o banco central americano) decide é política monetária (no sentido de controlar a inflação) para eles, mas para a gente é política cambial (afeta o valor do real)”, diz Terra, para explicar a importância da conexão dos juros americanos com o comportamento do dólar no Brasil.
Para o economista, o mundo está muito ressabiado com a variante Delta, o que atrapalha o cenário externo. “Isso sozinho nos atrapalharia bastante, só que ainda se soma aos problemas internos, como a crise hidrológica”, diz.
Antônio Corrêa de Lacerda ressalta que a possível elevação da taxa de juros americana é sempre um problema para a economia global e para o Brasil. Para ele, a desaceleração do ritmo de crescimento chinês é uma má notícia para as exportações brasileiras, porque o Brasil é dependente das commodities.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,tempestade-perfeita-derruba-cenario-de-crescimento-economico-para-2022,70003817774
Rogério Furquim Werneck: Um beco com saída
Salta aos olhos que há um surto na 'demanda' por um candidato de centro viável nas eleições em 2022
Rogério Furquim Werneck / O Globo
Na esteira da frenética mobilização do governo com o projeto da reeleição, o país se viu arrastado para grave crise institucional. Ao angustiante desalento com o provável desfecho da disputa presidencial, soma-se agora crescente apreensão com as tensões políticas e sociais por enfrentar, na longa e tumultuada travessia até o final do mandato de Bolsonaro.
É natural que estejamos assombrados por cenários soturnos. Mas a verdade é que ainda é muito cedo para nos deixarmos levar pelo pessimismo. A esta altura, parece mais frutífero explorar os limites do possível e tentar vislumbrar contornos de cenários mais promissores.
O quadro torna-se mais claro quando se tenta entrever as dificuldades da reeleição. Bolsonaro tem hoje três preocupações básicas. Duas delas perfeitamente legítimas: proteger sua retaguarda no Congresso e recuperar a popularidade perdida.
Sua terceira preocupação — assegurar a possibilidade de não aceitar uma derrota eleitoral — tem-se mostrado completamente tóxica. Não só para o país como para o próprio projeto da reeleição.
Para proteger sua retaguarda no Congresso, o presidente colocou todas as suas fichas no Centrão. Já tinha contratado um seguro básico contra o impeachment, em meados de 2020. Dobrou a aposta, em fevereiro, ao apoiar a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara. E redobrou-a, agora, ao entregar a “alma do governo” a Ciro Nogueira.
Na fantasia de que poderá recuperar sua popularidade com uma farra fiscal, em 2022, Bolsonaro conta com sólido apoio do Centrão. Seus aliados só têm aplausos para a determinação do Planalto de fazer o que for preciso — whatever it takes — para viabilizar expansões eleitoreiras de gasto público no ano que vem.
Mas nem tudo são flores. Longe disso. Se há algo que não interessa em absoluto à cúpula do Centrão é dar respaldo à aposta de Bolsonaro numa escalada de confrontação que dê margem a um desfecho autoritário.
Nem tanto por convicção democrática, mas pela consciência clara de que o poder do Centrão advém das dificuldades de governabilidade do regime democrático vigente. Numa autocracia, todo esse poder desapareceria como por encanto.
Como Bolsonaro continua a dar sinais claros de que não abandonará a aposta na possibilidade de contestar o desfecho da eleição, as contradições de sua complexa relação com o Centrão deverão se exacerbar.
E tudo indica que tal aposta será tão mais pesada quanto mais convencido estiver o presidente de que não conseguirá ganhar no voto.
Mesmo que Bolsonaro deixe de ser um candidato tóxico, o Centrão ainda poderá ter boas razões para abandoná-lo, caso sua candidatura não tenha perspectiva clara de vitória. Não sendo um agrupamento monolítico, o Centrão poderá abandoná-lo aos poucos, à medida que seus membros reavaliem, à luz de seus desafios regionais específicos, a aliança que mais lhes convém na disputa presidencial.
Não faltará, claro, quem argua que, se a candidatura de Bolsonaro murchar, a vitória de Lula será inevitável. Mas vale a pena examinar outras possibilidades. São mais do que conhecidas as dificuldades envolvidas no surgimento, a tempo, de um candidato de centro com boa chance de ser eleito.
Merece atenção, contudo, o timing da percepção, a cada dia mais generalizada, de que Bolsonaro não é uma alternativa aceitável a Lula. E que, ademais, corre alto risco de ser por ele derrotado.
Seria bem pior se isso só ficasse óbvio em meados de 2022. Mas a escalada precoce de confrontação das instituições por Bolsonaro vem deixando isso mais do que claro desde já, bem mais cedo do que se temia. O que talvez crie, no campo fértil da ampla aliança que vem sendo formada para conter Bolsonaro, ambiente político favorável ao surgimento, a tempo, de um candidato de centro com chance de ser eleito.
Salta aos olhos que há um surto na “demanda” por um candidato de centro viável. O mínimo que se pode dizer é que a probabilidade de que tal candidatura desponte parece agora bem mais alta do que se imaginava há poucos meses.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/economia/um-beco-com-saida-25162809