Economia
Luiz Carlos Azedo: O mundo de Neymar
As democracias do Ocidente precisam reduzir a pressão sobre os orçamentos, reduzir suas dívidas e os impostos, investir em infraestrutura, combater a corrupção e renovar a política.
O Paris Saint-Germain contratou o atacante Neymar Júnior no maior negócio da história do futebol. A rescisão com o Barcelona custou € 222 milhões (R$ 812 milhões). O dono do clube é Nasser Ghanim Al-Khelaifi, de 43 anos, cuja ambição é ganhar a Liga dos Campeões. O dinheiro vem do fundo de investimentos Catar Sports, controlado pelo emir do Catar, Tamim ben Hamad Al Thani, ex-dirigente da Autoridade de Investimento do Catar, o fundo soberano do país. Antes de investir no clube parisiense, Al-Khelaifi era presidente do grupo de mídia “beIN”, canal esportivo que arrebatou os direitos de transmissão de grandes torneios. Chegou ao comando do PSG em 2011, após a compra do clube francês.
O Catar é um emirato absolutista, comandado pelos Thani desde o século XIX. Foi um protetorado britânico até conquistar a independência, em 1971. Desde então, tornou-se um dos estados mais ricos da região, devido às receitas do petróleo e gá. Tem uma população de 1,9 milhão de habitantes, dos quais apenas 250 mil são árabes. Os demais são trabalhadores estrangeiros: indianos, nepaleses, paquistaneses e filipinos, principalmente. Chanceler supremo, o emir possui o poder exclusivo de nomear e destituir o primeiro-ministro e o Conselho de Ministros, que é a autoridade executiva suprema no país. Doha, a capital do Catar, sede da rede de televisão Al Jazeera, é um paradigma da moderna arquitetura urbana do Oriente e um dos principais centros financeiros do mundo. O pequeno e rico Catar quer ser um polo da economia do conhecimento no mundo.
Recentemente, a Arábia Saudita, Egito, Barein, Emirados Árabes Unidos, Líbia, Iêmen e Maldivas cortaram os laços diplomáticos com o Catar. A justificativa dos países é que o emirato daria suposto apoio ao terrorismo, devido às relações do emir com a Irmandade Muçulmana e o Hamas, considerados uma ameaça às demais monarquias do Golfo Pérsico. O emir do Catar usa a mesma estratégia do rei Addulla II, da Jordânia, que mantém boas relações com o Hamas para os palestinos não desestabilizarem seu próprio regime. A compra do Paris Saaint-Germain e sua transformação na maior potência esportiva da Europa é uma grande jogada de marketing. Curiosamente, a camisa do clube é patrocinada pela Emirates Airlines, que chegou a cancelar seus voos na crise, e não pela Catar Airways, uma das companhias aéreas que mais cresce no mundo.
Corrida mundial
O Catar é um dos paradigmas de gestão para a nova escola de formação de dirigentes partidários, administradores públicos e executivos de empresas estatais da China. Outro paradigma é Cingapura, a cidade-estado da península da Malásia, com 5 milhões de habitantes, que tem um governo forte, experiente e altamente qualificado, apoiado por um serviço especializado civil e um sistema de educação com ênfase na realização e na meritocracia. O parlamento é controlado pelo Partido da Ação Popular, que governa o país com mão de ferro desde a independência. Catar e Cingapura participam da corrida mundial para reinventar o Estado, da qual a China pretende fazer parte, em meio à disputa com os Estados Unidos pelo controle do comércio mundial, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. Levam a vantagem de não terem que lidar com a crise da democracia representativa e o colapso do Estado de bem-estar social do Ocidente.
Não é o caso da França, de Emmanuel Mácron. O presidente francês rompeu a bipolaridade da política francesa do pós-guerra, derrotando a esquerda e a direita, com um discurso no qual propõe a reforma democrática do Estado e a reinvenção da economia francesa. “Parabéns, soube que trouxe boas notícias”, disse o presidente francês a Al-Khelaifi, o presidente do PSG, referindo-se à chegada do craque brasileiro. O ministro francês das Contas Públicas, Gérald Darmanin, celebrou a fortuna do jogador, por causa dos impostos que vai pagar na França: “É melhor que pague aqui em vez de pagar em outro lugar”, afirmou.
Neymar deixou o Barcelona num momento em que cresce a campanha pela independência da Catalunha, de forte tradição republicana. Há um plebiscito convocado pelo parlamento local para 1º de outubro, mas que não é reconhecido pelo governo da Espanha, que atravessa um dos seus piores momentos. As democracias do Ocidente precisam reduzir a pressão sobre os orçamentos governamentais, reduzir suas dívidas e os impostos, investir em infraestrutura, combater a corrupção e, principalmente, renovar a política. Como no Brasil de Neymar.
Samuel Pessôa: Dançando na beira do abismo
Em 15 maio, antes da divulgação da explosiva delação de Joesley Batista, o câmbio estava em R$ 3,1. No dia 1º de agosto, a cotação era idêntica.
Parece que a situação está calma. O mercado resolveu esperar o processo eleitoral de 2018.
Tudo se passa como se a dominância política tivesse dado um refresco. Eu mesmo acredito nessa tese.
Temer, com sua quase que ilimitada capacidade de gerir o Congresso Nacional, conseguiu administrar a crise produzida por seu descuido. Temer "is back in business".
Mas, como quase tudo na vida, cobra-se um preço. O preço está escondido, pois outras forças foram na direção contrária. A dinâmica muito favorável da economia mundial no último mês escondeu os custos econômicos do escândalo envolvendo Temer.
De abril a junho, houve surpresa desinflacionária na economia americana da ordem de um ponto percentual. No índice de inflação limpo dos componentes mais voláteis, como energia e alimentos, conhecido por núcleo da inflação, houve surpresa desinflacionária de 0,5 ponto percentual.
A menor inflação sinaliza que o processo de subida das taxas de juros nos EUA será mais lento do que havia sido previsto no fim de 2016.
Uma das características mais importantes da economia brasileira é ser muito escassa em capital. Nossa ridícula taxa de poupança produz juros reais aqui dentro muito elevados. Quando juros no resto do mundo são menores, nossa vida é mais fácil.
Adicionalmente a Europa apresentou neste ano crescimento mais robusto do que o previsto, o que mudou a visão do mercado com relação à diferença de crescimento estrutural entre a Europa e os Estados Unidos.
Ao longo do primeiro semestre, a economia americana, relativamente à europeia, veio com menor inflação e menor crescimento do que se imaginava. Consequentemente, a percepção passou a ser a de um euro mais forte do que se enxergava anteriormente em comparação ao dólar americano.
O enfraquecimento do dólar costuma ser favorável ao Brasil por meio da correlação inversa entre a moeda americana e a cotação de commodities que exportamos (outros fatores também influenciam o preço das matérias-primas).
O mecanismo de transmissão de uma crise de confiança derivada da política ocorre por intermédio do risco. A subida da percepção de risco induz desvalorização do câmbio, que, por sua vez, atrapalha o combate à inflação e a queda das taxas de juros.
De 15 de maio até hoje, o risco Brasil de dez anos subiu 0,3 ponto percentual. Não parece muito em razão do tsunami político de maio.
Meu colega do Ibre Livio Ribeiro mediu a parcela dos movimentos do risco Brasil nos últimos meses que se deve às nossas querelas internas e aquela atribuída aos movimentos na economia internacional. O resultado é que, se não tivesse havido a melhora do ambiente internacional, o risco Brasil teria aumentado 0,9 ponto percentual. Essa diferença de risco significa aproximadamente R$ 0,4 a mais no câmbio, o que é bastante substancial.
Nosso desequilíbrio fiscal avança. A cada mês que não aprovamos reformas, sancionamos aumentos de salários para a elite do funcionalismo e juízes vetam aumentos de impostos e impedem que o Tesouro sequestre legalmente renda de Estados que não pagam suas dívidas com a União, a dívida pública cresce.
O tempo corre.
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP.
A nova base de Temer
A vitória (262 votos contra 227, 2 abstenções e 19 ausências) demonstrou que o presidente da República tem força para governar sem depender da cúpula tucana e outros aliados da antiga oposição
O resultado da votação de ontem na Câmara, que rejeitou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o presidente da República, inaugura uma nova fase do governo Temer. O novo Centrão cobrará o preço do apoio com olho grande nas pastas sob controle do PSDB, cuja bancada rachou na votação da denúncia (22 votos contra, 21 a favor e 4 ausências). Mesmo que Temer seja magnânimo e resolva lamber as feridas da base, como deu a entender no pronunciamento de ontem à noite, nada será como antes. A vitória (262 votos contra 227, 2 abstenções e 19 ausências) demonstrou que o presidente da República tem força para governar o país até 2018 sem depender da cúpula tucana e outros aliados da antiga oposição, ainda que para isso tenha que negociar caso a caso as medidas que exigirem quórum qualificado.
Quem vacilou não estará inteiramente fora do jogo, quando nada porque há compromisso programático dessas forças com as reformas, principalmente a da Previdência, mas passará à condição de aliado de segunda classe. Os preferenciais são os que votaram “sim” na noite de ontem. A reforma da Previdência, que subiu no telhado, será uma espécie de rubicão. Se não for aprovada, o presidente da República será visto como uma espécie de “pato manco”, a expressão usada pelos norte-americanos para se referir aos presidentes sem apoio no Congresso. Aprová-la será a maior demonstração de que governo foi capaz de reagrupar a base.
A atual composição do governo Temer espelha as articulações e acordos feitos pelo presidente da República para isolar e afastar do poder a ex-presidente Dilma Rousseff. A maioria dos partidos aliados ao PT permaneceu no governo após o impeachment, mas o aliado principal de Temer passou a ser o PSDB, o que se reflete na ocupação de posições estratégicas na Esplanada dos Ministérios. A posição da metade da bancada tucana a favor da aceitação da denúncia, porém, terá como consequência alterar a relação do partido com Temer, reduzindo a influência da legenda.
Um ator importante nesse processo é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que em todos os momentos defendeu a posição de que o PSDB não deveria abandonar o governo. Entretanto, não moveu uma palha para obrigar os tucanos paulistas a votarem contra a denúncia. Quem trabalhou fortemente para rejeitar a denúncia foi o presidente licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (MG), que atua para retomar o controle da legenda.
Se antes a hegemonia na base do governo era das forças que lhe defendiam a responsabilidade fiscal e as reformas, agora passou aos setores interessados em contingenciar ao máximo a Operação Lava-Jato e se viabilizar eleitoralmente por meio de liberação de cargos e verbas, ou seja, o velho toma lá da cá. A consequência é o descontrole dos gastos públicos. Será muito difícil o governo alcançar a meta fiscal deste ano, um deficit primário de no máximo R$ 139 bilhões, se a economia seguir lenta, como no primeiro semestre, e a arrecadação continuar decepcionante. Ainda neste mês o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deverá decidir se uma nova meta para 2017, mais acessível, que terá que ser submetida ao Congresso.
Lava-Jato
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, voltou à carga contra o presidente da República. Pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que inclua Michel Temer como investigado no inquérito que apura se integrantes do PMDB formaram uma organização criminosa para desviar recursos da Petrobras e de outros órgãos públicos. O pedido será analisado pelo relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Luiz Edson Fachin.
Assim, a Operação Lava-Jato continua sendo um espectro que ronda o Palácio do Planalto e a cúpula do PMDB. A investigação contra Temer no caso JBS foi congelada pela decisão da Câmara, mas será retomada quando a acabar o mandato. A poderosa coalizão formada para barrar a denúncia atuará no sentido de contingenciar a investigação, o que já vem acontecendo. Os sinais de inflexão na Lava-Jato vêm de todos os lados.
A “delação premiada” do publicitário Marcos Valério, já encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela Polícia Federal, foi um sinal de enfraquecimento de Janot. A nomeação da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge sinaliza essa inflexão a partir do próprio Ministério Público.
No âmbito do governo, medidas administrativas foram tomadas para reduzir a equipe da Polícia Federal que atua em Curitiba e redistribuí-la para outros estados. A grande mudança, porém, será a substituição do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello Coimbra, que já arruma as gavetas e negocia a sucessão.
A queda de braços
O atabalhoado lançamento do Plano de Demissões Voluntárias (PDV) para servidores públicos federais atropelou a equipe econômica e gerou tensão entre a Fazenda e o Planalto
Os números divulgados ontem pelo Banco Central e pela Secretaria do Tesouro representam, respectivamente, um passo à frente, dois atrás. Explico: o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu, por unanimidade, baixar os juros básicos da economia brasileira de 10,25% para 9,25% ao ano. Foi o sétimo corte seguido na taxa Selic, o que já era esperado pelo mercado. Um passo à frente para a economia. No mesmo dia, as contas do governo registraram um deficit primário de R$ 56,09 bilhões no primeiro semestre deste ano, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional. Foi o pior resultado para o período desde o início da série histórica, em 1997, ou seja, em 21 anos, o que não se esperava. Vale dois passos atrás.
A política monetária mira a meta de inflação, que despencou por causa da recessão; já a política fiscal visa controlar o deficit público, que não para de subir. Até então, o maior rombo para esse período havia sido registrado em 2016, chegou a R$ 36,47 bilhões no primeiro semestre. É o terceiro ano seguido em que as contas ficam no vermelho. O resultado primário considera apenas as receitas e despesas, não leva em conta os gastos do governo federal com o pagamento dos juros da dívida pública. Ou seja, o governo está gastando mais do que deveria, onde não deveria; e deixando de fazê-lo em áreas vitais.
Essa situação reflete uma queda de braços entre a equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o do Planejamento, Dyogo Oliveira, que atua em sintonia política com o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), ex-titular da pasta, e o núcleo político do Palácio do Planalto. O atabalhoado lançamento do Plano de Demissões Voluntárias (PDV) para servidores públicos federais, por exemplo, atropelou a equipe econômica e gerou muita tensão entre Meirelles e Dyogo, que ontem ganhou a queda de braços, ao emplacar no plano a isenção de Imposto de Renda e de pagamento de INSS para quem aderir, o que pode ser inconstitucional (mais um privilégio para servidores em relação aos demais assalariados).
A decisão sinalizou para os agentes econômicos que a política econômica está com a blindagem fragilizada no Palácio do Planalto. O ministro do Planejamento, desde o desbloqueio das contas inativas do FGTS, tem levado a melhor, graças ao apoio do núcleo político do governo, principalmente Jucá, que conhece o Orçamento melhor do que ninguém no Congresso. Os números, porém, são muito teimosos. De acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional, as receitas totais recuaram 1,2% em termos reais (após o abatimento da inflação) de janeiro a junho deste ano, na comparação com igual período de 2016, para R$ 664,8 bilhões. As despesas totais, ao contrário, avançaram 0,5% em termos reais, na comparação com os seis primeiros meses do ano passado, para R$ 604,27 bilhões.
Previdência
Na verdade, a Fazenda opera numa faixa muito estreita de manobra, por causa das despesas obrigatórias. Além disso, o rombo da Previdência Social avançou de R$ 60,44 bilhões, nos seis primeiros meses de 2016, para R$ 82,86 bilhões no mesmo período deste ano, um aumento de 37,1%. Para 2017, a expectativa é um resultado negativo de R$ 185,7 bilhões.
Enquanto os economistas do governo fazem projeções considerando a frieza dos números, o Palácio do Planalto analisa os riscos. No momento, o pior dos mundos para o governo é a admissibilidade da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Temer, não o problema fiscal. Passada essa ameaça, teoricamente, a questão da Previdência passa a ser uma prioridade capaz de reagrupar a base governista. O governo acredita que terá condições de aprovar a reforma no Congresso e, assim, sair da armadilha fiscal. É uma aposta no ponto futuro.
O problema é que os humores do Congresso no segundo semestre já não serão iguais aos do primeiro, porque as eleições de 2018 estão logo ali e o governo amarga grande impopularidade. Dependendo da forma como a denúncia da PGR for rejeitada pelo Congresso, como é mais provável, o governo pode não ter força para aprovar uma reforma da Previdência que enfrente o deficit no curto prazo. Mitigada em razão das alianças para rejeitar a denúncia contra o presidente da República, a reforma da Previdência pode ser mais uma fuga pra frente e ter caráter meramente simbólico, ou seja, mostrar que Temer mantém a narrativa das reformas.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-queda-de-bracos/
Luiz Carlos Azedo: O busílis é a política
As forças que hoje dão sustentação ao governo Temer não têm um discurso para enfrentar o populismo, à direita e à esquerda, porque a retórica economicista é um haraquiri eleitoral
Deve-se ao marqueteiro de Bill Clinton, James Carville, a frase que virou case de marketing eleitoral: “É a economia, estúpido!”. Em 1991, o presidente dos Estados Unidos, George Bush, havia vencido a Guerra do Golfo e resgatado a autoestima dos americanos após a dolorosa derrota no Vietnã. Assim, era o favorito absoluto nas eleições de 1992 ao enfrentar o então desconhecido governador de Arkansas. Clinton apostou que Bush não era invencível com o país em recessão e a frase de Carville virou a cabeça do eleitor.
Desde então, virou uma espécie de varinha de condão para governantes e candidatos em apuros, que apostam tudo na economia para enfrentar seus desafios eleitorais. Foi assim nas últimas eleições, quando a oposição achava que ganharia a eleição por causa da máxima de Carville. Logo no começo do segundo turno, Aécio Neves (PSDB) estava à frente de Dilma e os dados da economia eram muito negativos. As projeções do PIB em 2014 não passavam de 0,3%, mesmo com as pedaladas. A inflação chegava a 6,75% nos últimos 12 meses, com a taxa de juros (Selic) na casa dos 11% e do congelamento dos preços administrados, principalmente o preço da gasolina. Dos 48.747 empreendimentos da segunda versão do Programa de Aceleração do Crescimento, apenas 15,8% estavam concluídos.
Mas a oposição perdeu. Não apenas porque houve abuso de poder econômico (eis uma discussão vencida, que ironia, porque o TSE, em julgamento inédito, absolveu a chapa dessa acusação), mas porque Dilma, Lula e o PT politizaram a eleição na base do “nós contra eles”. Acusaram a oposição de querer acabar com os programas sociais petistas para favorecer os interesses dos mais ricos. Era música para 14 milhões de beneficiários do Bolsa Família, ou seja, 56 milhões de pessoas. Além disso, havia 1,5 milhão de beneficiados no Minha Casa, Minha Vida e um exército de 97 mil ocupantes de cargos comissionados defendendo o governo com unhas e dentes, temerosos de perderem o que tinham. O tempo da política não é o da economia, a recessão só veio depois, para embalar a campanha do impeachment.
O economicismo é uma praga na análise política, cuja origem é atribuída ao determinismo econômico marxista. É uma injustiça com Marx, embora essa responsabilidade seja dos teóricos social-democratas do começo do século, principalmente do teórico alemão Eduard Bernstein, para quem o desenvolvimento das forças produtivas pelo capitalismo levaria ao socialismo. Outros teóricos marxistas criticaram essas interpretações. O economicismo sobrevaloriza os fatores considerados econômicos na evolução dos processos sociais e políticos, porém, a política é a economia concentrada.
Quem tiver oportunidade de ler o 18 Brumário, de Luís Bonaparte, que trata da restauração da monarquia na França após a revolução burguesa — na verdade, uma grande reportagem sobre os acontecimentos da época — , verá ali a centralidade da política na visão do autor d’O Capital. Na década de 1930, por exemplo, a ascensão do fascismo na Itália foi vista como uma via de industrialização de um país economicamente atrasado. Pois bem, não era um fenômeno determinado pela economia, mas pela política. Tanto que assombrou o mundo quando a Alemanha, um dos países mais desenvolvidos da Europa, sucumbiu à loucura nazista. No pós-guerra, o economicismo tornou-se uma presa fácil do nacionalismo e do populismo, que nos rondam novamente, inclusive na Europa.
Qual é a agenda?
Temos um governo que assumiu o poder e herdou o desgaste de Dilma Rousseff — até porque Michel Temer era o vice-presidente da República e o PMDB, o aliado principal do PT —, com o país em recessão e o desemprego em massa, além de ser assediado por denúncias de corrupção contra o próprio presidente da República. O governo adotou uma política de ajuste fiscal de longo prazo — a meta fiscal é um deficit de 139 bilhões — e promoveu reformas de cima para baixo, necessárias para enfrentar a crise e reorganizar a economia, mas sem apoio popular. Além disso, não cortou na própria carne como deveria: a relação dívida/PIB se aproximará de 80% no final do próximo ano.
As forças do impeachment de Dilma, que hoje dão sustentação ao governo Temer, não têm um discurso para enfrentar o populismo, à direita e à esquerda, porque a retórica economicista é um haraquiri eleitoral. As reformas não garantirão um crescimento espetacular, capaz de resgatar os empregos perdidos na escala necessária. Não haverá sequer um voo de galinha da economia, embora possa haver um ganho real com a redução da inflação. Além disso, espinafrar a Operação Lava-Jato não resolve o problema da crise ética, pode até agravá-la. No máximo, nivela na lama a disputa entre governo e oposição. O país precisa de um novo projeto político, que reinvente o Estado e a economia, a partir dos interesses da sociedade, e combata a corrupção, a violência e os privilégios. Esse é o desafio principal para tirar o país do atraso e garantir o futuro das novas gerações.
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Luiz Carlos Azedo: A conta do desajuste
A política de conciliação continua vivíssima. Tornou-se, mais uma vez, a tábua de salvação do velho patrimonialismo. Estão aí o clientelismo com gastos públicos e as articulações contra a Lava-Jato
Não existe política de conciliação no Brasil sem uma grande dose de patrimonialismo, que é a marca registrada das práticas políticas que não distinguem os limites do público e do privado. O patrimonialismo surgiu com a decadência do Império Romano, por influência dos bárbaros germânicos, quando os governantes começaram a se apropriar privadamente dos antigos bens da República. Tornou-se uma característica do absolutismo e, assim, chegou ao Brasil, com a concessão de títulos, sesmarias e poderes quase absolutos aos senhores de terra pela Coroa portuguesa.
No clássico Coronelismo: enxada e voto, Vitor Nunes Leal descreve como o patrimonialismo sobreviveu ao Império e chegou à República Velha. Em troca dos votos dos coronéis fazendeiros, o Estado brasileiro homologou seus poderes formais e informais. Em contrapartida, os senhores de terra foram se adaptando aos novos tempos políticos, entregando os anéis para não perderem os dedos. Isso não seria possível sem a velha política de conciliação do Império, inaugurada no gabinete do Marquês de Paraná.
Entre a abdicação de Dom Pedro I e o Golpe da Maioridade de Dom Pedro II, os partidos liberal e conservador protagonizavam disputas políticas da época. Os liberais (luzias) reivindicavam a ampliação da autonomia dos governos provinciais e a reforma de alguns aspectos contidos na Constituição de 1824; os conservadores (saquaremas) eram favoráveis à manutenção da estrutura política centralizada e à preservação dos poderes reservados ao imperador.
A eclosão das rebeliões e de outros movimentos de contestação que questionavam as determinações da Regência resultou, em 1840, no Golpe da Maioridade. Dom Pedro II assumiu o governo, foi apoiado e prestigiou a presença de figuras liberais em seu ministério. Escândalos de violência e corrupção envolvendo os liberais nas eleições, porém, provocaram a dissolução do ministério, em 1853, e a convocação de Honório Carneiro Leão, o Marquês de Paraná, um político conservador que estava havia 10 anos rompido com Dom Pedro II, para compor um novo gabinete. No regime parlamentarista da época, o imperador escolhia o presidente do Conselho de Ministros, e este formava o gabinete, escolhendo os demais ministros. Carneiro Leão montou um gabinete de liberais e conservadores mais leais a Dom Pedro II do que aos seus partidos.
O Gabinete Paraná representou a consolidação de uma inédita estabilidade, que proporcionou conquistas inimagináveis em tempos de ferrenha disputa política. Como havia unidade de interesses das elites liberais e conservadoras, principalmente em defesa da escravidão, o Segundo Reinado conseguiu manter a sua estrutura centralizada sem maiores sobressaltos. Carneiro Leão, que fora nomeado presidente da província de Pernambuco após a repressão à Revolução Praieira, descobriu em primeira mão que os princípios partidários eram vistos como irrelevantes e ignorados em níveis provinciais e locais. Um gabinete poderia ganhar o apoio de chefes locais para candidatos nacionais usando apenas o clientelismo.
Quem narra muito bem esse período é Joaquim Nabuco, no livro Um Estadista no Império, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não cansou de recomendar aos tucanos inconformados com sua aliança com o PFL, como o falecido governador paulista Mário Covas. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiu seus passos com sinal trocado, o que resultou no transformismo petista. Dilma Rousseff, também desse ponto de vista, fez tudo errado e perdeu o apoio das velhas oligarquias e dos novos chefes políticos.
Clientelismo
Na chamada Nova República, o grande partido da conciliação vem sendo o PMDB, que soube conviver em conflito com o PT nos estados e a ele se aliar no poder central, como os saquaremas fizeram com os luzias no Império. A política de conciliação sobreviveu a duas ditaduras e continua vivíssima. Tornou-se, mais uma vez, a tábua de salvação do velho patrimonialismo. Estão aí o clientelismo com gastos públicos e as articulações para salvar da Operação Lava-Jato os que foram pegos se apropriando de bens públicos.
O problema é o custo dessas alianças para os cofres públicos, como acontece agora. Ontem, o governo anunciou mais um aumento de impostos, para obter uma receita adicional de R$ 10,4 bilhões. O objetivo das medidas é cumprir a meta fiscal de 2017, um deficit (despesas maiores que receitas) de R$ 139 bilhões. A conta não inclui as despesas com pagamento de juros da dívida pública. Para compensar a tunga no bolso do contribuinte, fará um bloqueio adicional de R$ 5,9 bilhões em gastos no orçamento federal.
A tributação sobre a gasolina subirá R$ 0,41 por litro, ou seja, mais que dobrou, já que passará a 0,89 cada litro de gasolina, considerando a incidência da Cide, que é de R$ 0,10 por litro. O diesel subirá em R$ 0,21 e ficará em R$ 0,46 por litro. Segundo a Receita Federal, o crescimento de 0,77% na receita foi insuficiente para fechar as contas públicas. Na verdade, a receita com impostos e contribuições caiu 0,20% no período. O resultado positivo foi salvo pelos royalties pagos por empresas que exploram petróleo. O governo Temer não cortou na própria carne; pendurou a conta do ajuste fiscal na lei do teto de gastos. Ou seja, empurrou com a barriga.
* Luiz Carlos Azedo é jornalista
Roberto Freire: A Constituição e a travessia
Mesmo diante do recrudescimento da grave crise política que o Brasil enfrenta, o processo de transição iniciado com o impeachment de Dilma Rousseff, a agenda de reformas necessárias para o país e, sobretudo, o início da retomada da economia após a pior recessão de nossa história não estão ameaçados. Independentemente de quem ocupe a Presidência da República, o mais importante é continuarmos trilhando o caminho da recuperação e seguirmos o que determina a Constituição Federal.
Qualquer que seja o resultado da votação, no plenário da Câmara dos Deputados, sobre a autorização para o prosseguimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer e a eventual abertura de processo no Supremo Tribunal Federal (STF), a travessia democrática e constitucional até as eleições de 2018 seguirá sem interrupção.
Se o pedido da PGR for aprovado, o deputado Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara, assumirá interinamente a Presidência da República por até 180 dias, tal como dispõe a Constituição e exatamente como ocorreu com o próprio Temer quando do afastamento inicial de Dilma. Caso haja uma condenação definitiva pelo STF, haverá eleição indireta para a escolha do próximo presidente – obedecendo rigorosamente àquilo que está expresso na Carta Magna.
É evidente que as sinalizações em relação à pauta de reformas e à política econômica bem sucedida adotada pelo atual governo são as melhores possíveis. Se Temer for afastado, o presidente interino dará continuidade a essa agenda virtuosa e talvez conte até com mais estabilidade política para fazê-la avançar. A garantia da manutenção da equipe econômica reforça a credibilidade do Brasil e a confiança readquirida junto aos agentes econômicos.
Ao contrário do que querem fazer crer aqueles que integram uma oposição que se diz progressista, mas é essencialmente reacionária e está cada vez mais isolada, a elevada temperatura da crise política não comprometeu a retomada da economia nem tirou o país dos trilhos. Um estudo divulgado pela Tendências Consultoria e publicado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” mostra que, com ou sem o presidente Temer, não há receio no mercado de que haja qualquer tipo de retrocesso. Segundo o levantamento, que considerou 28 indicadores, há uma clara tendência de recuperação desde o final do ano passado, algo que não se restringe a resultados pontuais.
Dados como massa de renda do trabalho, crédito para pessoas físicas, venda de automóveis e produção de bens duráveis vêm experimentando uma alta significativa desde novembro de 2016. Com exceção do nível de ocupação, que apresentou sinais mais concretos de recuperação apenas em abril e maio, os demais indicadores registram crescimento ao menos há quatro meses.
Em junho, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial no país, registrou a taxa mais baixa para o mês nos últimos 19 anos (-0,23%). A produção de veículos, por sua vez, subiu 23,3% nos seis primeiros meses de 2017 em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O resultado foi impulsionado, principalmente, pela alta de nada menos que 57,2% nas exportações.
Mesmo os indicadores econômicos mais sensíveis às instabilidades políticas não sofreram maiores abalos neste momento de forte turbulência. O dólar prossegue em sua trajetória de queda, assim como o risco-país e os juros, enquanto a Bolsa sobe. Em meio às boas notícias na área econômica, é importante destacar a aprovação da reforma trabalhista pelo Senado Federal. Trata-se de uma das principais conquistas do governo de transição e, fundamentalmente, do Brasil.
Como se vê, a crise política que parece se encaminhar rapidamente para um desfecho no Congresso Nacional não impede o avanço das reformas, a recuperação da economia brasileira e o pleno funcionamento da transição iniciada com o impeachment. Este é o momento de termos responsabilidade com o país e concluirmos a travessia constitucional até 2018, quando a população se manifestará nas urnas, em eleições gerais, e escolherá o próximo presidente, governadores e um novo Congresso Nacional.
Até lá, nossa missão é apoiar a transição independentemente de quem ocupe a Presidência da República. Além disso, devemos aglutinar as forças de centro e da esquerda democrática em torno de um movimento político que tenha condições de impedir o retorno de um populismo vinculado a uma esquerda atrasada e reacionária – que recentemente levou o Brasil ao buraco – ou a ascensão de uma extrema-direita autoritária e sem nenhum compromisso com a democracia.
Para tanto, nosso guia será sempre a Carta Magna. Dentro da Constituição, tudo. Fora dela, nada.
* Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS
Marcos Troyjo: Com China sendo a maior potência, devemos estudar inglês ou mandarim?
Em algum momento entre 2025 e 2030, o PIB nominal da China deverá superar o dos EUA. A economia chinesa será a maior do planeta.
O fato antecipará em cerca de 20 anos as previsões de Jim O'Neill, criador do acrônimo "Brics". Ele apostara inicialmente que o "C" da sigla superaria a economia norte-americana em 2047.
Quando isso ocorrer, o acontecimento virá revestido de significado. Até a Revolução Industrial desencadear inéditas forças produtivas, sobretudo a partir de meados do século 18, a China era a maior economia do mundo.
Quando, na próxima década, a China superar em tamanho a economia dos EUA, observaremos um eclipse bem raro. Chegará ao fim uma primazia que vem desde 1880, quando os EUA ultrapassaram a economia britânica.
À época, a Rainha Vitória regia um império "sobre o qual o Sol jamais se punha". O inquilino da Casa Branca era o pouco conhecido Rutherford Hayes.
Naturalmente, essa impressionante escalada chinesa repercute na maneira como as pessoas estão se preparando para a economia global.
Quando eu era estudante no ensino médio, fiz intercâmbio numa high school americana. Jamais, há 30 anos, passaria pela minha cabeça ou de minha família estudar na China ou aprender mandarim.
Apenas para ficar no caso de nosso país, é importante reconhecer que desde tenra idade alguns pais já colocam suas crianças para aprender os rudimentos de mandarim, com a mesma convicção e naturalidade que até há um tempo se fazia, por exemplo, com o francês ou o alemão. Muitas escolas de elite em nível fundamental passaram também a oferecer o mandarim como diferencial atrativo.
Nos cursos de bacharelado em relações internacionais —os mais disputados da área de humanas— é que crescente o número daqueles que estudam mandarim. Mais que isso, querem fazer intercâmbio na China. Desejam estagiar e trabalhar em empresas chinesas.
Mesmo em áreas como economia ou administração, estou impressionado como alunos brasileiros hoje pensam e repensam antes de tomar a decisão de estudar inglês e complementar estudos num país anglófono ou aprender mandarim e estudar na China.
Numa recente palestra em universidade brasileira sobre como construir uma carreira global, perguntaram-me se os jovens estariam se preparando melhor para o futuro da economia mundial se tivessem de mergulhar prioritariamente nos aspectos de "soft power" da civilização anglófona ou chinesa.
Comentei o assunto com amigos chineses, uns do ramo empresarial, outros da vida acadêmica. Alguns com negócios em têxteis, infraestrutura ou computadores e outros são professores universitários. Perguntei a eles especificamente o que era melhor para os próximos 25 anos, estudar inglês ou mandarim?
Todos me responderam com firmeza: o inglês. Dizem que hoje há 300 milhões de pessoas estudando inglês na China. Projetam que metade da população chinesa com menos de 50 anos será fluente em inglês até 2035.
Salientam, ainda, que a distância entre o mandarim corrente e o erudito é enorme. E, claro, que apenas o mandarim não resolve a imensa diversidade étnica e linguística da China. Apontam também que os chineses "importam" universidades americanas e britânicas para o solo chinês.
Meus interlocutores chineses defendem, se possível, dominar inglês e mandarim como o melhor dos mundos, mas que aí não sobra tanto tempo para estudar outras coisas talvez mais importantes.
Para nós, brasileiros, além de nos aprimorar cada vez mais no português, é importante perceber que, mesmo para os sempre patrióticos —mas pragmáticos— chineses, o idioma corrente dos negócios continuará sendo o inglês.
Marcos Troyjo é economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas.
Samuel Pessôa: O poder das corporações empresariais
No fim de abril, o Executivo enviou ao Legislativo a medida provisória 777, que redesenha o papel do setor público no financiamento do investimento. O objetivo era retirar da concessão de crédito do BNDES o subsídio público.
A TLP (Taxa de Longo Prazo), que balizará o juro da concessão de empréstimos, será, para o mês de liberação do crédito, a remuneração da nota do Tesouro Nacional série B, a famosa NTN-B, de cinco anos. Ou seja, o BNDES cobrará pelo empréstimo o custo de captação do Tesouro.
Isso não significa que não poderá haver subsídio. Somente que o subsídio será definido pelo Congresso Nacional e será custeado diretamente pelo Tesouro, tornando a política de subsídios transparente no Orçamento, como as demais políticas públicas.
Segundo cálculos de Manoel Pires, somente em 2015 os subsídios do BNDES custaram R$ 57 bilhões aos contribuintes! A bagatela de dois programas Bolsa Família.
A TLP trata-se de uma verdadeira revolução nas nossas instituições. O modelo anterior supunha que os elevados juros por aqui justificavam o subsídio público na concessão de crédito ao investimento em capital físico.
Essa conclusão está errada. Os empresários argumentam que precisam competir com países cuja taxa de juros é menor. Se não houver o subsídio público, o negócio não se viabiliza. A suposição desse argumento é que um produtor de fogão, por exemplo, compete com os produtores de fogões do resto do mundo. Muito intuitivo, mas errado.
Se nós somente produzíssemos fogões e, em razão dos juros mais elevados, nosso produto fosse caro no mercado internacional, ocorreria a desvalorização do câmbio, que restituiria a rentabilidade da indústria de fogões.
O produtor nacional de fogões compete com todos os demais produtores aqui localizados em todos os setores. A competitividade média da economia brasileira em comparação ao resto do mundo é ajustada pelo câmbio. E, em um regime de câmbio flexível, esse ajuste é mais simples.
Evidentemente, é natural que os setores mais intensivos em capital apresentem no Brasil menor desenvolvimento em razão do maior custo de capital. Não há justificativa para o subsídio: se algo é mais caro por aqui, tem que ser menos empregado. Qual é a surpresa?
O subsídio somente se justifica para aqueles investimentos que apresentam retorno para a sociedade maior do que o retorno privado. Exemplos: infraestrutura de mobilidade urbana, saneamento básico, investimento em inovação tecnológica, entre outros.
Nelson Barbosa, ex-ministro da presidente Dilma e agora meu colega neste espaço às sextas-feiras alternadas, notou que o atual governo ainda não pautou o tema da elevação da progressividade dos impostos.
Segundo Nelson, o silêncio da equipe econômica sobre o tema da progressividade dos impostos "é revelador de quem ela representa". Dado que, em 13 anos à frente do Executivo nacional, o governo anterior nunca pautou o tema, sou forçado a considerar que o atual governo representa, segundo Nelson, os mesmos interesses que o governo petista representava. De qualquer forma, Nelson poderia ter um pouco mais de paciência antes de tirar suas conclusões: um ano é bem menos tempo do que 13.
Vale lembrar que a MP 777 elimina mecanismo histórico de concentração de renda no Brasil. Surpreende que Nelson Barbosa não a apoie. Que interesses ele representa?
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.
Jose Roberto de Toledo: Temer pega onda
A economia brasileira vai tão bem quanto a política do país. Para quem enxerga com tal ponto de vista, não há motivo para insistir em investigações, afastamentos e tanto menos prisões que coloquem em risco o círculo virtuoso de conquistas e recordes alcançados – em tão pouco tempo – pelo gênio político de Michel Temer e pela austeridade de seus ministros.
Malas, ora, malas. Esses são os críticos, dizem os defensores do presidente. Quanto cabe numa mala? Nada comparado ao valor do resgate da confiança dos agentes econômicos. Se não se almoça picanha grátis, por que as reformas haveriam de sair de graça?
Economistas parecem enfim conformados com o adiamento do crescimento que tinham certeza que aconteceria em 2017, não fosse a realidade – sempre ela – a atrapalhar. Mais certeza ainda têm os empresários que defendem sustentar Temer em nome da estabilidade. Afinal, uma crise sem fim é uma crise estável.
O mercado financeiro emburrou com o resultado do governo central, divulgado semana passada. Tanto mimimi só porque o buraco de R$ 29,4 bilhões das contas federais foi o maior em 20 anos para um mês de maio. Tudo bem que o rombo superou as expectativas mais pessimistas, mas qual a novidade?
Foi o oitavo recorde mensal quebrado pela dupla Temer/Meirelles em apenas um ano. Eles detêm os maiores déficits fiscais para fevereiro, março, maio, junho, julho, agosto, setembro e novembro. Se ajustes metodológicos nem emendas parlamentares aumentarem o número de meses do ano, custará mais que uma visita do Joesley para lhes roubar o recorde de recordes deficitários.
Resta o desafio de quebrarem a própria marca e chegarem ao nono recorde mensal. Bom motivo para segurar o governo até outubro.
Com a ajuda da mão de Deus, é só aguentar mais umas flechadas por três meses e trocar o arqueiro em setembro. Para garantir, convém pedir ao Gilmar para tratorar o bambuzal, com Supremo com tudo. Quem segura o governo até outubro de 2017 segura até outubro de 2018. Aí já emenda com as eleições presidenciais e não se fala mais em malas. Só em caixas.
Todos juntos, vamos
O Datafolha mostrou que Marina Silva é quem mais ganharia se Lula não fosse candidato a presidente. Herdaria, hoje, pelo menos 1 de cada 4 ex-eleitores do petista. Mas e se o ex-presidente pegar jacaré na mesma onda que tenta empurrar Temer até o fim do mandato? Se Lula conseguir se manter na disputa presidencial, qual rival tem mais a ganhar com sua permanência?
O Ibope fez um estudo estatístico dos mais interessantes para tentar responder essa questão. Calculou a razão de possibilidades (“odds ratio”, em inglês) de os eleitores que declaram que não votariam em Lula de jeito nenhum votarem nos demais presidenciáveis. Dos oito nomes testados além do petista, João Doria é quem tem a maior chance de se tornar o anti-Lula.
E não é por pouca diferença. A chance de o prefeito paulistano vir a conquistar a metade que não quer Lula presidente pela terceira vez é 37% maior do que a de Bolsonaro e 40% superior à de Alckmin, segundo o Ibope. De acordo com o estudo, Doria levaria ainda mais vantagem nesse eleitorado anti-Lula sobre Joaquim Barbosa (65% mais), Marina (127% mais) e Ciro (192%).
Em resumo, se Temer ficar e Lula também, a sucessão presidencial tem boas chances de ter um tucano disputando contra um petista pelo quinto segundo turno consecutivo. Estatisticamente, há uma confluência de interesses entre a Turma do Pudim, tucanos e lulistas.
Tanto quanto as matreirices de quem visita Temer escondido no Palácio do Jaburu, essa conjunção pode ajudar o presidente a se segurar mais tempo no cargo do que merece.
* José Roberto de Toledo é jornalista
Fonte: http://politica.estadao.com.br/blogs/vox-publica/temer-pega-onda/
Roberto Freire: Economia no caminho certo
O recrudescimento da grave crise política e moral enfrentada pelo Brasil afeta também o cenário econômico, mas os indicadores mais recentes apontam uma clara tendência de recuperação em várias frentes, o que revela o acerto do governo de transição nessa matéria. Os dados apresentados nos últimos dias nos permitem constatar que, apesar de todas as dificuldades, a economia do país vem se recuperando de forma consistente. Trata-se de uma realidade alvissareira e esperamos que seja um caminho sem volta.
Na última terça-feira (20), o Ministério do Trabalho divulgou o balanço atualizado do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que registrou a abertura de 34,2 mil vagas formais com carteira assinada em todo o país em maio. Foi o segundo mês consecutivo em que a criação de postos de trabalho superou o número de demissões.
Ainda de acordo com os dados apresentados pelo ministério, o resultado do acumulado entre janeiro e maio também é positivo: nesse período, foram geradas 48.543 vagas com carteira assinada no país, o melhor índice dos últimos três anos.
Outros dados relevantes tornados públicos nos últimos dias são os da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), divulgada pelo IBGE. Segundo o levantamento, em abril deste ano, o setor de serviços no Brasil apresentou um crescimento de 1% em relação a março – a maior alta registrada desde março de 2016, quando o indicador subiu 1,2%, e o melhor resultado para abril desde 2013 (2,1%).
A recuperação da economia, o grande feito do governo no pós-impeachment, se reflete também quando observamos a contínua queda da inflação nos últimos meses. Em junho, o Índice Geral de Preços (IGP-10) sofreu uma redução de 0,62%, atingindo a terceira taxa de deflação mensal seguida (-0,76% em abril e -1,1% em maio). O índice, medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), acumula uma redução de 1,43% neste ano.
Já o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) também registrou um recuo nas sete capitais pesquisadas pela FGV nas duas primeiras semanas de junho. O Recife apresentou a maior queda (-0,44%), passando de 1,01% para 0,57% no período. São Paulo, Salvador e Porto Alegre também tiveram reduções do índice inflacionário, enquanto três outras capitais registraram, inclusive, deflação (Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasília). A média nacional do IPC-S caiu 0,26 ponto percentual, passando de 0,39% na primeira semana de junho para 0,13% na segunda.
Como se vê, a economia brasileira vem respondendo bem à responsabilidade adotada pelo atual governo nessa área. O respeito às regras e a competência técnica da equipe econômica resgataram a credibilidade perdida nos últimos anos e geraram confiança junto ao mercado e à sociedade.
É evidente que temos de seguir trabalhando pela aprovação das reformas necessárias ao país, em especial das propostas de mudanças na legislação trabalhista e na Previdência que estão em tramitação no Congresso Nacional, além da fundamental discussão sobre a reforma política. Todas elas são muito importantes para que o país prossiga sua recuperação e supere a pior recessão econômica de nossa história.
Não há dúvida de que, se não houvesse eclodido a atual crise política e se tivéssemos um encaminhamento mais célere das reformas, a economia teria avançado ainda mais e com maior rapidez. Mas os números mostram, de forma cristalina, que tudo aquilo que já foi conquistado até este momento representa um enorme ganho para o Brasil. Mesmo com as fortes turbulências na política, o país dá sinais de que está voltando aos trilhos do crescimento. Esperamos que esse processo se consolide, apesar das dificuldades. Nosso compromisso é continuar avançando.
* Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS.
Fonte: http://www.diariodopoder.com.br/artigo.php?i=55099777466
‘Nosso vício é a dependência do Estado’
Entrevista com André Lara Resende, economista
Alexa Salomão, O Estado de S.Paulo
Para economista, maior problema do País não é inflação, mas a incapacidade de equilibrar as contas públicas
No início do ano, o economista André Lara Resende levantou uma polêmica em torno da relação entre taxa de juros e inflação. A regra prega que juro alto é como a Novalgina: um remédio eficiente para baixar a inflação. Mas o artigo de Lara ia contra esse princípio: taxas de juro altas por muito tempo - como ocorre no Brasil - teriam o efeito inverso e sustentariam a inflação. E mais: a taxa de juros não cede porque o Estado gasta demais. Haveria aí um ciclo vicioso.
Nesse contexto, a reforma da Previdência é essencial. Agora, Lara lança o livro Juros, Moeda e Ortodoxia, em que aborda o tema de maneira mais extensa e mantém a posição: “Nosso vício não é a inflação, mas a dependência excessiva de um Estado patrimonialista e incompetente que é levado a se endividar em excesso”.
A seguir, trechos de sua entrevista.
O sr. poderia explicar o princípio de sua teoria sobre juros e inflação que tanta polêmica causou entre os economistas?
Antes de mais nada, não se trata de uma teoria, mas de uma conjectura. A teoria sempre postulou a existência de uma relação inversa entre a taxa de juros e a inflação. Ou seja, que a elevação da taxa de juros reduz a inflação e vice versa. A teoria monetária predominante - que pauta os bancos centrais - está baseada em metas para a inflação e uma regra para a fixação da taxa de juros.
Simplificadamente, se a inflação sobe acima da meta, o banco central deve elevar a taxa de juros mais do que proporcionalmente a aceleração da inflação. É uma espécie de regra de bolso, que parece funcionar na prática. Acontece que com a ameaça da deflação nos países avançados depois da grande crise financeira de 2007/2008, os bancos centrais se viram impossibilitados de continuar baixando a taxa de juros quando elas chegaram a zero. A teoria levaria a crer que, diante das mãos atadas dos bancos centrais, a deflação se aceleraria. Não foi o que ocorreu. A inflação, assim como a taxa de juros, se estabilizou perto de zero.
E o que isso quer dizer?
Inverte a convencional relação inversa entre a taxa de juros e a inflação. Por isso é tão polêmica. Abre-se a possibilidade de que seja a alta taxa de juros que sustente a inflação. As razões para isso seriam basicamente duas. Primeiro, altas taxas de juros mantidas por longo tempo, sobretudo quando a dívida pública é alta, agravam o desequilíbrio fiscal e levantam dúvidas sobre a solvência a longo prazo do Estado. Segundo, a taxa de juros funcionaria como sinalizador das expectativas de inflação.
O fato de a inflação ter sido tão resistente no início da recessão é um sinal de que talvez essa “conjectura” possa estar acontecendo no Brasil: taxa de juros funciona como sinalizador de inflação?
Sim, é uma possibilidade. Não apenas no Brasil, mas em toda parte hoje, há sinais de que o efeito da recessão e do desemprego sobre a inflação é muito mais fraco do que parecia.
O Brasil, então, no que se refere a inflação é como um alcoólatra: não pode cheirar um copo de álcool que tem recaída?
A inflação não é um vício, mas o sintoma de vícios. Que vícios seriam esses? O principal deles é a incapacidade de garantir o equilíbrio a longo prazo das contas públicas, a tentação permanente de levar o Estado a gastar mais do que ele é capaz de extrair via impostos da sociedade. Nosso vício não é a inflação, mas a dependência de um Estado patrimonialista e incompetente que é levado a se endividar em excesso.
E por que a taxa de juros é tão resistente no Brasil? Desde o Plano Real, nunca foi abaixo de 7%.
Essa é a pergunta que há anos, desde a estabilização do real, tem causado perplexidade e levado os analistas a quebrar a cabeça. A possibilidade de que na raiz da questão esteja um desequilíbrio fiscal estrutural, diante do qual a alta taxa de juros contribua para agravar o problema. É justamente a tese da dominância fiscal.
Mas existe mesmo a chamada “dominância fiscal”: a perda de efeito da taxa de juros sobre o controle da inflação quando o Estado gasta mais do que pode?
Dominância fiscal é uma situação anormal, que se torna tão mais provável quanto mais alta for a percepção da probabilidade de insolvência do Estado e de calote na dívida pública. O Estado brasileiro é muito deficitário, sua dívida como proporção do PIB é alta e cresce rapidamente. Reunimos portanto as condições para o caso de “dominância fiscal”.
“Reunimos” em que sentido? Podemos vir a sofrer dessa anormalidade ou já estamos nela?
Reunimos, no sentido de que as condições para a dominância fiscal estão aí. Se estamos ou não em dominância fiscal é algo que não se pode afirmar categoricamente. Só uma análise aprofundada, a mais longo prazo, pode ajudar a responder à pergunta.
Há uma defesa incondicional da reforma da Previdência para equilibrar as contas e a dívida pública. Qual seria o efeito da reforma sobre os juros?
Como está, o sistema previdenciário é insustentável. O problema não é novo. Quando destacado para estudar a questão no governo FHC, já estava claro que o sistema iria explodir antes de 2020. Algumas modificações foram feitas na idade mínima e chegamos até aqui, mas a queda brusca da taxa de natalidade e o rápido envelhecimento da população tornaram a previdência insustentável. O desequilíbrio é grave e afeta todo o sistema, mas é na Previdência dos funcionários públicos onde a crise é mais aguda. Grande parte do desequilíbrio das contas públicas, sobretudo estaduais e municipais, vem da Previdência dos servidores. Sem dúvida, a aprovação de uma reforma coerente, que garantisse a saúde e a solvência das contas públicas no longo prazo, é fundamental para viabilizar a queda da taxa básica de juros.
Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,nosso-vicio-e-a-dependencia-do-estado,70001846449