Economia

José Luis Oreiro: Sem lucros não haverá recuperação sustentável da economia

Em matéria publicada no Valor Econômico do dia 18 de setembro (“Para IEDI, despesa financeira é pedra no caminho das empresas industriais) somos informados que, segundo levantamento feito pelo IEDI junto as 339 empresas não-financeiras de capital aberto, a margem de lucro, tanto no conceito operacional, como no conceito líquido, apresentou uma redução não desprezível entre o primeiro e o segundo trimestre de 2017. Em números: a margem operacional do total das empresas pesquisadas caiu de 16,1% para 14,7% entre o primeiro e o segundo trimestre do corrente ano, ao passo que a margem líquida caiu de 7% para 4,3% no mesmo período.

Um dado interessante do estudo do IEDI é que a redução das margens de lucro foi maior nas empresas do setor de serviços do que nas empresas do setor industrial. Com efeito, enquanto as empresas do setor industrial tiveram uma queda de 9,3% para 8,6% na margem operacional (queda de 0,7 p.p) e de 4,9% para 3% na margem líquida (queda de 1,9 p.p) ; as empresas do setor de serviços constataram uma queda de 17,8% para 16,9% (queda de 0,9 p.p) na margem operacional e de 7,4% para 4,2 % (queda de 3,2 p.p) na margem líquida.

A queda da margem operacional de lucros (ou seja, da relação do lucro antes dos juros e impostos e a receita) indica que as empresas pesquisadas não estão conseguindo repassar para os preços o aumento dos custos operacionais. No caso das empresas do setor industrial a redução das margens de lucro deve refletir o crescimento dos salários reais (devido a desinflação ocorrida nos últimos 12 meses) acima da produtividade do trabalho num contexto de demanda reprimida pelo quadro recessivo e continuidade da taxa de câmbio sobrevalorizada. Surpreende, contudo, que as empresas do setor de serviços também não estejam conseguindo repassar para os preços o aumento dos custos operacionais, o que é um forte indicador de fraqueza da demanda agregada.

Os momentos de recuperação cíclica do nível de atividade econômica são, em geral, acompanhados por uma elevação (não por uma redução) das margens de lucro. Isso porque o aumento do grau de utilização da capacidade produtiva associado a recuperação do nível de produção tende a produzir um aumento da produtividade do trabalho; pois durante o descenso cíclico as empresas não ajustam o tamanho da força de trabalho na proporção exigida pela queda da produção e das vendas em função dos custos de demissão e contratação de trabalhadores. Esse fenômeno, conhecido na literatura econômica, como labour hoarding, gera um padrão pró-cíclico para a dinâmica da produtividade do trabalho, fazendo com que as margens de lucro aumentem durante a fase de recuperação. É o aumento das margens de lucro que permite, não só a continuidade do processo de desalavancagem das empresas que se endividaram durante o boom, como também aumenta a expectativa de retorno dos projetos de investimento em ampliação e modernização da capacidade produtiva. Dessa forma, o aumento da “eficiência marginal do capital” termina por gerar um aumento do fluxo de novos investimentos, o que gera um efeito multiplicador sobre o nível de atividade econômica, proporcionando uma recuperação sustentável da economia.

Infelizmente os dados divulgados pelo IEDI mostram que esse mecanismo virtuoso não está acontecendo no Brasil, pelo contrário, as margens de lucro estão em processo de redução. Sem o crescimento dos lucros não há estímulo para os empresários investirem. E sem investimento não há recuperação sustentável para a economia brasileira.

Talvez seja essa a razão pela qual o Ministro da Fazenda, Sr. Henrique Meirelles, pediu recentemente a um grupo de pastores evangélicos orações pela economia brasileira. Quiçá seja necessário, de fato, um milagre para evitar a volta do Pibinho, o qual foi o começo do fim da era Dilma Rouseff.

* José Luis Oreiro é economista e professor da Universidade de Brasília (UnB)


Luiz Carlos Azedo: A contradição principal

O Palácio do Planalto teme mesmo é uma eventual delação premiada do ex-ministro Geddel, que voltou a ser preso por causa do dinheiro que escondia

A nó da política brasileira é a contradição principal do governo Temer, que opõe uma equipe econômica capaz de tirar o país da recessão e apontar um horizonte de retomada gradual do crescimento, com inflação controlada e juros mais confortáveis, ao núcleo político no Palácio do Planalto, cada vez mais desmoralizado pelo envolvimento de seus principais integrantes na Operação Lava-Jato. Essa contradição se aprofundou ontem, com a segunda denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, desta vez pelos crimes de obstrução à Justiça e organização criminosa.

Dois ministros (Moreira Franco e Eliseu Padilha), dois ex-ministros (Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves), dois ex-deputados (Eduardo Cunha e Rodrigo Rocha Loures), um empresário (Joesley Batista) e um executivo (Ricardo Saud) foram denunciados, acusados de arrecadarem mais de R$ 587 milhões em propina. Esses recursos teriam sido desviados da Petrobras, Furnas, Caixa Econômica Federal, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Agricultura, Secretaria de Aviação Civil e Câmara dos Deputados.

O empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo J&F, e o executivo Ricardo Saud, ambos delatores da Operação Lava-Jato, estão entre os denunciados, mas somente pelo crime de obstrução de Justiça. Ontem, Janot pediu a transformação da prisão temporária de ambos em prisão preventiva e foi atendido pelo ministro do STF Edson Fachin. Mas essa não é a grande preocupação. O Palácio do Planalto teme mesmo é uma eventual delação premiada do ex-ministro Geddel, que voltou a ser preso por causa do dinheiro que escondia num apartamento de um amigo em Salvador. Mais de R$ 51 milhões em malas e caixas repletas de notas de R$ 50 e R$ 100.

Janot lançou a segunda flecha contra Temer em seus últimos dias no cargo de procurador-geral. Sustenta que “diversos elementos de prova” apontam que o presidente tinha o “papel central” na suposta organização criminosa. A denúncia acusa Temer, Henrique Alves e Eduardo Cunha de serem os responsáveis pela obtenção de espaços para o grupo político junto ao governo do PT, graças à influência que detinham sobre a bancada do PMDB da Câmara. “Ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas”, afirma.

Segundo a PGR, o esquema utilizou transferências bancárias internacionais, na maioria das vezes com o mascaramento em três ou mais níveis, em movimentações sucessivas com o objetivo de distanciar a origem dos valores; e a aquisição de instituição financeira, com sede no exterior, para tentar controlar e ludibriar normas de ética, conduta e boa governança em empresas (práticas da chamada compliance) e dificultar o trabalho dos investigadores.

“Ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas a Lúcio Funaro (apontado como operador financeiro de políticos do PMDB) e Eduardo Cunha, com a finalidade de impedir estes últimos de firmarem acordo de colaboração”, acusa Janot.

No mesmo barco

No começo de seu governo, quando surgiram as primeiras denúncias contra os ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha, o presidente Temer traçou uma espécie de círculo de giz para proteger a equipe: disse que as investigações não eram motivo para afastamento dos auxiliares, mas que não hesitaria em fazê-lo caso se tornassem réus. Acontece que o presidente da República também foi denunciado. E agora, se Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no STF, acolher a denúncia, o que deve acontecer? Temer tem a blindagem constitucional, e a Câmara pode também não acolher a segunda denúncia e sustar as investigações até o fim do seu mandato, como aconteceu na primeira. Mas não tem como impedir que seus ministros virem réus.

A contradição entre uma política econômica exitosa e esse processo contínuo de desmoralização do governo não deve se resolver antes das eleições de 2018. Por mais que o Palácio do Planalto suba o tom contra Janot, esse argumento cairá por terra a partir da próxima semana, uma vez que a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, assumirá o cargo na segunda-feira. Depois da decisão tomada pelo STF, que não acolheu a suspeição arguida por Temer contra Janot, será muito difícil dar um cavalo de pau nas investigações. Ou seja, a crise ética evoluirá para mais uma discussão na Câmara sobre a aceitação ou não da denúncia.


Monica De Bolle: Liberdade, liberdade 

“Liberdade! Liberdade! Abra as asas sobre nós. E que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz.”

Samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense, 1989

O xingamento mais divertido que recebi foi há alguns anos, após ter traduzido a obra de Thomas Piketty, O Capital no Século XXI. Alguns autoproclamados liberais, revoltados com a audácia de transpor para o português aquela que era considerada a obra de economia mais importante de 2013 e 2014, escrita por economista “de esquerda”, resolveram me chamar de “aquela tradutora do Piketty”. Imagino que sejam os mesmos liberais que hoje defendem a censura em nome “da ordem e dos bons costumes”, aqueles ameaçados por obras de arte – pouco importa a suposta qualidade de tais obras. Liberais que defendem a censura por terem tido suas sensibilidades ofendidas são contradição em termos. Liberais que agora gostam de Piketty pelo seu mais recente estudo sobre o Brasil são engraçados.

Thomas Piketty voltou às manchetes brasileiras depois que recente trabalho seu revelou a falácia do mito da queda da desigualdade no Brasil. Hoje, aqueles que atacaram o autor e sua obra por considerá-los demasiado “esquerdistas” o exaltam por desvelar mitologias do lulopetismo. No Brasil, persiste a ideia no debate econômico de que linhas de pensamento correm em paralelo e não podem jamais se cruzar. Mas eis que Piketty apresentou fatos e dados que condizem com o que muitos imaginavam e que, além disso, servem para alimentar a retórica política de um grupo de sociedade.

Traduzi a obra O Capital no Século XXI, do francês, por considerá-la profundamente atual, além de refletir bem a realidade do mundo em que vivemos, extremamente desigual. Tal desigualdade está no cerne dos movimentos nacionalistas e “populistas” – considero o termo “populismo” demasiado desprovido de rigor de caracterização, potente enquanto chavão, porém vazio no conteúdo do significado – que pipocam mundo afora. Piketty tratou o tema da desigualdade com rigor empírico e expôs à profissão a profunda falácia de tê-lo ignorado por tanto tempo – essa é sua principal contribuição. Se as propostas que Piketty sugere para combater a desigualdade deixam a desejar, ele teve o grande mérito de pintar o elefante branco na sala de rosa-choque e de enfeitá-lo com plumas e paetês: ninguém mais pôde ignorar o bicho desde que O Capital no Século XXI foi publicado.

Consideremos os fatos: a desigualdade no Brasil não caiu, pois a parcela mais rica da população brasileira continuou a ver crescimento expressivo de sua renda em ritmo mais elevado do que a parcela mais pobre ganhava poder de compra e empregos. Dito de outro modo, se os programas de transferência de renda iniciados no governo FHC e aumentados no governo Lula beneficiaram parte significativa da população brasileira, ajudando muitos a alcançar o cobiçado status de classe média, os mais ricos no Brasil mais do que preservaram seus privilégios. É esse o grande paradoxo do período iniciado com Lula na Presidência, e que somente terá chance de fim quando Temer a deixá-la. Afinal, não sejamos ingênuos a ponto de imaginar que as políticas de Temer beneficiam as camadas menos favorecidas da população. O fisiologismo do presidente e de seu partido, a corrupção sem freios, o toma lá dá cá tão velho e desgastado são mera continuação do que foi estabelecido como regime no Brasil. As malas abertas pornográficas encontradas em Salvador, jorrando dinheiro das entranhas, que o digam.

O que impede a queda da desigualdade no Brasil? De um lado, algo velho e conhecido: nosso sistema tributário irrefutavelmente regressivo. De outro, políticas públicas que privilegiam setores e grupos de interesse – os campeões nacionais de Lula e Dilma, os congressistas e parcelas do funcionalismo público de que Temer necessita para manter-se no poder. A roupagem muda, mas a engrenagem que mantém alta a desigualdade de renda brasileira está intacta há décadas.

É possível ser liberal de verdade – sem defender a censura – e preocupar-se com a distribuição de renda. É possível ser liberal e acreditar que o Estado tem o dever de reduzir a desigualdade por meios diversos, com programas sociais e medidas para dissolver as barreiras que impedem a ascensão social de muitos. Liberdade, nem que à tardinha. Igualdade sem piadinha.

* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

 


 José Márcio Camargo: Rumo à normalidade

A persistência de taxas de inflação muito abaixo da meta de 2% ao ano, apesar das políticas monetárias extremamente frouxas dos principais bancos centrais do mundo, tem gerado perplexidade entre os analistas. Em especial, parece difícil explicar por que, com taxas de desemprego já muito baixas para os padrões históricos nos Estados Unidos e na Alemanha, os salários nominais não mostram sinais de aceleração.

Esta persistência de taxas de inflação muito baixas está, a nosso ver, relacionada aos efeitos do processo de globalização sobre os preços dos bens comerciáveis. A globalização é, fundamentalmente, um processo de terceirização de atividades produtivas em nível internacional, no qual as empresas decidem localizar suas atividades naqueles países onde é mais barato produzir, seja porque os salários são mais baixos, dado a qualidade da mão de obra, seja porque as instituições são mais indutoras de esforço, seja porque a produtividade das empresas é maior, etc.

Como consequência, a concorrência se internacionalizou e os preços dos bens comerciáveis e a variação dos salários dos trabalhadores passaram a ser determinados pelo grau de ociosidade e pela disponibilidade de mão de obra em nível mundial e não mais para cada país. Como as taxas de investimento nos países asiáticos continuam elevadas e a disponibilidade de mão obra, abundante, os preços dos bens comerciáveis permanecem em trajetória de queda.

Para os preços dos bens não comerciáveis, serviços principalmente, ao contrário, as taxas de inflação continuam a acelerar, tendo atingido mais de 3% ao ano nos Estados Unidos. Mas essa aceleração não é suficiente para contrabalançar a deflação dos comerciáveis. Ou seja, a menos que sejam implementadas politicas claramente protecionistas no mundo desenvolvido, não parece próximo o momento em que as taxas de inflação nos países desenvolvidos irão ultrapassar a meta de 2% ao ano.

O Brasil permaneceu praticamente fora deste movimento de globalização da produção até o momento, por causa de dois fatores: uma legislação trabalhista, cujo objetivo era a proteção do trabalhador contra o empregador, e uma legislação que proibia a terceirização da atividade fim das empresas. Esses dois obstáculos foram removidos recentemente com a reforma da legislação trabalhista e a mudança da lei da terceirização.

A nova legislação trabalhista, ao criar a figura do contrato intermitente e permitir a negociação individual entre trabalhadores e empresas tanto do banco de horas quanto do próprio contrato de trabalho para trabalhadores com educação superior e salário acima de duas vezes o teto do INSS (hoje aproximadamente R$ 11 mil), irá ter efeitos importantes sobre o funcionamento do mercado de trabalho. A negociação individual do banco de horas permitirá à empresa programar as horas trabalhadas de cada trabalhador, de tal forma a minimizar os custos com horas extras. Além disso, o contrato intermitente e a negociação individual do contrato dos trabalhadores qualificados permitirão às empresas renegociar as condições de trabalho, em razão do comportamento da economia, flexibilizando os custos nominais da mão de obra.

A nova legislação trabalhista terá efeitos importantes sobre o funcionamento do mercado de trabalho

A nova lei que libera a terceirização para qualquer atividade da empresa terá um efeito importante sobre a produtividade. A empresa passará a fazer somente aquilo em que é mais eficiente, contratando outra empresa para fazer o que ela é menos eficiente e tem custo mais elevado. O resultado será significativa redução do custo de produção.

A implementação dessas reformas deverá mudar a dinâmica da taxa de inflação no Brasil, tornando-a mais parecida com o que ocorre no resto do mundo. Inflação muito baixa, ou deflação, dos bens comerciáveis mais que compensando a inflação dos serviços, permitindo ao Banco Central do Brasil adotar uma política monetária mais em linha com seus parceiros internacionais. Rumo à normalidade.

* José Márcio Camargo Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, é economista da Opus Gestão de Recursos

 


 Míriam Leitão: Os pontos positivos que sustentam o crescimento da economia

Há vários pontos na economia que sustentam a recuperação este ano e no próximo. Porém, não há garantia de que é o início da retomada sustentada do crescimento depois da grande queda. Mas os bons indicadores alimentam o otimismo que se refletiu no recorde histórico do Ibovespa ontem, apesar da continuação da crise política e da enorme incerteza sobre o que vai acontecer no Brasil depois de 2018.

O economista José Roberto Mendonça faz uma lista do que pode sustentar o crescimento no ano que vem. A MB Associados está com uma das previsões mais altas do mercado para o PIB: de 0,7% este ano e de 3% em 2018. Mas ele também tem uma lista de pontos obscuros na conjuntura.

Ele liga, por exemplo, a delação da JBS com a piora fiscal que levou à revisão da meta. O escândalo em que o presidente se envolveu o enfraqueceu politicamente e isso foi cobrado em gasto público.

— A delação enfraqueceu o governo, o centrão entrou em cena e mudou vários projetos que tinham receitas previstas. O Refis tinha a proposta de pagamento de 20% à vista. A mudança no Congresso eliminou isso, e a receita prevista de R$ 13 bilhões desapareceu. O STF decidiu que os produtores rurais tinham que pagar o Funrural, o que significava a entrada de R$ 5 bilhões. Mas o governo aceitou uma proposta que pode fazer desaparecer essa receita. Tudo é decorrente da crise após a delação do JBS — disse o economista.

A dívida dos produtores ao Funrural é muito antiga e vem da decisão de cobrar a contribuição patronal do empresário rural como parte da receita líquida. A mecanização reduziu o número de trabalhadores nas empresas e eles quiseram pagar sobre a folha, entraram na Justiça e pararam de pagar. O STF decidiu que eles deveriam pagar os últimos cinco anos e como percentual da receita. Isso dá uns R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões e os maiores devedores são exatamente a JBS e a Marfrig. A JBS, mais de R$ 1 bilhão. Mas tramita no Congresso um projeto para reduzir esse pagamento e a concessão do governo foi feita exatamente no início do debate sobre a aceitação ou não da primeira denúncia.

— Só com esses dois casos, o do Refis e o do Funrural, o governo está tendo uma frustração de receita não recorrente de quase o tamanho do aumento da meta, R$ 20 bilhões — disse José Roberto.

A deterioração fiscal e a incerteza sobre 2018 mostram que nenhum otimismo em relação à situação econômica tem um horizonte amplo. Bate nestes dois pontos. Por outro lado, há nos indicadores atuais muitas razões para crer que o país sai da recessão este ano e cresce no ano que vem.

Entre as razões, José Roberto relaciona a queda da inflação e seu efeito na melhoria da capacidade de compra do consumidor:

— Em agosto do ano passado, o custo da alimentação havia subido 14% nos 12 meses anteriores. Em julho deste ano, há uma queda de 2% nos últimos 12 meses. Isso permitiu a recuperação da renda das famílias. E por isso o rendimento real começou a subir forte. Os salários não aumentam, mas melhorou o poder de compra e por isso o rendimento real está com alta de quase 3% de julho a julho — diz o economista.

Essa melhoria da capacidade de compra, apesar do desemprego, é ajudada pelos dados que mostram a queda do endividamento das famílias. O Banco Central mede isso de duas formas: o total da dívida pelo rendimento anual das famílias, que caiu de 46% para 42%, e o comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas mensais, que caiu de 23% para 21%. Além disso, a inadimplência da pessoa física caiu de 6,3% para 5,7%. Isso está elevando a concessão de crédito:

— O desemprego está alto, mas no último dado a queda foi maior do que todos esperavam. E um milhão quatrocentos e trinta e nove mil pessoas passaram a ter alguma renda do trabalho.

Ele acha que todas essas razões levarão o consumo das famílias a aumentar este ano. Além disso, as projeções mostram inflação estável. As previsões da MB Associados são de que o saldo comercial este ano será de US$ 71 bilhões, mais do que a média do mercado prevê. Ou seja, na visão de Mendonça de Barros, o país não terá o problema que sempre ampliou as crises: a falta de dólar. O otimismo existe, mas é de curto prazo.

 


Samuel Pessôa: Passo maior do que a perna

No sábado, dia 2 de setembro, houve manifestação de cientistas e professores universitários contra o contingenciamento do governo Temer aos recursos da educação universitária e da ciência brasileira em geral.

O que talvez os cientistas e professores universitários não saibam é que o gasto do Ministério da Educação (MEC) cresceu a taxas elevadíssimas de 2008 até 2014. Esse enorme crescimento, muito acima da expansão da economia e muito acima da capacidade fiscal do Estado brasileiro, explica a atual crise no setor.

Entre 1999 e 2008, o crescimento do pessoal ativo foi de 2.500 contratações por ano. Esse número elevou-se para 13.600 para o período entre 2009 e 2014. O ritmo anual de contratação do MEC multiplicou-se por cinco!

O crescimento real da despesa com ensino superior entre 2009 e 2014 foi de 70%. Para os gastos totais do MEC, o aumento no mesmo período foi de 121%. Nesse mesmo período, o crescimento real da economia não passou de 15%.

Esses números poderiam somente indicar que o governo entre 2008 e 2014 priorizou o gasto com educação em detrimento de outras despesas e manteve a situação fiscal em equilíbrio. No entanto, entre 2008 e 2014, o crescimento do gasto primário da União, excluindo as transferências obrigatórias para Estados e municípios, foi de 33%.

Sabemos que houve forte expansão do gasto primário da União, acima do crescimento da economia, desde 1992. Ocorre que esse processo se esgotou e está muito difícil a sociedade aceitar novas rodadas de elevação da carga tributária.

Assim, a crise da ciência e do ensino superior público nacional é a crise do Estado brasileiro. Vivemos um período - principalmente em seguida à crise de 2008 - em que nossos gestores se comportaram como se não houvesse restrição de recursos. Como se o aumento do gasto público tivesse efeitos tão fortes sobre o crescimento econômico que ele se autofinanciaria.

A descoberta dos recursos petrolíferos do pré-sal, associada a uma gestão fortemente heterodoxa no Ministério da Fazenda, em particular no Tesouro Nacional, produziu uma verdadeira farra fiscal. Vivemos hoje a ressaca dessa farra.

Esse passo muito maior do que a perna está cobrando seu preço.

O esgotamento do Estado foi precedido de um período de elevação persistente da inflação, consequência da tentativa de segurar os preços por meios heterodoxos, o que agravou os problemas.

Vivemos agora o período das vacas magras. Não aproveitamos as vacas gordas para nos preparar e agora sentimos as consequências de nossas escolhas.

Na semana que passou, o Senado aprovou a taxa de longo prazo (TLP), que altera totalmente a governança de concessão de subsídio pelo BNDES. A TLP tornará todo o subsídio concedido pelo BNDES em recursos públicos que aparecerão explicitamente no Orçamento. O principal objetivo é elevar a transparência e o controle da sociedade sobre a concessão de subsídio.

Um próximo passo importante na melhora da governança dos recursos do BNDES é retirar do banco a taxa que ele cobra sobre os recursos do FAT que são emprestados por outros bancos. Dado que o BNDES não capta esses recursos –quem capta é o Tesouro Nacional– e dado que o risco dos empréstimos concedidos por outros bancos com os recursos do FAT "repassados" pelo BNDES não fica com este, não faz sentido a cobrança da taxa de repasse. Sem essa taxa, o custo do empréstimo na ponta pode cair muito.
 

 

 


Luiz Carlos Azedo: Aposta na reforma

Temer tenta andar duas casas na frente da oposição, aproveitando a oportunidade criada pela escandalosa gravação da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud

O presidente Michel Temer reuniu ontem, para um almoço, uma espécie de estado-maior das reformas política e da Previdência: os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE); os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles: da secretaria de Governo, Antônio Imbassahy; da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco; da Justiça, Torquato Jardim; e da Integração Nacional, Hélder Barbalho; além do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), que virou uma espécie de ministro sem pasta, como articulador de bastidores no Congresso.

Temer tenta andar duas casas na frente da oposição, aproveitando a oportunidade criada pela escandalosa gravação da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud, sobre a atuação do ex-procurador Marcelo Miller nas negociações da delação premiada da JBS. O caso pôs na berlinda o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que tem apenas uma semana no cargo para fazer a tão anunciada segunda denúncia contra Temer, baseada na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Janot corre o risco, porém, de ver a primeira denúncia, já rejeitada pela Câmara, ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal (ST¨F), o que significará uma espécie de saída pela porta dos fundos da Procuradoria-Geral.

Janot pediu a prisão dos três protagonistas de sua desgraça: Joesley, Ricardo e Marcelo. Não havia outra saída, uma vez que, se não o fizesse, alimentaria as especulações de que tinha conhecimento das tratativas entre Marcelo e Joesley. Não bastou desovar, nessas últimas semanas, as denúncias que mantinha na gaveta, contra o PP, o PMDB, o PT e o PSDB. No próximo dia 18, a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, assumirá o cargo e dará um freio de arrumação na instituição, num momento crucial para a Lava-Jato. A velha guarda da PGR, que comemora a saída de Janot, jamais imaginaria uma situação como a atual. A preocupação agora é com o retrocesso que a trapalhada pode provocar nas relações entre o MP e os poderes da República, inclusive com a perda de vantagens e regalias.

Ofensiva

Para reagrupar sua base política no Congresso, fragilizada desde a primeira denúncia, Temer aposta na votação da reforma política e na aprovação da reforma da Previdência. Como se sabe, não houve votos suficientes para afastar o presidente da República, mas a operação para rejeitar a renúncia na Câmara desarrumou a base do governo. O Palácio do Planalto prometeu mundos e fundos para os parlamentares que garantiram o mandato de Temer, mas não entregou os cargos e as verbas que havia prometido. Temia-se, inclusive, que a segunda denúncia pudesse fomentar retaliações dos parlamentares insatisfeitos. Até as velhas desconfianças em relação à lealdade de Maia, o presidente da Câmara, estavam brotando nos jardins do Palácio do Jaburu, a residência de Temer.

Agora, mudou a correlação de forças. Parlamentares da base acuados pela Lava-Jato ganharam mais coragem para atacar Janot, as investigações e defender a inocência de Temer. A narrativa de que a Lava-Jato e as delações premiadas são uma excrescência jurídica ganharam vida nova a partir da conversa de Joesley e Saud, motivando um pedido de instalação de CPI contra a JBS. Além disso, a sensível mudança no ambiente econômico, com indicadores positivos de que a recessão acabou e o país lentamente está retomando o crescimento, encoraja os governistas a passarem à ofensiva. Temer voltou da China com o discurso afiado e não é à toa que o ministro da Fazenda foi chamado para o almoço de ontem.

O raciocínio é aquele mesmo da campanha eleitoral de Bill Clinton contra George Bush, que havia vencido a Guerra do Golfo, em 1991, e resgatado a autoestima dos americanos perdida após a derrota no Vietnã. Era o favorito absoluto nas eleições de 1992, ao enfrentar o então desconhecido governador de Arkansas, Bill Clinton. O marqueteiro de Clinton, James Carville, apostou que Bush não era invencível com o país em recessão e cunhou a frase que virou case de marketing eleitoral: “É a economia, estúpido!”. Mas esse tipo de análise não se aplica a uma economia que saiu da recessão, mas não recuperou ainda a capacidade de investimento e de geração de emprego necessárias para reverter a impopularidade do presidente da República, que é igual à de Dilma Rousseff à época da aprovação do impeachment.

Para reverter a impopularidade de Temer e tornar possível o surgimento de uma candidatura competitiva do Palácio do Planalto, a economia precisa crescer a taxa maiores. Isso não é possível com o atual deficit público, cuja meta foi aumentada de R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões. Para isso, é preciso aprovar a reforma política, blindando os grandes partidos e seus caciques com vantagens estratégicas que impeçam um desastre eleitoral, e a reforma da Previdência, que, tanto vai reduzir o deficit sem cortes ainda mais drásticos no Orçamento da União, quanto sinalizar aos investidores que o rumo de modernização da economia traçado por Temer foi consolidado. O problema é que essa insegurança dos investidores decorre também do cenário que está sendo armado para as eleições de 2018 e não apenas dos tropeços do governo Temer até aqui.


Míriam Leitão: Recuperação gradual  

O setor de petróleo ainda vai esperar a superação da crise política antes de recuperar o nível de investimentos no Brasil. É o que mostra pesquisa da Accenture Strategy em parceria com a FGV Energia. No curto prazo, a agenda ainda é de austeridade, mas a partir de 2019 a expectativa é de retorno gradual dos projetos. Para 2026, no melhor cenário, os investimentos podem chegar a US$ 50 bilhões, contra US$ 16 bi de 2016.

O Brasil perdeu o melhor momento do setor para investir. Quando os preços estavam acima de US$ 100, o país ficou discutindo a mudança no marco regulatório, no final do governo Lula e início do governo Dilma. Foram cinco anos sem rodadas de licitação, e o bilhete premiado do pré-sal se transformou em uma conta bilionária de desvios revelados pela Operação Lava-Jato. Nesse período, outros campos de petróleo foram descobertos pelo mundo, e os Estados Unidos começaram a produzir fortemente o petróleo por exploração não convencional (shale gas). Hoje, os preços estão rodando a casa de US$ 50, e as petrolíferas estão mais seletivas na hora de investir.

O impacto da interferência política no setor de petróleo fica evidente quando se olha para os investimentos. Em 2013, eles chegaram a US$ 33 bilhões, mas despencaram para US$ 16 bi no ano passado. A estimativa da Accenture e da FGV Energia é que esse número só começará a subir de forma mais consistente no próximo governo.

— Os anos de 2017 e 2018 ainda serão de reestruturação. Os leilões vão voltar este ano, mas levará tempo até que os investimentos saiam do papel. O que a pesquisa mostrou foi que a partir de 2019 deve ocorrer um retorno gradual dos investimentos, depois que ficar para trás a instabilidade política — explicou Daniel Rocha, diretor-executivo e líder da indústria de Energia da Accenture Strategy.

Desde junho do ano passado, após a troca de governo, o setor passou por uma série de mudanças regulatórias. A Petrobras deixou de ser a operadora única do pré-sal; as rodadas de licitação voltaram a ser agendadas; as regras de conteúdo nacional foram flexibilizadas. Ainda assim, a visão do setor é de que há fortes barreiras ao investimento. Entre os 74 executivos entrevistados pela Accenture, 51% deles citaram a crise política como entrave e 57% reclamaram da carga tributária elevada. O pré-sal também deixou de ser unanimidade.

— O mais importante para o governo é manter a regularidade nos leilões, e, além disso, das áreas que sejam mais atrativas. Isso é fundamental neste momento de maior incerteza — disse.

Rocha destaca o trabalho que vem sendo feito pela atual gestão da Petrobras. Explica que o endividamento da companhia, em relação à geração de caixa, já caiu de 5,3 para 3,2 anos. A petrolífera conseguiu cumprir o seu plano de desinvestimento em 2016, apesar das dificuldades que enfrentou na Justiça para colocar à venda alguns projetos. A pesquisa também mostrou que para 75% dos executivos entrevistados a venda de ativos da Petrobras vai estimular novos investimentos no país. Isso porque haverá um ambiente de maior competitividade, com mais empresas tocando os projetos.

No final deste mês, já acontecerá a 14º rodada de licitação, e a expectativa é positiva. Para 93% dos executivos ouvidos pela pesquisa, haverá boas oportunidades de negócio e para 76% o leilão pode significar um marco para a retomada do setor.

Ontem, o ministro Henrique Meirelles disse que a economia poderá crescer em um ritmo de 3% em 2018. Destravar o setor de óleo e gás será importante para impulsionar a economia e para conter a crise fiscal em estados produtores, como o Rio. _

O Ibovespa caiu 0,45% e frustrou expectativa de quebrar o recorde histórico atingido em maio de 2008.

Dólar caiu a R$ 3,08 e também atingiu a menor cotação em 33 meses contra uma cesta de moedas, segundo o “Financial Times”.

Levantamento da consultoria Sabe mostra que o lucro dos 24 maiores bancos do país subiu 7% no primeiro semestre.

 


Míriam Leitão: Nó tributário 

O deputado Carlos Hauly, (PSDB-PR), relator da reforma tributária, diz que no dia 10 de outubro apresentará o projeto ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e que a partir dessa data o texto estará pronto para ir à votação. Hauly está convencido de que este é o momento ideal para avançar com a reforma e avalia que é mais fácil para o país assimilar uma simplificação nos impostos do que mudanças na Previdência.

A grande dúvida é: por que desta vez o país vai conseguir aprovar uma reforma que vários governos tentaram sem sucesso? Hauly diz que há consenso no Congresso de que sem ela a economia não voltará a crescer fortemente, mesmo que resolva a crise fiscal. Explica que tem conseguido superar resistências e conflitos de interesses ao propor uma transição lenta para o novo modelo, com a garantia de manter por cinco anos o percentual de arrecadação atual.

— Ninguém perderá no curto prazo. A arrecadação média dos últimos três anos, tanto do governo federal, estados e municípios, ficará congelada para os próximos cinco anos. Depois, as mudanças serão graduais, por mais 10 anos, para acabar com o ICMS — afirmou.

A promessa é que não haverá redução da carga tributária, mas também não haverá aumento. O principal ganho para a economia será a queda do custo que as empresas têm para pagamento de impostos e do tempo que se perde para cumprir com as obrigações.

Dez impostos deixarão de existir e serão unificados em uma única cobrança, com incidência em todo o país. Assim, acabará o emaranhado tributário do ICMS, que promove a guerra fiscal e tem regras e alíquotas em cada um dos 27 estados. Esse tributo seguirá o modelo do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) europeu, com tributação no destino e sem dupla tributação. As renúncias terão que ser nacionais. O que for concedido para um, terá que ser dado para todos, segundo Hauly:

— O que isso muda? Em primeiro lugar, você acaba com desonerações que passam de R$ 500 bilhões por ano, incluindo governo federal, estados e municípios. Mantém apenas 30% da desoneração atual. E acaba com a guerra fiscal porque põe fim ao ICMS. Como a reforma não tem interesse em aumentar carga tributária, você desonera outros setores, como remédios, alimentos, máquinas e exportação.

Setores que precisam de maior regulação ganham um imposto próprio, que pode ter alíquotas maiores, como automóveis, energia, cigarros, telecomunicação, combustíveis, eletrodomésticos e bebidas. Um dos pontos incertos é o que fazer com a Zona Franca de Manaus, que custa R$ 26 bilhões por ano e tem garantia constitucional para continuar existindo. Hauly diz que as negociações começam na próxima semana.

O advogado tributarista Gustavo Brigadão, presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e da IFA 2017, acredita que o projeto é uma das maiores oportunidades que o país já teve na área. Diz que as ideias vão na direção certa e que o momento é propício para mudanças, por causa da crise e da dificuldade de aprovar alterações na Previdência.

— O projeto avança em muitos pontos. A ideia de congelar a arrecadação é importante para superar resistências. Ao mesmo tempo cria-se um superfisco, um órgão central de arrecadação, com membros dos estados e municípios. Todos participam da fiscalização, arrecadação e cobrança — explicou Brigadão.

Hauly cita pesquisa do Ipea que mostra que quem ganha dois salários mínimos compromete 53% da renda com o pagamento de impostos, enquanto entre os que ganham 30 salários o percentual cai para 29%. Para acabar com essa disparidade, a ideia é diminuir o peso dos impostos sobre o consumo e aumentar a carga sobre o patrimônio e a renda.

O governo Temer tem deixado a reforma tributária de lado, para tentar avançar com a Previdência. Pode ser um bom momento para mudar de estratégia.

RECORDE HOJE?
Ações da Petrobras fecharam em alta de 1,45% ontem na bolsa americana. Se o Ibovespa subir 0,15% hoje, quebrará recorde.

VISÃO DE MERCADO.
Cenário externo favorável, corte de juros pelo Banco Central e mais o depoimento de Palocci devem impulsionar o índice.

TERMÔMETRO DO PIB.
Consumo de energia caiu 0,6% em agosto, sobre o mesmo mês de 2016, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Violência e desemprego

Grosso modo, os indicadores de violência estão associados ao desemprego e à educação. Por isso, a política de segurança pública não dá conta do problema sozinha

O referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munição no Brasil, rejeitada por quase dois terços dos eleitores, em 23 de outubro de 2005, é um dos fenômenos mal estudados da política nacional. A derrota da proibição do comércio de armas e munições foi resultado de uma reviravolta na opinião pública, ocorrida num prazo de 20 dias. No começo, 80% dos cidadãos apoiavam a proibição; quando foram apurados os votos, 63% (59,1 milhões de eleitores) votaram não; 36,6% (33 milhões de eleitores), sim. A frente parlamentar vitoriosa foi coordenada pelo ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury (PTB), um político em decadência, e pelo polêmico deputado Alberto Fraga (então PFL-DF), coronel reformado da Polícia Militar.

A chamada “bancada da bala” derrotou toda a elite política do país, ou seja, os líderes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o alto clero e os mais importantes representantes da sociedade civil, como a OAB, por exemplo, sem falar nos artistas e intelectuais que aderiram à campanha. O “não” venceu em todos os estados, com destaque para Rio Grande do Sul, Acre e Roraima, onde a opção recebeu cerca de 87% dos votos. O melhor desempenho do “sim” foi em Pernambuco e no Ceará, com pouco mais de 45% dos votos.

De acordo com o TSE, a abstenção foi de pouco mais de 21% dos 123 milhões de eleitores registrados. Os números se mostraram semelhantes ao resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2002, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos derrotados na consulta popular, se elegeu pela primeira vez. Somente 20,45% dos eleitores deixaram de votar. O direito à autodefesa e a fragilidade da segurança pública fizeram a cabeça dos cidadãos, num país em que eram assassinadas a tiros 108 pessoas por dia.

Na verdade, o cotidiano violento da população falou mais alto, num país no qual se estimava a existência de 17 milhões de armas em poder de civis. Estatísticas do governo de São Paulo, no ano anterior, revelaram que 5% das vítimas de homicídios ocorridos no estado foram casos de latrocínio (morte seguida de roubo); os demais, execuções. Uma década depois do plebiscito, a violência aumentou: o Brasil atingiu a marca recorde de 59.627 homicídios em 2014, uma alta de 21,9% em comparação aos 48.909 óbitos registrados em 2003.

A média de 29,1 para cada grupo de 100 mil habitantes também é das maiores já registradas na história do país, e representava uma alta de 10% em comparação à média de 26,5 de 2004. Os números são do Atlas da Violência 2016, estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP). A pesquisa confirmou que jovens negros e com baixa escolaridade são as principais vítimas. Os homicídios representam cerca de 10% de todas as mortes no mundo, e, em números absolutos, o Brasil lidera a lista desse tipo de crime, mesmo considerando países em guerra civil, como Afeganistão, Iraque e Síria.

Humores

Grosso modo, os indicadores de violência estão associados ao desemprego e à educação. Por isso, a política de segurança pública não dá conta do problema sozinha, embora seja fundamental para reduzir os indicadores de violência, haja vista, por exemplo, a situação da crise de segurança no Rio de Janeiro, onde os indicadores vinham melhorando (redução de 33,3% de mortes por homicídio, de 48,1 para 32,1 por mil habitantes), até que o governo fluminense entrou em colapso.

O país tem 13,3 milhões de desempregados, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A redução foi de 0,8 ponto percentual em comparação ao trimestre de fevereiro a abril (13,6%), mas é irrisória, diante do fato de que a melhora foi proporcionada pela informalidade e não pela criação de vagas de carteira assinada, como era esperado. Ao comparar com o mesmo trimestre de 2016, 1,5 milhão de trabalhadores ficaram desempregados.O número de trabalhadores com carteira assinada manteve-se estável em 33,3 milhões frente ao trimestre anterior. Na comparação com o mesmo trimestre de 2016, a queda foi de 1 milhão de pessoas (2,9%).

O volume de empregados na informalidade, ou seja, sem carteira assinada, cresceu 4,6%, para 10,7 milhões de pessoas. Isso significa que 468 mil pessoas ingressaram no mercado de trabalho na informalidade (em um ano, a alta ficou em 5,6%, com 566 mil pessoas inseridas). O contingente de trabalhadores por conta própria aumentou em 351 mil, para 22,6 milhões de pessoas (1,6%), na comparação trimestral.

Há uma correlação entre os índices de desemprego e os indicadores de violência, embora não seja a única. Há que se considerar, por exemplo, o fator educação; sem falar na questão da legalização do aborto, cujo impacto nos indicadores de violência são comprovados. Desemprego e violência mexem com os humores do eleitor. Nesse aspecto, é bom lembrar o que houve no referendo das armas.


Miriam Leitão: Fim da recessão 

A recessão ficou para trás. Tecnicamente, é isso que se pode dizer com o segundo trimestre de alta. O dado divulgado encerra 12 trimestres de queda na comparação com o mesmo período anterior. A recuperação é lenta e frágil, porque anda sobre o terreno movediço da crise política, mas os indicadores positivos começam a aparecer com mais frequência, como a queda do desemprego divulgada esta semana.

Foi o quarto mês seguido de redução do desemprego. A população ocupada aumentou em um milhão e quatrocentas mil pessoas no trimestre de maio a julho, comparado ao trimestre anterior. Com a liberação do FGTS das contas inativas, as famílias reduziram dívidas e elevaram o consumo. Isso evitou o número negativo que se temia que ocorresse no segundo trimestre. O impacto da crise de 17 de maio foi menor do que o esperado, disse a MB Associados, que ontem mesmo revisou de 0,3% para 0,7% o PIB do ano. Pode parecer pouco, mas se ocorrer esse resultado, o país terá saído de uma queda de 3,6% para uma alta de 0,7%. Recuperação de mais de quatro pontos percentuais.

O crescimento no primeiro trimestre foi forte, de 1%, mas concentrado na agricultura. No segundo trimestre, foi menor (0,2%), mas pela força do consumo (1,4%) e pelos serviços (0,6%), que são mais dinâmicos e sustentáveis. A indústria decepcionou, com recuo de 0,5%, depois de subir 0,7% no primeiro tri. Os investimentos caíram pelo quarto trimestre seguido, sinal de que há muita desconfiança dos empresários na recuperação. Nos últimos 15 trimestres, desde o final de 2013, os investimentos tiveram apenas um único número positivo. Isso mostra que não há garantia de crescimento sustentado.

No desemprego, os dados voltaram a seguir a sazonalidade característica do indicador, com altas no início do ano e melhora no segundo trimestre até o Natal e Réveillon. Em 2015 e 2016, isso não aconteceu, a destruição do vagas foi contínua. Este ano, o número de desempregados chegou a 14,17 milhões em março, e agora recuou para 13,32 milhões, segundo o IBGE, no quarto mês seguido de redução. A maioria das vagas é no emprego informal e por conta própria, mas os números do Caged, com carteira assinada, também voltaram ao azul.

A recuperação enfrenta três grandes barreiras. A primeira é a crise fiscal, que depende das medidas de ajuste que o Congresso e o governo Temer ainda não aprovaram. A segunda é o desemprego que, embora caindo, está muito elevado. E a terceira é o próprio ritmo de crescimento do PIB, que nem de longe lembra o vigor da saída da crise de 2008/2009. Na taxa acumulada em 12 meses, só se espera um número positivo no final deste ano, em torno de 0,5%, agora com viés de alta.

Na semana que vem, podem vir outras duas boas notícias. Na quarta-feira, saem os dados da inflação de agosto, e a expectativa do Banco BNP Paribas é de alta de 0,29%, o que levaria a taxa em 12 meses para 2,56%, no patamar mais baixo desde 1999. Isso permitirá a nova redução de um ponto percentual de juros que será anunciada na noite da quarta pelo Banco Central, levando a Selic para 8,25%. O departamento econômico do Itaú ainda projeta mais dois cortes de 0,5% até o final do ano, seguido de outro, de 0,25% no início do ano que vem. Isso quer dizer que o país começará 2018 com juros de 7%, patamar mais baixo da história, e uma inflação bem pequena, que pode ficar abaixo do piso da meta. A queda dos juros agora se justifica pela forte redução da inflação.

O banco UBS, que cravou o dado de crescimento de 0,2%, disse que sua projeção para ano, de 0,5%, está para subir. A percepção é a mesma do economista Fernando Montero, da Tullett Prebon, que aposta em revisões para melhor das projeções do mercado.

“Assumindo um PIB estável no segundo semestre, o ano já teria crescimento garantido de 0,5%. Desta forma, há chance de revisão para cima na nossa estimativa. Para 2018, estimamos alta de 3,1%", escreveram os economistas Tony Volpon e Fábio Ramos em relatório do UBS.

Com dois trimestres seguidos de alta, o país já pode dizer que tecnicamente deixou a recessão para trás. Mas a economia precisa ainda de uma recuperação mais forte que derrube o desemprego.

 

 


Arnaldo Jardim: Logística e crescimento

O Programa de Parcerias em Investimentos (PPI) que o Governo Federal lançou há um ano avançou com as concessões divulgadas na semana passada. Um profícuo caminho para a retomada econômica brasileira. Envolve todos os setores e felizmente inclui iniciativas importantes para a nossa agropecuária – que ainda perde competitividade no contexto mundial devido ao alto custo Brasil.

Parcerias pensadas para ajudar no equilíbrio da dívida da União, alavancar a economia e viabilizar investimentos, gerar empregos e melhorar a infraestrutura do País. É a saída para uma realidade onde não há espaço para aumentar mais impostos e a arrecadação.

Com um Produto Interno Bruto (PIB) de -3,6%, o Brasil precisa gerar oportunidades e fomentar os setores que podem atrair investidores e que nos diferenciam no mercado mundial como a agropecuária – onde somos campeões de exportação de carnes, açúcar e suco de laranja, por exemplo. É mais um importante passo no sentido de resolver equívocos do passado, em que o lastro técnico foi subjugado pelas questões ideológicas.

Todos os setores necessitam de investimentos para serem alavancados, mas para o agropecuário isso é determinante. É preciso resolver problemas logísticos que fazem com que o produtor brasileiro ganhe até 16% menos do que o agricultor dos Estados Unidos, por exemplo.

Um prejuízo que pode ser estancado com concessões como a BR 364/RO/MT, onde transitam, com destino a Porto Velho, mais de quatro milhões de toneladas de grãos. Também importante para o agronegócio, a BR-153/GO/TO, que recentemente teve a caducidade declarada, está na lista de projetos prioritários e precisa sair do papel.
É preciso ainda tirar da teoria a concessão da Ferrogrão, projeto de R$ 12,6 bilhões apontado como a única alternativa eficiente para escoar a safra pelo Norte. A ferrovia pode reduzir pela metade o custo do transporte dos grãos do Cerrado.

Somos os mais eficientes da porteira para dentro, mas precisamos reduzir os altos custos de escoamento da produção, o que passa inquestionavelmente por uma logística mais eficiente. Nosso produtor rural é comprometido, trabalha de sol a sol e ama o que faz, mas precisa de incentivos para continuar em sua atividade.

No Estado de São Paulo essas parcerias de investimentos já vêm sendo feitas e com sucesso. O governador Geraldo Alckmin sabe da importância de incentivar a atividade empreendedora e tem executado o maior plano estadual de parcerias de investimentos.

O Rodoanel é um dos mais destacados exemplos, permitindo acesso ao maior porto do Brasil, o de Santos, sem a necessidade de passar pela área urbana de São Paulo, ganhando tempo e economizando dinheiro. A parte Norte será entregue no ano que vem, saindo da Rodovia Presidente Dutra e chegando ao maior aeroporto brasileiro, Cumbica, em Guarulhos, integrado com a Rodovia Fernão Dias e fechando na Rodovia Bandeirantes. Será a conclusão de uma obra de 180 quilômetros que auxilia não apenas a logística, mas a economia ao gerar pelo menos 4.300 empregos diretos.

Outras vias também ganharão parcerias para serem melhoradas, como a Rodovia Centro Oeste Paulista, no lote Florínea-Igarapava, reunindo 570 quilômetros de rodovias (com 201 de duplicação) cobrindo trechos da SP-266, SP-294, SP-322, SP-328, SP-330, SP-333 e SP-351. As estradas concedidas cruzam 30 municípios, entre eles: Assis, Marília, Novo Horizonte e Ribeirão Preto, destaques da nossa agropecuária. Os investimentos ao longo dos 30 anos do contrato serão da ordem de R$ 3,9 bilhões.

Já a Rodovia dos Calçados terá parceria no lote Itaporanga-Franca, reunindo 747 quilômetros de rodovias (com 275 de duplicação), que passam por 35 municípios de regiões também fortes na atividade agropecuária de Franca, Batatais, Ribeirão Preto, Araraquara, São Carlos, Jaú, Barra Bonita e Itaí. Obras que continuam ainda nas Rodovias do Litoral Paulista, em 343 quilômetros (45 de duplicação).

Com quase 20 anos de existência, o programa de concessão paulista é responsável por ter gerado as 19 melhores estradas do País, segundo pesquisas realizadas com os próprios usuários. É desta qualidade que a produção agropecuária precisa para ser escoada.

O Governo de São Paulo, em ação integrada com o Governo Federal, tem feito parcerias também para executar o Ferroanel e evitar o tráfego de composições férreas. O objetivo é executar o Ferroanel ao lado do Rodoanel. A desapropriação e a terraplanagem já foram feitas, resta agora o Governo Federal definir quem será a executora da obra.
Também com o Governo Federal, nosso Estado está investindo na Hidrovia Tietê-Paraná, onde um convênio de cerca de R$ 200 milhões está garantindo o derrocamento de 10 quilômetros de pedral para garantir navegabilidade o ano todo. Com muita ou pouca chuva, a produção encontra um bom caminho pelo rio, aliviando o trânsito de caminhões e baixando o custo.

São alguns exemplos que o Brasil precisa seguir. É hora de olhar o agronegócio com a importância econômica, social e ambiental que ele tem. Investir na logística – com ganhos não apenas para a agropecuária – é o começo ideal para colocarmos o Brasil de volta nos trilhos.

* Arnaldo Jardim é deputado federal licenciado (PPS-SP) e secretario de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo