Economia
Luiz Carlos Azedo: Maia versus Temer
Avaliações feitas pelo Palácio do Planalto mostram que o presidente da República poderá ter menos votos na rejeição da segunda denúncia do que na primeira
Não convidem o presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para jantar sem combinar muito bem o cardápio. Os dois andam se estranhando por qualquer motivo. O mais recente é a ameaça de mudanças no PIS e Confins por medida provisória, admitida ontem pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em Washington, nos Estados Unidos. A proposta em estudo prevê a elevação da alíquota de 9,25% para 10%, o que não é pouca coisa num cenário de inflação abaixo dos 3% e juros podendo chegar a 7%.
Alguém já disse que certos assuntos não devem ser abordados no exterior, sem se saber direito como andam os humores do Congresso e da opinião pública. Ao saber da novidade, Maia mandou recado para o Planalto de que não aceitará aumento de impostos. Uma medida provisória pode simplesmente ser abortada pela Câmara. “Sou contra o aumento de impostos e mais ainda por meio de uma medida provisória. Aumentar as alíquotas do PIS/Cofins por MP? Não vai nem tramitar. Não é que não vai passar. Nem vamos discutir o mérito”, disparou.
O PIS e a Cofins são pagos por empresas de todos os setores e ajudam a financiar a Previdência Social e o seguro-desemprego. Meirelles alega que o ajuste da alíquota não é um aumento de impostos, mas um mero ajuste para compensar a perda de receita em razão de decisões judiciais. Estima-se que o governo federal deixaria de arrecadar R$ 27 bilhões por ano com essas mudanças. “Nesse caso, não há nenhum aumento de carga tributária, haveria uma recomposição de base visando termos uma neutralidade tributária”, explicou. Os estudos da Receita Federal visam à recomposição de arrecadação em virtude da eliminação do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins.
Denúncia
As relações entre Temer e Maia estão tensas desde quando o presidente da Câmara, em entrevista, refutou suspeitas do Planalto de que conspira contra Temer. O presidente da Câmara disse que não procederia como o atual presidente da República no caso do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o que deixou Temer surpreso e agastado. Maia também vem fazendo críticas ao grupo palaciano, não poupa sequer o secretário-geral da Presidência, ministro Moreira Franco, que é seu sogro. Acusa a cúpula do PMDB de trabalhar para impedir que deputados descontentes com seus partidos se filiem ao DEM.
Como há muita insatisfação na base e certa dose de chantagem para forçar o governo a liberar verbas e nomear aliados para cargos na Esplanada, as avaliações feitas pelo Palácio do Planalto mostram que o presidente Temer poderá ter menos votos na rejeição da segunda denúncia do que na primeira, o que acirra ainda mais o choque com o presidente da Câmara. Aos aliados mais próximos, Maia tem afirmado que não pretende atrapalhar o governo na votação, mas também não vai se empenhar como da primeira vez. Raposas da Câmara são unânimes em dizer que Maia só não afastou Temer do cargo na primeira denúncia porque não quis.
A famosa fleuma de Temer parece já não ser a mesma do começo de seu governo, haja vista o susto que levou nesta semana por causa de uma obstrução parcial das coronárias. Contido e elegante no trato, o presidente da República começa a dar sinais de que as pressões da base estão lhe causando grande estresse. A votação da segunda denúncia pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara deve ocorrer na próxima semana, uma vez apresentado o parecer favorável do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), um dissidente tucano. Essa é uma vantagem em relação à primeira denúncia, na qual os governistas tiveram que derrubar o primeiro parecer. Enquanto a situação não se resolve, as reformas estão congeladas, principalmente a da Previdência, e as concessões do governo aumentam, o que atrapalha o ajuste fiscal.
Na mesma entrevista, Meirelles, por exemplo, admitiu que o governo fará novas concessões na reforma da Previdência e, com isso, a mudança terá menos impacto no ajuste fiscal: “Esse projeto equivale a 75% do projeto original… Uma queda ainda desse patamar é de acordo também com o previsto. É normal que haja um processo de discussão e modificações no Congresso. Agora qual é o nível disto é que nós vamos negociar nas próximas semanas”. Para ele, o recuo já foi precificado pelo mercado. A tradução disso, porém, é um ambiente de negócios mais volátil, com a redução dos investimentos, o que limita a taxa de crescimento. A expansão de consumo subsidiada por recursos oriundos do FGTS chegou ao limite, e a taxa de desemprego, bastante alta, também compromete as possibilidades de crédito.
Monica de Bolle: Anomalias
Já dizia Caetano Veloso nos versos de Vaca Profana que de perto ninguém é normal. O vencedor do prêmio Nobel de Economia de 2017, o economista americano e professor da Universidade de Chicago, Richard Thaler, afirmou após ter sido informado da premiação: “Para praticar bem a economia, é preciso ter em mente que indivíduos são humanos”. Perguntado sobre como gastaria o dinheiro do prêmio, respondeu: “Tentarei fazê-lo da forma mais irracional possível”.
Richard Thaler, com o psicólogo Daniel Kahneman – ele próprio vencedor do Nobel de Economia em 2002 – e diversos outros pesquisadores, inovou no campo que hoje conhecemos como economia comportamental.
Embora ainda não seja ensinada nos currículos básicos dos cursos de Economia, a economia comportamental tem hoje grande influência nas discussões sobre os efeitos de políticas públicas, no entendimento do funcionamento dos mercados, na compreensão das causas das crises financeiras. Ao contrário da economia tradicional, que vê os chamados agentes econômicos como seres puramente racionais, que fazem escolhas sem nenhum envolvimento emocional, e são movidos por objetivos claros que podem ser mensurados por uma “função utilidade” e reduzidos a sofisticado arsenal matemático, a economia comportamental afirma a irracionalidade de todos nós.
Usando vários experimentos com gente de verdade para avaliar a tomada de decisões e o processo de escolhas, o campo desnudou a tese da racionalidade pura e do interesse individual que ainda se apresenta como a premissa central em qualquer modelo econômico.
Fossem os agentes puramente racionais, como poderia a crise de 2008 ter acontecido? Afinal, não era claro para as instituições que emprestavam dinheiro para a compra de imóveis por pessoas desempregadas e sem nenhuma perspectiva de renda que esses indivíduos provavelmente acabariam dando um belo calote? Crises são apenas um exemplo entre vários acontecimentos econômicos que não podem ser explicados pelos modelos tradicionais utilizados pelos economistas.
Diversos outros exemplos são descritos por Thaler em um artigo de 1988 para o Journal of Economic Perspectives intitulado “Anomalias” – alguns desses exemplos seriam mais tarde replicados em seus interessantíssimos livros para o público não especializado. Como carioca, gosto, em particular do seguinte: imagine que você esteja na praia com uma amiga, num dia escaldante. Tudo o que você quer é uma cervejinha bem gelada. Sua amiga levanta-se e pergunta se você quer uma cerveja, e, caso queira, quanto estaria disposta a pagar por ela. A amiga lhe diz: “Só vou comprar se o preço for menor ou igual ao que você me disser estar disposta a pagar”. Mas, onde vai a amiga comprar a cerveja?
De acordo com a teoria econômica tradicional, o local da compra deveria ser irrelevante – seu preço de reserva, o quanto alguém está disposto a pagar para matar a sede naquele dia de sol, independe de onde a cerveja será adquirida. Richard Thaler, entretanto, descobriu o seguinte: se o local da compra for o quiosque pé-sujo da calçada, o preço que o indivíduo está disposto a pagar é menor do que se a cerveja fosse comprada no bar do hotel luxuoso do outro lado da rua. A razão? Não é aceitável que o dono do quiosque pé-sujo cobre o mesmo preço que o bar de luxo pela mesma cerveja. Tal atitude é, afinal, uma audácia, não?
Peço ao leitor(a) que agora imagine ser a cerveja do exemplo anterior uma equipe econômica de altíssimo gabarito. Façam o seguinte exercício mental: qual sua avaliação da mesma equipe econômica trabalhasse ela para Temer ou para seu presidente favorito? Qual sua avaliação se trabalhasse para Dilma ou seu presidente favorito?
Pensemos agora em algumas políticas econômicas. Por que o Refis de Dilma é pior ou melhor do que o Refis de Temer? Por que o não cumprimento das metas fiscais por Dilma foi melhor ou pior do que o não cumprimento de Temer? Caso as respostas dependam de juízos de valor sem estrita relação com os fatos e números, saibam que vocês, leitores, são como os economistas. Anormais e irracionais na sua humanidade.
* ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY
Miriam Leitão: O campo e o tempo
O agronegócio brasileiro precisa entender o século XXI. Nele, para ser global, é indispensável não ter a marca de quem produz destruindo o meio ambiente. Essa ideia tão cristalina ainda não foi entendida, como mostram as propostas defendidas pelos seus representantes no Congresso. A última é de uma Medida Provisória para arrendar terras indígenas.
O governo nega que fará a MP, mas a pressão dos ruralistas está crescendo. Imagine se um dos muitos concorrentes que o Brasil tem na sua bem sucedida expansão internacional fizer sua campanha contra nós explorando esse ponto? O agronegócio brasileiro exporta US$ 100 bilhões. É fundamental para a economia brasileira. Mas no setor convivem a lavoura arcaica e a agricultura de precisão. Seus porta-vozes, lobbistas e parlamentares não representam a parte moderna da agropecuária. Insistem em demonstrar pelas ideias, projetos e discursos que estão ainda nos clubes da lavoura do século XIX.
A proposta de arrendamento de terra indígena é péssima. As TIs são unidades de conservação, como os parques nacionais e as florestas nacionais. Quem se dispuser a acompanhar as imagens de satélites verá que os índios prestam um serviço ambiental ao país porque as suas áreas têm se mantido preservadas. Um ou outro caso que fuja dessa regra não confirma coisa alguma, porque em sua maioria as áreas ocupadas por indígenas, e demarcadas, estão entre as mais preservadas.
Se isso for oficializado haverá um ataque do agronegócio a essas terras. Os indígenas, que são hoje ameaçados por grileiros, passarão a ser assediados por compradores, ou arrendatários, de terras com um risco enorme para a preservação da sua cultura e identidade. Imagine-se por exemplo a terra dos Awá Guajá. Quando estive lá, em 2013, pude ver a pressão dos grileiros e produtores em torno da terra, uma das poucas áreas remanescentes de floresta amazônica no Maranhão. Foi quando escrevi a reportagem “Paraíso sitiado". Eles foram contactados a partir de 1979, a maioria nem fala português e o povo está totalmente despreparado para negociar arrendamentos. Eles são poucos e estão extremamente ameaçados de extinção. A proteção de suas áreas têm permitido o crescimento populacional. Só na aldeia Juriti nasceram este ano seis crianças. Para um povo de 400 pessoas, isso faz diferença. Fico tentando imaginar o líder Piraima’á ou o jovem Juí’í enfrentando a volta dos grileiros, que foram tirados de suas terras, agora com dinheiro na mão propondo um “arrendamento". Será um atentado duplo: à identidade de um povo que fugiu do contato por quase 500 anos e à floresta que eles têm defendido. Ainda ouço o que eles me disseram quando estive lá: “eles estão matando as árvores, eles estão nos matando".
O Brasil não precisa disso. O agronegócio pode ampliar-se por terras hoje disponíveis e que já foram usadas na agricultura ou pecuária e podem ser recuperadas para seu uso produtivo. O cálculo dos especialistas é que há 60 milhões de hectares disponíveis. A pecuária extensiva é improdutiva e deveria adotar novas formas de produção. Alguns já estão fazendo isso na Amazônia. É preciso usar melhor a terra disponível.
Os ruralistas têm aproveitado momentos que eles acham oportuno para apresentar suas propostas indefensáveis. Quando foi aprovada a reforma trabalhista, a bancada apresentou um projeto de mudança das leis rurais que permitiria o desconto do salário dos trabalhadores da moradia e alimentação. Era tão absurdo, em vários detalhes, que o próprio autor do projeto, o deputado Nilson Leitão, o recolheu. Agora aparece essa nova ideia exatamente quando o presidente Temer está com seu balcão de negócios aberto no Planalto. Tentam ver se emplacam. Por enquanto, o governo nega. Até quando?
É espantoso e cansativo que o setor do agronegócio, tão importante para o Brasil, não tenha aprendido o básico sobre o tempo que estamos vivendo. Nele, a produção de alimentos tem que ser feita com alta tecnologia, respeito às leis trabalhistas, compromisso com o meio ambiente, cumprimento das normas sanitárias, rastreabilidade. O que se flagrou no escândalo da carne fraca é que a prática de comprar fiscais era adotada até em grandes frigoríficos. Quando o século XXI chegará ao campo brasileiro?
Samuel Pessôa: Defasagens na política econômica
Laura Carvalho, na quinta-feira (5), sugeriu que não há evidências de que a aceleração do crescimento nos anos 2000 deveu-se à maturação das reformas liberalizantes iniciadas nos anos 90, que terminaram depois da saída do governo de Antonio Palocci, ministro da Fazenda do primeiro mandato de Lula.
Três são as dificuldades apontadas por Laura. A primeira é que levou muito tempo para que o longo ciclo de liberalização aparecesse no crescimento econômico.
A segunda é que o crescimento se acelerou ainda mais em seguida à mudança na formulação da política econômica, com a troca de guarda na Fazenda no início de 2006. E a terceira é que os efeitos negativos da alteração do regime de política econômica em 2006 sobre o desempenho da economia tiveram defasagem muito menor que as políticas liberalizantes.
Os seus questionamentos são válidos. Há limites à nossa capacidade de conhecer, principalmente em ciência social. Além disso, é difícil separar movimentos causados pelos nossos fundamentos domésticos daqueles decorrentes da dinâmica internacional.
A passagem do tempo, porém, reduz a incerteza. Parece-me ser quase consensual, por exemplo, a tese de que o milagre brasileiro é tributário das reformas liberalizantes do governo Castelo Branco.
Laura deveria acompanhar a pesquisa acadêmica sobre o impacto de várias reformas. João Manoel Pinho de Melo, Vinícius Carrasco, Juliano Assunção, Jacob Ponticelli e seus coautores publicaram diversos artigos nas mais respeitadas revistas acadêmicas internacionais mostrando o impacto das reformas no primeiro governo Lula sobre a produtividade de diversos setores.
Além disso, ao contrário do que afirma Laura, não há evidência de que o segundo mandato de Lula tenha implementado uma política de reajuste do salário mínimo mais ousada do que a de FHC ou a do primeiro governo do presidente petista.
Por fim, os trabalhos de João Manoel e Vinícius Carrasco mostram que o desempenho do Brasil no governo Lula foi inferior em diversos aspectos ao observado em países semelhantes no mesmo período. O crescimento no governo FHC, por outro lado, foi similar ao dos países da América Latina nos anos 1990.
Talvez melhor do que tentar convencer Laura seja compartilhar com o leitor a forma pela qual trato os questionamentos por ela levantados, que, como já mencionei, fazem todo o sentido.
A evolução da economia é mais bem analisada com base nas taxas médias reais anualizadas de crescimento em quadriênios. O pico de 4,7% ocorreu no quadriênio terminado em 2007. Posteriormente, inicia-se lenta desaceleração até 2,3% ao ano no quadriênio terminado em 2014. Ou seja, a desaceleração iniciou-se pouco mais de dois anos após a troca de guarda na Fazenda.
Reformas microeconômicas usualmente não geram impactos sobre o desempenho enquanto persistir desequilíbrio macroeconômico. Foi assim com as políticas liberalizantes do governo ditatorial de Pinochet no Chile e com Menem na Argentina. Em ambos os casos, o regime cambial —e, na Argentina, também o problema fiscal— impediu a decolagem da economia.
Com relação à assimetria —leva mais tempo para aparecerem os efeitos de boas políticas— é uma lei da vida. Vale para a díade construção e demolição, seja para uma obra de construção civil, seja para reputação, seja, ainda, para a política econômica e os seus impactos sobre o crescimento e a geração de emprego. Construir é mais difícil do que destruir.
* Samuel Pêssoa é economista
Rogério Furquim Werneck: A Lava-Jato e as perspectivas da economia
A 12 meses das eleições e enfraquecido, governo já não tem mais condições de assegurar o avanço da agenda de reformas
Quis o destino que, numa mesma semana de setembro, viessem a público o devastador depoimento de Palocci, sobre Lula, e a nova e desgastante denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Temer e dois de seus ministros mais próximos. A coincidência permitiu entrever quão complexos têm sido os efeitos da Lava-Jato e operações similares sobre a formação de expectativas acerca das perspectivas da economia.
A esmagadora maioria dos analistas políticos parece não ter dúvida de que, mais uma vez, o Planalto conseguirá bloquear, na Câmara, a denúncia da PGR contra o presidente. Mas, mesmo sustada, a segunda denúncia terá custado muito caro ao Planalto. Temer vem tendo de lidar com uma bancada governista cada vez mais voraz, empenhada em extrair o que pode de um governo patentemente fragilizado, seja por meio de novos esquemas de pilhagem do Erário, seja pela ampliação do seu controle sobre cargos-chave da administração federal.
Basta ter em mente, por exemplo, o novo e indefensável programa de refinanciamento de dívidas fiscais, cuja aprovação avança à revelia das autoridades fazendárias, ou os pleitos da bancada ruralista quanto a dívidas do Funrural. Ou, ainda, a agressividade com que o centrão vem pressionando o Planalto para que o atual ministro da Secretaria de Governo, responsável pela articulação do Executivo com o Congresso, seja substituído por um dos seus.
Por mais seguro que pareça estar sobre sua capacidade de bloquear a segunda denúncia na Câmara, o Planalto não parece disposto a correr riscos. Inclusive para se precaver contra novas delações. Só na terça-feira feira passada, o presidente Temer recebeu em palácio nada menos que meia centena de deputados federais.
A 12 meses das eleições e enfraquecido como está, o governo já não tem mais condições de assegurar o avanço da agenda de reformas fiscais no Congresso. A reforma da Previdência parece fadada a ser deixada para o próximo mandato presidencial. E o que de melhor se pode esperar, a esta altura, é que as contas públicas não se deteriorem ainda mais, na esteira da fragilização do Planalto.
Visto por este ângulo, haveria razões de sobra para que os mercados financeiros se tornassem mais pessimistas acerca das perspectivas da economia. Mas o que se viu nas últimas semanas foi o oposto. Os mercados ficaram mais otimistas.
É bem verdade que, fora do problemático quadro fiscal, as notícias no front estritamente econômico têm sido muito boas. Basta ter em conta, além da persistência de um ambiente externo favorável, o extraordinário sucesso do Banco Central no combate à inflação, a rápida redução das taxas de juros e a percepção de que a recuperação da economia poderá ser bem mais vigorosa do que se esperava.
Mas tudo indica que, por si sós, essas boas notícias não teriam sido suficientes para sustentar a onda de otimismo das últimas semanas, se a incerteza sobre o desfecho das eleições de 2018 ainda estivesse tão alta como estava há poucos meses.
O que parece ter feito enorme diferença foi a súbita e substancial redução desta incerteza, em decorrência de outro efeito importante do avanço das operações de combate à corrupção. O pessimismo quanto às possibilidades da política fiscal, no que resta do governo Temer, foi amplamente compensado pelo relativo otimismo que adveio da reavaliação das perspectivas da candidatura de Lula à Presidência em 2018, após o devastador testemunho do ex-ministro Antonio Palocci.
A incerteza sobre o desfecho da eleição presidencial continua alta. Ainda há muita água para correr debaixo da ponte. Mas a probabilidade de que, afinal, seja eleito um presidente comprometido com a continuidade do esforço de ajuste fiscal tornou-se bem maior do que parecia ser em meados deste ano. E maior ainda se tornará se a recuperação da economia for de fato tão vigorosa como promete.
É a isso que os mercados agora se agarram, ao arrepio do que ainda sugerem as pesquisas de intenção de voto.
* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
Luiz Carlos Azedo: A imagem da transição
O presidente da República é prisioneiro de uma pauta negativa: a Operação Lava-Jato, na qual o governo está muito enredado
Uma das características da atual conjuntura é o descolamento da economia da imagem do governo Temer. Enquanto o país deixa para trás a recessão, com indicadores econômicos cada vez mais positivos, os índices de aprovação do presidente Michel Temer não dão o menor sinal de recuperação, pelo contrário, se deterioraram ainda mais. Entretanto, é inegável que as medidas adotadas pelo governo reverteram o curso dramático da economia — na administração de Dilma Rousseff, de 2013 a 2016, passamos da estagnação para a recessão, com inflação altíssima e desemprego acima de 10%.
A recessão teve um peso enorme no impeachment de Dilma Rousseff, mas o inverso não está sendo verdadeiro para o governo Temer. A inflação deve ficar abaixo dos 3%, os juros podem cair abaixo dos 7%, mas nada disso rende aplausos populares. Parece que a equipe econômica liderada pelo ministro Henrique Meirelles (Fazenda) faz parte de outro governo. Como a política monetária foi blindada, porém, há que se admitir que esses resultados positivos não seriam possíveis sem as reformas implementadas pelo Palácio do Planalto.
Mudanças na lei de conteúdo nacional, retomada dos leilões do pré-sal, liberalização dos preços dos combustíveis e redução de tarifas de importação de bens de capital jogaram um papel decisivo na construção do novo ambiente econômico e a mudança da taxa de juros cobrada pelo BNDES. A reforma trabalhista, a nova lei da terceirização e o teto constitucional para expansão dos gastos públicos completam o cenário virtuoso, em que pese a meta de deficit fiscal de R$ 159 bilhões e o rombo na Previdência, cuja reforma empacou.
Nada disso, porém, alterou a avaliação do governo. Temer está com 77% de ruim e péssimo, 16% de regular e apenas 3% de bom e ótimo. Em situações como essa, o bode expiatório costuma ser a política de comunicação do governo. Mas o beabá da relação com a mídia e do marketing vem sendo observado: o governo faz campanhas publicitárias frequentes, o presidente mantém uma agenda de aparições públicas diárias e concede frequentes entrevistas. Não consegue, apesar disso, construir uma agenda positiva. Na verdade, o presidente da República é prisioneiro de uma pauta negativa: a Operação Lava-Jato, na qual o governo está muito enredado.
Os aliados de Temer tentaram fazer o feitiço virar contra o feiticeiro, ao articular uma “frente ampla” contra os procuradores e magistrados que atuam na Lava-Jato, principalmente, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Mas a estratégia começa a ser esvaziada, porque a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, assumiu o cargo com temperança e suavidade. O problema é que Janot saiu de cena, mas as denúncias, não. Os rumos da Operação Lava-Jato dependem do Supremo Tribunal Federal (STF). É briga de cachorro grande.
Temer articula a rejeição da segunda denúncia do ex-procurador-geral pela Câmara e saiu na frente ao conseguir a indicação do veterano deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) para relator do processo, um passo importante para antecipar a votação, a qual precisa do apoio de apenas 172 deputados para rejeitá-la. Na primeira denúncia, amealhou 263 votos; espera ter mais apoio agora que a poeira baixou.
Caso Aécio
Uma decisão surpreendente da Primeira Turma do STF consolidou a “frente ampla”: o afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) do cargo, entre outras “medidas cautelares”, como a proibição de sair de casa à noite. PMDB, PT e PSDB se uniram em defesa de Aécio, o que reforçou as posições de Temer na Câmara. O problema é que a reação dos políticos gerou um choque entre o Congresso e o Supremo, cujas consequências podem ser mais graves. Na Câmara, a rejeição da denúncia contra Temer faz parte das regras do jogo: a investigação do presidente da República será congelada até o fim do mandato, como na primeira denúncia. A melhora do ambiente econômico ajuda a justificar essa decisão. No Senado, porém, a situação se complicou, porque a rejeição de “medidas cautelares” não está prevista na Constituição.
Os senadores avaliam: “quem pode mais pode menos”, ou seja, se podem revogar a prisão de um dos pares com base na Constituição, por analogia, podem revogar “medidas cautelares” previstas no Código de Processo Penal. Essa exegese, porém, cabe ao Supremo, que vai deliberar sobre o assunto em 11 de outubro. Alguns senadores querem se antecipar e criar um fato consumado, o que pode afrontar o Supremo e provocar uma crise institucional. Não é preciso ser marqueteiro para concluir que essa agenda é péssima para o Palácio do Planalto e aliados. O que puxa para baixo a imagem de Temer é a Lava-Jato.
José Luis Oreiro: O mito do sucesso econômico chileno
A figura acima foi extraída do livro “Rethinking Economic Development, Growth and Institutions” publicado por meu colega mexiacano Jaime Ros. Essa figura mostra a renda per-capita de cada país relativamente a dos Estados Unidos em duas datas distintas: 1950 e 2008. Dessa forma, ela nos mostra quais países estão em processo de catching-up com os Estados Unidos e quais países ficaram relativamente estagnados ou ainda focaram para trás (falling behind) no processo de desenvolvimento econômico.
De cara podemos ver que a Argentina foi um caso claro de “falling behind” pois sua renda per-capita se situava em torno de 40% da renda per-capita americana em 1950, mas se reduziu para pouco mais de 20% da RPC norte-americana em 2008. Outro caso de “falling behind” foi a Nova Zelândia cuja RPC era superior a 80% da RPC dos Estados Unidos em 1950, mas se reduziu para pouco mais de 60% da RPC norte-americana em 2008. O que há de comum entre os dois países? O fato de que ambos são exportadores de commodities ….
A Espanha, por seu turno, foi um caso de sucesso. Partindo de um valor próximo a 30% da RPC em 1950, a Espanha conseguiu reduzir o hiato de renda per-capita de forma significativa durante essa período, alcançando cerca de 65% da RPC dos Estados Unidos em 2008. Trata-se claramente de um país em processo de catching-up.
Olhemos agora o caso do Chile. Os economistas liberais brasileiros não se cansam de cantar em prosa e verso as vantagens do modelo Chileno relativamente ao modelo “nacional-desenvolvimentista” adotado no Brasil. A propaganda (enganosa) é tão forte que eu mesmo, antes de viajar recentemente para o Chile, realmente achava que iria encontrar uma Espanha latino-americana: uma país desenvolvido na América Latina. Bem, não foi exatamente o que eu vi no Chile ou, pelo menos, na capital, Santiago. Vi uma cidade com favelas, com camelôs, com táxis e ônibus velhos e com estradas em péssimo estado de conservação (ao menos no caminho entre Santiago e a Concha Y Toro). O contraste entre o que era alardeado pela propaganda liberal e o que eu estava vendo com meus próprios olhos me despertou a curiosidade sobre a trajetória de crescimento da economia chilena, o que acabou me levando a figura acima ….
Como podemos observar em 1950 a RPC do Chile se situava em torno de 22% a 23% da RPC norte americana. Na mesma data a RPC do Brasil era menor do que 20% da RPC dos Estados Unidos, algo como 17 ou 18% da mesma; de forma que a RPC Chilena nessa época já era superior a RPC brasileira. Em 2008 a RPC Chilena havia crescido para um patamar em torno de 30% da RPC dos Estados Unidos ao passo que a RPC brasileira cresceu para algo como 22 ou 23% da RPC norte-americana. Daqui se segue que em termos relativos, ambos os países avançaram praticamente a mesma velocidade, talvez com uma pequena vantagem a favor do Chile. Sendo assim, o modelo Chileno de desenvolvimento econômico não se mostrou significativamente superior ao Brasileiro, e ambos os países apresentaram uma performance bastante inferior a da Espanha, cuja RPC em 1950 era maior, mas não muito maior, do que a RPC Chilena.
Como disse meu colega José Gabriel Porcille, economista uruguaio que trabalha na CEPAL em Santiago do Chile: “O Chile está sobrevendido”.
Míriam Leitão: No chão
Economia melhora, mas apoio ao governo diminui. É até inacreditável que um governante chegue ao ponto em que o presidente Michel Temer chegou. Apenas 3% de brasileiros acham que seu governo é bom ou ótimo. É um número tão ínfimo e, como a margem de erro é de dois pontos, pode-se dizer sem medo de errar que ninguém o apoia a esta altura. Mesmo assim, as notícias econômicas têm melhorado, o que mostra que o país sabe por que o rejeita.
A melhora da economia reduz o desconforto econômico. A inflação está bem baixa, alguns alimentos tiveram queda de preço, houve queda dos juros, está havendo uma redução no endividamento das famílias, e até os números do desemprego mostram uma pequena melhora nos últimos tempos. O governo Temer tomou medidas acertadas que produziram efeitos concretos na vida das pessoas, como a liberação de R$ 40 bilhões em contas inativas no FGTS e agora outros R$ 15,9 bilhões do PIS/Pasep. Mesmo assim, enquanto a liberação do FGTS fazia diferença na vida de milhões de famílias, aumentou de 70% para 77% os que consideram que o governo é ruim ou péssimo.
As quedas da taxa de aprovação sempre aconteceram no passado nas pioras do quadro econômico, principalmente as súbitas. A recessão começou no final de 2014, mas com toda a campanha publicitária da eleição, o governo Dilma terminou aquele ano com 40% de ótimo e bom e três meses depois estava com apenas 12%. Caiu mais um pouco e chegou a 9% no final de 2015 quando começou a tramitar o impeachment. Uma das razões foi o aumento súbito da inflação. Isso, somado à recessão, derrubou o apoio ao seu governo. Neste ambiente, criaram-se as condições para o afastamento da presidente.
Sempre que há uma piora do quadro econômico, principalmente quando há alta súbita de inflação, a popularidade do governante cai. Foi assim também com o presidente Fernando Henrique em janeiro de 1999.
Com Temer, a situação econômica até melhorou. A inflação que estava perto de 10% está abaixo de 3%. A recessão foi atenuada nos últimos trimestres. Mesmo assim, sua popularidade permanece em queda e chegou a um ponto inimaginável para qualquer governante. Quem pode presidir um país com apenas 3% de aprovação, que pode ser 1%, com a margem de erro? Esse patamar é inédito no Brasil, mas provavelmente deve ser um recorde no mundo.
Nesse quadro de absoluta rejeição, o presidente Temer empreende sua luta para se manter no poder. A população não se deixa levar pela tal agenda positiva. Mesmo quando a notícia é boa, como a da liberação de dinheiro que fica fora do alcance do seu dono, como o do FGTS e o do PIS/Pasep, a população a vê como deve ser vista: uma boa notícia que não altera a avaliação que se faça do governo ou do governante.
O governo entrou de novo em modo de denúncia, quando passa a tramitar pela segunda vez na Câmara um pedido para processar o presidente. Em ambiente assim, a administração piora um pouco mais. E saem coisas como o que saiu ontem no Diário Oficial, em que 70 funcionários do antigo território de Rondônia foram transformados em servidores da União. Essa transposição de funcionários bate de frente com tudo o que se falou até agora de atrasar reajustes salariais de funcionários ou fazer um ajuste na folha de servidores. Só toma uma decisão contraditória assim um governo que, sem qualquer apoio na população, briga para permanecer no poder.
As notícias mais lembradas pelos entrevistados da pesquisa CNI/Ibope foram, pela ordem: “notícia sobre corrupção”, “Lava-Jato", e a terceira é o dinheiro do ex-ministro Geddel encontrado no apartamento do seu amigo. Ou seja, grande parte da rejeição vem da corrupção.
Como um governo assim, mal avaliado, ligado às notícias de corrupção, com um percentual mínimo de pessoas que o qualificam como “bom ou ótimo” pode se manter? A única explicação é a da corrente formada pelos políticos que se sentem diante da mesma ameaça que paira sobre o governo: as denúncias do Ministério Público. Mesmo assim, eles cobram caro pelo apoio que dão. E isso continuará ocorrendo nos próximos dias na relação entre o governo e a Câmara dos Deputados. Eles tirarão das gavetas os pedidos encalhados porque consideram que agora o governo vai atendê-los em troca do voto na Câmara.
José Luis Oreiro: O mito de que a estrutura produtiva não importa
Os economistas liberais brasileiros tem divulgado na grande imprensa a tese de que a estrutura produtiva do país não importa para o desenvolvimento econômico, ou seja, segundo esses economistas o que um país produz (bananas ou reatores nucleares) não tem guarda nenhuma relação com o seu nível de renda per-capita, a proxi mais aceita para o nível de desenvolvimento econômico de um determinado país. Curiosamente os economistas liberais não apresentam evidências empíricas robustas para suportar sua tese, mas valem-se de contra-exemplos para suportar a mesma.
Via de regra a Austrália (e em menor medida o Canadá) são citados como exemplos de países cuja estrutura produtiva é pouco diversificada ou complexa (na qual o peso da indústria de transformação no PIB é relativamente baixo e onde as exportações são constituídas fundamentalmente por commodities) mas que possuem um nível de renda per-capita elevado, o que os coloca no grupo de países desenvolvidos.
Mas será que a estrutura produtiva não importa mesmo para o desenvolvimento econômico? Uma forma de avaliar a estrutura produtiva de um país é por intermédio do índice de complexidade econômica calculado pelo Observatório de Complexidade Econômica (http://atlas.media.mit.edu/en/rankings/country/eci/).
A partir dessa base de dados é possível classificar os países com base na sua complexidade econômica e correlacionar essa variável com o seu nível de renda per-capita, como pode ser observado na figura abaixo
A figura acima, elabora por García Diaz e extraída do blog de meu colega Paulo Gala, mostra a existência de uma clara correlação positiva entre o nível de renda per-capita e a complexidade econômica dos países.
Mais especificamente, a figura mostra que países com níveis mais elevados de renda per-capita encontram-se no percentil mais elevado do nível de complexidade econômica.
A Australia é, de fato, um outlier, no sentido de que ela possui um nível de renda per-capita muito superior ao que seria de se esperar unicamente com base no seu nível de complexidade econômica.
O Brasil, por outro lado, está situado praticamente sobre a linha de correlação, ou seja, possui um nível de renda per-capita compatível com o seu nível de complexidade econômica.
A análise da figura acima, contudo, deixa bem claro que a maior parte dos países que possuem um elevado nível de renda per-capita são também países cuja estrutura produtiva possui um elevado nível de complexidade.
Sendo assim, não me parece correto fazer afirmações peremptórias como “a estrutura produtiva não importa” com base na análise de outliers como a Austrália. A evidência empírica parece apontar que, como caso geral, o desenvolvimento econômico está associado a um aumento da complexidade e da sofisticação da estrutura produtiva. Sendo assim, o Brasil dificilmente se tornará um país rico exportando commodities como minério de ferro, soja ou …. bananas.
Samuel Pessôa: Juro baixo à frente
O Banco Central (BC) divulgou na quinta-feira da semana que passou o Relatório Trimestral de Inflação, o famoso RTI. Nesse documento, o BC divulga suas principais projeções e sua análise do cenário macroeconômico doméstico e internacional, que pautam as ações do órgão regulador do sistema financeiro e tutor da estabilidade monetária.
O item mais aguardado do RTI são as simulações que o BC apresenta, considerando diversos cenários, para a inflação futura.
Nessa edição do RTI o Banco Central inovou, aumentando muito a transparência do relatório. Corajosamente, o BC divulgou suas projeções para um horizonte muito mais longo do que habitualmente fazia. Em vez dos nove trimestres habituais, o horizonte de projeção foi alongado para 14 trimestres.
Para o cenário de mercado -que é aquele que considera taxas de câmbio e taxa Selic segundo as previsões da pesquisa Focus (levantamento conduzido semanalmente pelo BC com analistas de mercado)-, o relatório indica que a inflação (sempre acumulada em 12 meses) estará em 3,6% no terceiro trimestre do ano que vem e, em seguida, estabilizar-se-á em torno de 4% até o fim de 2020.
Dado que a pesquisa Focus indica Selic para o biênio 2019-2020 em 8%, os modelos do Banco Central já trabalham com juro neutro -aquele que nem eleva nem reduz a inflação- na casa de 4% ao ano. É um enorme avanço para o país, visto que até alguns anos atrás as estimativas sinalizavam valores mais próximos de 6% ao ano.
Há nessa queda do juro neutro uma melhora real e duas promessas.
A melhora real é a forte queda das taxas de juros internacionais.
Esse é um fenômeno que ocorre desde o fim dos anos 80, pelo menos, e que em seguida à crise das hipotecas americanas de baixa qualidade, de setembro de 2008, acelerou-se. A economia brasileira
-aberta e necessitada de capitais internacionais para fechar sua carência doméstica de poupança- se beneficia do excesso de poupança vigente no mundo.
A primeira promessa é a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) que estabeleceu um teto ao crescimento do gasto público. Essa mudança de regime fiscal alterará completamente o impacto do setor público sobre a demanda agregada da economia.
Após duas décadas e meia em que sistematicamente o setor público adicionava pressão sobre a demanda agregada e, portanto, pressionava a formação dos juros, teremos uma alteração de rota.
A segunda promessa é a aprovação da lei que transferiu ao Congresso Nacional o poder de conceder subsídios ao investimento nas operações do BNDES.
A nova taxa de juros criada pela lei 13.483, de 21 de setembro de 2017, é um grande passo para convergirmos para um regime de juros reais de equilíbrio mais baixos. É um primeiro grande passo para mudar totalmente o regime de nossa política parafiscal.
A reforma da Previdência e, provavelmente, algumas medidas para a elevação da receita completarão o ajuste fiscal necessário para que nós consigamos perenizar as boas projeções do RTI e -por que não?- consigamos criar as condições para juros ainda menores. Este será o principal desafio do presidente que for eleito em 2018.
Os juros não são altos porque os banqueiros conspiram. Juros baixos resultam de anos de política econômica sólida e fiscalmente responsável. Oxalá a sociedade escolha esse caminho no processo eleitoral do ano que vem.
* Samuel Pessôa é economista.
Míriam Leitão: Otimismo pontual
Pela primeira vez desde o início da era do real, o Brasil pode ter alguns anos seguidos de inflação baixa e juros em níveis que quebram o recorde. Isso está na base do otimismo que cerca a conjuntura brasileira, apesar das ameaças econômicas e políticas. Na semana passada, alguns bancos e consultorias refizeram os cálculos das projeções de crescimento para este ano e o próximo.
O mercado oscila em fases de otimismo e pessimismo. Não por ciclotimia, mas por interesse. Os ganhos se realizam muito mais nas mudanças de humor do que nas fases de alta. Mas desta vez os economistas apontam os fatos que não são comuns na vida brasileira. Normalmente, a inflação caía para logo em seguida subir. Com os juros, acontecia o mesmo sobe e desce. Agora muitos calculam que há uma grande chance de se quebrar esse paradigma.
A inflação caiu de forma impressionante e puxada pelos alimentos. Houve uma reversão de mais de 16 pontos na inflação de alimentos quando se compara o ano passado, em agosto, com o agosto deste ano, em que o Brasil está com deflação em alimentos. A queda não foi causada pela recessão, mas sim por uma extraordinária oferta neste ano em que o país está tendo a vantagem de um crescimento de 13% no PIB agrícola e abundância de safra.
Em setembro, a prévia ficou abaixo do que se esperava, em 0,11%, e o IPCA cheio pode ser próximo de zero, apesar da alta da gasolina. Tudo isso empurra o Banco Central para a política estimulativa, ou seja, os juros terão que cair mais e buscar patamar abaixo de 7%, apesar de o Relatório de Inflação ter falado em “redução moderada da magnitude da flexibilização monetária”, o que quer dizer que, em vez de reduzir em um ponto percentual a taxa, o corte deve ser de 0,75% na próxima reunião. O BC falou também que o Copom “antevê encerramento gradual do ciclo”. Ele vai gradualmente parar de reduzir as taxas.
De qualquer maneira, já se aproxima da menor taxa da era do real. A última vez que se chegou em 7,25%, em 2012, foi da maneira errada e no momento impróprio. A ex-presidente Dilma exigiu a queda dos juros, o BC aceitou a intervenção, apesar de a inflação estar subindo. Ficou pouco tempo nesse patamar. Agora a avaliação dos economistas é que a inflação pode permanecer em torno de 4% nos próximos dois anos pelo menos, depois de um índice que corre o risco de ficar abaixo do piso da meta. Isso permitirá a taxa de juros mais baixa, o que ajuda no ponto mais nevrálgico dos indicadores fiscais: a dívida pública.
A agricultura começou esse círculo virtuoso, depois de o Brasil ter vivido ao fim do governo Dilma o maior surto inflacionário desde a eleição de Lula. Naquela época, em 2003, era o temor do desconhecido pela chegada do PT ao poder e foi enfrentado com sucesso pelo então ministro Antonio Palocci. O retorno da confiança derrubou o dólar, que permitiu a queda da inflação. O surto inflacionário de Dilma foi provocado pela manipulação dos preços que precisaram ser corrigidos. As decisões acertadas do Ministério da Fazenda e do Banco Central no governo Temer e a safra recorde viraram o jogo e derrubaram a taxa de inflação para níveis recordes. Isso permitiu o aumento do rendimento real e da renda disponível dos trabalhadores, mesmo numa conjuntura de alto desemprego. E o ciclo bom começou.
A agricultura não repetirá no ano que vem o desempenho deste ano, mas deve crescer 4% na previsão da MB Associados, que tem tradicionalmente excelente acompanhamento do setor agrícola. Não haverá o fenômeno de 2017, mas continuará numa onda boa.
Outra área que alimenta o otimismo é a externa. O país está com um déficit mínimo na conta-corrente e com uma balança comercial que na terceira semana de setembro havia acumulado no ano US$ 51 bilhões. O capital estrangeiro reduziu sua aposta na dívida brasileira. Era detentor de 23% dos títulos públicos e agora está com 13%. Mesmo assim, o real se valorizou.
Por tudo isso os economistas fazem previsões otimistas, mas sabem que a disputa eleitoral de 2018 é a mais imprevisível desde 1989. Não se tem a mais remota ideia de que projeto econômico vencer.
Míriam Leitão: O mais provável é que STF encaminhe à Câmara a denúncia contra Temer
A sessão de hoje do STF é uma das mais imprevisíveis e é nela que a nova procuradora-geral vai fazer sua estreia no cargo. A segunda denúncia contra o presidente Temer está na primeira parada, mas há uma grande dúvida sobre o que acontece em seguida. Ministros do STF admitem que na sessão tudo pode acontecer, mas que o mais provável é que ela seja encaminhada à Câmara.
A Procuradoria-Geral da República já fez a sustentação oral em defesa da tese da validade das provas mesmo em caso de rescisão do acordo de delação. Quem falou na ocasião foi o procurador Nicolau Dino. Por isso, Raquel Dodge pode falar sobre os outros itens da pauta, mas não fazer nova defesa do ponto de vista da PGR, porque passou o momento processual.
A convicção de dois ministros do STF com os quais conversei é que a denúncia tem que ser enviada imediatamente à Câmara porque, se o Supremo fizer qualquer movimento para analisar a validade das provas, já está se adiantando à investigação e, portanto, desrespeitando o preceito constitucional de que o presidente só pode ser investigado com a permissão da Câmara.
E lá o que acontece, quando chegar? O deputado Rogério Rosso (PSD-DF) faz um paralelo com a temporada de furacões:
— Se a primeira denúncia foi um furacão nível 5, a atual é tempestade de nível 1,5.
A convicção no governo é que a atual é menos preocupante do que a primeira, mas que também vai interromper a tramitação de assuntos que estavam na pauta para serem votados.
— Em 17 de maio estávamos a duas semanas de votar a reforma da Previdência. Depois daquele dia, tudo o que conseguimos com muita dificuldade foi votar a reforma trabalhista. A tramitação da denúncia interrompe o ritmo das votações inevitavelmente — diz o ministro Antonio Imbassahy.
A reforma política será resumida à proibição pelo STF das coligações, a reforma da Previdência não tem a menor chance de ser aprovada agora. A arrecadação melhorou em agosto, mas como a queda de julho foi grande demais, essa elevação não reduz muito a frustração de receita no ano, tornando difícil o cumprimento da meta, mesmo depois da sua ampliação. Neste contexto, o governo tem pouca moeda de troca para usar no esforço de vencer a segunda denúncia. Ainda assim, há riscos de novas concessões como a que está sendo feita aos ruralistas na dívida tributária que eles têm em relação ao Funrural. Quanto mais ameaçado o presidente Temer estiver, mais ele fará concessões, mesmo as que impliquem em aumento do gasto ou da renúncia fiscal.
A oposição ainda acha possível vencer o presidente Michel Temer na Câmara, mas diz que para isso o pivô central teria que ser o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Se ele fizesse algum movimento para aglutinar apoios, o presidente cairia, na visão de dois senadores da oposição. Mas o deputado Rodrigo Maia não tem participado de qualquer movimento para se colocar como opção para a Presidência.
Ontem, o presidente Temer teve um dia para falar como estadista, através do discurso na ONU, com o qual, tradicionalmente, o Brasil abre a sessão anual da Assembleia-Geral. Aproveitou para fugir de toda a realidade. Negá-la. Nenhuma palavra sobre o que nos consome os dias no Brasil, a luta contra a corrupção, na qual ele é um dos alvos. E na questão ambiental, deu uma fakenews: a de que está combatendo o desmatamento.
Temer não tem do que se vangloriar na área ambiental. Pelo contrário. Se o dado da queda do desmatamento se confirmar, quando for divulgado o número do Prodes, do INPE, será mais um ponto fora da curva do que a reversão da tendência iniciada no governo Dilma, que já elevou em 27% o desmatamento. Temer tem usado suas sucessivas concessões ao lobby contra o meio ambiente como parte do negócio de permanecer no poder. E esses sinais vão todos na direção de estimular a grilagem e o desmatamento.
Qualquer daqueles costumeiros tumultos no Supremo hoje será bom para Temer. Quanto mais tempo a denúncia demorar a chegar à Câmara, melhor para ele. O atraso o favorece, mas em algum momento ele terá que travar nova batalha na Câmara. Mesmo se vencer na segunda votação, continuará sendo um presidente fraco, refém dos grupos de interesse no Congresso.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)